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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.26 no.3 Goiânia set./dez. 2020

https://doi.org/10.18065/2020v26n3.2 

RELATOS DE PESQUISA

 

Mães adolescentes com bebês em UTI neonatal: reflexões fenomenológicas sobre a vida e a morte

 

Adolescent mothers with babies in neonatal ICU: phenomenological reflections on life and death

 

Madres adolescentes con bebés en UCI neonatal: reflexiones fenomenológicas sobre la vida y la muerte

 

 

Janine Conceição Araújo SilvaI; Symone Fernandes de MeloII

IMaternidade Escola Januário Cicco, Programa de Residência em Terapia Intensiva Neonatal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: janinearaujo02@gmail.com
IIDepartamento de Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Email: symelo@gmail.com

 

 


RESUMO

A maternidade na adolescência, tema relevante para a realidade dos serviços de saúde no Brasil, acarreta importante impacto na vida das jovens mães. Pesquisas apontam que filhos de mães adolescentes são um público em potencial para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal, cenário de fortes emoções, onde mães enfrentam o adoecimento e possibilidade de morte de seus filhos. A presente pesquisa objetiva compreender a experiência da maternidade para adolescentes mães de bebês internados em UTI neonatal, a partir da Fenomenologia Hermenêutica heideggeriana. As participantes da pesquisa foram cinco adolescentes com idades entre 15 e 19 anos. A construção dos dados partiu de uma questão disparadora: Como é para você ser adolescente e mãe de um bebê internado em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal? A análise foi realizada com base na fenomenologia hermenêutica heideggeriana. As narrativas das adolescentes lançam luz sobre algumas facetas do fenômeno em estudo: o lugar das relações familiares; as rupturas e mudanças advindas da maternidade; o temor suscitado pelo ambiente da UTI neonatal; o tornar-se mãe a partir do cuidado ao filho; a presença da religião como recurso de enfrentamento do incontornável e da incerteza e o temor de lidar com a possibilidade da morte do filho.

Palavras-chave: Adolescência; Maternidade; UTI Neonatal; Fenomenologia.


ABSTRACT

Adolescent motherhood is a relevant subject for the reality of health services in Brazil, considering that this phenomenon has an important impact on adolescents' lives. Children of adolescent mothers may be a potential audience for the Neonatal Intensive Care Units, a setting of strong emotions, where mothers are facing the illness and death of their babies. This study aims to understand the experience of motherhood for adolescent mothers of infants hospitalized in Neonatal ICU, from the heideggerian Hermeneutic Phenomenology. The sample is composed of five adolescents aged 15 to 19. The construction of the data came from a triggering question: How is it for you to be a teenager and the mother of a baby hospitalized in the Neonatal Intensive Care Unit? The analysis was based on the heideggerian hermeneutic phenomenology. The narratives of adolescents shed light on some facets of the phenomenon under study: the place of family relationships; the ruptures and changes arising from motherhood; the fear raised by the neonatal ICU environment; becoming a mother by the child care; the presence of religion as a defense and the fear of dealing with the finitude of the baby.

Keywords: Adolescence; Motherhood; Neonatal ICU; Phenomenology.


RESUMEN

La maternidad en la adolescencia constituye un tema relevante para la realidad de los servicios de salud en Brasil, considerando que dicho fenómeno lleva a un importante impacto en la vida de las adolescentes. Hijos de madres adolescentes pueden ser un público potencial para las Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal, escenario de fuertes emociones, donde madres enfrentan la enfermedad y la posibilidad de muerte de sus bebés. La presente investigación tiene como objetivo comprender la experiencia de la maternidad para adolescentes madres de bebés internados en la UCI Neonatal, desde la Fenomenología Hermenéutica heideggeriana. La investigación es compuesta por cinco adolescentes con edades entre 15 y 19 años. La construcción de los datos partió de una cuestión disparadora: Cómo es para usted ser adolescente y madre de un bebé internado en Unidad de Terapia Intensiva Neonatal? Las narrativas de las adolescentes arrojan luz sobre algunas facetas del fenómeno en estudio: el lugar de las relaciones familiares; las roturas y cambios derivados de la maternidad; el temor suscitado por el ambiente de la UCI neonatal; el convertirse en madre a partir del cuidado al hijo; la presencia de la religión como recurso de enfrentamiento de lo ineludible y de la incertidumbre y temor para enfrentarse con la finitud del bebé.

Palabras clave: Adolescencia; Maternidad; UCI Neonatal; Fenomenología.


 

 

Introdução

O interesse por esta pesquisa surgiu a partir da experiência em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, onde foi observada uma demanda expressiva de mães adolescentes com filhos em internação. Tendo em vista as peculiaridades de sua condição, mães adolescentes de bebês internados em UTI neonatal são um público que merece atenção especializada, uma vez que as jovens mães atravessam momentos difíceis, vivenciando a possibilidade de morte do filho em uma etapa precoce de sua existência. Evidencia-se, portanto, a importância de possibilitar um atendimento voltado a este público, sendo importante considerar a perspectiva das jovens acerca de suas vivências, sentimentos, expectativas e projetos. No caso das mães adolescentes com filhos internados em UTI neonatal, faz-se necessário compreender o ser-mãe adolescente no contexto do adoecimento precoce de seus filhos, diante da possibilidade de vida e morte.

A maternidade na adolescência é um fenômeno encontrado em diversas regiões e países, entre diferentes grupos etários e de renda, sendo, porém, consenso que as meninas pobres, de baixa escolaridade ou analfabetas, têm maior probabilidade de engravidar se comparadas a jovens de grupos com diferentes condições socioeconômicas e educacionais. Quanto ao planejamento da gravidez, estudos sinalizam que a ocorrência da gestação não planejada é frequente para este público (Binstock et al. 2016; Santrock, 2014). Entretanto, a maternidade pode representar, ainda, uma escolha das adolescentes, como possibilidade de adquirir autonomia, autoridade e reconhecimento social (Maia, 2007).

De acordo com Binstock et al (2016), a gravidez na adolescência, e consequente a maternidade, evidenciam também a falta de acesso aos bens e serviços de saúde que garantam o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos. De acordo com a Organização Pan Americana da Saúde (OPAS) (2016), a gravidez na adolescência tem efeito profundo na trajetória de vida das adolescentes, sendo associada a resultados deficientes em saúde, tanto para ela como para seus filhos, além de repercutir negativamente em oportunidades educacionais e de trabalho, contribuindo para perpetuar ciclos intergeracionais de pobreza.

A literatura revela que mães adolescentes têm maiores chances de ter parto prematuro e bebês com baixo peso ao nascer, bem como problemas neurológicos, doenças infantis e morte perinatal (Khashan et al. 2010; Santrock, 2014; Smith & Pell, 2001; Williamson, 2013). De acordo com dados da Organização Mundial de Saúde, o número de natimortos e óbitos de recém-nascidos é 50% maior entre os filhos de mães adolescentes, sendo que cerca de 1 milhão de crianças nascidas de mães adolescentes não completam 1 ano de idade (Williamson, 2013).

Nesse contexto, tendo em vista os riscos apontados, filhos de mães adolescentes podem ser um público em potencial para as Unidades de Terapia Intensiva Neonatal, cenário desta pesquisa. De acordo com a Portaria Nº 930 do Ministério da Saúde, a UTI neonatal é um serviço de internação responsável pelo cuidado integral ao recém-nascido grave ou potencialmente grave, dotado de condições técnicas adequadas à prestação de assistência especializada, incluindo instalações físicas, equipamentos e recursos humanos (Brasil, 2012).

A UTI neonatal é um cenário de fortes emoções, conflitos e sentimentos e, para os pais, principalmente, pode parecer um ambiente hostil (Brasil, 2011). Isto porque, para a maioria destes, é um ambiente estranho, dominado pela alta tecnologia e linguagem técnica dos profissionais. Assim, os pais em ambiente de UTI neonatal podem experimentar medo, ansiedade, insegurança, sentimento de culpa, bem como enfrentam a possibilidade de morte de seus bebês, temor por vezes despertado pela morte de outros bebês, e correlacionado, por alguns pais, com o ambiente frio da UTI neonatal (Molina et al. 2009).

Neste contexto, faz-se necessário lançar um olhar cuidadoso para a experiência de mães adolescentes no ambiente da UTI neonatal, uma vez que, por si só, a maternidade na adolescência configura um momento de significativa vulnerabilidade, como afirma Maia (2007). Somado a esta condição, observamos que o adoecimento e hospitalização do filho em UTI neonatal representa mais um desafio a ser enfrentado pelas jovens mães adolescentes. Considerando os aspectos levantados, observamos que a experiência das mães adolescentes com filhos internados em UTI neonatal é complexa e singular. Trata-se, pois, da vivência da possibilidade da morte, no período em que geram a vida, isto somado às peculiaridades da adolescência.

Tendo em vista os aspectos apresentados, o presente estudo tem como objetivo geral compreender a experiência da maternidade para adolescentes mães de bebês internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, com base na Fenomenologia Hermenêutica heideggeriana.

 

Metodologia

Para compreender a experiência da maternidade para adolescentes mães de bebês internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal, utilizaremos o método fenomenológico. A escolha desta perspectiva justifica-se pela abertura da possibilidade de aproximação com os sentidos atribuídos pelas adolescentes à experiência de ser mãe no contexto da UTI neonatal. O campo da fenomenologia é vasto e diverso, mas o enfocaremos a partir das ideias de Martin Heidegger (1889-1976), fenomenólogo, cujos principais construtos estão em sua obra "Ser e Tempo" (1927).

Essa perspectiva, como forma de compreensão do ser humano, nos permite desvelar fenômenos, para além de identificar relações de causa-efeito ou propor generalizações. Desse modo, valoriza a compreensão dos fenômenos vivenciados, manifestados pela experiência singular de cada pessoa (Moreira & Dutra, 2017).

O termo fenomenologia em suas raízes gregas, origina-se da palavra phainomenon: o manifesto, revelado, o que se mostra tal qual como é; e do sufixo logia, que vem de logo: o tornar manifesto aquilo sobre o que se está falando (Bruns & Trindade, 2003). Nas palavras de Heidegger (1927/2005), "o que se revela, o que se mostra em si mesmo" (p. 58). A fenomenologia, portanto, se sustenta em um pensamento filosófico que busca o fenômeno, possibilitando uma aproximação do que se pretende investigar, a partir do seu desvelamento por aquele que o vivencia, para que se possa compreendê-lo e interpretá-lo. Nesse caminhar, a Hermenêutica produz a interpretação de tais fenômenos, remetendo ao sentido das palavras. O filósofo propõe, pois, uma hermenêutica da existência fática do homem (Zuben, 2011).

A partir da afirmação inicial de que o ente é tudo que existe no mundo, Heidegger (1927/2005) considera o ser aquilo que faz o ente ser o ele que é. O homem, portanto, é o único ente que interroga sobre si, vivencia o novo e a transformação, é temporal e histórico, e apresenta a possibilidade de abertura para o existir (Bruns & Trindade, 2003).

Em sua obra "Ser e Tempo", Heidegger (1927/2005) apresenta-nos um caminho novo para a compreensão do ser humano (Dasein), a partir de uma analítica da existência. A analítica existencial, entende Heidegger, deve partir da explicitação das estruturas ontológicas - os "existenciais" - do ser do homem (Zuben, 2011). Os existenciais discutidos pelo filósofo em sua ontologia fundamental, como cuidado, disposições afetivas, habitar, temporalidade, dentre outros, serão explicitados na discussão dos dados, a partir do que emerge nas narrativas.

Esta pesquisa foi realizada com a participação de cinco mães adolescentes de bebês internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal de uma maternidade escola localizada em Natal/RN. Utilizaremos a faixa etária de adolescência determinada pela Organização Mundial da Saúde, referente ao período de dez anos a dezenove anos. É pertinente destacar que as participantes foram escolhidas a partir de certas características que as habilitam a fazer parte da pesquisa, com base nos objetivos do estudo, sendo estas: ter entre dez e dezenove anos de idade; ser primigesta; nascimento e internação do recém-nascido em UTI neonatal e que já tenha realizado a primeira visita à UTI neonatal.

Justifica-se, ainda, o número de participantes a partir do tipo de pesquisa que será realizado neste estudo. De acordo com Feijoo (2018), para a fenomenologia basta ver um homem para que se possa compreender a dinâmica existencial dos homens em um determinado horizonte histórico, uma vez que não se pretende alcançar leis gerais sobre as coisas e sim sua essencialidade.

Seguindo o percurso metodológico exposto acima, foram realizadas 5 entrevistas, a partir da seguinte questão norteadora aberta: Como é para você ser adolescente e mãe de um bebê internado em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal? A partir de tal questão, buscamos possibilitar aos sujeitos de pesquisa uma abertura para que pudessem narrar suas vivências frente ao fenômeno pesquisado, contemplando a experiência das jovens no que se refere ao ser mãe adolescente; adoecimento do filho; relações com companheiro e/ou pai do bebê; relações familiares e projetos de vida para o futuro. Para tal, outras questões foram dirigidas às adolescentes, suscitadas a partir de suas narrativas.

As entrevistas foram previamente agendadas, realizadas na referida instituição, em local apropriado, mediante autorização do responsável legal das adolescentes, por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e concordância das participantes a partir da assinatura do Termo de Assentimento, conforme Resolução Nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, bem como autorização da instituição, por meio de Carta de Anuência. As entrevistas foram gravadas e transcritas para fins de análise. A partir da narrativa, as jovens participantes relataram sobre sua experiência, desvelando o fenômeno a ser estudado.

Para proceder à análise fenomenológica dos relatos das adolescentes mães de bebês internados em UTI neonatal, inspiramo-nos no método proposto por Feijoo e Mattar (2014, p. 441). Tais pesquisadoras consideram que a investigação fenomenológica deve ser realizada a partir de três elementos: a redução fenomenológica, a fim de acessar o fenômeno em sua forma originária; a descrição dos vetores internos ao fenômeno, a partir das experiências tais como relatadas pelas participantes e apreendidas pelo pesquisador; e a explicitação das experiências.

A referida pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Hospital Universitário Onofre Lopes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte HUOL/ UFRN, CAAE Nº 87598318.1.0000.5292.

Redução Fenomenológica

A redução fenomenológica compreende a etapa inicial do estudo fenomenológico e consiste na suspensão de crenças acerca do fenômeno a ser estudado, para que se possa alcançar o fenômeno tal como ele se apresenta em sua forma originária. Assim, o pesquisador precisa assumir uma atitude de não julgamento, moralização e determinações; para tanto, é preciso refletir e problematizar sobre o que está posto a respeito do fenômeno. De acordo com Feijoo (2018, p. 176), "uma vez tendo conquistado uma atitude serena perante aquilo que predomina como verdade em nosso tempo, podemos nos abrir para o fenômeno sem nenhum preconceito".

No que diz respeito ao fenômeno estudado, sobre a experiência de ser adolescente e mãe, temos algumas concepções socialmente estabelecidas, assim como dados apresentados pela literatura científica, que giram em torno da ideia de gestação não planejada e indesejada; adolescentes que não assumem os cuidados com o filho, ou, ainda, que adolescentes não têm responsabilidade para assumir os cuidados com um bebê internado em UTI Neonatal; a gravidez como causa de conflitos familiares, entre outros. Em meio a tantas determinações, para que seja possível ter abertura para aproximação do fenômeno em estudo, é preciso suspender essas e outras concepções prévias sobre o que está posto a respeito dos fatos, para então acessar o fenômeno tal como apresentado pelo sujeito.

Descrição dos vetores internos ao fenômeno e explicitação das experiências.

Feijoo (2018, p.3) destaca que, no momento da descrição dos vetores internos ao fenômeno, aquele que investiga acompanha o fenômeno em sua mobilidade estrutural, por meio daquele que traz a sua experiência. Portanto, para procedermos à descrição dos vetores internos ao fenômeno, em um primeiro momento, foi realizada a leitura de cada entrevista transcrita, sendo observados e descritos os temas que emergiram a partir do relato das participantes e nos permitiram acompanhar o fenômeno estudado.

Em seguida, realizamos a terceira etapa proposta, a explicitação da experiência, que diz respeito às descrições das experiências dos indivíduos, tais como apreendidas pelo investigador, para alcançar sua essência (Feijoo & Mattar, 2014). Para tanto, os temas emergentes foram transformados em unidades de sentido, temas contidos nas descrições e desvelados a partir da fenomenologia hermenêutica de Martin Heidegger, que nos proporciona uma aproximação do fenômeno, tal como ele se mostra a partir dos relatos.

 

Resultados

Apresentação das adolescentes

As participantes serão identificadas por nomes fictícios e serão apresentadas a seguir.

Emília, 15 anos, mora com a mãe, padrasto e avó materna. Seus pais são separados, mas ela consegue manter contato com o pai, que mora em outra cidade. Solteira, o pai do seu bebê é o namorado, com quem se relaciona há 1 ano e meio. Conta que a gestação não foi desejada e que só descobriu por volta da 29ª semana. Logo após a descoberta, apresentou quadro de hipertensão arterial, que culminou no parto prematuro. Emília mora em uma cidade no interior do estado e está no 1ª ano do ensino médio.

Gabriela, 16 anos, mora com a mãe e o padrasto. Engravidou do namorado, com quem se relaciona há 2 anos. Conta que a gestação não foi planejada. Iniciou trabalho de parto prematuro e o bebê nasceu com idade gestacional de 27 semanas. Está no 2ª ano do ensino médio e reside em cidade no interior do estado.

Katarina, 17 anos, mora com a mãe e dois irmãos. O pai faleceu quando ainda era criança. O pai do bebê é seu namorado, que atualmente está preso. Não planejou a gestação. Com um quadro de infecção urinária, iniciou trabalho de parto prematuro que culminou no nascimento do bebê com idade gestacional de 28 semanas. Está no 8ª ano do ensino fundamental e mora na região metropolitana da capital do estado.

Marta, 18 anos, até pouco depois da descoberta da gestação morava com o companheiro no interior do estado, com quem vivia em união estável. Durante a gestação, rompeu o relacionamento, e após o término, voltou a morar na casa da mãe, junto dos irmãos e padrasto, até a data do parto. Seus pais são separados, mas ela mantém contato com o pai. Entrou em trabalho de parto prematuro após um quadro de infecção urinária e seu filho nasceu com idade gestacional de 29 semanas. Parou os estudos no 1ª ano do ensino médio, quando iniciou relacionamento com o pai do bebê. Conta que planejou ser mãe e tentava engravidar desde que passou a viver em união estável.

Diana, 19 anos, mora com o companheiro, com quem vive em união estável, na casa da mãe e padrasto, no interior do estado. Em seu relato, conta que não planejou engravidar, mas já sentia o desejo de ter um filho. Entrou em trabalho de parto prematuro com idade gestacional de 26 semanas. Parou de frequentar a escola no 1ª ano do ensino médio, para começar a trabalhar. Entretanto, foi demitida pouco antes de engravidar.

Na ocasião da pesquisa, as adolescentes já haviam recebido alta hospitalar, ou seja, já não eram pacientes do hospital. Contudo, permaneceram em tempo integral na instituição, como acompanhantes de seus filhos. A instituição oferta um espaço destinado às mães de bebês internados em UTI neonatal, denominado de "Espaço das Mães Acompanhantes1". É importante destacar que, nos cinco casos, os bebês nasceram com idade gestacional inferior a 30 semanas e estavam internados em UTI neonatal por questões relacionadas à prematuridade.

Descrição dos vetores internos do fenômeno e explicitação das experiências

A partir da leitura e análise das entrevistas, com base nas ideias de Heidegger, acompanhamos a experiência das adolescentes a partir de seus relatos. Para ordenar a análise com maior clareza, os relatos foram agrupados partir da convergência de temas desvelados. Tais temas foram estabelecidos a partir da descrição dos vetores internos ao fenômeno, em uma aproximação e compreensão da experiência de ser adolescente e mãe de um bebê internado na UTI neonatal. Tais temas serão apresentados a seguir, a partir de trechos literais dos relatos estudados e, por conseguinte, são reveladores da estrutura do fenômeno.

Gênero: ser-no-mundo como mulher (horizonte histórico de sentido)

Durante as entrevistas, as jovens participantes relataram em suas narrativas questões relativas ao ser-no-mundo como mulher, despertando nosso olhar para os atravessamentos de gênero na temática em questão. Trata-se de adolescentes, do sexo feminino, que compartilham o ser-mulher em um horizonte histórico de sentido convergente. Portanto, as determinações do mundo estão em jogo na compreensão do que, para elas, é o ser-mulher. Para Heidegger, a indeterminação originária do Dasein torna necessário que ele se constitua pelos sentidos que se articulam no mundo que é seu (Feijoo, 2015, p. 19), ou seja, as determinações sobre o ser-mulher no horizonte histórico em que se encontram orienta o modo como as jovens mães irão delinear a sua existência como mulheres.

Sobre a gravidez, Leite e Frota (2014) destaca que, historicamente, ter um filho significa a confirmação da feminilidade, esperada pelas próprias mulheres, pelos parceiros e pelo entorno familiar e social, de modo que a maternidade é culturalmente valorizada como destino biológico e valor social inerente à consolidação da identidade feminina. Do mesmo modo, o relacionamento amoroso aparece como confirmação dessa mesma identidade, sendo este ideal reafirmado em mitos, histórias infantis, romances (Feijoo, 2015, p. 19).

A demarcação dos papéis de gênero se sustenta em um horizonte histórico de sentido onde a identidade feminina se cristalizou a partir de aspectos históricos e sociais. Tal demarcação admite variações a partir de contextos diversos. As participantes são nordestinas, residem no interior do estado, e em sua maioria tem no feminino tias, amigas, primas e, principalmente, a mãe uma referência de cuidado.

Em suas narrativas, as participantes, ainda adolescentes, trazem o casamento como um ideal e a constituição de família pai, mãe e filho como um projeto de vida. Em seus planos, falam, ainda, sobre o trabalho como modo de sustento e alcance de melhores condições de vida para seus filhos.

"Bem, o futuro? a gente imagina uma coisa, mas sempre: ter uma casa, ter meu emprego, terminar meus estudos, não depender dele, e ele ter o trabalho dele também, ter condição pra ter nossa casa, nossas coisas, pra não tá dependendo também de família...sim, de ter a casa, o trabalho, dar de tudo ao nosso filho, não deixar nada faltar..." (Gabriela, 16 anos)

A temática da sexualidade surge na fala das participantes também atravessada por questões de gênero:

"Quando você teve sua primeira relação? Você conversava sobre isso em casa? Me conta um pouco... (pesquisadora)

É lógico que em toda casa, toda menina, tem aquele certo tabu..., mas comigo, foi quando tinha 15 anos... normal. Mas em casa, sempre aquela coisa: "não, não sei o que é, só depois do casamento!". Enfim..." (Gabriela, 16 anos)

Nesse trecho, Gabriela fala sobre a experiência de ser menina e ter a primeira relação sexual, destacando o tabu em torno da questão em seu contexto familiar, sinalizando o casamento como autorização para relações sexuais. A partir disto, podemos pensar que a ideia de estar vinculada a um único parceiro, com estabilidade, é condição para aceitação, por parte de sua família, da prática de relações sexuais. Desse modo, tais relações, portanto, permanecem clandestinas à família, impossibilitando o diálogo sobre o tema no contexto familiar, bem como nos serviços de saúde.

Marta, por sua vez, conta sobre as mudanças em seu modo de ser a partir do início de uma relação conjugal e do papel social que, então, assume. Ela parece assumir um lugar socialmente destinado à mulher na relação amorosa: o de dona de casa e cuidadora do companheiro. Percebemos, ainda, mudanças na concepção da vida adolescente, que antes não assumia responsabilidades, e com o casamento se apropria de afazeres.

"E depois que você foi morar com o João, o que ser adolescente se tornou pra você? (Pesquisadora) Pra mim foi muita responsabilidade, que eu não tinha, de fazer as coisas em casa direito, essas coisas..." (Marta, 18 anos)

Diana fala sobre as vindas do pai do bebê à instituição, destacando a visita para registro de nascimento. Ela parece demarcar bem os papéis atribuídos ao feminino e masculino na família: o dela, de acompanhar e cuidar do bebê, e o dele, de ser o provedor, que precisa estar ausente dos cuidados para o "serviço".

"Semana passada ele (o pai do bebê) veio fazer o registro e visitou ele, aí ele tá esperando agora pra vir no final do mês, pra ver ele de novo. Porque no momento ele tá vendo aí pelo serviço, que estão querendo colocar ele em um serviço e ele tá ajeitando as papeladas dele... Ele sempre foi bom pra mim, desde o começo. A gente namorando, ele nunca foi de me espancar, nem de deixar eu passar necessidade. E com o menino dele, "armaria", se ele pudesse estava aqui direto". (Diana, 19 anos)

A questão de gênero aparece, ainda, na fala das participantes que trazem como figuras de cuidado suas mães, tias, primas e amigas, ou seja, figuras femininas, de tal modo, são outras mulheres que as ajudam a exercer o cuidado, em detrimento das referências à figura do pai do bebê e seus próprios pais. Evidenciam, portanto, que na trama de relações familiares, o cuidado está centrado no feminino, conforme aponta Sarti (2003, p. 28), referindo que, na família, o homem corporifica a ideia de autoridade, enquanto a mulher cuida de todos e zela para que tudo esteja em seu lugar.

"E minha mãe estava comigo, veio minha mãe, minha prima e minha tia, aí foi tudo comprado nas "carreiras", aí umas colegas minhas me deu fralda". (Emília, 15 anos)

"Sobre a ida para a maternidade: eu vim de carro com minha mãe e minha vizinha, aí cheguei aqui, aí quando mãe ligou pra ele (o pai do bebê), falaram que eu já estava na sala de parto". (Gabriela, 16 anos)

Lançando o olhar para a história das participantes, observa-se um distanciamento da figura paterna, sendo que, em sua totalidade, as adolescentes não moravam com o pai. Entre elas, apenas Marta e Emília mantinham contato com os pais e os mencionam em suas narrativas. Tal realidade é expressa em dados no último senso demográfico, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), no qual evidencia-se que, nas famílias formadas pelo responsável, sem cônjuge, e com filho(s), as mulheres foram maioria na condição de responsável (87,4%).

A partir dos relatos, observamos que o lugar atribuído ao homem no contexto da maternidade e nascimento do filho é secundário e marcado por estereótipos de gênero. Tais estereótipos insistem em se fazer presentes, a despeito dos avanços verificados a partir das lutas feministas e estudos sobre gênero, demarcando, no âmbito da impessoalidade, prescrições e papéis profundamente enraizados.

Relações familiares

A relação com o pai da criança e a família de origem, em especial a mãe, permeou todos os relatos das participantes, nos conduzindo a refletir sobre como a maternidade na adolescência e o contexto de adoecimento e internação do bebê colocam em jogo o ser-no-mundo com o outro. As participantes caminham em um movimento de costurar rupturas e ressignificações, nos conduzindo, junto com elas, à compreensão desta trama complexa de relações.

"Comigo está (a mãe) uma melhor amiga. Eu tenho umas amigas assim, que perguntam como está ele, como é que eu estou, todos os dias. Mas tipo, a minha mãe liga, minha mãe vem aqui, tipo, eu nunca tinha tido essa relação com ela, eu sempre fui bem fechada, eu só disse eu te amo uma vez pra minha mãe.... (choro) e depois que ele nasceu (choro)... tá sendo ótimo, por isso que eu me arrependo de ter dito um dia que eu acabei com minha vida. Acabei não". (Gabriela, 16 anos)

Gabriela fala da relação com a mãe atribuindo um novo significado após o nascimento do bebê.

"Porque quando você se torna mãe, você vê tudo aquilo que sua mãe faz por você e tipo, meu Deus, ela nunca exagerou". (Gabriela, 16 anos)

Katarina sente-se cuidada e compreendida pela mãe, deixando evidente a importância desta relação:

"Não mudou nada. Minha mãe é minha amiga, eu só tenho ela. No começo, falou que ia mudar tudo. Que nada ia ser como era. Mas, depois me compreendeu, não me criticou". (Katarina, 17 anos)

Considerando que a internação de um filho na UTI neonatal configura uma situação de crise para todos que compartilham a história da criança, Braga e Morsh (2003) destacam que os avós assumem um papel importante. Como nos relatos apresentados, a avó tem uma ligação estreita com a mãe adolescente e pode oferecer duplo suporte: "ao cuidarem de seus filhos também estão cuidando de seus netos e ao cuidarem destes, cuidam de seus pais" (Braga & Morsh, 2003, p.83).

Considerando a família como um sistema social altamente movido por relações de convivência, geradoras de amorosidade e também de conflitos (Brasil, 2017, p. 28), observamos a referência a tais redes na narrativa das participantes e a importância que atribuem a sua existência. De acordo com o Manual Técnico de Atenção Humanizada ao Recém-Nascido, a rede de apoio interfere no enfrentamento e na superação da situação de adoecimento do bebê, além de servir como fator de proteção (Brasil, 2017, p.116).

Os companheiros, com idades entre 18 e 21 anos, também vivem a construção da parentalidade em meio ao adoecimento do filho. Por sua vez, ainda que vivam a adolescência, aparecem nos relatos como figura de compartilhamento do projeto de ter um filho.

Katarina, contempla em sua fala o desejo do companheiro de ser pai, contudo, destaca que ele está preso, o que impossibilita que compartilhe com ela a rotina de cuidados do bebê no momento atual.

"Ah, minha relação com ele é ótima, apesar de mais nunca a gente se encontrar, né? Porque como ele foi preso..., Mas, era tudo que ele mais queria, um filho". (Katarina, 17 anos)

Gabriela, por sua vez, fala sobre o envolvimento do seu namorado:

"Minha mãe ligou pra ele dizendo que o menino tinha nascido, aí ele chorou mais ainda. Mas agora, é mais tranquilo, ele chega lá, aí passa a mão, aquela coisa toda: "oh papai, vai ser jogador", aquela coisa toda, bem animado". (Gabriela, 16 anos)

Em estudo realizado com pais adolescentes, Trindade e Menandro (2002) apontam que a maioria dos jovens participantes revelou satisfação em se tornar pai, com surgimento de preocupação e responsabilidade, entretanto, destacam as mudanças advindas do nascimento do filho, como o aumento da responsabilidade e diminuição da liberdade. Para eles, o pai é principalmente aquele que trabalha e sustenta o filho, acompanha e educa (p. 19).

Diante do exposto, resgatamos o ser-com-os-outros de Heidegger, pois, para ele, o ser-no-mundo é também ser-com-os-outros. Para Heidegger, "o mundo é sempre o mundo compartilhado com os outros. O mundo da presença é mundo compartilhado" (Heidegger, 1927/2005, p. 170). Compartilhando o mundo com os outros, as adolescentes vivem a experiência da maternidade e adoecimento do bebê e atribuem sentidos ao ser mãe. Assim, o tornar-se mãe e o ser-mãe de um bebê adoecido e internado em UTI neonatal, é atravessado pela relação com os outros, conforme relatam as participantes.

É possível estabelecer uma relação entre o tornar-se mãe vivido pelas adolescentes e as mudanças na relação destas com suas próprias mães. A esse respeito, podemos pensar, com base no ser-com, que o conhecer-se reciprocamente concreto depende, muitas vezes, do alcance em que o Dasein compreende a si mesmo (Heidegger, 1927/2005). Na experiência do ser-mães, ainda inicial, amplia-se o modo de ser-no-mundo das adolescentes, a compreensão de si e do outro, levando-as ao encontro de novas disposições afetivas e sentidos na relação com suas mães.

O cuidado e suas manifestações ônticas

Ao desvelar o fenômeno da maternidade para as adolescentes da pesquisa, encontramos o cuidado como condição ontológica que se expressa onticamente nos contatos diários ao filho. Para Heidegger (1927/2005), todos os modos de relacionamentos ônticos estão fundamentados no ser-no-mundo como cuidado. Por conseguinte, o cuidado, sustentação existencial que possibilita o vir-a-ser, aparece nas narrativas como base estruturante da experiência de ter um filho na UTI neonatal, tendo em vista que confere sentido e possibilita a articulação de uma rede de significações atribuídas à experiência de ser adolescente e mãe de um bebê em UTI.

"Eu não quero nem ir pra casa, porque se eu for pra casa, meu pensamento vai ficar nele, aqui "será que ele já comeu? será que ele tá bem? será que aconteceu alguma coisa?", aí eu não quero nem ir pra casa. Aí, pronto, me adaptei já, me acostumei já. De três em três horas eu vou lá, vejo ele. Aí às vezes eu coloco ele aqui (no canguru), converso com ele, pronto..." (Gabriela, 16 anos)

"Eu, quando estou lá (na UTI), falo pra ele que ele é a melhor coisa que aconteceu na minha vida, independente de tudo, de tudo, eu falo que ele é minha vida. É uma sensação inexplicável, um amor que a pessoa acha que não existe nunca". (Marta, 18 anos)

Em seu relato, Marta fala da descoberta de um amor inexplicável após o nascimento do filho. Mesmo diante da facticidade do adoecimento, o nascimento do filho aparece como um evento positivo, dotado de significados que inauguram um novo sentido para a vida da jovem mãe. A despeito das dificuldades vividas, a relação com o filho vai sendo construída neste contexto adverso. Ao revisitar as narrativas, compreendemos que, no estar com o bebê, as disposições afetivas se apresentam e transformam-se em um fio condutor da experiência na UTI neonatal.

"Sim...Quando ele abre o olhinho, fica olhando pra mim, é bom... quando aperta meu dedo, até o sorriso que ele deu pra mim... no dia que ele deu, foi o melhor dia, que eu sei que não era pra mim, mas eu vi aquele sorriso... (Marta, 18 anos)

Você falou algo quando ele sorriu? (Pesquisadora)

Não...eu abri um sorriso também". (Marta, 18 anos)

Descortinando o fenômeno estudado, percebemos que quando referem a relação com o bebê, com a equipe, com a família e outros, as adolescentes revelam o modo como tais relações tocam e transformam seu modo de ser-no-mundo. Ao lançar luz sobre as narrativas acerca da experiência das adolescentes, enxergamos a manifestação do cuidado conforme apresentado na analítica heideggeriana. Novaes de Sá (n.d.) refere que a palavra "cuidado" é usada por Heidegger para expressar a característica ontológica do homem de estar sempre referido a outro ente.

"O Dasein é sempre já relacionado com o que se lhe desvela. Mas em seu essencial estar-relacionado perceptivo com o que se lhe fala a partir de sua abertura-no-mundo o homem também já é sempre solicitado a corresponder-lhe em sua relação com o mesmo, isto é, a responder, e, de maneira que ele toma a seu cuidado o que vem ao encontro, ajudando-o na medida do possível para o desenvolvimento da sua essência". (2009, p. 271).

É possível acompanhar, na narrativa das adolescentes, como a chegada do filho atualiza um ser-com a partir do qual tornam-se mães.

Conforme mencionado anteriormente, para Heidegger, o ser-aí é também ser-com: ele é com os outros que pertencem ao mundo, numa trama que se dá "em uma estrutura de significância, num contexto de relações" (Novaes de Sá, 2002). As narrativas desvelam o fenômeno do ser-com a partir do cuidado como sustentação existencial que possibilita o vir a ser. Assim, o ser-com o filho desvela-se no cuidado. Para Heidegger, o cuidado diz respeito às relações com os outros entes que habitam o mundo. De modo tal que Casanova (2017) afirma "o ser-aí se mostra como sendo essencialmente cuidado" (p.303) Isto porque, nas múltiplas formas de relação com o mundo, o ser-aí cuida de si, do outro e do mundo e é nesta trama de relações que constrói sua existência.

Para Heidegger, considerando os diferentes modos de relação do homem com os outros entes, o cuidado pode se dar de duas formas distintas: na ocupação, relação do Dasein com entes cujo modo de ser é simplesmente dado, como as coisas do mundo, a natureza; e na preocupação, relação com entes que possuem o mesmo modo de ser do homem (Novaes de Sá, 2002).

O cuidado como preocupação pode ser diferenciado em: indiferente; substitutivo e antepositivo. Na indiferença, encontramos o homem se relacionando do mesmo modo que se relaciona na ocupação com as coisas do mundo, considerando o ser do outro como algo simplesmente dado. No modo substitutivo, temos a preocupação que substitui o outro, assumindo suas ocupações, e que pode torná-lo dependente. No modo antepositivo, encontra-se aquele que se "antepõe" ao outro não para substituí-lo, mas para colocá-lo diante de suas próprias possibilidades de ser (Novaes de Sá & Santos, 2013). De acordo com Heidegger (1927, p. 174), este tipo de preocupação é que diz respeito ao cuidado propriamente dito, e que ajuda o outro a tornar-se transparente a si mesmo e livre.

Nos relatos das participantes, observamos que alternam entre os modos de cuidado substitutivo e antepositivo. Sobre o cuidado substitutivo, nas narrativas apresentadas, observamos que as participantes seguem um movimento de cuidado como proteção, numa tentativa de afastar o bebê o sofrimento e até mesmo assumi-lo por eles.

"Não... eu queria ficar tranquila pelo bebê. Eu to tentando me concentrar só nele (no bebê) porque dizem que sente...Por mais que não esteja mais na barriga, se eu for lá triste, ele sente, ai eu tento ir lá só pensando nele mesmo". (Marta, 18 anos)

Marta revela a centralidade do bebê em sua vida e o cuidado como uma proteção que até mesmo anula a expressão autêntica do sofrimento como forma de evitar que o bebê também o sinta. Outras mães também caminham no mesmo movimento, como Gabriela, que relata a interdição de uma expressão autêntica, em prol da criança.

"Quando eu vejo ele lá... assim, agora meu coração tá se adaptando, aquela coisa toda... você se sente mais calma. Mas antes, quando eu via ele lá, eu ficava desesperada, eu chorava, escutava: "não, não pode chorar, ele vai sentir" e aquilo foi ficando, pensava "não, ele vai sentir e vai ser pior", até quando o pai dele veio a primeira vez aqui ver ele, o olho dele encheu de lágrimas e o meu também. Ele disse: "pare de choro, senão o menino vai sentir", aí pronto, eu fui me adaptando, a pessoa se acostuma..." (Gabriela, 16 anos).

Observamos também a expressão do cuidado antepositivo, à medida em que as mães descortinam um modo de cuidar que reconhece a autenticidade do filho e desenvolve suas potencialidades, reconhecendo-o em sua individualidade, compartilhando responsabilidade com o bebê.

"Ah, quando eu chego lá, que ele tá agitado, eu fico conversando com ele, "mãezinha, não pode ser assim, fique calmo para as meninas tirarem o tubo", aí ele fica rindo, pego na mão dele, aliso ele na cabeça, ai peguei ele antes de ontem, passei uma hora e meia com ele, conversei muito com ele". (Diana, 19 anos)

A narrativa de Diana desvela momentos de afeto entre ela e o bebê. Sua fala contempla a relação que estabelece com o filho, a interação que se dá no contexto da UTI neonatal, as tentativas afetuosas de acalmá-lo, e, ainda, um movimento de cuidado. Diana revela em seu relato que, mesmo diante da aflição do bebê, busca fortalecê-lo durante os procedimentos que fazem parte da rotina da UTI neonatal, manifestando, pois, um cuidado antepositivo.

Disposições afetivas

Heidegger (1927/2005) chama de disposição ou tonalidade afetiva a abertura do Dasein para o mundo, na qual expressa seus diferentes estados de humor, que revelam aquilo que o homem é, seu modo de existência (Soares, 2010). Trata-se da abertura do estar-lançado e abertura do ser-no-mundo. Esta abertura se dá, em especial, como situações-limite que abrem o mundo (Feijoo, 2011, p. 44), tal qual a experiência vivenciada pelas adolescentes participantes da pesquisa: ter um filho internado em UTI neonatal. De acordo com Feijoo (2011), as disposições afetivas fundamentais caracterizam-se pela crise a que elas dão voz e que, no esvaziamento de sentidos, confrontam o ser-aí com seu caráter de poder-ser.

A narrativa das adolescentes revela a disposição afetiva do temor como abertura diante da experiência de ter um filho na UTI neonatal. É possível observar em seus relatos como o contexto de adoecimento e hospitalização do bebê, a incerteza pelo prognóstico do filho e o caráter inesperado da situação inauguram uma crise e como, diante desta crise que se abre, o temor aparece. Como disposição afetiva, o temor anuncia a fragilidade do existente, o risco que se abate sobre ele, o fato de ter seu ser sempre em jogo (Casanova, 2017).

Para Heidegger (1927/2005) o que se teme possui um caráter de ameaça, o modo conjuntural de dano, O danoso se aproxima continuamente, embora mantendo-se à distância. Pode chegar ou não: "na verdade ainda não, mas a qualquer momento sim." Assim, o temor deixa ver o perigo.

No trecho seguinte, Emília fala sobre a experiência de ir à UTI após o nascimento da bebê, revelando o temor despertado pela visão da filha internada na UTI neonatal.

"Eu fiquei com medo, com medo de ver ela, ver o jeito que ela estava, eu até passei mal, que eu vi daquele jeito, fiquei perturbada sabe? Eu fiquei com pena, com dó dela, por ver ela daquele estado que ela tá, hoje ela está bem melhor, que num já tá com nada né? só com um negocinho no pezinho". (Emília, 15 anos)

A fala de Gabriela também revela como o contexto da UTI neonatal trás à tona a disposição do temor na medida em que as coloca diante do desconhecido e da incerteza que ameaçam. A partir de sua narrativa, podemos observar como o contexto de internação do bebê a coloca diante da fragilidade da existência do filho, da possibilidade de finitude.

"A primeira vez que eu fui lá, foi bem pesado, mas aí, melhor aqui do que em casa, né? Porque em casa pode acontecer coisa pior, e sempre que eu pergunto "como é que ele tá?" ele tá bem, tá reagindo bem, o pulmão dele tá evoluindo bem, ele tá se dando com o medicamento, ele ontem tirou o CPAP2, já tá tomando 10 ml de leite já, todo dia eu conto os ml, que pelo amor de Deus...a parte difícil: você chega lá "já pesou ele hoje?", "já", aí perde peso, aí você fica triste. Na outra semana eu fui lá e perguntei: "com quantas gramas ele tá?", porque ele tinha nascido com 1015g, ai quando eu olhei estava 890g, aí você já: "meu Deus!", aí hoje já estava com 910g, ai pronto, aí você fica mais calma". (Gabriela, 16 anos)

Casanova (2017), resgatando as ideias de Heidegger, destaca que no temor, teme-se também por quem se ama ou sente necessidade de proteger. Heidegger (1927/2005) nos fala sobre o "temer em lugar de", vivido por quem é atingido pela co-presença, pela qual se teme. O filósofo ressalta que, de forma alguma, esse temor é um temor atenuado. As jovens mães relatam, na maior parte de suas narrativas, o temor pelo adoecimento que ameaça a existência do filho, como vimos nos trechos acima. E é, no sentir-se ameaçado e no estar diante da ameaça a quem se ama que se anuncia a mortalidade.

Espiritualidade

As participantes da pesquisa expressaram a importância da espiritualidade como caminho de enfrentamento da situação de adoecimento do filho. Em suas falas, a fé aparece como recurso fundamental, que concede esperança. Tendo em vista a força com que trouxeram este elemento à tona, lançamos luz sobre tais narrativas, buscando compreender, à luz da fenomenologia, os modos como a espiritualidade se faz presente na experiência desvelada.

"A primeira coisa que eu faço quando vejo ele, da primeira dieta a das 21h, que aí eu não vou mais, é... Eu sempre faço "pelo sinal" no peito dele... (Marta, 18 anos)

Sinal da cruz? O que isso significa pra você? (Pesquisadora)

Pra mim é tipo Deus, eu sempre faço isso, é bom... eu converso muito com ele, falo que estou lá pro que der e vier e que ele pode contar comigo, enfim..." (Marta, 18 anos)

Marta compartilha o modo como a espiritualidade se faz presente no enfrentamento do adoecimento do filho. Ao abençoá-lo com o sinal da cruz, ela se apropria dos sentidos de proteção e cuidado divino. Ao fazer isso, ela compreende que cuida de seu bebê, para tanto, o faz em momentos importantes da rotina de cuidados, como nos horários de dieta.

"Faço orações toda noite, peço que cure ele, tire ele de lá com saúde, e que se for da vontade de Deus, que eu volte pro pai dele, eu peço essas duas coisas... eu fico mais tranquila, eu sinto que Deus tá fazendo a parte dele".(Marta, 18 anos)

Em outro momento, Marta revisita a espiritualidade ao revelar que faz orações todas as noites, tanto pela cura do filho, como pela retomada da relação com o pai do bebê, situação que provoca sofrimento em Marta.

Contudo, embora desejo retomar a relação conjugal, sua continuidade é também colocada como decisão divina.

"Toda vida que eu chego lá eu rezo. Rezo antes de chegar e rezo antes de sair, entrego na mão de Deus". (Diana, 19 anos)

A abordagem fenomenológica da espiritualidade e das religiões centra-se na questão do sentido da manifestação religiosa., o que remete à questão das vivências. É no sentido que se apoia a análise fenomenológica (Holanda, 2004, p. 50). Para Marta, a espiritualidade parece manifestar-se como caminho de enfrentamento do incontornável e da incerteza.

Assim como Marta, Diana faz orações todas as vezes que visita a UTI neonatal, como modo de enfrentamento pessoal e proteção para o filho.

"A maior dificuldade foi que eu pensei que eu nunca ia conseguir passar por isso, pensei que ia desistir, que tudo ia acabar, mas não, Deus tá me dando forças e eu estou conseguindo seguir em frente". (Katarina, 17 anos)

Katarina, por sua vez, reforça a ideia da fé como elemento que concede esperança e faz com que ela acredite que é possível conseguir enfrentar a situação. Percebemos que a força, para ela, uma oferta divina, é fundamental para que consiga lidar com o adoecimento e internação do bebê.

"Difícil né? Ninguém espera. Fiquei triste, bate aquele choque na hora, nos primeiros dias "ai meu Deus, meu filho não vai sobreviver", aquela criancinha daquele "tamanhinho", mas depois você se acalma, você pede ajuda a Deus, e tá tudo dando certo. Graças a Deus". (Gabriela, 16 anos)

Deus aparece como uma clareira diante da possibilidade de morte do filho. Gabriela destaca que a fé tem sido um recurso importante durante o processo de hospitalização do filho. Ao mesmo tempo em que o medo da morte é presente, ela destaca a esperança pela vida a partir de uma estrutura maior que é a fé.

Contudo, em um movimento de atribuição de sentido à experiência, Gabriela relata sua vivência como sendo uma provação, um teste feito por Deus. Ou seja, ao mesmo tempo que se sente apoiada, considera que está sendo testada. Há uma ideia de que ao passar pela situação de adoecimento e internação do filho, ela ficará mais forte. É possível perceber que, considerando que Gabriela é uma adolescente, perante a ideia de imaturidade que rodeia a adolescência, há uma oferta de amadurecimento em decorrência do sofrimento. De acordo com seu relato, o filho ocupa um lugar central em sua vida e, por isso, ela está disposta a fazer tudo por ele, mesmo que isso signifique passar um longo período longe de casa.

"É como se fosse uma provação de Deus. Deus tá testando até onde você vai, tipo, eu nunca tinha passado tanto tempo longe de casa, como eu estou passando, eu não sei nem quando é que eu vou voltar pra casa e não estou nem aí pra isso. O que importa é ele, em primeiro lugar é ele! E tipo, eu vou até onde eu tiver que ir, e é por ele". (Gabriela, 16 anos)

Conforme exposto nos relatos, a espiritualidade é significada de acordo com a vivência das jovens mães. Observamos que elas referem a espiritualidade como um suporte perante a incerteza e o incontornável da experiência, atribuindo à determinação divina a condução da situação, ora aparecendo como oferta de apoio e esperança.

Habitar o hospital e o ambiente da UTI Neonatal: familiaridade e estranheza

O nascimento prematuro do filho e a consequente internação na UTI Neonatal lançam as adolescentes em um ambiente novo, diferente e, por vezes, assustador, como expressa Marta em seu relato sobre a primeira visita à UTI. É comum a todas as participantes o discurso acerca da estranheza causada pela imagem do bebê, rodeado por aparelhos e invadido por tubos, pela emissão de sons, que por vezes sinalizam intercorrências, como a queda da saturação, bem como por uma série de particularidades que caracterizam uma Unidade de Terapia Intensiva.

"Aquele monte de coisa, aparelho, barulho, até hoje eu falo daqueles apitos, barulhos, quando começa a cair a saturação dele eu saio logo, porque eu não aguento escutar aqueles apitos, dá uma dor assim, é difícil. (Marta, 18 anos)

E tem algo mais que te incomoda? (Pesquisadora) Aqueles tubos..." (Marta, 18 anos)

"Quando eu vim na primeira vez... eu tive ele à noite, e vim no outro dia de manhã, cheguei aqui que fui ver ele... pra mim ele estava muito grave, porque estava com os bichinhos, eu não entendia o que era aquilo que estava na mão dele, na boquinha, nos pés, pra mim já estava no último recurso. Mas depois que elas vieram conversando comigo, eu fui entender que era os antibióticos que ele toma, o tubo, que tá na boca pra ele respirar, aí foi que eu fui entender o que era tudo isso". (Diana, 19 anos)

Diana rompe com o estranhamento inicial à medida em que, no contato com a equipe, compreende a função dos recursos utilizados para o cuidado com seu bebê. Em sua narrativa, descreve o caminho entre a percepção de que seu filho estava na iminência da morte, diante da condição apresentada em sua primeira visita, até conhecer o quadro clínico, como entender que o bebê precisa de antibióticos e ajuda para respirar.

"Chorei, passei o domingo todinho chorando, a segunda todinha chorando, ai depois a enfermeira veio e conversou comigo, o meu desespero é por causa dos aparelhos que ela estava respirando pelo aparelho, aí a enfermeira veio falar comigo... conversou comigo dizendo que ela já estava sem aparelhos, só estava com a sonda, aí foi quando eu me tranquilizei mais". (Emília, 15 anos)

Percebemos que, para algumas, o lugar que a princípio provoca estranheza, começa a ser significado como lugar próprio, revelando a possibilidade de pertencimento. Nesse movimento, o ambiente, inicialmente significado como inóspito vai se tornando familiar. De modo tal que, passando a significar a UTI como um ambiente de cuidados, não mais compreendem este espaço como de morte, mas de vida.

A experiência de ser mãe em um contexto em que o bebê precisa de cuidados intensivos acarreta em longa permanência no hospital. É interessante destacar que as mães participantes da pesquisa não estavam em condição de internação, mas, ainda sim, residiam no hospital, permanecendo no "Espaço das mães acompanhantes". Esta condição revela a indefinição do lugar que elas ocupam na instituição: posição de não mais pacientes, mas, ainda assim, pertencentes ao hospital.

No referido espaço, as mães que têm bebês em internação na UTI neonatal compartilham rotinas semelhantes. Em seus relatos, percebemos que, em um primeiro momento, a ida para o espaço das mães acompanhantes parece se constituir um momento difícil para elas. Contudo, a convivência conduz ao compartilhamento de vivências semelhantes, de modo que as adolescentes sinalizam um movimento de cuidado entre as mães, que atravessa o habitar deste ambiente:

"Eu fui na UTI, quando eu voltei a enfermeira disse que eu ia para "mães acompanhantes", quando você chega que vê aquela "ruma" de cama, aquela "ruma" de bolsa, começa o relato: "eu estou aqui há 4 meses", "eu estou aqui há 5 meses". Você começa a se assustar, você fica: meu Deus do céu, você não conhece ninguém e o povo já coloca temor em você. Você chora, nos primeiros dias eu chorava bastante". (Gabriela, 16 anos)

"Tem um pessoal no quarto com o bebê muito prematuro, de 23 semanas. Eu tento passar força pra elas, força que eu não tenho, mas eu tento pensar que ela está precisando mais de força do que eu, então eu vou incentivar ela a ir pra frente. Apesar de eu tá triste, abalada, eu tento sorrir, tento ser forte, ajudar o próximo, porque ali é tudo a mesma situação, apesar de um ser grave, o outro não". (Katarina, 17 anos).

Tendo em vista as colocações acima, resgatamos a ideia do habitar para Heidegger (2010) que nos diz: "o habitar é o traço fundamental do ser-homem" (p.128). A partir desta leitura, o filósofo revela o habitar como sendo o relacionamento entre o lugar e o homem que nele se demora; o habitar diz respeito ao modo como o homem é em sua existência no mundo, ou seja, "a maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos homens sobre essa terra é o habitar" (Heidegger, 2010, p.127). Nesse sentido, somos no habitar o mundo, na relação de pertencimento ao espaço do habitar. Isto porque, à medida que pertencemos ao mundo, nós o habitamos. Para o filósofo, por conseguinte, "o homem é à medida que habita" (Heidegger, 2010, p. 127). No movimento de ser mãe adolescente em um contexto de internação na UTI neonatal, as adolescentes desvelam novos modos de ser, próprios deste contexto, descobrem e desenvolvem relações, acendem e apagam sentidos. Habitam, pois, o hospital, a UTI neonatal, o espaço das mães acompanhantes. E é, portanto, no modo de ser que constroem nesses espaços, em um movimento de familiaridade e estranheza, que os habitam.

A morte como possibilidade

A existência coloca o homem, inelutavelmente, lançado à possibilidade da morte. A despeito disso, segundo Heidegger (1927/2005), na maior parte das vezes, o Dasein não possui nenhum saber explícito ou mesmo teórico acerca disso. Lida-se com a possibilidade da morte, comumente, de forma impessoal, "morre-se", até que a possibilidade da própria morte ou da morte de um ente querido torna-se evidente, rompendo com a manifestação impessoal do fenômeno.

Todas as adolescentes fazem referência à morte do filho como uma possibilidade que causa dor e sofrimento. Considerando que a UTI neonatal é uma unidade para bebês graves, o risco de morte e o consequente temor diante deste fato é uma constante. Por isso, então, a narrativa sobre a morte é presente e carregada de significados.

"E sobre as notícias ruins, como você se sente quando recebe? (Pesquisadora)

Eu choro muito... (choro) (Katarina, 17 anos)

E qual o medo quando recebe essas notícias? (Pesquisadora)

Perder ele, né? (choro) Eu tenho certeza que ele vai se curar e vai vir para meus braços. Mas aí, se vem notícia má? Eu vou pensar o que? Que ele não vai vir mais, que tudo vai acabar..." (Katarina, 17 anos)

"E como veio esse parto prematuro pra você? (Pesquisadora)

Com medo... Porque como eu sabia que ele era pequenininho demais, eu tenho muito medo dele não sobreviver". (Marta, 18 anos)

Marta, por sua vez, relaciona a prematuridade e consequente tamanho do bebê com a possibilidade de ele não sobreviver. A prematuridade, para ela, é ameaçadora e por isso é fonte de temor.

Ao se inserir na rotina da UTI, Diana lida com o medo da morte, o qual relaciona à queda da saturação do bebê. A saturação é medida a partir de equipamentos específicos localizados na própria incubadora do bebê. Tais equipamentos acabam sendo alvo da observação de familiares, e chamam atenção pelos sons que emitem. Para Diana, é fonte de temor, pois parece ser a forma mais fácil de compreender a piora ou melhora do filho (saturação caindo ou aumentando). O ambiente da UTI, portanto, gera impacto com suas máquinas e recursos desconhecidos, que por vezes remetem à possibilidade de morte. Percebe-se, entretanto, que o lugar ganha novo sentido a partir do discurso dos profissionais, e transforma-se em um lugar de vida, sinalizando a sobrevivência do bebê após o parto.

"Por que medo da saturação?

Porque pra mim, quando a saturação estava caindo, o menino estava sem fôlego, estava já no último recurso. Mas graças a Deus depois que eu vi vocês falando aqui, que é isso, é aquilo, graças a Deus eu estou convivendo, graças a Deus, e estou aprendendo mais. (Diana, 19 anos)"

Heidegger reflete sobre a morte como uma das múltiplas possibilidades de ser, aquela que é seu limite e que determina a totalidade de suas possibilidades e ainda: a possibilidade mais própria, irremissível e insuperável do homem como projeto (Novaes de Sá, 2002). O ser-aí é também ser-para-a-morte. Esta condição de ser-para-a-morte apresenta ao homem sua finitude, um não-ser-mais-no-mundo que o conduz à angústia. Heidegger (1927, p. 20) considera que o findar-se torna-se uma experiência mais próxima a partir da morte do outro. "A morte, então, se desentranha como perda e, mais que isso, como aquela perda experimentada pelos que ficam".

E, tratando-se da morte de um outro que é filho, essa possibilidade comumente desperta uma dor intensa. Parkes (2009, p.191) revela que "a morte de um filho é a fonte de pesar mais atormentadora e dolorosa". Ao nos aproximarmos do fenômeno em estudo, percebemos a possibilidade da morte perpassando as narrativas e se entrelaçando com o ambiente de risco e bebês graves, que é a UTI neonatal.

 

Considerações Finais

As narrativas das adolescentes lançam luz sobre algumas facetas do fenômeno em estudo e nos revelam o ser-mãe adolescente com filho na UTI. A partir da análise fenomenológica das narrativas, observamos que a experiência de ser mãe adolescente e ter o filho internado em UTI neonatal coloca em jogo as relações familiares, provocando rupturas e ressignificações. Observamos que, nesse cenário, a relação com a mãe e companheiro/namorado, o pai do bebê, ganham destaque. Considerando que, para Heidegger, o homem como ser-no-mundo é também ser-com-os-outros, compartilhando o mundo com os outros, as jovens mães vão tecendo sentidos para suas experiências em uma trama complexa de relações. Observa-se, portanto, a necessidade de garantir a presença da família nas instituições de saúde, junto à mãe adolescente, conforme preconiza o artigo nº 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8069/90 (Brasil, 2017).

Ao nos aproximarmos do fenômeno estudado, ressaltamos os elementos trazidos acerca do ambiente da UTI neonatal, sendo comum a todas as participantes o discurso quanto à estranheza suscitada por tal espaço, que por vezes provoca temor. Em meio ao ambiente dominado pela alta tecnologia, as adolescentes habitam o hospital em um cenário atravessado pela relação com o filho, a família, as outras mães. Retratam, ainda, o "Espaço das Mães Acompanhantes" como um lugar que, em um primeiro momento, provoca estranhamento, mas, na convivência com as outras mães, transforma-se em uma referência de apoio.

O tornar-se mãe vai sendo revelado nas narrativas a partir do cuidado ao filho. As mães revelam a descoberta de sentimentos intensos que possibilitam o vir-a-ser mãe. É importante destacar o sofrimento das adolescentes ao confrontar-se com a condição de finitude do filho, possibilidade que se apresenta no contexto da UTI neonatal, onde a morte torna-se uma possibilidade. O tema da morte é recorrente na narrativa das mães, desvelando dor e sofrimento.

Diante da facticidade do adoecimento e das dificuldades anunciadas sobre a experiência de ter um filho na UTI neonatal, a espiritualidade aparece como recurso de enfrentamento do incontornável e da incerteza. Ao desvelar o fenômeno em estudo, percebemos que a determinação divina surge como fio condutor da experiência. A fé aparece como recurso de enfrentamento que concede esperança às mães e as ajuda a atribuir sentidos à experiência.

Tendo em vista o objetivo do presente estudo, de compreender a experiência de ser mãe adolescente e ter um filho na UTI neonatal, consideramos que as narrativas apresentadas são reveladoras da experiência e colocam o fenômeno na clareira. Possibilitando uma contribuição para a construção de novas abordagens de atendimento nos serviços de saúde. Por conseguinte, apontamos a necessidade de um cuidado que leve em conta o que há de singular na vivência das mães adolescentes com filhos em UTI neonatal. Dito isto, sinalizamos a necessidade de que sejam desenvolvidos novos estudos sobre a temática da maternidade para adolescentes, tendo em vista agravos para o bebê e a internação na UTI neonatal.

 

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Recebido em 25.03.2019
Aceito em 17.07.2019

 

 

1 Espaço destinado a acolher e alojar mães com filhos em internação na UTI neonatal, para que possam acompanhar seus filhos em tempo integral na instituição hospitalar, durante o período de internação.
2 CPAP: Continuous Positive Airway Pressure, que significa pressão positiva contínua nas vias aéreas. Pequenos tubos colocados no nariz, ajudam o bebê a respirar, prevenindo insuficiência respiratória. (Associação Brasileira de pais, amigos, familiares e cuidadores de bebês prematuros).

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