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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.1 São João del-Rei jan./março 2017
Colonialidade e práticas cotidianas em Minas Gerais - Brasil
Coloniality and daily practices in Minas Gerais - Brazil
Colonialidad y prácticas cotidianas en Minas Gerais - Brasil
Vera Lucia Ermida BarbosaI; Maria Inácia D'ÁvilaII
IMestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social. Programa EICOS - IP. UFRJ. Brasil. Doutoranda em Estudos Contemporâneos. Instituto de Investigação Interdisciplinar. Centro de Investigação Interdisciplinar do Século XX. Universidade de Coimbra. Portugal
IIProfessora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro
RESUMO
Este ensaio tem como objetivo principal analisar o cotidiano e suas táticas de resistência sob a perspectiva da colonialidade. As conceituações, categorias e formas de argumentação da Reflexão Decolonial propostas pelo Grupo Modernidade/Colonialidade Latino-americanonos apoia e constrói o cenário acerca do colonialismo e do pós-colonialismo brasileiro. As teorizações de Michel de Certeau subsidiam a reflexão acerca dos fragmentos do cotidiano presentes na narrativa de Dona Maria, moradora do povoado do Bichinho em Minas Gerais. Nossa intenção é contribuir para as reflexões acerca da colonialidade como herança do sistema-mundo moderno/colonial e sua expressão no cotidiano dos povos subalternos na perspectiva de identificar fissuras por onde se evidenciam as inúmeras formas de resistência e subversão.
Palavras-chave: colonialismo; colonialidade; práticas cotidianas; decolonialidade.
ABSTRACT
This essay aims to analyze the daily life and their tactics of resistance from the perspective of coloniality. The concepts, categories and forms of Reflections Decolonial argument proposed by the Group Modernity / Coloniality Latin American supports us and builds the scene about colonialism and Brazilian postcolonialism. The theories of Michel de Certeau subsidize reflection on the daily fragments present in the narrative of Dona Maria, village resident of Bichinho in Minas Gerais. Our intention is to contribute to the reflections on the coloniality as a legacy of the modern world-system / colonial and its expression in the daily lives of subaltern peoples in order to identify cracks where evidence is the many forms of resistance and subversion.
Keywords: colonialism; coloniality; daily life practices; decoloniality.
RESUMEN
Este ensayo pretende analizar la vida cotidiana y sus tácticas de la resistencia desde la perspectiva de la colonialidad. Los conceptos, categorías y formas de argumentación de la Reflexión Decolonial propuestas por el Grupo Modernidad / Colonialidad Latinoamericano nos apoya y construye la escena sobre el colonialismo y poscolonialismo brasileña. Las teorías de Michel de Certeau subvencionan reflexión sobre los fragmentos de cotidianos presentes en el relato de doña María, vecino de la aldea de Bichinho en Minas Gerais. Nuestra intención es contribuir a las reflexiones sobre la colonialidad como un legado del sistema-mundo moderno / colonial y su expresión en la vida cotidiana de los pueblos subalternos con el fin de identificar las grietas donde la evidencia es las muchas formas de resistencia y subversión.
Palabras clave: Colonialismo. Colonialidad. Prácticas cotidianas. Decolonialidad.
Apresentação
O cotidiano das relações sociais no Brasil traz a marca histórica da experiência colonial. Uma experiência que radica na formação, a partir do século XVI, do eurocentrismo como o imaginário dominante do mundo moderno/colonial e na formação do "sistema-mundo", capitalista/patriarcal/cristão/europeu (Wallerstein, 1992; Grosfoguel, 2002). Os "descobrimentos" permitiram legitimar a dominação e a exploração imperial e, com base nesse imaginário, o "Outro", selvagem, bárbaro, herege, sub-humano, sem escrita, sem história, foi inferiorizado e invisibilizado pelo colonizador europeu. Sobre esse "Outro" é que se exerceu o "mito da modernidade" em que a civilização moderna se autodescreveu como superior (Dussel, 1994).
As cicatrizes do colonialismo se expressam nas práticas cotidianas e evidenciam a colonialidade do poder, do saber e do ser denunciadas pela Reflexão Decolonial (Quijano, 2000a; Mignolo, 2010; Maldonado-Torres, 2007). Esse conjunto de conceptualizações se refere às experiências e trajetórias intelectuais e políticas próprias da América Latina. Trata-se de um projeto de deslocamento epistêmico na esfera social e no âmbito acadêmico proposto pelo programa de investigação do Grupo Modernidade/Colonialidade (Escobar, 2003, p. 53) que compartilha noções, raciocínios e conceitos que lhe conferem uma identidade e um vocabulário próprio, contribuindo para a renovação analítica e utópica das ciências sociais latino-americanas do século XXI. Epistemologicamente a "decolonialidade" se configura numa potencial ferramenta para analisar a realidade política, econômica e social de regiões que sofreram o colonialismo europeu, principalmente a América Latina e o Brasil (Grosfoguel & Mignolo, 2008a). A compreensão da dinâmica civilizatória que a Europa Ocidental imprimiu nos territórios que colonizou (Elias, 2006; Braudel, 1989) favorece uma análise atual da modernidade, não como um período histórico, mas como uma autonarrativa dos atores e instituições que se concebem como o centro do mundo (Dussel, 2000).
Analisar tanto os resquícios e as continuidades das relações coloniais e imperiais quanto as suas diferentes formas contemporâneas de reprodução pode auxiliar a compreender os complexos níveis e escalas de injustiças estruturais, nos campos econômico, social e cultural (Fraser, 2001).
Neste cenário histórico, historiográfico e epistêmico, assenta a pesquisa etnográfica que dá origem à reflexão aqui apresentada e que é um fragmento da observação participante realizada no contexto da investigação do mestrado e do doutoramento1.
O campo que acolheu, e acolhe, esta investigação se localiza no povoado do Bichinho (também denominado Vitoriano Veloso) em Minas Gerais. O relato apresentado pertence à Dona Maria que, gentilmente, não apenas concordou com o seu registro e divulgação, como revisou o conteúdo de sua narrativa no corpo do artigo.
Colonialismo e colonialidade na América Latina: a Reflexão Decolonial
Desde a década de 1990, um grupo de intelectuais latino-americanos vem construindo um conjunto de argumentações em torno da problematização da "modernidade". Enrique Dussel (2000) identifica dois conceitos de Modernidade: o primeiro, eurocêntrico, provinciano e regional, define a Modernidade como emancipação e localiza nos acontecimentos históricos (Reforma, Iluminismo e Revolução Francesa) a chave para sua implantação; o segundo trata o "Mito" da Modernidade, no qual a Modernidade, como novo "paradigma" de vida cotidiana, de compreensão da história, da ciência, da religião, surge no final do século XV e com o domínio do Atlântico, e baseia-se numa justificativa racional de uma práxis irracional de violência. Como resultado deste trabalho, tem sido produzido um conjunto de conceptualizações, categorias e formas de argumentação cuja incidência tem sido fundamental nas teorizações latino-americanas (Restrepo, 2010).
O Grupo Modernidade/Colonialidade (M/C) realizou críticas ao pós-colonialismo,2 procurando inserir de maneira radical a América Latina no cenário epistêmico por meio da noção de "giro decolonial".3
Segundo Escobar (2003), é possível afirmar que, para o Grupo M/C, a força orientadora é uma reflexão continuada sobre a realidade cultural e política latino-americana, incluindo o conhecimento subalternizado dos grupos explorados e oprimidos.
Neste ponto, pensamos ser necessário distinguir os conceitos de "colonialismo" e "colonialidade". O "colonialismo" se refere ao processo e aos aparatos de domínio político e militar que se desenvolvem para garantir a exploração do trabalho e as riquezas das colônias em benefício do colonizador (Grosfoguel, 2008b). A "colonialidade" é um conceito analítico criado por Aníbal Quijano (1989) e amplamente utilizado no âmbito da Reflexão Decolonial pelo Grupo M/C. Segundo o autor, a "colonialidade" se configura como um fenômeno histórico muito mais complexo que o "colonialismo" e se estende até nosso presente, referindo-se a um padrão de poder que opera por meio da naturalização de hierarquias territoriais, raciais, culturais e epistêmicas, possibilitando a reprodução de relações de dominação. Desse modo, ele exprime a constatação de que as relações de colonialidade nas esferas econômica e política não findaram com a destruição do colonialismo.
Em termos conceituais, a distinção entre "descolonização" e "decolonialidade" também é fundamental nesta reflexão. Em termos históricos e temporais, a "descolonização" indica uma superação do colonialismo, enquanto a "decolonialidade"
procura transcender a colonialidade, entendida como a face obscura da modernidade, que permanece operando ainda nos dias de hoje em um padrão mundial de poder (Ballestrin, 2013). Ainda que as administrações coloniais tenham terminado e grande parte da periferia se tenha organizado em Estado-Nação, os povos não-europeus continuam vivendo sob a égide da exploração e dominação europeia/euro-americana. (Quijano, 2000a, 2000b)
A "decolonialidade" se configura em um projeto proposto pela Reflexão Decolonial que não envolve apenas o fim das relações formais de colonização, mas uma oposição radical ao legado e produção contínua da colonialidade do poder, do saber e do ser. Busca, por isso, confrontar as hierarquias de raça, gênero e sexualidade4 que foram geradas ou reforçadas pela modernidade europeia, no processo de conquista e escravização de inúmeros povos do planeta (Maldonado-Torres, 2007, p.161).
A "colonialidade" assenta na "diferença colonial", sendo esta "o local ao mesmo tempo físico e imaginário onde atua a colonialidade do poder, no confronto de duas espécies de histórias locais visíveis em diferentes espaços e tempos do planeta" (Mignolo, 2003, p. 10). A "diferença colonial" é uma consequência do sistema-mundo moderno/colonial.5 Neste sentido, é fruto do imaginário da modernidade que se traduziu concretamente na origem de uma violência sacrificial travestida nos projetos de cristianização, civilização, desenvolvimento e democratização (Dussel, 1994).
No campo epistemológico, Walter Mignolo (2003) analisa como se constitui esse imaginário ao longo da formação do sistema moderno/colonial e afirma que ocorreu, também, uma colonização nessa área. A "colonialidade do saber" apoia-se no etnocentrismo e no eurocentrismo, presentes nas raízes da modernidade, tanto na filosofia, literatura, religião, assim como na ciência. Nesta perspectiva, a razão moderna, segundo o Mignolo (2007b), estabelece o locus de enunciação que, em nome da racionalidade, da ciência e da filosofia, afirmou seu próprio privilégio sobre outras formas de racionalidade e sobre formas de pensamento.
A "geopolítica do conhecimento" se configura, assim, como uma forma de romper com essa atopia do saber.
Los lugares de enunciación generan, por un lado, las geopolíticas del conocimiento en sus diversas y complejas relaciones con los diversos imperialismos occidentales [...] y, por otro, las condiciones para la toma de decisiones éticas, políticas y epistémicas para la descolonización del saber y la contribución a crear un mundo críticamente cosmopolita. (Mignolo, 2003, p. 54)
Como parte do constructo epistemológico da "colonialidade", o conceito de "colonialidade do ser" surge na perspectiva de responder a uma necessidade de aclarar a pergunta sobre os efeitos da colonialidade na experiência vivida e na mente do sujeito subalterno. No contexto da Reflexão Decolonial, Dussel (2002) esclarece a dimensão histórica da "colonialidade do ser" e, antes dele, Fanon (2008) articula as expressões existenciais da colonialidade, em relação à experiência racial e concentra sua atenção no trauma do encontro entre o sujeito racializado e subalterno com o outro imperial.6
O "pensamento fronteiriço" leva em conta a duplicidade de consciência que o "sistema mundo colonial/moderno" gera. É duplo porque é a consequência do embate de, no mínimo, duas histórias locais, sendo que uma delas se pensa como global. Além disso, as experiências coloniais são as mais diversas possíveis, ocorrendo nas margens externas dos projetos globais -nas Américas, Ásia, Norte da África- e no interior dos países centrais -latinos e negros nos EUA; paquistaneses, indianos e negros no Reino Unido; argelinos na França etc. (Grosfoguel, 2003).
Nesta medida, a "descolonização" do poder, do saber e do ser se coloca como questão fundamental no pensamento decolonial e na busca de construir novas formas de expressão do poder, do conhecimento e da subjetividade a partir do Sul (Mignolo, 2010).
A Reflexão Decolonial envolve uma oposição radical ao legado e produção contínua da colonialidade do poder, do saber e do ser. É um giro epistêmico e humanístico que propõe o reconhecimento de todo humano como membro real de uma mesma espécie, superando a invisibilização e a visibilidade distorcida. Possibilita, assim, a construção de um "mundo decolonial transmoderno" a partir das múltiplas identidades latino-americanas, não definidas em termos ontológicos, mas como uma complexa história de produção de novos sentidos históricos que partem de legítimas e múltiplas heranças de racionalidade (Quijano, 1988, p. 69).
As construções teóricas do Grupo M/C se constituem a partir da crítica à historiografia hegemônica e à ciência eurocentrada. Geopoliticamente, demarca esse olhar crítico a partir da América Latina colonial, pós-colonial, moderna e contemporânea. A aproximação deste debate e desta reflexão crítica sobre o cotidiano do "homem ordinário" (Certeau, 1994) favorece a ampliação das perspectivas teórico-metodológicas das pesquisas sociais. A complexidade do cotidiano, que se expressa na sua simplicidade, é um campo rico em produção de sentidos históricos novos que carregam em si a colonialidade e pode apontar caminhos decoloniais.
O cotidiano e as práticas cotidianas
Como constructo teórico e abstrato, o "cotidiano"7 se constitui numa ferramenta que possibilita analisar e refletir sobre a complexidade da vida ordinária.
Michel de Certeau (1994, 2011) privilegia a análise do mundo diário, povoado por uma profusão de gentes, falas, gestos, movimentos e coisas, que abriga "invenções anônimas", desvios, que se manifestam nas táticas difusas do homem comum que age e transforma o mundo. Para o autor, esse cotidiano não está dado, ele nasce das relações, indo do micro para o macro. "O cotidiano se inventa com mil maneiras de caça não autorizada" (Certeau, 1994, p. 38). Nele, há sempre lugar de invenção, das "artes de fazer" (p. 42).
A ênfase dada pelo autor ao cotidiano, como uma espécie de campo de batalha, rompe não apenas com o caráter normativo da ação social cotidiana como dá visibilidade às relações de poder que incidem de modo substancial na construção social da vida pública cotidiana. Desse modo, as estratégias são as práticas que postulam "um lugar suscetível de ser circunscrito como algo próprio", sendo, portanto, a estratégia organizada pelo "postulado de poder". As táticas, por sua vez, são sistemas de astúcias que se infiltram na heterogeneidade social; elas se esquivam, se insinuam, se contrapõem. "Chamo por tática a ação calculada que é determinada pela ausência de um próprio. Então, nenhuma delimitação de fora lhe fornece a condição de autonomia. A tática não tem lugar senão o do outro" (Certeau, 1994, p. 100).
Determinada pela "ausência de poder", a tática é a "arte do fraco", por isso opera "golpe por golpe": "a tática tem que utilizar, vigilante, as falhas que as conjunturas particulares vão abrindo na vigilância do poder proprietário. Aí vai caçar. Cria ali surpresas. Consegue estar onde ninguém espera. É astúcia" (p. 101).
Ao analisar processos de colonização, o autor observa que, mesmo subjugados, os colonizados usavam as leis, as práticas ou as representações que lhes eram impostas para outros fins. "Faziam com elas outras coisas: subvertiam-nas a partir de dentro - não as rejeitando ou transformando-as (isto ocorria também), mas por cem maneiras de empregá-las ao serviço de regras, costumes ou convicções estranhas à colonização da qual não podiam fugir" (p. 94).
Certeau vê no cotidiano a fissura onde a "antidisciplina"8 opera. Movida pela "atividade criadora dos praticantes cotidianos" (Certeau, 2011, p. 18), a antidisciplina se firma como "inversão e subversão pelos mais fracos" (Certeau, 1994, p. 18) e põe em evidência "as maneiras de fazer". Esta, por sua vez, se configura como uma maneira de utilizar sistemas impostos, constitui-se como resistência à lei histórica de um estado de fato e suas legitimações dogmáticas. Uma acrobacia empreendida pelo "fraco", uma astúcia e esperteza no modo de utilizar ou de driblar os termos dos contratos sociais. Mil maneiras de jogar/desfazer o jogo do outro. Estratagemas de combates que exigem uma arte nos golpes, nos lances e um prazer em alterar as regras de espaço do opressor (p. 79).
O autor dedica atenção à colonização latino-americana na condição dos indígenas submetidos à cristianização forçada pelo colonizador hispânico (que se aplica também à colonização pelos portugueses e ao sincretismo nas religiões africanas).9 "Parecendo por fora submeter-se totalmente e conformar-se com as expectativas do conquistador, de fato 'metaforizavam a ordem dominante' fazendo funcionar as suas leis e suas representações 'num outro registro', no quadro de sua própria tradição" (Certeau, 1994, p. 18). Certeau chama de "arte" brasileira (p. 76) a maneira como as fatalidades da ordem estabelecida são desfeitas utilizando quadros de referência que lhes foram impostos, como a religião, por exemplo:
Um uso ("popular") da religião modifica-lhe o funcionamento. Uma maneira de falar essa linguagem recebida a transforma em um canto de resistência, sem que essa metamorfose interna comprometa a sinceridade com a qual pode ser acreditada, nem a lucidez com a qual, aliás, se veem as lutas e as desigualdades que se ocultam sob a ordem estabelecida. (p. 78-79)
Neste cotidiano de desigualdade e opressão, as táticas usadas nas práticas cotidianas são dinâmicas. Elas dependem sempre de um "Outro". Não tendo lugar certo para operar.
O trabalho analítico apresentado por Michel de Certeau inscreve-se na diegese combinatória sutil, de tipos de operações e de registros, colocando em cena uma operação de fazer-com, aqui e agora, num ato singular que se liga a uma situação, circunstâncias e a atores particulares. Assim, a cultura ordinária é, essencialmente, uma ciência prática e singular (Certeau, 2011, p. 341). Neste sentido, o autor afirma que,
Muitas práticas cotidianas (falar, ler, circular, fazer compras ou preparar refeições, etc.) são do tipo tática. E também, de modo mais geral, uma grande parte das 'maneiras de fazer': vitórias do 'fraca' sobre o mais 'forte' (os poderosos, a doença, a violência das coisas ou de uma ordem, etc.), pequenos sucessos, artes de dar golpes, astúcias de 'caçadores', mobilidades de mão-de-obra, simulações polimorfas, achados que provocam euforia, tanto poéticos como bélicos. Essas performances operacionais dependem de saberes muito antigos. Os gregos as designavam pelas métis. Mas elas remontam a tempos muito mais recuados, a imemoriais inteligências com as astúcias e simulações de plantas e de peixes. Do fundo do oceano até as ruas das megalópoles, as táticas apresentam continuidades e permanências. (Certeau, 1994, p. 47)
Essa multiplicidade das práticas e dos gestos técnicos é que configuram e dão contornos à vida cotidiana, enriquecendo o tecido social e as relações. Um importante capital simbólico está depositado nas "maneiras de fazer" que preenche a vida comum, imerso em regras combinatórias que associam a inteligência concreta, a engenhosidade no manejo e a esperteza criadora no turbilhão infinito das práticas cotidianas (Certeau, 2011, pp. 285-286).
O olhar a partir do Brasil, de Minas Gerais e de um povoado10
A narrativa hegemônica historiográfica assente no imaginário do Ocidente foi produtora e produto da colonização. Uma geopolítica do conhecimento que gerou subalternidade de saberes, povos e culturas, resultando numa genealogia dos processos de subalternização das diferentes formas de saberes, línguas, histórias locais, memórias e costumes que foram subsumidas no contexto da colonialidade (Santos, 2010).
Neste sentido, é necessário reafirmar novos lugares de enunciação, que se configuram como espaço fronteiriço, como "espaço subalterno", ou seja, um pensamento que identifica o potencial do pensamento que surge da subalternidade colonial, o espaço no qual o pensamento foi negado pelo pensamento da modernidade, de esquerda ou de direita. Um "pensamento fronteiriço" que não se configura em um fundamentalismo teórico e prático, que rejeita tudo e qualquer coisa que seja europeia, mas que considera a duplicidade de consciência que o "sistema-mundo colonial/moderno" gera. Um pensamento que é duplo, porquanto é a consequência do embate de, no mínimo, duas histórias locais, sendo que uma delas se pensa como global. Além disso, as experiências coloniais são as mais diversas possíveis, ocorrendo nas margens externas dos projetos globais (Grosfoguel, 2003).
Considerar os lugares de enunciação é fundamental para a construção de uma crítica às pretensões universalistas atribuídas ao conhecimento ocidental. Um imaginário generalizante produzido a partir da modernidade europeia, que se autoelegeu o imaginário do ser humano e que sustentou um imaginário linear e progressista da história. Nele, a modernidade figura como um processo contínuo e necessário da evolução humana. Uma ideologia epistemológica de cunho universalista do saber que oculta sua localização e, consequentemente, subalterniza outros saberes locais não europeus.
As contribuições de Santos (2010) se assentam na perspectiva de que todo conhecimento é contextual, mas o contexto é uma construção social e dinâmica.
Em 1996 escrevia Darcy Ribeiro:
Meu sentimento era de que nos faltava uma teoria geral, cuja luz nos tornasse explicáveis em seus próprios termos, fundada em nossa experiência histórica. As teorizações oriundas de outros contextos eram todas elas eurocêntricas demais e, por isso mesmo, impotentes para nos fazer inteligíveis. Nosso passado, não tendo sido o alheio, nosso presente não era necessariamente o passado deles, nem nosso futuro um futuro comum. (p.13)
O sentimento de que fala o autor data de algumas décadas antes de ser registrado no prefácio de sua última obra O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Traduz a necessidade de um encontro com o próprio, um estudo identitário baseado em teorias que se aproximem da experiência colonial vivida no passado, sentida no presente e com reflexos no futuro que estão por ser construídas a partir da desadequação das teorias herdadas (Santos, 2010).
Os estudos acerca da constituição do Brasil e dos brasileiros feitos por Ribeiro (1996) partem de uma teoria de base empírica das classes sociais, tais como elas se apresentaram no cotidiano brasileiro e latino-americano. Para o autor, "o esquema marxista aceito, sem demasiados reparos, no mundo europeu e no anglo-saxão de ultramar, feito de povos transplantados, empalidece frente à nossa realidade ibero-americana" (Ribeiro, 1996, p.15). Deste modo, afirma que a sociedade brasileira e a cultura brasileira são conformadas como variantes da versão lusitana da tradição civilizatória europeia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados das matrizes dos índios americanos e dos negros africanos, o que ele chamava processo de fazimento da cultura brasileira. Apesar da diversidade, não seria possível falar em reconhecimento das diferenças, uma vez que a lógica eurocêntrica de supremacia do colonizador europeu e branco sobre índios, negros, mestiços gerou opressão que se traduziu no racismo, discriminação sexual e social.
Calculo que o Brasil, no seu fazimento, gastou cerca de 12 milhões de negros, desgastados como a principal força de trabalho de tudo o que se produziu aqui (...). Ao fim do período colonial, constituía uma das maiores massas negras do mundo moderno. (p.220)
Segundo o autor, à composição de matrizes raciais juntou-se a composição regional dos Brasis: Crioulo, Caboclo, Sertanejo, Caipira e Sulino, que se configurou a partir dos quadros locais. Poucas décadas depois do "descobrimento", de acordo com uma copiosa documentação, já se configurava no Brasil uma etnia embrionária, multiplicada e difundida em vários núcleos espalhados pelo território ainda em expansão.
O século XVIII ganhou contornos de Século do Ouro na história do Brasil. Em grande parte, o significado do século XVIII derivou do ouro e diamantes arrancados do interior da Colônia, das capitanias de Minas Gerais, Bahia, Goiás e Mato Grosso (Figueiredo, 2006).
Na região das Minas Gerias, o Brasil Caipira tomou forma. Meio século depois da sua descoberta já era a capitania mais populosa e a mais rica da colônia. Neste cenário, se constituiu um brasileiro forjado a partir da decadência da atividade mineradora que submerge toda a área numa economia de pobreza. A desagregação progressiva da economia e da sociedade encontra seu equilíbrio numa variante da cultura brasileira rústica, que se cristaliza como área cultural caipira, marcada principalmente pela agricultura itinerante, manufaturas e economia artesanal doméstica (Ribeiro, 1996).
No interior de Minas Gerais está o povoado do Bichinho- nome atribuído ao lugarejo ainda no período colonial (1718), segundo registros do Arquivo Histórico Ultramarino de LisboaAHU, 2015- ou Vitoriano Veloso. O nome atual é uma homenagem ao "mensageiro da Inconfidência Mineira" Vitoriano Gonçalves Veloso, que nasceu naquele local em 1738. Assim como Minas Gerais, o povoado do Bichinho viveu a atividade aurífera e sua decadência no século XIX. Contudo, nem mesmo em seu ápice, "os tempos dourados" vividos no século XVIII, sua população chegou a usufruir da riqueza que produzia. Após a decadência da mineração, o ouro e as pedras preciosas deram lugar à agricultura e à pecuária. Em todo o estado, à época, o incentivo às lavouras de subsistência voltadas para o cultivo de mandioca, feijão e milho, assim como a criação de pequenos animais, como galinha, porcos e cabras, foram as maneiras encontradas pelos fazendeiros para manter os trabalhadores livres no interior das grandes fazendas e evitar que se deslocassem rumo a outras regiões (Priore, 2006). Essas práticas envolviam toda a família e ainda hoje são fontes econômicas da localidade. Nascia também aqui o brasileiro caipira.
Materialmente é possível identificar características coloniais no povoado do Bichinho, principalmente na arquitetura rústica das poucas casas que abrigam seus moradores, cerca 760 pessoas em 2010 (PMP, 2013). Há também toda uma cultura material que dá contornos coloniais ao cotidiano do lugar, contudo, e também devido a essa característica de preservar esse aspecto da própria história, é também um polo turístico e de artesanato.11
O cotidiano de um povoado: colonialidade e artes de fazer
A abordagem qualitativa dá contorno a esta pesquisa. Neste sentido, consideramos como conteúdo de análise os significados, as crenças, os valores e as atitudes, buscando analisar a partir delas os processos identitários, problematizando os jogos de identidades, as tensões de poder na relação colonial e a constituição das identidades (Santos, 2010).
Na esteira de Certeau (1994), consideramos ainda que essas construções identitárias são formas de resistências e subversões que estão presentes e se realizam no cotidiano, materializam-se em atos e objetos, permeados de história e memória.
Nesta perspectiva, apoiamo-nos na convicção de que o campo se caracteriza como o local onde se dão a observar essas resistências e, assim, o campo de pesquisa se configura num espaço não apenas de observação, mas de vivência em primeira mão que orienta o pesquisador quanto ao caminho a ser trilhado ao longo da pesquisa, articulando conhecimento científico e empírico, numa práxis metodológica (Barbosa, 2014a).
A observação participante é definida como um método pelo qual o observador participa na vida diária das pessoas sob estudo, seja abertamente no papel de pesquisador, seja de forma encoberta, por meio de uma cuidadosa observação das situações do cotidiano, ouvindo e questionando em um espaço durante algum tempo. Não se trata de um método único, mas um modo de pesquisa que combina vários métodos com uma finalidade particular e científica (Becker & Geer, 1969; Maccall & Simmons, 1969; Haguette, 2010).
Essa escolha metodológica apontou a história oral e as narrativas como constituição de fonte para a investigação, bem como para a produção de conhecimento histórico e para sua articulação com a memória. Essa escolha afirma-se na perspectiva de que o trabalho com fontes orais possibilita trazer à História, como sujeitos e/ou testemunhos, aqueles que, de certa forma, foram excluídos e colocados no anonimato, sem direito à memória (Alberti, 2004; 2005).
O povoado do Bichinho e a história das mulheres artesãs locais se configuraram como objeto da investigação de mestrado. Dona Maria não é artesã e, portanto, não figurou no cenário da pesquisa. Contudo, sua presença no cotidiano da pesquisadora se fez fundamental e de profunda riqueza. A casa de Dona Maria foi, e ainda é, a base que acolhe a pesquisadora no campo. E aqui se insere sua participação na investigação.
A casa de Dona Maria dispõe de quartos para alugar. Uma casa tipicamente mineira. Um pavimento apenas. Janelas de guilhotina e de bandeiras em pranchas com tramelas azuis, assim como as portas. É pintada de azul claro, com telhado, eira e beira, rodeada por um quintal gramado, meio muro, cerca de estacas de madeira, portão sempre aberto e um cão simpático. No interior, a sala tem imagens de Nossa Senhora, do Papa João Paulo II, uma foto de um casal de namorados, uma homenagem às mães e estátuas de santos em altares pendentes nas paredes. As portas dos quartos, que têm a Pomba da Paz presa a elas, dão para a sala. Um banheiro, que antes era um quarto e agora está reformado, serve a todos. Tem uma janela azul com vista para a rua. Uma cozinha acolhedora, escondida atrás de uma cortina de franjas de plástico, com uma mesa comprida, bancos com pés de madeira e fogão a lenha sempre aceso. Da janela vê-se a horta e o galinheiro.
Um pouco da história de vida de Dona Maria nos foi contada por ela entre os muitos cafés da tarde e biscoitinhos.
Ficou viúva há quase três décadas. Tinha 31 anos e ainda se recuperava do parto de seu sexto filho. O marido faleceu repentinamente aos 36 anos. Desde então não se casou mais. Há dois anos teve um namorado, mas era mulherengo e descansado, não serviu. Trabalhou por 18 anos como empregada doméstica. Atualmente está aposentada. Há dois anos teve um princípio de AVC e depois de 15 dias de internação não pode mais trabalhar. Ela afirma que como não falava de seus desagrados, foi guardando tudo na cabeça e por isso a veia se rompeu.
Alegremente diz que gosta de dançar e quando pode vai até o município vizinho no baile de forró. Acredita que lá só não arranjou companhia porque não quis. Um senhor gostou dela e pediu para conhecer seus filhos, sua casa, seu número de telefone... Achou ele muito apressado e "grudento". Decidiu, então, não ir ao baile por algum tempo para que ele a esquecesse. Afirma que não quer saber de homem em casa, pois acostumou sozinha.
Ela e suas amigas reúnem-se à tarde, também entre o café e os biscoitos, e em meio às lembranças de infância, falam com gostinho de vingança dos donos de terras, os fazendeiros, que perseguiam os moradores impedindo que recolhessem lenha no interior de suas propriedades. "Morreram e não levaram nada" (Dona Maria. Comunicação pessoal, 11 de outubro de 2012).
A pobreza e o trabalho infantil também figuram nas lembranças de Dona Maria.
Meu pai saía de manhã e não deixava nada de almoço, minha mãe que se "virasse" para arranjar o que cozinhar. Um dia fomos para a lavoura e ela demorou para levar a comida, desmaiei no meio do milharal. Só tínhamos água do rio para beber. Meu pai me levou até o rio, me deu água e me deixou deitada. Mais tarde minha mãe chegou com a sopa de couve para nós.
As lembranças evidenciaram, também, a herança colonial. O rigor patriarcal se fez presente nas relações familiares. Ela, que era a filha mais velha, interrompeu os estudos, pois devia trabalhar na lavoura ao lado do pai. Era um trabalho pelo qual não recebia qualquer remuneração, pois o dinheiro destinava-se à compra de mantimentos para o sustento da família. Assim, para fazer o enxoval de seu casamento vendia a lenha que recolhia às escondidas nas fazendas da região depois do trabalho na lavoura. Casou-se aos 18 anos com o primeiro namorado. Acreditava que o casamento significaria uma vida melhor.
Dona Maria recorda-se de que enquanto ela e a irmã ficavam na companhia do pai durante o trabalho ele era bom e ficava contente, mas quando elas pediam para sair para passear eram destratadas. Quando recebiam permissão para ir a um baile, a hora de retornar era rigorosa. Então, para ficarem mais tempo e sabendo que o atraso implicava que o pai as fosse buscar com o "reio" (um tipo de chicote), revezavam-se na vigilância à sua chegada. Uma ficava dentro do baile e a outra do lado de fora; quando avistavam o pai chegando, fugiam pelos fundos e iam para casa, assim, quando ele chegava e as encontrava já dormindo, não lhes batia.
Depois que o marido faleceu, Dona Maria ainda continuou a trabalhar na lavoura para criar seus filhos. Trabalhava em um sistema de "meeira" com o dono da terra. Lembra que, na colheita de milho em que preparou a terra, semeou, limpou e colheu, fez muitas cestas. Ao dividir e ficar com a metade, sentiu que aquela vida não servia para ela. Trabalhar sozinha e dividir ao meio a produção com quem não trabalhou era injusto demais. Deixou a lavoura e se empregou como doméstica. Função que desempenhou por 18 anos. Todos os filhos e filhas estão adultos. Uma filha está na faculdade e todos estão bem. Emocionada, Dona Maria conta que têm orgulho dela e dizem para todos que a mãe os criou sozinha. Olha em volta e diz "hoje sou rica".
A hora já ia avançada noite adentro e nos despedimos. "A gente conta as histórias para desabafar, cuidado para não ter pesadelo..." me disse sorrindo.
Algumas considerações
A simplicidade aparente desses fragmentos do cotidiano protagonizados por Dona Maria pode esconder, num primeiro momento, a complexidade das relações coloniais e a colonialidade histórica e atual, se não estivermos atentos como investigadores ao locus de enunciação do subalterno e a um cotidiano povoado por táticas de resistência. Um cotidiano que, em meio aos conflitos e contradições da modernidade, possivelmente, aponta fissuras pelas quais a decolonialidade se mostra.
Se "o cotidiano é aquilo que nos é dado a cada dia, [...] que nos prende intimamente, a partir do interior [...]" como diz Certeau (1994, p. 31), será ele, também, o lugar de histórias e memórias e o campo de batalha onde surgem e são perpetradas as táticas para "desfazer o jogo do dominante de maneira sutil", visando resistir e sobreviver.
No cotidiano do povoado, representado nas palavras de Dona Maria, estão presentes aspectos que ligam o passado e o presente. A presença colonial está na materialidade da cultura, nas construções das casas, nos rituais religiosos, nos costumes alimentares em seu fazimento e em sua produção, no fogão a lenha e na horta. A colonialidade se expressa nas relações patriarcais, raciais e sexistas presentes nas relações familiares e trabalhistas.
O cotidiano é como campo de batalha e local onde o combate criativo e a subversão silenciosa surgem para garantir a sobrevivência, a liberdade e o prazer. Pequenas vinganças com sabor de vitória do fraco sobre o forte. Das filhas oprimidas sobre o pai autoritário que não as alcança para castigar. Da mulher que não aceita dividir ao meio o produto de 100% do seu trabalho e se nega a permanecer numa relação trabalhista que, mesmo a "meia", é profundamente desigual. Vitória sobre o rico que nada pode levar consigo ao morrer.
O cotidiano em que se fez presente a possibilidade de viver a pobreza, a infância e a juventude de trabalho sem remuneração em detrimento dos estudos, mescla-se com pequenas artimanhas. Ficar no baile até mais tarde ou juntar lenha escondida do dono da terra para fazer o enxoval, constituem-se em táticas das artes de fazer. Cabe nelas a esperança de dias melhores, ainda que por meio do casamento, numa reprodução do mesmo sistema patriarcal e sexista do qual ela se rebelou silenciosamente e, por vezes, até inconscientemente.
Na sobrevivência imposta pela vida, Dona Maria viveu a viuvez e o desafio de sustentar sozinha os filhos numerosos. Nela, também, o lazer da dança e a possibilidade de desejar ou não um parceiro, surgem como capacidade para fazer escolhas, subvertendo as determinações de algumas heranças coloniais: o patriarcado e o sexismo.
Se a colonialidade é uma herança perversa do "sistema-mundo moderno/colonial" e está presente no cotidiano dos povos subalternos e pós-coloniais, deverá ser a partir desse cotidiano e de suas inúmeras narrativas, em que se evidenciam as inúmeras formas de resistência e subversão, que um pensamento fronteiriço deverá emergir. Nele, a decolonialidade, presente no cotidiano como um processo impregnado de artes de fazer e de pensar, se constitui, a partir da emergência de saberes plurais, não hegemônicos e locais, favorecendo construções outras do mundo, da vida, da política e do ser.
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Recebido em 25/02/2015
Aprovado em 16/01/2017
* A professora Maria Inácia D'Ávila faleceu em outubro de 2015. As reflexões apresentadas neste artigo são privilegiadas por suas contribuições. Deixamos aqui nossa homenagem, nossa saudade e nosso agradecimento.
1 A investigação compôs a dissertação de mestrado em Psicossociologia de comunidades e ecologia social, EICOS, UFRJ (2012-2014) intitulada Mulher e artesanato: as artesãs do povoadodo Bichinho/Prados-Minas Gerais. Seu aprofundamento está em curso na tese de doutoramento em Estudos Contemporâneos realizado na Universidade de Coimbra (2014) intitulada Divino Espírito Santo, entre a Igreja e o artesanato (1992-2016): narrativas identitárias do povoado de Vitoriano Veloso das Minas Gerais do Brasil.
2 Segundo Sanjay Seth: "o 'pós' na teoria pós-colonial não significa o período ou era 'depois' que o colonialismo chegou ao fim, mas ao contrário, significa o período histórico inteiro depois do início do colonialismo" (Seth, 2013, p. 1). Sobre o termo pós-colonialismo ver também: Costa, 2006; Santos, 2010.
3 O "giro decolonial" é indissociadamente um movimento teórico, ético e político que questiona as pretensões de objetividade e neutralidade do conhecimento científico dos últimos séculos. Sobre o tema ver: Castro-Gómez e Grosfoguel (2007a; 2007b); Mignolo (2010).
4 Os conceitos de raça, gênero e sexualidade são complexos e fundamentais para a reflexão crítica da modernidade, contudo não é possível aprofundá-los adequadamente aqui. Sobre esses temas ver: Bernardino-Costa, J. e Grosfoguel, R. (2016); Boxer, C. R. (1963); Carbia, R. (1944); Fanon, F. (2008); Quijano, A. (1992c; 1998); Bahri, D. (2006); Lugones, M. (2008); D'Ávila, M. I. (1994); Priore, M. D. (2006; 2011); Miñoso, Y. (2009).
5 A partir das teorizações de Immanuel Wallerstein sobre sistema-mundo, Mignolo constrói o conceito de "sistema-mundo moderno/colonial" no qual propõe, sem negar o caráter econômico de acumulação de capital à escala mundial que moveu as expansões coloniais, uma questão epistêmica que desloca o locus de enunciação, transferindo-o do homem europeu para os povos ameríndios (Quijano, 1988; 1992a; 1992b; 2000b; Grosfoguel, 2006).
6 Walter Mignolo considera Franz Fanon como figura central na articulação da "colonialidade do ser". Sobre o tema ver: Mignolo (2004, p. 669).
7 Sobre o tema ver: Heller, A. (1985; 1987); Certeau, M. D. (1994; 2011); Goffman, E. (2009); Josgrilberg, F. (2014).
8 O conceito de "antidisciplina" surge na obra de Michel de Certeau em 1980 e é considerado uma das maiores contribuições teóricas do autor. Sobre o tema ver: Filho, A. (2002).
9 Sobre a resistência dos índios e dos negros no Brasil colônia ver: Ferreti, S. F. (2001); Monteiro, J. (1999); Oliveira, A. (2007); Silva, E. (2015); Vainfas, R. (1995; 1999).
10 De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2007), povoado define-se como uma localidade que tem a característica definidora de Aglomerado Rural Isolado. Corresponde a um aglomerado sem caráter privado ou empresarial ou que não está vinculado a um único proprietário do solo, cujos moradores exercem atividades econômicas quer primárias, terciárias ou mesmo secundárias na própria localidade ou fora dela.
11 Sobre a história do artesanato local e da vocação turística do povoado do Bichinho, ver Barbosa, V. L. (2014a; 2014b); Fontes, S. (2006); O Brasil genial da Oficina de Agosto, (2008); Sousa Santos, (2010).