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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.12 no.2 São João del-Rei abr./jun. 2017

 

Mulheres idosas e sua experiência após a viuvez

 

Elderly women and their experience after widowhood

 

Mujeres ancianas y su experiencia después de la viudez

 

 

Taline StedileI; Maria Ivone Grilo MartiniII; Beatriz SchmidtIII

IGraduada em Psicologia pela Faculdade da Serra Gaúcha. Psicóloga clínica em consultório particular. E-mail: taline.stedile@hotmail.com
IIGraduada em Psicologia Universidade de Caxias do Sul. Especialista em Terapia de Casal e Família pelo Centro de Estudos da Família e do Indivíduo. Docente do Curso de Psicologia da Faculdade da Serra Gaúcha. E-mail: maria.martini@fsg.br
IIIGraduada em Psicologia, Especialista em Saúde da Família e Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: psi.beatriz@gmail.com

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi compreender a percepção de idosas sobre os recursos que favoreceram o processo de adaptação à viuvez, bem como as transformações em suas vidas, decorridos ao menos dois anos da morte do cônjuge. Três viúvas responderam ao questionário sociodemográfico e à entrevista semiestruturada. A análise de conteúdo qualitativa apontou dificuldades iniciais, relativas à necessidade de realinhamento das relações interpessoais e da rotina. Pôde-se constatar que a proximidade nas relações familiares, o apoio social percebido e a espiritualidade se caracterizaram como importantes recursos, minimizando o sentimento de solidão desencadeado com a morte do companheiro. Discutiu-se a possível influência de variáveis socioeconômicas no processo de elaboração do luto. Destacou-se a importância de profissionais que atuam com idosos conhecerem os desdobramentos provocados pela viuvez para, assim, oferecer suporte emocional com o intento de prevenir sintomas psicopatológicos, bem como promover saúde e qualidade de vida na velhice.

Palavras-chave: Luto. Morte. Psicologia do idoso. Relações familiares. Relações conjugais.


ABSTRACT

The aim of this study was to understand the perception of the elderly women about resources that favored the process of adapting to widowhood, and the changes in their lives, at least two years after the death of their spouse. Three widows answered a sociodemographic questionnaire and a semi-structured interview. Qualitative content analysis pointed out initial difficulties related to the need for realignment of interpersonal relationships and routine. It might be noted that the closeness in family relationships, perceived social support and spirituality were characterized as important resources, minimizing the feeling of loneliness triggered by the death of their mate. The possible influence of socioeconomic variables in the grief process was discussed. The importance of professionals knowing the impact caused by widowhood and, thus, offering emotional support, was highlighted. Therefore, it is possible to prevent psychopathological symptoms as well as to promote health and quality of life in old age.

Keywords: Grief. Death and dying. Aging-psychological aspects. Family relations. Marital relations.


RESUMEN

El objeto del presente estudio fue comprender la percepción de las ancianas sobre los recursos que favorecieron el proceso de adaptación a la viudez, así como las transformaciones en sus vidas, transcurridos al menos dos años de la muerte del cónyuge. Tres viudas respondieron a un cuestionario sociodemográfico y a una entrevista semiestructurada. El análisis de contenido cualitativo señaló dificultades iniciales, relativas a la necesidad de realineamiento de las relaciones interpersonales y de la rutina. Se puede constatar que la proximidad en las relaciones familiares, el apoyo social percibido y la espiritualidad se caracterizaron como importantes recursos, minimizando el sentimiento de soledad desencadenado con la muerte del compañero. Se discutió la posible influencia de variables socioeconómicas en el proceso de elaboración del luto. Se destacó la importancia de que los profesionales que actúan junto a los ancianos conozcan los desdoblamientos provocados por la viudez para, así, ofrecer soporte emocional con la intención de prevenir síntomas psicopatológicos, así como promover la salud y la calidad de vida en la vejez.

Palabras clave: Luto. Muerte. Psicología del anciano. Relaciones familiares. Relaciones conyugales.


 

 

Avanços ocorridos nos últimos anos na área da saúde, bem como melhores condições de vida, propiciaram maior longevidade aos brasileiros. O fenômeno do envelhecimento populacional, que se caracteriza pelo aumento da proporção de idosos em relação à população total, vem ocorrendo de modo acelerado no Brasil, o que sugere a importância da formulação de políticas públicas (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, 2016; Moreira & Vieira, 2014; Suzuki, Silva & Falcão, 2012). A majoração da expectativa de vida provocou modificações sociais, como a possibilidade de convivência com até cinco gerações em uma família e de prolongamento do tempo de duração das uniões conjugais. Assim, evidencia-se atualmente a existência de um número expressivo de casamentos de longa duração, o que pode ser considerado fato histórico (Doll, 2013).

Segundo dados do IBGE (2013), pessoas com 60 anos ou mais de idade correspondiam a 12,6% da população brasileira no ano de 2012, sendo a maioria composta por mulheres (55,7%), em função dos efeitos da diferença de mortalidade por sexo. Dessa forma, há uma maior probabilidade de a mulher ficar e permanecer viúva na velhice, com ainda muitos anos de vida a percorrer (Walsh, 1995). Dentre as possíveis causas para esse fenômeno, além da maior expectativa de vida feminina, está o fato de elas geralmente se casarem com homens mais velhos e, também, de os homens, na maioria das vezes, recasarem após a viuvez (Camarano, 2002).

Nesse sentido, Meneses (2015) aponta para o fenômeno da feminização da velhice, o que requer a formulação de ações com o intento de melhorar a qualidade de vida da mulher idosa, sobretudo a exposta a maiores riscos de vulnerabilidade, por experimentar sentimento de solidão ou escassez de apoio social. Isso porque o apoio social - que consiste em trocas interpessoais que envolvem afeto, ajuda ou afirmação - é identificado como fator de proteção à saúde, na medida em que atende às necessidades de afiliação e pertencimento, bem como tende a favorecer a melhoria da autoestima (Brito, Costa & Pavarini, 2012). Além da rede de apoio social, outros aspectos estão associados à qualidade de vida no estágio tardio, a saber: saúde física e mental; intimidade nas relações interpessoais; manutenção de autonomia e independência; estabilidade financeira; fé e espiritualidade (Moreira & Vieira, 2014).

Entende-se que o aumento da longevidade não garante bem-estar, uma vez que as dificuldades enfrentadas na velhice podem estar associadas às transformações relativas ao processo de envelhecimento e às diferentes perdas sofridas nesse período do desenvolvimento humano (Carmona, Couto & Scorsolini-Comin, 2014). Os idosos costumam vivenciar mudanças em seus papéis familiares e sociais, frequentemente relacionadas à redução de autonomia, de condições financeiras e de contatos interpessoais, inclusive por eventual óbito do cônjuge ou de amigos e parentes (McGoldrick & Shibusawa, 2016; Suzuki et al., 2012). A dificuldade para lidar com essas transformações pode aumentar a probabilidade de ocorrência, por exemplo, de sintomas de depressão (Panagiotopoulos, Walker & Luszcz, 2013) ou até mesmo de suicídio (Carmona et al., 2014; Cavalcante, Minayo & Mangas, 2013).

No que diz respeito notadamente à perda de pessoas próximas, entende-se que se refere a uma situação traumática, independentemente da fase do ciclo de vida em que ocorra. Nesse sentido, embora a morte na velhice possa ser considerada um evento dos mais normativos no ciclo de vida (Both, Alves, Pereira & Teixeira, 2012), a viuvez acarreta desdobramentos ao desenvolvimento e à saúde do idoso, uma vez que as implicações do óbito do cônjuge se somam às demandas decorrentes do processo de envelhecimento, tornando-a um fenômeno bastante complexo (Benincá, Costella & Vivian, 2006; Walsh, 2016). Por tais motivos, a viuvez consiste em um dos estressores de mais difícil adaptação no estágio tardio (McGoldrick & Shibusawa, 2016; Moss & Moss, 2014).

A conjugalidade está associada à qualidade de vida, especialmente na velhice (Norgren, Souza, Kaslow, Hammerschmidt & Sharlin, 2004). Após a saída dos filhos de casa, os membros da díade conjugal costumam se aproximar e depender mais um do outro, o que fortalece o vínculo entre o casal, na medida em que o cônjuge passa a ser a principal referência em termos de oferta de apoio, bem como de companhia, interação e cuidado. Por esses motivos, a conjugalidade pode ser compreendida como um fator de proteção ao desenvolvimento na velhice (Carmona et al., 2014).

Assim, a morte do cônjuge, notadamente em casamentos de longa duração1, demarca o início de uma nova fase na vida do idoso que adquire o status de viúvo diante dos seus familiares e da sociedade (Baldin & Fortes, 2008). Cabe salientar que as repercussões sociais advindas da viuvez feminina e masculina são distintas. A literatura aponta que, como em geral o homem torna a se casar, sua vida tende a sofrer significativamente menos transformações em comparação à vida da mulher (Falcão, 2012). Por outro lado, a idosa viúva parece vivenciar o sofrimento mais prolongadamente. Isso pode ocorrer pelo fato de frequentemente não buscar se engajar em novo relacionamento conjugal, bem como de passar a sofrer limitações financeiras (Walsh, 1995). Ademais, há maior aceitação social para o recasamento de um homem viúvo do que de uma mulher viúva. Importante ressaltar ainda que, na atual estrutura etária, para formar uma nova união conjugal os homens buscariam mulheres mais jovens, ao passo que as mulheres buscariam homens com idade superior a sua, o que se associa a maiores chances de recasamento para idosos do sexo masculino (Meneses, 2015).

Os impactos acarretados pela viuvez se referem, sobretudo, a duas questões dolorosas que acontecem simultaneamente: a perda do cônjuge e a confrontação com a morte e a finitude da própria vida (Doll, 2013). Dessa forma, as tarefas psicossociais requeridas no ajustamento à viuvez abrangem desde a tristeza da perda até o reinvestimento no futuro, sendo que esse processo, para mulheres, caracteriza-se comumente por três fases: (i) como tarefa inicial, é importante buscar desatar os laços com o companheiro, admitir a sua morte e transformar as experiências compartilhadas em lembranças (contribui nesse sentido o encorajamento da expressão de tristeza pela perda); (ii) após aproximadamente um ano, a atenção costuma se voltar ao funcionamento do cotidiano e aos afazeres domésticos; (iii) em geral, passados um ou dois anos da perda do cônjuge, são realinhados os relacionamentos no sistema familiar e a viúva costuma buscar novas atividades, bem como retoma o interesse por outras pessoas (Walsh, 1995).

Importante destacar que a forma como cada pessoa encara e supera a perda do cônjuge é influenciada por diversos aspectos, dentre os quais a maneira como foi vivida a relação conjugal e a relação com os filhos, se houve cumplicidade, lealdade e companheirismo no relacionamento do casal, bem como se ocorreram traições e, até mesmo, violência doméstica. A partir desse contexto, se a pessoa manteve por anos um casamento marcado por sofrimento e tristeza, a viuvez poderá proporcionar sentimentos de alívio e de liberdade (Falcão, 2012).

Estudos anteriores que investigaram as principais transformações experienciadas após a perda do cônjuge na velhice apresentaram resultados distintos. Na pesquisa conduzida por Galicioli, Lopes e Rabelo (2012), constatou-se a vivência de falta e de solidão, bem como a modificação no estilo de vida (por exemplo, mudar de domicílio para passar a residir com os filhos, além de deixar de realizar atividades anteriormente feitas com o cônjuge). Esses achados são, de certo modo, diferentes dos obtidos por Rocha, Gobbi, Mazzarino, Krabbe e Areosa (2005), pois as idosas participantes desse estudo indicaram que após a perda do companheiro, mesmo mantendo uma boa relação com os familiares, passaram a viver de forma independente de sua família e a se dedicar a atividades fora do núcleo familiar.

O presente estudo foi delineado com o objetivo de compreender a percepção de idosas sobre os recursos que favoreceram o processo de adaptação à viuvez, bem como as transformações em suas vidas, decorridos ao menos dois anos da morte do cônjuge. A delimitação do tempo (isto é, ao menos dois anos) após a viuvez ocorreu em função da possibilidade de resolução das fases primárias do processo de ajustamento ao óbito do companheiro, as quais foram descritas por Walsh (1995) e anteriormente apresentadas nesse artigo. Outrossim, a intenção de compreender a percepção de mulheres idosas se deu pelo expressivo aumento da longevidade da população brasileira (IBGE, 2013, 2016; Moreira & Vieira, 2014), em associação ao fenômeno da feminização da velhice (Meneses, 2015). Entende-se que esse estudo pode promover reflexões e contribuir para o avanço do conhecimento sobre a temática, dada a importância de se aprimorar práticas profissionais (notadamente nas áreas de saúde e assistência social), além de políticas públicas adequadas às demandas atuais da população idosa no contexto nacional.

 

Método

Participaram desse estudo de caso múltiplo (Stake, 2006), de caráter transversal, três mulheres vinculadas a um grupo de convivência para idosos cujos encontros ocorriam no âmbito de uma instituição de ensino superior no Estado do Rio Grande do Sul. A amostra foi composta por conveniência, considerando as primeiras pessoas que aceitaram participar da pesquisa e preencheram os critérios de inclusão a seguir: sexo feminino, com idade igual ou superior a 60 anos, viúva há pelo menos dois anos de um casamento de mais de dez anos de duração, sem ter se engajado em novo relacionamento conjugal posteriormente à viuvez. A Tabela 1 apresenta as características sociodemográficas das participantes do estudo.

Os dados foram coletados por meio da aplicação de um questionário sociodemográfico e de uma entrevista semiestruturada, gravada em áudio, mediante prévia autorização das participantes. Tal entrevista foi realizada individualmente, em sala reservada especificamente para a coleta de dados, nas dependências da instituição de ensino superior que sediava o grupo de convivência para idosos.

O questionário sociodemográfico abordava aspectos tais como: idade; escolaridade e renda da participante; profissão e aposentadoria; caracterização do local de moradia e dos membros da família; duração do casamento e tempo de viuvez. A entrevista semiestruturada contemplava tópicos identificados a partir da literatura sobre o tema objeto do presente estudo, tendo sido organizada da seguinte forma: (i) recursos que favoreceram o processo de adaptação à viuvez (relação com a família; apoio social; e espiritualidade); e (ii) transformações vivenciadas após a morte do cônjuge (atividades domésticas; finanças; saúde; elaboração do luto; e prosseguimento da vida após a perda).

Após a coleta de dados, as entrevistas gravadas em áudio foram integralmente transcritas e analisadas, por meio de análise de conteúdo qualitativa (Laville & Dionne, 1999). As categorias e subcategorias de análise foram definidas a priori e consistiram nos tópicos formulados na entrevista semiestruturada. Salienta-se que o presente estudo não tem a intenção de generalização de resultados, mas sim de compreensão em profundidade dos casos analisados. De tal maneira, seguindo Stake (2006), espera-se que o entendimento desses casos possa contribuir para o entendimento de outros casos e para o desenvolvimento de futuros estudos sobre a temática.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Faculdade da Serra Gaúcha, sob o Parecer nº 779.771, sendo a pesquisa realizada em conformidade com a Resolução nº 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Ressalta-se que todos os nomes adotados no presente estudo são fictícios, de forma a preservar a identidade dos envolvidos.

 

Resultados e discussão

Na sequência, apresentam-se os resultados atinentes às categorias e subcategorias de análise, bem como se procede a discussão, considerando a literatura sobre a temática.

 

Recursos que favoreceram o processo de adaptação à viuvez2

Relação com a família

Todas as participantes referiram a família como principal fonte de apoio após o óbito do cônjuge. Além disso, indicaram manter bom vínculo notadamente com os filhos, os quais se faziam presentes cotidianamente, conforme ilustrado por meio das seguintes verbalizações: "[Os filhos] sempre vieram. [...] Continua igual. [...] Uma [filha] veio almoçar lá em casa comigo hoje" (Rosa); "Eles [os filhos] são assim, bastante aconchego, já eram e continuam assim. [...] Nos finais de semana eu vou sempre na casa deles" (Margarida).

Apenas Violeta percebeu que, depois da perda do cônjuge, os filhos se tornaram mais presentes em sua vida, como uma tentativa de auxiliá-la no momento inicial pós-óbito: "Eles tentaram me proteger né, me ajudar, mas como eles notaram que eu consegui me destrinchar sozinha, aí eles não me pressionaram muito, e não ficaram muito assim, em cima". No que diz respeito às características da relação com a família no momento da realização da entrevista, essa participante também referiu proximidade e contatos frequentes: "Acabei de sair de lá [da casa de um dos filhos], fui fazer o almoço. Eu convivo sempre. Todos os domingos tem o café lá em casa" (Violeta).

Os familiares, de modo geral, buscam se aproximar da pessoa enlutada logo após a perda para oferecer suporte nos primeiros momentos. Nesse sentido, Moss e Moss (2014) destacaram o papel dos filhos adultos que tendem a proteger a mãe após a viuvez, embora, com o passar do tempo, eles tenham retornado às suas atividades de vida cotidiana normalmente (Galicioli et al., 2012; Suzuki et al., 2012). Entende-se que o impacto da morte do cônjuge e os desdobramentos psicológicos não são somente imediatos, pois os sentimentos de isolamento social podem vir a se intensificar em longo prazo. Entretanto, no presente estudo, as participantes mantiveram uma boa relação, além de convívio habitual com os seus familiares após a viuvez, evidenciando satisfação com os vínculos estabelecidos.

A qualidade das relações interpessoais na família é apontada por vários autores como um importante recurso no enfrentamento do luto e na adaptação à viuvez na velhice (Baldin & Fortes, 2008; Both et al., 2012; Galicioli et al., 2012; Suzuki et al., 2012). As interações familiares costumam ser a principal fonte de suporte e elemento potencializador da saúde do idoso, o que favorece a resiliência frente a adversidades (Galicioli et al., 2012).

 

Apoio social

No que diz respeito ao apoio social externo à família, buscou-se identificar se as idosas possuíam uma rede formada por amigos, vizinhos ou profissionais vinculados às instituições que frequentavam, e de que forma tais relações eventualmente contribuíram para o processo de adaptação à viuvez. Na percepção das participantes, os elementos da rede de apoio social externo à família desempenharam um importante suporte na vivência e na elaboração do processo de luto.

Rosa relatou que frequentemente fazia contato com as amigas: "Às vezes eu começo a pensar em alguma coisa assim, daí [...] eu pego um telefone e ligo pra Amarílis, ou ligo pra Hortência, [...] vem aqui que eu tenho alguma coisa pra te contar, aí eu vou lá na Hortência, [...] aí a gente se [...] espairece um pouco". No mesmo sentido, Margarida destacou a importância de encontrar as amigas: "Eu vou lá, vou me encontrar com as fulanas, vou conversar, aqueles abraços, vou tomar um cafezinho, um lanchinho com elas, né?".

Dessa forma, há indicativos de que as relações de amizade se caracterizaram como um importante recurso das participantes no processo de superação do luto. Tal achado coaduna com o proposto por Rocha et al. (2005) que afirmaram que o contato com outras pessoas é fundamental, pois mantém a viúva ativa e também evita o possível isolamento no seu lar, ao mesmo tempo em que favorece o bem-estar psicológico e social, compensando, assim, uma parte do sofrimento e da solidão em geral vivenciados na velhice. Logo, as relações interpessoais e a possibilidade de exercer atividades ou de se sentir pertencente a grupos são fatores associados à qualidade de vida na velhice (Moreira & Vieira, 2014).

Além das relações de amizade, outro recurso que favoreceu o processo de adaptação à viuvez, segundo as participantes, foi a vinculação ao grupo de idosos: "Eu gosto de vir. [...] Ajuda, parece que quando eu não venho, eu sinto a falta de alguma de coisa. [...] É bom porque a gente se junta com a nossa turma, nós temos as nossas amigas" (Rosa); "A gente tem que participar das atividades, sair, porque se tu fica o dia inteiro em casa, tu fica numa [...] melancolia, digamos" (Margarida).

Pessoas idosas costumam possuir uma rede de apoio restrita, devido às perdas acumuladas no decorrer dos anos (Panagiotopoulos et al., 2013). Desse modo, é relativamente comum a busca por suporte em centros de convivência ou atividades delineadas especificamente a essa população, tais como a participação em grupos de idosos realizados por algumas instituições (Baldin & Fortes, 2008; Both et al., 2012), fato que caracterizava as participantes do presente estudo. Assim, há indicativos de que quando a viúva pode contar com suporte de pessoas amigas, tal como descrito pelas entrevistadas, tende a enfrentar e a superar de modo mais favorável a perda em comparação às que não possuem rede de apoio (Suzuki et al., 2012). A tendência verificada é que quanto maior a percepção de apoio social, menor tende a ser o sentimento de solidão (Carmona et al., 2014).

 

Espiritualidade

O presente estudo também procurou compreender de que forma a espiritualidade contribuiu para o processo de adaptação à viuvez. A fé foi considerada pelas três participantes como um importante recurso que as auxiliou na elaboração do luto, o que se exemplifica pelas seguintes asserções: "Eu acredito num ser maior, [...] numa energia maior que chamamos de Deus, Cristo, e eu acho que é isso que me dá esse alento, essa força de enfrentar o meu dia a dia" (Violeta); "A minha fé é aquela que me dá força. [...] Eu acho que a gente tem que ter espiritualidade, porque se não a gente sente um vazio dentro da gente. É Ele que dá essa força" (Margarida); "Eu sempre acreditei em Deus, porque Ele é o poderoso de todos, sem Ele a gente não é nada" (Rosa).

Por meio dos relatos, identificou-se que a espiritualidade auxiliou as idosas nesse período, constituindo-se como forma de apoio nos momentos difíceis, tal qual a ocasião da viuvez (Galicioli et al., 2012). Nessa subcategoria, é importante ainda destacar a frequência de expressões com a conotação de "força" nos discursos das participantes, remetendo ao suporte encontrado no sistema de crenças religiosas, o qual pode favorecer a compreensão sobre as perdas no decorrer da trajetória de vida (Baldin & Fortes, 2008; Suzuki et al., 2012). Assim, há indicativos de que as participantes se valeram da fé como uma estratégia de enfrentamento ao luto. Sobre esse aspecto, Panagiotopoulos et al. (2013) assinalaram que a crença religiosa pode prover suporte emocional e reduzir o impacto da ausência de outras fontes de apoio social para pessoas idosas.

 

Transformações vivenciadas após a morte do cônjuge

Atividades domésticas

Nesta subcategoria, investigou-se se as participantes tinham autonomia para realizar atividades domésticas, como organização da casa, compras e pagamentos, ou se tais atividades passaram a ser realizadas por outra pessoa após a perda do cônjuge. De acordo com duas idosas, a organização da casa, as compras e os pagamentos eram por elas realizados, conforme evidenciado em seus depoimentos: "Tudo comigo" (Violeta); "Eu faço tudo, eu vou no banco, tenho minha conta, meus dinheiros, faço meu rancho, minhas compras, meus pagamentos" (Margarida).

Margarida, mesmo se referindo à autonomia nas atividades domésticas no momento em que foi realizada a entrevista, verbalizou que logo após o óbito do cônjuge encontrou muitas dificuldades para administrar os pagamentos. Dessa forma, contou com o auxílio dos filhos para aprender a se organizar, pois essa tarefa era responsabilidade do marido, e ela não havia procurado acompanhá-lo anteriormente: "Eu senti muito porque era ele que fazia tudo, né? No banco, essas coisas, era tudo com ele, né? Nessa parte eu me senti assim... Não foi fácil! [...] Tive que tomar uma pasta, botar o que tinha que pagar, o que tinha que receber, o que [...] controlar" (Margarida).

Rosa, que também não realizava a administração de contas a pagar até a morte do esposo, verbalizou que despesas mensais (tais como luz, água e telefone) passaram a ser debitadas diretamente em sua conta bancária. Além disso, desde o óbito do cônjuge (o que no momento da coleta de dados havia ocorrido há oito anos), recebia auxílio de uma filha para realizar compras para a casa: "Conta [referindo-se a dívidas] eu não tenho. A luz, água, telefone é depositado na conta, débito em conta. [...] Rancho é a filha que faz e eu compro se falta pão, alguma mistura, alguma coisinha, [...] eu que compro. O rancho é ela que faz".

Evidenciou-se que duas participantes, no momento da realização da pesquisa, tinha plena autonomia na administração das atividades domésticas, mesmo tendo vivenciado dificuldades iniciais por não desempenhar essas atividades quando o cônjuge estava vivo. Esses resultados apresentaram conformidade com os obtidos por Galicioli et al. (2012), que afirmaram que geralmente as viúvas assumem a administração de atividades que antes eram desempenhadas pelo cônjuge falecido. Em um caso, apenas, as atividades passaram a ser compartilhadas com os filhos. Tal fato ocorreu com Rosa, a idosa que apresentou também a menor escolaridade, a menor renda e não desenvolveu atividades laborais fora do lar ao longo de sua vida.

 

Finanças

No que concerne às finanças, buscou-se investigar se as idosas passaram por dificuldades financeiras após a perda do cônjuge e, também, se a renda eventualmente interferiu na elaboração do luto. Duas participantes não se referiram a dificuldades econômicas após a perda do cônjuge. Isso corroborou os dados obtidos por Rocha et al. (2005), os quais pontuaram que as idosas não costumam ter problemas financeiros, pois passam a receber pensão, tal como evidenciado a seguir: "Houve aumento, aumento na minha renda, não teve nenhum problema econômico" (Violeta); "A gente tinha a [...] conta conjunta e tem a aposentadoria dele e a minha" (Margarida).

Rosa, por outro lado, mencionou que o marido havia emprestado dinheiro a uma pessoa conhecida e a família ficou sem ter como comprovar o empréstimo, já que foi realizado sem registros. Assim, conforme a participante, o valor emprestado foi perdido. Por meio de seu depoimento, houve indicativos de que vivenciava dificuldades econômicas, pois seus filhos pareciam auxiliá-la: "Eu tenho meu dinheiro no banco. [...] Aí a Íris vem lá e diz 'eu vi uma roupa boa e trouxe pra ti'. Um vem e traz sempre alguma coisa, sempre! Comida também eles [trazem]. Se a gente vai lá pra chácara, a gente traz comida de lá. Se eles matam um porco, alguma coisa, eu tenho carne. Aí quando faz o rancho a Íris traz a carne" (Rosa).

Analisando o relato de Rosa, há indícios de que, após a perda do marido, a participante necessitou se reorganizar para suprir as lacunas por ele deixadas e, assim, recuperar sua autonomia. Para Bowen (1998), é necessário contextualizar a vivência psicológica da morte e examiná-la por diferentes ângulos. Igualmente, é preciso considerar o papel exercido pela pessoa falecida, a fase do ciclo vital em que essa se encontrava e verificar as reestruturações necessárias à família após o óbito. No caso de a pessoa falecida ser a principal responsável pelo sustento financeiro familiar, após sua morte a família precisará se reorganizar e estabelecer uma nova fonte econômica (Brown, 1995). Problemas financeiros podem dificultar o funcionamento independente, do mesmo modo que proporcionar um sofrimento mais prolongado às mulheres viúvas (Walsh, 1995), uma vez que as obrigações econômicas permanecem concomitantes à vivência do luto, o que pode se configurar em estressor adicional nesse momento (Schmidt, Gabarra, & Gonçalves, 2011).

 

Saúde

Investigou-se a percepção das participantes quanto a possíveis problemas de saúde desencadeados em decorrência da perda do cônjuge, bem como modalidades de tratamento adotadas nessas situações. Embora nenhuma das idosas tenha mencionado acometimentos físicos, em dois casos houve menção a sintomas emocionais importantes, em que foi considerada necessária a busca por profissionais de saúde, face ao intenso sofrimento psíquico vivenciado.

Nesse sentido, por prescrição médica, uma das participantes passou a fazer uso de psicofármacos, aproximadamente 30 dias após a morte do companheiro: "Peguei ajuda com a psicóloga, a psiquiatra, só que aquilo não me resolveu nada, porque me davam medicamento e eu estava no fundo do poço, aquilo me acelerava o coração, me dava uma loucura de mal-estar. [...] Aí meus filhos foram, os três, comigo na doutora. [...] E aí tiramos todos aqueles medicamentos, aí eu só tomei [...] um relaxante, assim, pra me acalmar, e aí foi indo que eu me melhorei" (Margarida).

Outra participante, quando questionada sobre problemas de saúde que julgava estarem associados à perda do cônjuge, bem como se eventualmente exigiram tratamento, respondeu: "Eu tomo maconha. [...] Se tá viciada e tem que tomar todos os dias, é maconha. [...] É o que segura a gente de pé, é assim" (Rosa). Hipotetizou-se que a participante Rosa poderia estar fazendo uso de psicofármaco. Entretanto, não se realizou aprofundamento sobre tal questão, pois, no momento da coleta de dados, a idosa demonstrou reserva ao falar da temática. Assim, para evitar desdobramentos negativos ou desconforto à participante, optou-se por não explorar mais aprofundadamente esse tópico durante a entrevista.

Em contrapartida, Violeta destacou que buscou lidar com a dor a partir de seus próprios recursos, sem recorrer a profissionais da saúde: "Eu nunca fui a um psicólogo, eu sou minha psicóloga. [...] Não tomo remédio também, em vez de tomar remédio eu como uma fruta, uma coisa saudável, eu vou fazer um exercício. [...] Foi duro, não frequentei médicos, e não tomei nenhuma espécie de drogas, eu trabalhei com a minha dor, com as minhas perdas".

Há indícios de que, no caso de Margarida, o medicamento foi prescrito para auxiliá-la no processo de enfrentamento da morte do cônjuge. Porém, a participante pareceu não considerar que as medicações a tenham favorecido, uma vez que provocaram efeitos adversos. Esse dado apresenta conformidade com os assinalamentos de Parkes (1998), que afirma ser importante permitir que inicialmente a pessoa expresse seus sentimentos e pensamentos relacionados à perda, pois a difícil tarefa que ela deverá cumprir não poderá ser evitada e nem antecipada. Dessa forma, o luto deve ser vivido e elaborado, fazendo-se necessária a cautela na prescrição de medicação (Parkes, 1998).

Sabe-se que atualmente há importantes divergências na forma de se compreender o luto, o que acarreta também consequências diretas ao seu enfrentamento. Na sociedade contemporânea, tem-se percebido um movimento no sentido de buscar neutralizar e abreviar o desconforto e a dor psíquica desencadeada pela perda de um familiar. Não obstante, a vivência do luto permite um período de reflexões a respeito da própria finitude, bem como de outros modos de se enfrentar o próprio existir (Freitas, 2013).

Ademais, mesmo quando um familiar morre, o relacionamento continua vivo. Conforme Walsh (2016), a morte marca o término de uma vida, mas não das relações. As relações são transformadas, passando da presença e do contato físico para conexões por meio de memórias, histórias, rituais e legados. De tal maneira, é possível pensar que quanto mais funcional for essa nova forma de relação tanto melhor a qualidade de vida e a saúde de quem enfrentou a perda de um ente querido.

 

Elaboração do luto

Nesta subcategoria foram abordadas transformações vivenciadas no processo de elaboração do luto pelo óbito do cônjuge. Violeta declarou que procurou sozinha um modo para lidar com a perda: "Eu trabalhei comigo, eu me trabalhei [...] com o meu conhecimento, que não é tão grande assim, mas tu acaba aprendendo um pouco aqui, um pouco ali, e [...] curioso, [...] quando tu faz um curso superior, como abre, como a tua cabeça abre!". Essa idosa disse também já ter superado a perda do esposo: "Eu já superei e eu trabalhei comigo, eu me trabalhei" (Violeta). Na mesma direção de luto elaborado e de superação da morte do companheiro, foram as verbalizações de Margarida: "Eu superei, porque agora eu tô bem, né, eu tô ótima, mas não é fácil" (Margarida).

Diferentemente das outras idosas, Rosa demonstrou dificuldades para falar sobre a perda do cônjuge. Relatou que, mesmo oito anos após o óbito, ainda sentia a falta da companhia do esposo: "A gente sempre sabe que não volta. [...] A gente tem que enfrentar. [...] Sempre dizer assim: [...] um dia a gente se encontra" (Rosa).

A dificuldade de elaboração do luto e de superação da perda, o que parece caracterizar o caso de Rosa, coaduna com Buaes (2007), uma vez que a autora afirma que a idosa que viveu uma relação de dependência do marido durante o casamento pode apresentar dificuldades para se adaptar à condição de viúva. Essa situação parece se assemelhar à de Rosa, por se tratar de uma dona de casa que passou 50 anos de sua vida se dedicando exclusivamente às demandas domésticas, ao marido, aos filhos e, no momento da entrevista, pareceu se sentir de certo modo desorientada, mesmo após oito anos da perda do esposo.

É importante salientar que a viuvez pode propiciar à idosa novas experiências que eventualmente lhe foram privadas pelo cônjuge ou em decorrência do casamento (Buaes, 2007). Nessa direção, mesmo que as participantes tenham relatado que tinham relacionamento conjugal de boa qualidade, depois do óbito do esposo elas passaram a ter mais liberdade para viver de acordo com a sua própria vontade. Para Debert (1999), se por um lado o processo de envelhecimento está associado à vivência de perdas indesejadas, por outro lado possibilita autonomia e liberdade para realizar atividades desejadas e não concretizadas em outros momentos da trajetória de vida.

 

Prosseguimento da vida após a perda

Buscou-se compreender como as idosas perceberam e vivenciaram a nova etapa de vida inaugurada após a morte do companheiro. As falas a seguir refletem as dificuldades iniciais percebidas pelas participantes: "O primeiro ano foi um ano de choro, não sempre, mas em alguns momentos. [...] No primeiro ano eu senti muito a presença da ausência. [...] No começo eu me sentia muito vazia" (Violeta); "O primeiro ano foi mais difícil, não foi fácil... Eu chegava à tardinha e me sentia sozinha, para sair, para fazer as compras, para sair agora também para um jantar, digamos um casamento também, né? Como é bom ter um companheiro!" (Margarida); "É um pouco vazio, mas um vazio... Parece que falta alguma coisa... Mas depois eu me distraio noutra coisa assim, diferente" (Rosa).

Para Benincá et al. (2006), a morte do cônjuge é caracterizada por uma representação emocional de vazio, uma vez que produz na idosa a sensação de que uma parte de si deixou de existir, passando a habitar exclusivamente as lembranças relacionadas ao companheiro falecido. O óbito de pessoas pelas quais se tem maior afeição e afinidade exige adaptações em relação à maneira com que se percebe o mundo, bem como mudanças no que tange aos planos para o futuro (Silva, Carvalho, Santos & Menezes, 2007).

A perda do cônjuge geralmente acarreta um forte impacto ao indivíduo, provocando reações diferentes para cada pessoa. As manifestações emocionais mais comuns são a depressão, o desespero e a angústia, sendo frequente a vivência de culpa e solidão, assim como as expressões de raiva e hostilidade (Doll, 2013). Para Galicioli et al. (2012), a morte do companheiro é um dos maiores desafios enfrentados durante a velhice, por seu impacto na vida do viúvo, o que pode gerar repercussões físicas e emocionais. Assim, a perda do cônjuge em um casamento de longa duração costuma ter um significado maior, se comparada à perda de um companheiro em uma união de menor tempo, sendo os idosos pessoas mais vulneráveis (Doll, 2013).

Os sentimentos de solidão, caracterizados pelas participantes como os mais presentes nos primeiros momentos após a morte do esposo, coadunaram com as asserções de Galicioli et al. (2012) que afirmaram que a perda do cônjuge pode provocar a sensação de grande vazio. Isso porque, de modo geral, além da perda do cônjuge ocorre também a perda da pessoa com quem foram divididos anos de vida, o companheiro com quem se vivenciou desde os momentos mais alegres e importantes até os mais difíceis, a pessoa confidente.

No que tange aos sentimentos e aos projetos de vida das idosas no momento em que foi realizada a entrevista, as verbalizações que indicaram desfechos mais favoráveis do luto e melhores condições para prosseguir o curso de vida partiram de Violeta e Margarida: "Sinto muito a falta dele, mas eu já encerrei o meu luto, o meu luto por ele eu terminei, fiquei três anos. [...] Agora eu descobri que eu tenho que me abrir para uma nova história, veja bem, 67 quase 68 e eu ainda quero ter uma nova história" (Violeta); "Eu sou uma mulher muito feliz, porque eu acho que consegui criar uma família, fiz tudo que eu pude de melhor, então acho que isso me vale" (Margarida). Rosa, em contrapartida, demonstrou mais dificuldade no tocante à adaptação à viuvez, ao planejamento para o futuro e aos sentimentos experienciados na ocasião da coleta de dados: "Tem um vazio. [...] Custou um pouco porque achava sempre que ele ia chegar. [...] Mas depois a gente foi [...] entendendo de dizer, olha, é impossível".

De modo geral, constatou-se que as participantes do presente estudo, após o período mais difícil do luto, reorganizaram-se de forma a buscar qualidade de vida na velhice (Baldin & Fortes, 2008). Resultados mais favoráveis, no que concerne à superação da morte do cônjuge e ao prosseguimento da vida a após a perda, foram identificados nos relatos de Violeta e Margarida, em comparação a Rosa, a qual se caracterizava como a participante viúva há mais tempo. Ressalta-se que Rosa também demonstrou mais dificuldade econômica e menor autonomia para a realização de atividades domésticas e de manutenção do lar, o que pode se associar a complicações na adaptação à viuvez e no planejamento do futuro sem o cônjuge.

 

Considerações finais

O objetivo do presente estudo foi compreender a percepção de idosas sobre os recursos que favoreceram o processo de adaptação à viuvez, bem como as transformações em suas vidas, decorridos ao menos dois anos da morte do cônjuge. Todas as participantes indicaram dificuldades iniciais relativas à necessidade de realinhamento de relações interpessoais, bem como modificações nas atividades desempenhadas na vida cotidiana, sobretudo no primeiro ano após o óbito. Pôde-se identificar que a proximidade nas relações familiares, o apoio social percebido e a espiritualidade se caracterizaram como importantes recursos, minimizando o sentimento de solidão desencadeado com a morte do companheiro.

Constatou-se que todas as idosas, apesar de terem boa relação com seus familiares, permaneceram morando sozinhas no domicílio onde anteriormente viviam com o esposo. As participantes relataram preencher sua rotina com atividades fora do lar, embora tenham sido notadas diferenças principalmente com relação à autonomia nas atividades domésticas e financeiras. Especificamente, uma das participantes, mesmo após alguns anos da morte do cônjuge, necessitava de auxílio dos filhos para a realização dessas tarefas. Essa idosa que apresentava a menor escolaridade e renda era dona de casa e passou 50 anos se dedicando exclusivamente às demandas do lar, ao marido e aos filhos; no momento da entrevista, foi a que também demonstrou mais dificuldade para lidar com a perda do companheiro. Com esses dados, pode-se pensar em uma relação entre as variáveis de contexto social e econômico no processo de elaboração do luto e de superação da perda, tal como sugere a literatura (Schmidt et al., 2011; Walsh, 1995). Assim, recomenda-se que futuros estudos investiguem mais detalhadamente essa possível associação.

Do mesmo modo, sugere-se a realização de pesquisas com viúvas que não participem de grupos ou ações programáticas voltadas à etapa tardia do ciclo de vida. Isso porque o fato de as participantes do presente estudo estarem vinculadas a um grupo de convivência para idosos já pode indicar maior probabilidade de diversificação de elementos em sua rede de apoio e, por conseguinte, resultados mais favoráveis no processo de adaptação à viuvez. Também é importante investigar o processo de adaptação à viuvez e as transformações vivenciadas por idosos do sexo masculino após o óbito da esposa.

O presente estudo foi realizado a partir de uma amostra composta por conveniência com um pequeno número de participantes. Além disso, as características sociodemográficas das três idosas não eram homogêneas, do mesmo modo que o tempo de união conjugal e de viuvez. Entretanto, entende-se que essas limitações não invalidaram os dados. Isso porque não se pretende generalizar resultados, mas sim, compreender em profundidade os casos analisados, os quais ofereceram boa oportunidade para aprender mais sobre a temática, além de lançar luz a pesquisas futuras sobre a experiência da viuvez na velhice.

No que concerne às implicações do presente estudo para a prática, salienta-se a relevância de os profissionais das áreas de saúde e de assistência social, notadamente, estarem atentos às possíveis relações entre variáveis de contexto e variáveis psicológicas para, dessa forma, realizar intervenções considerando a realidade da clientela assistida, reduzindo a probabilidade de desdobramentos que coloquem em risco a saúde e o bem-estar das pessoas por eles atendidas. Ademais, deve-se prestar atenção às distintas características e às especificidades de cada caso, pois, como observado no estudo ora apresentado, há diferenças no tempo que cada pessoa pode levar para se adaptar à viuvez.

Nesse contexto, o trabalho do profissional da Psicologia pode ser de grande importância, no sentido de oferecer suporte emocional para que a idosa possa se reorganizar após a morte do cônjuge e lidar com as dificuldades vivenciadas, promovendo saúde e bem-estar na velhice. Com o aumento da população idosa e o crescente número de mulheres viúvas nessa etapa do ciclo vital, cabe aos psicólogos conhecer os desdobramentos provocados pela viuvez para, assim, auxiliar tanto essas mulheres quanto seus familiares a elaborar a perda, reduzindo o risco de luto complicado e da emergência de sintomas psicopatológicos futuros. Por fim, considera-se fundamental a abertura de espaço para abordagem de temas como morte e luto em cursos de graduação, pós-graduação e extensão em Psicologia, bem como nas demais áreas da saúde, por se tratarem de processos naturais do desenvolvimento humano (Schmidt et al., 2011).

 

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Recebido em 09/06/2015
Aprovado em 15/03/2017

 

 

1 Considera-se importante salientar que um casamento duradouro não necessariamente se caracteriza como satisfatório. Uniões conjugais consideradas insatisfatórias pelos cônjuges podem se manter ao longo dos anos por motivos tais como: questões pessoais, não aceitar a possibilidade de se tornar divorciado, religiosidade, aspectos financeiros atinentes à recusa pela divisão do patrimônio e dificuldades dos cônjuges em lidar com as mudanças que acontecerão junto ao divórcio (Norgren et al., 2004).
2 Apenas uma das participantes (a saber, Margarida) referiu que, adicionalmente à relação com a família, ao apoio social e à espiritualidade, a leitura de livros de autoajuda consistiu em um recurso que favoreceu o processo de adaptação à viuvez. Desse modo, o único recurso evidenciado nos relatos das participantes como não concernente às três subcategorias definidas a priori foi a leitura de livros de autoajuda, indicado exclusivamente pela idosa Margarida.

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