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Pesquisas e Práticas Psicossociais
versão On-line ISSN 1809-8908
Pesqui. prát. psicossociais vol.13 no.4 São João del-Rei out./dez. 2018
O trabalho como residente de psicologia em equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)
The work as a resident of psychology on team of Support Center for Family Health (NASF)
El trabajo como residente de la psicología en el equipo del Centro de Apoyo a la Salud de la Familia (NASF)
Maria Irislane de Souza MeloI; Wedna Cristina Marinho GalindoII
IPsicóloga. Especialista em Intervenções em Psicologia da Família e Realidade Social pela Faculdade Frassinetti do Recife. Residente Psicólog do Programa Multiprofissional em Saúde da Família pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
IIPsicóloga. Docente no Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutora em Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap). Mestre em Sociologia (UFPE). Especialista em Psicologia Clínica de Orientação Psicanalítica (Unicap)
RESUMO
Este trabalho descreve as atividades realizadas pela psicóloga residente do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf), a partir do Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, em uma Unidade da Saúde da Família de Recife-PE. Os objetivos deste relato de experiência é proporcionar reflexões sobre a atuação e o processo de trabalho da Psicologia no Nasf e evidenciar as diversas possibilidades de efetivação do cuidado na Atenção Básica, estratégia prioritária do Sistema Único de Saúde (SUS). Houve uma sistematização dos registros das atividades desenvolvidas durante o período da residência que posteriormente foram analisadas de modo qualitativo. Os resultados obtidos apontam a necessidade de fortalecer as práticas de matriciamento e do trabalho interdisciplinar, como também avanços quanto à contribuição da Psicologia no Nasf com ações de tratamento, prevenção e promoção à saúde no SUS.
Palavras-chave: Atenção Básica à Saúde. Saúde da Família. Psicologia.
ABSTRACT
This paper describes the activities of a psychology resident, at support center for Family Health (Nasf), on the Multiprofessional Residency in Family Health, in a Family Health Unit, in the City of Recife-PE. The objective of this article is to starts thinking about the activities and psychology work process in Nasf and exhibit many forms of care at Basic attention, this is the most important strategy of Brazilian Public Health System (SUS). It was done an organization of the activities records that are developed on residence and then analyzed qualitatively. The results exhibit the necessity of a stronger multidisciplinary work and matrix support, as also advances on psychology contributions at Nasf with treatment actions, prevention and health promotion on SUS.
Keywords: Primary Health Care. Family Health. Psychology.
RESUMEN
Este artículo describe las actividades de un residente de la psicología, en el centro de apoyo a la Salud de la Familia (Nasf), en el Residencia Multiprofesional en Salud de la Familia, en una Unidad de Salud de la Familia, en la ciudad de Recife-PE. El objetivo de este artículo es empieza a pensar sobre el proceso de las actividades y la psicología del trabajo en Nasf y muestran muchas formas de cuidado en la atención básica, esta es la estrategia más importante del Sistema Único de Salud (SUS). Se hizo una organización de los registros de las actividades que se desarrollan en la residencia y luego analizadas cualitativamente. Los resultados muestran la necesidad de un soporte de trabajo multidisciplinar y la matriz más fuerte, como también los avances en las contribuciones de la psicología en Nasf con acciones de tratamiento, prevención y promoción de la salud en el SUS.
Palabras clave: Atención Primaria de Salud. Salud de la Familia. Psicología.
Atenção à saúde no Brasil
Desde o reconhecimento da saúde como direito universal e dever do Estado, na Constituição de 1988, o Brasil vem evidenciando significativos avanços no Sistema Único de Saúde (SUS), inspirados nos princípios da universalidade, equidade e integralidade, em todos os seus níveis de complexidade. Dentre eles se destaca a Atenção Primária à Saúde (APS/AB)1 como a mais importante mudança estrutural já realizada na saúde pública no Brasil (Cadernos de Atenção Básica [CAB], n. 27, 2009). Esse nível da assistência caracteriza-se por um novo funcionamento dos serviços de saúde, sua relação com a comunidade e com os outros níveis de complexidade da atenção. A APS assume o compromisso de ser resolutiva à população, ao identificar fatores de risco à saúde e a execução de ações realizadas no mesmo lugar em que as pessoas habitam (Brasil, 2012).
A assistência à saúde, de acordo com tal perspectiva, implica numa mudança de paradigmas culturais, políticos e institucionais, invertendo a lógica anterior, vigente na realidade brasileira (previdenciária e hospitalocêntrica), direcionada apenas aos trabalhadores com vínculo empregatício, que privilegiava o tratamento das doenças e os serviços de saúde em hospitais. Com o SUS todos têm direito à saúde; o usuário é o centro do sistema; ênfase é dada a ações de prevenção e promoção da saúde, por meio da humanização do acolhimento e resolutividade do cuidado, para evitar o adoecimento das pessoas (Departamento de Atenção Básica, 2000; Fleury, 2009; Guareschi, Dhein, Reis, Machry & Bennemann, 2009).
A Portaria MS/GM nº 2.488/2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica (PNab) orienta condutas, no âmbito individual e coletivo, com o objetivo de promover a integralidade do cuidado à saúde e provocar melhorias na situação de saúde, além do desenvolvimento de ações nos âmbitos da prevenção, manutenção, proteção, promoção, diagnóstico, tratamento, redução de danos e reabilitação da saúde das pessoas (Brasil, 2011).
A Estratégia de Saúde da Família (ESF), como diretriz fundamental para consolidação da política de atenção básica do SUS, reorienta os serviços e os processos de trabalho dos profissionais e tem como características primordiais: ser a porta de entrada das pessoas à rede assistencial do sistema de saúde, ser composta por uma equipe multiprofissional (médico, enfermeiro, técnico e/ou auxiliar de enfermagem, agentes comunitários de saúde, cirurgião-dentista e auxiliar de saúde bucal), possibilitar uma maior aproximação entre profissionais e a população e ter sob sua responsabilidade um território e uma população definidos.
Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFS)
A partir da Portaria nº 154/2008 foram criados os Nasfs para ampliar e apoiar as ações da estratégia de saúde da família na rede de serviços e o processo de territorialização e regionalização e também contribuir para o alcance das metas e resolubilidade da atenção básica. O Nasf compõe a AB como parceiro das Equipes de Saúde da Família; não se constitui em porta de entrada para o sistema, por parte da população. Suas equipes são formadas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, de acordo com as necessidades de cada território e disponibilidade de profissionais (Brasil, 2008).
Destaca-se que na composição das equipes do Nasf, a Portaria em seu art. 4º, IV, §2º, enfatiza a inserção de um profissional de saúde mental em cada equipe, "tendo em vista a magnitude epidemiológica dos transtornos mentais" (Brasil, 2008), sendo o psicólogo identificado como um dos profissionais de referência em saúde mental.
As equipes do Nasf e da saúde da família trabalham num processo de responsabilização compartilhada, por meio da prática do apoio matricial (Campos & Domitti, 2007, p. 400) e aplicado na política da AB, como metodologia de gestão do cuidado e como ferramenta de educação permanente. O apoio matricial tem como objetivo "oferecer, tanto retaguarda assistencial quanto suporte técnico-pedagógico às equipes de referência", que visam contribuir para a integralidade do cuidado, auxiliando no aumento da capacidade de análise e de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde, individuais ou coletivas (CAB, n. 39, 2014).
A agenda de trabalho dos profissionais do Nasf, conforme diretrizes do Ministério da Saúde - MS (CAB, n. 39, 2014) deve conter ações de apoio como: (i) reuniões de matriciamento; (ii) atendimento individual específico; (iii) atendimento individual compartilhado; (iv) atendimentos domiciliares; (v) atividade coletiva compartilhada; (vi) atividade coletiva específica. Outras ações também são preconizadas, sempre de acordo com as demandas, tais como: espaço destinado à elaboração de materiais de apoio, rotinas, protocolos e outras ações de educação permanente, reunião entre os profissionais do Nasf e, se possível, com profissionais de outros núcleos e de outros pontos de atenção do município. Além disso, o apoio e a atuação do Nasf, no que se refere às atividades que envolvem coletivos, podem abranger ações mais amplas, tais como ações sobre vulnerabilidades populacionais ou mesmo em relação ao processo de trabalho das equipes.
As ações descritas como propostas para a agenda do Nasf podem ser compreendidas a partir do "trabalho compartilhado e colaborativo em pelo menos duas dimensões: clínico-assistencial e técnico-pedagógica. A primeira diz respeito às ações clínicas realizadas diretamente com os usuários; e a segunda produz ação de apoio educativo com e para as equipes" (CAB, n. 39, 2014, p. 17). Essas dimensões, que estão relacionadas em vários momentos, podem e devem se misturar, sendo utilizadas sempre em consonância com as reais necessidades das equipes e da população.
A ampliação das ações na AB promove a inserção de novos profissionais nas equipes de saúde, tornando assim o campo de saúde pública uma perspectiva privilegiada para o desenvolvimento de práticas que realmente fortaleçam os princípios do SUS. De acordo com Jimenez (2011), é por meio do estabelecimento do Nasf que a Psicologia é oficialmente reconhecida como profissão na atenção básica. Boing e Crepaldi (2010, p. 636) destacam a relevância da Psicologia no contexto da AB, afirmando que ela "oferece uma importante contribuição na compreensão contextualizada e integral do indivíduo, das famílias e da comunidade".
O SUS torna-se então cenário complexo, em que o psicólogo precisa atuar num modelo de atenção que possibilite o acesso de todos, de forma equânime e integral, está inserido no contexto social da população alvo de suas ações, necessita trabalhar em equipe e estar atento se as ações produzidas estão em consonância com as reais necessidades da comunidade assistida, para que isso ocorra torna-se importante refletir sobre o processo de formação e teorias que orientam as práticas psicológicas.
A psicologia no sistema público de saúde
A Psicologia é uma profissão regulamentada no Brasil desde 1962, por meio da Lei nº 4.119, e começa a se estabelecer no início da década de 1970, após a criação do Conselho Federal de Psicologia, que a regulamenta (Carvalho & Yamamoto, 2002).
O exercício da Psicologia nos serviços de saúde antecede a própria existência do SUS, "por meio de práticas psicológicas pontuais na área hospitalar e de atenção materno-infantil". Após sua regulamentação, houve a ampliação dos cursos de graduação e pós-graduação na área da Psicologia. Na década de 1980, houve abertura de vários concursos públicos para atuação da Psicologia em hospitais, ambulatórios, programas de orientação, prevenção, educação em saúde, unidades básicas e centros de saúde (Cézar, Rodrigues & Arpini, 2015, p. 213).
Camargo-Borges e Cardoso (2005, p. 28) referem que "até a década de 70, a participação da psicologia no âmbito da saúde pública ainda era incipiente". Sua inserção nos serviços públicos de saúde aconteceu no fim da década de 1970 com as mudanças da política de saúde mental no Brasil, que vivenciava significativas transformações, dentre elas as críticas do alto custo e da limitada atuação do modelo assistencial biomédico privado. Como alternativa mais eficaz e econômica, para superar a crise financeira pela qual passava o país, houve o incentivo à formação de equipes multiprofissionais para a prestação de uma assistência à saúde mais qualificada, beneficiando significativamente a profissão de Psicologia (Dimenstein & Macedo, 2012).
Foi, então, o ingresso de profissionais principalmente no campo da saúde mental, por meio de equipes de trabalho multiprofissionais, como alternativa para construção de novas possibilidades na superação do modelo hospitalocêntrico, que proporcionou o fortalecimento da presença dos psicólogos no setor público de saúde e, assim, ampliando seu campo de atuação (Carvalho & Yamamoto, 2002; Jimenez, 2011; Dimenstein & Macedo, 2012). Carvalho e Yamamoto (2002) citam dois aspectos históricos que contribuíram para a inserção da Psicologia na saúde pública: a crise econômica que afetou o mercado de atendimento psicológico, esvaziando consultórios, e a crítica à Psicologia Clínica tradicional, circunscrita ao atendimento individual privatista.
Ao longo dos anos, segundo Dimenstein (2000), Goya e Rasera (2007) e Scarcelli e Junqueira (2011), apesar dos vários aspectos que envolvem a formação universitária, ainda se percebe na formação teórica dos profissionais de Psicologia a reprodução hegemônica de ideologias individualistas, voltadas principalmente para aspectos intrapsíquicos do modelo tradicional de atendimento clínico individual. Essas referências consolidam na sociedade uma valorização do psicólogo como profissional autônomo, contribuindo para uma representação social limitada da atuação psicológica. Esse cenário tem provocado, na opinião de Dimenstein (2000, p. 104), entraves para o exercício da Psicologia "em novas áreas que envolvem atividades para as quais o psicólogo não foi preparado, como é o caso do campo da assistência pública à saúde". Por conseguinte, temos reduzido as possibilidades para o aprofundamento de referenciais teórico-técnicos voltados para o fortalecimento das instituições públicas de saúde.
Quando o psicólogo começa a atuar nos serviços públicos de saúde, ele identifica diferenças nas demandas e nas características da população que busca assistência, quando comparado à clientela atendida na clínica privada. No serviço público, as pessoas são advindas de classes sociais mais baixas, de maneira geral encaminhada por outros profissionais, almejando a melhora de um determinado sintoma; já a clientela que busca o consultório particular, estaria mais em busca de tratamento e autoconhecimento (Dimenstein, 2000). Boing e Crepaldi (2010, p. 637), baseadas em diversos estudos sobre a atuação da Psicologia na atenção básica no Brasil, bem como na saúde mental, afirmam que de forma geral é "uma atuação que não atende às demandas da saúde coletiva em função da transposição do modelo clínico tradicional sem a necessária contextualização que esse cenário requer".
A realidade brasileira, de acordo com Boing e Crepaldi (2010) e Dimenstein e Macedo (2012), promove desafios na atuação e questionamentos das clássicas ferramentas de trabalho e dos aparatos teórico-técnicos para efetivação de práticas condizentes com as novas demandas de responsabilidade social, requerendo o trabalho interdisciplinar por meio de equipes multiprofissionais.
A exigência de redirecionamentos na prática psicológica, nos seus modelos de formação e produção de conhecimentos no âmbito do SUS, pode ser exemplificada pelo número significativo de profissionais atuando nessa área. Dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde indicam que o SUS é atualmente o maior contratador de psicólogos do País (Ferreira Neto, 2011).
Uma modalidade de ensino considerada significativa para o aperfeiçoamento das capacidades profissionais em consonância com o SUS são as residências multiprofissionais. Dimenstein e Macedo (2012) descrevem a relevância das residências multiprofissionais, destacando que esses programas surgem como campo de práticas privilegiadas para qualificação de profissionais com capacidades condizentes com os princípios e diretrizes do SUS, possibilitando o desenvolvimento e planejamento de ações a partir das reais necessidades da população e estimulando o trabalho em equipe "para construir novos pactos de convivência nos quais o envolvimento ético-político do trabalhador é o centro do processo pedagógico" (p. 241).
Diante desse cenário, o lugar da Psicologia no âmbito da atenção básica, mais especificamente no Nasf, merece ser posto em discussão devido às novas atribuições e desafios perante uma formação acadêmica que tende a influenciar a efetivação de práticas individualistas, contrárias às propostas do SUS. Esta pesquisa proporciona reflexões sobre a prática da Psicologia no Nasf, exemplificando e analisando as diversas possibilidades de atuação a partir de experiência pessoal como residente em um Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família. Intenta-se contribuir com o debate sobre a inserção da Psicologia nesse campo e, por conseguinte, colaborar para o debate sobre formação de profissionais de Psicologia com vistas à qualificação da atenção à saúde.
Metodologia
Neste estudo foi realizado um levantamento e análise das ações de atenção à saúde desenvolvidas pela psicóloga residente no Nasf em uma unidade básica composta por quatro equipes de saúde da família de um distrito sanitário localizado na zona oeste da cidade do Recife-PE, no período de agosto de 2013 a julho de 2015, no Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). A residência é caracterizada pela formação em serviço, com preceptoria e em regime de dedicação exclusiva ao serviço de saúde.
A equipe na qual a psicóloga-residente foi inserida se enquadra na modalidade de Nasf 1, composta por profissionais das áreas de Assistência social, Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Fisioterapia, Psicologia e Nutrição, além dos demais profissionais do grupo de residência composto por assistente social, terapeuta ocupacional, fonoaudióloga, fisioterapeuta, nutricionista, farmacêutica, enfermeira, odontóloga e educadora física.
Trata-se de uma pesquisa descritiva da vivência profissional como Psicóloga da Residência Multiprofissional em Saúde da Família vinculado à UFPE. O registro das atividades desenvolvidas, tais como, participação em reuniões, planejamento de ações, atendimentos individuais, atividades coletivas, visitas domiciliares, presença e observação participante constante na rotina da unidade de saúde, em diário de campo e relatórios, durante o período da residência consiste no material, fonte do estudo.
Reflexões apoiadas em análises qualitativas da experiência compõem o produto final do estudo. A estratégia foi de sistematizar a experiência e analisá-la a partir de três dimensões: clínico-assistenciais, técnico-pedagógicas e administrativo-institucionais para, assim, melhor compreender o fenômeno estudado.
Descrição dos resultados
As atividades realizadas como psicóloga residente no Nasf estão descritas a seguir, a partir das três dimensões eleitas: clínico-assistenciais, técnico-pedagógicas e administrativo-institucionais. A primeira diz respeito às atividades assistenciais realizadas diretamente com os usuários, a segunda consiste nas ações de apoio técnico-pedagógico dirigido às equipes de saúde da família, e a terceira dimensão se refere à efetivação de práticas de educação permanente e processos de trabalho específicos dos profissionais do Nasf.
No eixo clínico-assistencial foram executadas diversas ações referentes ao atendimento psicológico no âmbito individual e familiar, solicitadas em sua maioria pela equipe de saúde da família e pela professora itinerante da escola, efetivadas diretamente com os usuários, frequentemente na própria unidade básica de saúde adscrita, como também em suas residências e nas instalações físicas da escola. A maioria dos atendimentos contou com presença única da profissional residente de Psicologia e alguns foram realizados de forma compartilhada com saberes de outras categorias profissionais, como a terapeuta ocupacional, assistente social, farmacêutica, fonoaudiologia e nutricionista da equipe Nasf.
Entre todas as pessoas assistidas, ficou evidente uma maior participação de mulheres, uma variedade significativa quanto à faixa etária, pessoas em todas as fases de vida, desde crianças, pré-adolescentes, adolescentes, jovens, adultos e idosos.
Uma diversidade de queixas (que originaram os atendimentos) foi registrada. Indicamo-nas aqui de acordo com a fase do desenvolvimento. Crianças, pré-adolescentes e adolescentes são referidas pela agressividade, desobediência, dificuldades de aprendizagem na escola, atraso escolar, mães preocupadas com más amizades e namoros dos filhos, brigas, episódios de roubo, medo de ficar só, sem querer comer, crises de choro, isolamento e hiperatividade. Jovens e adultos com queixas de dores físicas no corpo, depressão, brigas com familiares, dificuldades de relacionamento, ansiedade, tristeza, estresse, medos, crises de agitação, desmotivação para trabalhar, transtornos mentais e uso errado de medicações. Com relação ao público idoso, sintomas como crises de choro, queixas de vontade de morrer devido ao diagnóstico grave de câncer, acamados e tristeza por falecimento de parente.
No eixo técnico-pedagógico, referente às ações de apoio educativo com e para as equipes de saúde da família, foram desenvolvidas reuniões mensais entre equipes Nasf e equipe de saúde da família; encontros primordiais para o processo de trabalho e comunicação dos dois serviços, espaço nos quais ocorreram eleições das demandas; discussões de casos e planejamento de ações. Outra atividade desse eixo são as reuniões administrativas.
No que se referem às atividades coletivas do âmbito técnico-pedagógico, oferecidas para a comunidade, desenvolvidas pelos profissionais de saúde da família, com o apoio do Nasf, na própria unidade, foram realizadas ações pontuais, para públicos específicos, como saúde dos idosos, das crianças, dos homens, grupo de gestantes e ação de combate e prevenção da tuberculose. Nessas atividades, a participação da Psicologia ocorreu com a efetivação de palestras com foco na prevenção de agravos, estímulo ao autocuidado e promoção à saúde, como também participação no acolhimento dos usuários durante as atividades e apoio às equipes de saúde durante os atendimentos.
A psicóloga-residente teve participação também em alguns encontros do grupo de exercício físico de treinamento funcional, coordenado pelas profissionais também residentes de Educação Física, Fisioterapia e Farmácia, que acontecia na quadra de futebol ao lado da unidade de saúde duas vezes por semana. O trabalho desenvolvido pela Psicologia nesse espaço foi oferecer apoio às profissionais envolvidas, realização de rodas de conversas com a população sobre temas de seu interesse, incentivo à prática de exercícios físicos, acolhimento e estabelecimento de vínculo com as pessoas.
Outro trabalho coletivo educativo, realizado uma vez, foi uma ação com a também residente de Odontologia da unidade, denominada ação de saúde bucal em uma escola da comunidade, com todas as crianças dessa instituição. O trabalho desenvolvido pela psicóloga-residente consistiu na realização conjunta de uma palestra para orientação e apoio durante a escovação e aplicação de flúor nas crianças.
Em outra escola, também localizada no território adscrito da ESF, foram realizadas ações de apoio ao Programa Saúde na Escola (PSE). Dentre as atividades preconizadas pelo programa, uma delas é o trabalho denominado avaliação global, realizado por toda equipe de saúde da família e Nasf, para identificação de agravos na saúde de um modo geral, posterior tratamento e ações de promoção à saúde das crianças. Nessa escola, também foram desenvolvidas ações de educação em saúde com os alunos, coordenadas pelas residentes de Psicologia, Odontologia, Farmácia, Fisioterapia e Educação Física, durante dois meses. Trata-se de um trabalho intersetorial no qual foram abordados temas eleitos com os professores, dentre eles: família, comunidade, respeito, prevenção à violência, higiene, atividade física, saúde bucal.
Outra atividade coletiva, coordenada pela psicóloga-residente, que contou com a participação eventual de terapeutas ocupacionais, foi o grupo Cuidando do Cuidador, com regularidade semanal. Esse grupo teve duração de nove meses e foi direcionado para todos os profissionais da unidade de saúde. Constituiu espaço com objetivo de proporcionar acolhimento, compartilhamento dos sentimentos, melhor integração com os colegas de trabalho, valorização profissional e estimular o autocuidado. Ainda que disponibilizado para todos os profissionais de saúde da equipe, apenas agentes comunitários de saúde aderiram à proposta.
No que se refere ao eixo administrativo-institucional, prevaleceu o trabalho com formato de reuniões periódicas. A vivência como psicóloga-residente do Nasf implicou na participação dos seguintes eventos: (i) semanalmente, reuniões entre os profissionais da equipe Nasf para discussão de casos, organização do processo de trabalho, informações, planejamento e compartilhamento de atividades; (ii) reuniões intersetoriais mensais com todos os profissionais das equipes de saúde da família, Nasf e gestores do território. Essas reuniões são consideradas momento de educação permanente e com objetivos também de proporcionar informações administrativas e sobre a rede e o fluxo assistencial na AB. Esclarecimentos, por exemplo, sobre os serviços de atenção farmacêutica, Programa Academia da Cidade, Serviço de Atendimento Domiciliar (SAD) e discussão sobre o tema acolhimento dos usuários nas unidades de saúde ocuparam atenção nas reuniões; (iii) participação em dois Fóruns de Saúde Mental, envolvendo profissionais do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), da gestão municipal e profissionais da estratégia de saúde da família. Nos fóruns ocorreram diálogos sobre o tema saúde mental, informações sobre o funcionamento do Caps e fortalecimento da rede assistencial; (iv) reunião da categoria profissional de Psicologia, destinadas apenas aos psicólogos atuantes dos Nasf do município. Foram compartilhadas informações sobre as atividades realizadas, discussões sobre o processo de trabalho, conhecimento sobre a rede de atenção à saúde e articulação intersetorial e local. Funcionou também como espaço de educação permanente, com discussão de temas como prevenção da violência à criança e da mulher, autismo e saúde mental.
Discussão dos resultados
No que se refere ao eixo clínico-assistencial, percebe-se a diversidade das queixas nos diversos ciclos de vida dos usuários acompanhados. Identificar a situação de saúde mental nos diferentes momentos da vida é fundamental para construir uma rede de cuidados, considerando a articulação com outros serviços, programas e setores que também contribuam para a integralidade da atenção. A experiência confirma a necessidade de garantir profissionais com perfil generalista para atuar no Nasf, como proposto pela política do MS (CAB, n. 39, 2014).
A identificação da prática assistencial individualizada presente no contexto de atuação da Psicologia no NASF é semelhante aos resultados obtidos em pesquisa de Leite, Andrade e Bosi (2013), que analisaram o trabalho realizado por psicólogos do Nasf em um município do Ceará. Dentre outros aspectos, esses autores destacaram a prática do atendimento clínico como ainda fazendo parte das suas ações, advindos de solicitações tanto das equipes de saúde quanto da comunidade. A proposta do Nasf é que os atendimentos diretos e individualizados ocorram apenas em situações extremamente necessárias (CAB, n. 27, 2009). Na experiência como residente, contatou-se que a absorção sem critério de todas as demandas individuais, além de ocupar grande parte da agenda de trabalho da Psicologia no Nasf, impede o desenvolvimento de ações preventivas, um dos pilares da AB.
Não foram realizados atendimentos compartilhados com os profissionais da equipe de saúde da família, apenas com outros integrantes do Nasf (fonoaudióloga, farmacêutica, assistente social e terapeuta ocupacional. Entretanto, a identifica-se uma fragilidade no que se refere ao trabalho de coprodução preconizado pelo MS (CAB, n. 27, 2009, p. 15), visto que a prática do Nasf é fundamentada na lógica do apoio matricial, uma técnica que estimula o aprimoramento do fazer dos profissionais envolvidos na assistência.
As visitas domiciliares, por sua vez, foram realizadas sempre com a presença dos agentes comunitários de saúde. Confirma-se que a assistência domiciliar é um método significativo na efetivação da prática de promoção à saúde, por contribuir na compreensão das reais condições de vida e da dinâmica familiar e comunitária dos usuários, qualificando assim a assistência e o planejamento das ações de saúde. Ainda que preconizado pelo MS, associa-se as visitas domiciliares ao que Franco (2013) discute como liberdade para realização do trabalho de produção de cuidado, cenário esperado para o trabalho em saúde, reconhecido como "trabalho vivo".
A prática clínico-assistencial com os alunos/família no contexto escolar mobiliza reflexões a respeito das diretrizes das políticas de articulação do SUS com as redes públicas de educação básica com as do Nasf. Na experiência relatada, o mais comum era que os casos acompanhados na escola pelo Nasf não haviam passado pela equipe de saúde da família antes. Entende-se que as demandas deveriam envolver a participação das equipes de saúde da família para que se envolvessem no processo de trabalho e assim vivenciar a almejada integralidade do cuidado, como também a efetivação da interdisciplinaridade.
No que se refere aos atendimentos psicológicos individuais, sejam os realizados na unidade, na escola ou nas visitas domiciliares, são atividades inerentes à prática profissional e tiveram sua importância no contexto das ações do Nasf. Entende-se que eles contribuíram para ajudar as equipes "a evitar ou qualificar os encaminhamentos realizados para outros pontos de atenção" (CAB, n. 39, 2014, p. 18), isto é, imprimindo resolutividade ao trabalho do Nasf.
Os atendimentos foram fundamentados em contribuições da psicoterapia de apoio, largamente utilizada em instituições. Caracteriza-se por não ser respaldada por uma teoria psicológica única; usa intervenções mais diretivas, com objetivo de eliminar sintomas ou comportamentos desadaptativos. É muito indicada, por exemplo, para pacientes com transtornos mentais, para pessoas que estejam vivenciando crises agudas de qualquer natureza, como luto, doenças físicas graves ou crônicas incapacitantes, entre outros sofrimentos (Cordioli, Wagner & Cechin, 1998). Associado à psicoterapia de apoio, foram utilizadas também contribuições teórico-metodológicas da terapia familiar, da Psicologia Social e Comunitária e de conceitos da clínica ampliada. Tal esforço é analisado como uma tentativa satisfatória de articular o fazer clínico-psicológico com a amplitude das demandas nos serviços públicos de saúde. Tomou-se como perspectiva a articulação e inclusão de diferentes saberes como ferramenta de trabalho, estimulando a participação do sujeito no seu próprio projeto terapêutico. Como descreve Campos (2002), o fazer clínico deve considerar as inter-relações entre o sujeito e seu contexto, tornar esse aspecto objeto de estudo, para além do limitado conhecimento sobre as enfermidades. Considerou-se que o campo de atuação exige uma abordagem ampla do ser humano, capacidade de escuta e principalmente de ações técnicas que contribuam para a construção de vínculos positivos, acolhimento e ao mesmo tempo gerem autonomia nos indivíduos e coletivos.
Na dimensão técnico-pedagógica, no que se refere à participação nas reuniões com as equipes de saúde da família, foram percebidas resistências quanto ao envolvimento dos profissionais, no que diz respeito à corresponsabilização com os casos que foram elencados. Comumente os profissionais solicitavam atendimento psicológico individualizado. As demandas, entretanto, eram caracterizadas minimamente por nome, idade e o sofrimento/sintoma vivenciado pelas pessoas. Além disso, o tempo para os debates sobre os casos eram curtos, focados na remissão dos sintomas e "na pouca atenção às necessidades sociais e de saúde que circunscrevem as queixas da população que procura os serviços", semelhante ao que discutem Dimenstein e Macedo (2012, p. 239).
Prevalecia, portanto, nesses casos, uma lógica que se assemelha a um serviço ambulatorial, cujas demandas de saúde mental eram direcionadas para o núcleo de Psicologia, dificultando, assim, o exercício do trabalho compartilhado.
A prática do apoio matricial foi efetivada de maneira tênue durante as reuniões mensais com as equipes de saúde da família, não sendo registrados encontros de profissionais cujo objetivo central era o matriciamento. Foram identificadas dificuldades na efetivação de um processo de trabalho realmente interdisciplinar, sendo mais comum os já citados momentos de encaminhamento para profissionais específicos. Evidencia-se assim a necessidade de desenvolvimento de pesquisas que contribuam para esclarecer sobe tal realidade que termina por comprometer a metodologia de trabalho preconizada para a atuação do Nasf (CAB, n. 39, 2014). Campos e Domitti (2007) afirmam que existem obstáculos subjetivo e cultural para a efetivação dessa metodologia nos serviços de saúde. Os autores indicam a necessidade de uma predisposição nos profissionais para lidar com incertezas, habilidades para ouvir e realizar críticas e assim tomar decisões compartilhadas. As resistências e dificuldades podem ser compreendidas considerando que "é comum o profissional construir identidade e segurança, apegando-se à identidade de seu núcleo de especialidade, o que dificulta a abertura para a interação inevitável em espaços interdisciplinares" (p. 405).
Anjos, Meira, Ferraz, Vilela, Boery e Sena (2013), após uma revisão da literatura on-line sobre as políticas da APS, identificaram alguns desafios na prática do Nasf, relacionados à dificuldade para implementação da integralidade da saúde individual e coletiva, e sugerem mudanças no intuito de fortalecer o Nasf, afirmando a necessidade de "reflexão sobre o cotidiano com os atores envolvidos, o investimento no sentido de fortalecer os vínculos e a criação de um espaço para o debate coletivo entre as disciplinas envolvidas no processo de trabalho e na produção do cuidado" (p. 679).
Nas diretrizes da política do Nasf, já existe a compreensão de que a prática de um trabalho interdisciplinar é um processo dinâmico, desejável, mas que não acontecerá espontaneamente. Considera-se que no decorrer de sua implementação podem ocorrer descompassos entre o que se preconiza e o que realmente ocorre no cotidiano dos serviços. O desafio que se coloca é de que os profissionais assumam suas responsabilidades por meio do trabalho colaborativo (CAB, n. 27, 2009; CAB, n. 39, 2014).
Pôde-se identificar também durante as reuniões com as equipes de saúde da família momentos para o planejamento e organização das ações coletivas. As ações grupais com a população, descritas anteriormente, são estratégias compatíveis com o novo modelo de atenção à saúde propostos para a AB. Os resultados obtidos com a execução dessas atividades foram percebidos como positivos, pois contaram com a participação de todos os profissionais e tiveram boa aceitação e participação da comunidade. As atividades coletivas citadas de participação no grupo de atividade física e a coordenação do grupo Cuidando do Cuidador foram trabalhos realizados a partir da identificação das necessidades de saúde advindos do planejamento entre os próprios profissionais do Nasf e posteriormente pactuados com a equipe de saúde da família. Identifica-se o grande potencial que esse método teve na efetiva produção de mudanças nos hábitos de vida das pessoas, a construção de vínculos com a comunidade e com os agentes comunitários de saúde, a possibilidade de ampliação ao acesso às informações e práticas de humanização na assistência.
Já existem na ESF várias modalidades de grupos nesse nível de atenção à saúde, denominado como grupos temáticos, de acolhimento, de medicações, oficinas, grupos terapêuticos, etc. Essas práticas grupais são ferramentas metodológicas de educação e promoção à saúde e "constituem importante recurso no cuidado aos usuários da Atenção Básica" (CAB, n. 39, 2014, p. 67). São considerados excelentes espaços, propiciadores de socialização, troca de experiências, apoio psicológico, contribuem para construção de vínculos e projetos coletivos, promovem aquisição de novos hábitos, prevenção de adoecimentos e empoderamento social. Em sua pesquisa de avaliação das práticas grupais de promoção de saúde na atenção básica de Belo Horizonte, Ferreira Neto e Kind (2011) identificaram como efeitos positivos das práticas, dentre outros aspectos o suporte para condições de vida difíceis; criação de espaços de convivência, sociabilidade e de troca de conhecimentos; melhoras nas condições gerais de saúde, com destaque para redução do uso de medicação e melhorias nos sintomas inicialmente relatados.
As atividades coletivas desenvolvidas nas escolas, que a Psicologia também esteve presente, foram baseada no conceito da integralidade do cuidado e planejadas a partir de análises conjuntas entre a equipe Nasf, representantes da escola e da equipe de saúde da família, considerando a situação de saúde das crianças. Obteve, de modo geral, um resultado positivo avaliado pelos atores que participaram. Dentre os resultados alcançados, destaca-se a articulação de ações, com a utilização dos espaços, equipamentos e recursos disponíveis para promover a saúde, a cultura da paz, a cidadania. A experiência relatada por Teixeira e Nunes (2007) exemplifica o quão potencializador do trabalho coletivo e de uma atenção qualificada é a interdisciplinaridade no campo da saúde.
A contribuição da Psicologia no campo das atividades coletivas envolveu a efetivação de conhecimentos a respeito dos princípios e das teorias grupais, da compreensão, segundo Zimerman (2000), de que um grupo tem especificidades que vão além da soma de indivíduos e da observação atenta dos múltiplos fenômenos psíquicos envolvidos nessa nova configuração social.
A participação em ações coletivas, por parte da Psicologia no contexto da residência, foi percebida como de extrema importância, pois evidencia a incorporação de outras modalidades de atuação psicológica no âmbito da AB, contribuindo para a modificação do modelo assistencial curativo. A experiência inspira o desenvolvimento de novos modos de cuidado e a construção de serviços de saúde mais dinâmicos, flexíveis e comprometidos com as necessidades da população. Como reflete Dimenstein (2001), um profissional comprometido é o que demanda o trabalho no SUS.
Nas atividades do eixo administrativo-institucionais vivenciadas durante o programa da residência, foi possível identificar que elas tiveram espaço garantido na agenda de trabalho da equipe Nasf, aspecto considerado significativo, diante as diversas demandas e solicitações de apoio desenvolvidas diretamente no território da unidade de saúde. A participação nas reuniões descritas foi considerada essencial para a qualificação das ações da Psicologia no Nasf, pois contribuíram para o direcionamento dos processos de trabalho, sendo espaço de comunicação imprescindível para o trabalho multiprofissional, além de possibilitar o fortalecimento de redes intra e intersetoriais e conhecimento de outras políticas no âmbito da AB e de outros níveis da assistência.
Tais atividades garantem que processos de elaboração, avaliação e replanejamento de ações ocupem espaço significativo na rotina, o que possibilita a análise de implicações por parte dos profissionais de saúde (Monceau, 2008; Coimbra & Nascimento, 2012a; 2012b). Considera-se que o espaço de partilha coletiva das experiências é potente para lidar com tensões presentes no trabalho em saúde e, por conseguinte, consolidar ações de promoção de saúde. Tal como o trabalho material, o trabalho em saúde, entendido como não material, (Merhy, 2007) envolve um não saber, uma alienação, cuja possibilidade de reprodução acrítica é concreta e pode comprometer as ações de promoção de saúde. Espaços coletivos de monitoramento das práticas profissionais no campo da saúde são potentes para se assumir postura crítica no fazer saúde (Galindo, Francisco & Rios, 2013).
Considerações finais
A atuação do profissional de Psicologia no Nasf, sem dúvida, contribuiu para o aumento, qualificação e agilidade do acesso da população a essa especialidade da saúde, antes restrita aos tratamentos ambulatoriais na atenção secundária. Um marco significativo decorrente da implementação dos Nasfs é sua inerente capacidade de ampliação das possibilidades de melhoria dos resultados em saúde, com ênfase na promoção à saúde, com a inclusão de novos profissionais na ESF, para enfrentar os novos e antigos desafios da realidade brasileira (Anjos et al., 2013).
Foi contemplada a diversidade de ações propostas para o trabalho do psicólogo no Nasf (CAB, n. 39, 2014) com relação aos elementos que constituem a agenda dos profissionais que compõem esse serviço. Destaca-se na vivência como psicóloga-residente do Nasf, a identificação de avanços quanto ao desenvolvimento de ações preventivas e de promoção à saúde, como também no estabelecimento de parcerias entre os setores da saúde e educação e as atividades coletivas executadas.
Faz-se necessário na AB o psicólogo reinventar práticas, analisar o que realiza, situar-se no momento histórico, considerar determinantes culturais, políticos e econômicos que influenciam os modos de estar no mundo. A perspectiva em questão é a de propor novas modalidades de intervenções, dispor-se à experimentação, ousar e se afastar da tendência ao congelamento, isto é, distanciar-se de práticas ideais (Dimenstein & Macedo, 2012).
Ferreira Neto (2008) reflete em sua pesquisa sobre as mudanças das práticas de Psicologia Clínica no Brasil no âmbito da saúde pública, descrevendo que nesse cenário os profissionais estão inseridos em instituições públicas, com exigência de trabalho em equipe, diante de uma clientela de segmentos mais pobres da população, decorrendo daí o surgimento de um novo fazer, ainda multifacetado e em processo de construção.
Espera-se que haja mais reflexões críticas e divulgação sobre a atuação dos psicólogos do Nasf, evidenciando as diversas possibilidades da efetivação do cuidado, além da reconhecida prática da clínica individual. São desafios também fortalecer a prática de matriciamento, construir caminhos para a consolidação da interdisciplinaridade, intersetorialidade e humanização dos serviços. Que a formação acadêmica dos psicólogos contemple também o conhecimento das políticas públicas de saúde e que contribuam para qualificação de profissionais comprometidos com o bem-estar social. Espera-se também que gestores das políticas de saúde apoiem e promovam melhores condições para o exercício de práticas coletivas de prevenção e promoção à saúde.
A Psicologia, assim como as demais profissões da saúde, conquistou mais um espaço na AB. Espera-se que ele seja cada vez mais aprimorado e produza mudanças na direção do cumprimento constitucional da saúde como direito de todos. Que esse espaço conquistado seja de potência diante do "contraditório bloco de forças que compõe o território da saúde pública" (Dimenestein & Macedo, 2012, p. 237), alterando as relações sociais e construindo novas condições de vida e de saúde para toda população.
O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde da Família proporcionou autonomia para o exercício das diversas funções preconizadas para os profissionais de uma equipe Nasf, especificamente das atribuições no campo da Psicologia. Consistiu em espaço privilegiado para a efetivação de um exercício profissional baseado na responsabilidade social, possibilitando o conhecimento de múltiplas informações sobre o território, as condições de vida, familiar, escolar e social da população e contribuiu no aprimoramento das habilidades de aprender e compartilhar saberes, características imprescindíveis para o trabalho em equipe tão exigidos na área da saúde pública.
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Recebido em: 14/9/2015
Aprovado em: 2/8/2018
1 No Brasil, os termos Atenção Básica (AB) e Atenção Primaria à Saúde (APS) têm o mesmo sentido. O uso dessas palavras é decorrente das diferentes interpretações, do momento histórico, político, ideológico, da complexidade contextual e da evolução dos sistemas de serviços de saúde. O Ministério da Saúde Brasileiro adotou o termo Atenção Básica para definir APS, tendo como sua estratégia principal a Saúde da Família (SF) (Brasil, 2007; Melo, 2009).