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Pesquisas e Práticas Psicossociais

versão On-line ISSN 1809-8908

Pesqui. prát. psicossociais vol.15 no.3 São João del-Rei jul./set. 2020

 

Maternidade versus sacrifício: uma análise do efeito moral dos discursos e práticas sobre a maternidade comumente engendrados nos corpos das mulheres

 

Maternity versus Sacrifice: An Analysis of the Moral Effect of the Discourses and Practices about Maternity Commonly Engendered in the Women's Bodies

 

Maternidad versus sacrificio: un análisis del efecto moral de los discursos y prácticas sobre la maternidad comúnmente engendrados en los cuerpos de las mujeres

 

 

Lívia Cretton PereiraI; Alexandra Cleopatre TsallisII

IDoutoranda em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Mestre em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Graduada em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: lcretton@gmail.com
IIPós-Doutorado nos Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Programa de Pós-Graduação em Psicologia pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Doutora em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), em associação com o Centre de Sociologie de l'Innovation - École de Mines - Paris. Mestra em Psicologia e Práticas Sócio-Culturais pela Uerj. Graduada em Psicologia pela UFRJ. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia da Uerj. Professora Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Uerj. Coordenadora do Laboratório afeTAR da Uerj

 

 


RESUMO

O presente trabalho parte da análise de uma hashtag disseminado em redes sociais de apoio mútuo entre mães, denominado #menasmain, para refletir sobre alguns lugares-comuns (porém não únicos) na experiência feminina materna: culpa, dívida, fracasso, sacrifício, despotencialização. O artigo pretende demonstrar como se disseminam discursos SOBRE a maternidade e não COM as mulheres-mães, elucidando certo efeito moral dos discursos e práticas sobre a maternidade comumente engendrado nos corpos das mulheres. Com esta narrativa, pretendemos forjar novas políticas acerca de nós mesmas na direção do cuidado de si e entender se as mulheres estão podendo construir, na experiência de se tornarem mães, uma ética que dialogue com o efeito moral dos discursos e práticas em seus corpos, possibilitando-lhes se subjetivarem diferentemente das formas hegemônicas.

Palavras-chave: Mulher. Feminismo. Biopolítica. Cuidado de si.


ABSTRACT

The present paper is based on the analysis of a hashtag disseminated through social media used for mutual support by mothers, called #menasmain (something like #badmon), to think about some commonplaces (though not exclusive) in the feminine mother experience: self-blame, debt, failure, sacrifice, depotentialization. The article aims to demonstrate how the discourses disseminated are ABOUT maternity and not WITH female - mothers, elucidating a certain moral effect of the discourses and practices about maternity commonly engendered in the women's bodies. Through this narrative, we intend to forge new politics regarding ourselves towards self-care and understand if women are being able to create, in the experience of becoming a mother, an ethic that communicates with the moral effect of the discourses and practices in their bodies, allowing them different subjetifications from the hegemonic forms.

Keywords: Women. Feminism. Biopolitics. Self-Care.


RESUMEN

Este documento se basa en el análisis de un hashtag diseminado en redes sociales de apoyo mutuo entre madres, llamado #menasmain, para reflexionar sobre algunos lugares comunes (pero no únicos) en la experiencia femenina materna: culpa, deuda, fracaso, sacrificio, despotencialización. El artículo tiene como objetivo demostrar cómo se difunden los discursos SOBRE la maternidad y no CON las mujeres-madres, aclarando un cierto efecto moral de los discursos y prácticas sobre la maternidad comúnmente engendrados en los cuerpos de las mujeres. Con esta narrativa, pretendemos forjar nuevas políticas sobre nosotras mismas hacia el cuidado de sí y comprender si las mujeres pueden construir, en la experiencia de convertirse en madres, una ética que dialoga con el efecto moral de los discursos y prácticas en sus cuerpos, permitiéndoles subjetivarse de manera diferente a las formas hegemónicas.

Palabras claves: Mujeres. Feminismo. Biopolítica. Cuidado de sí.


 

 

Primeiras inquietações: #menasmain, de onde vem?

Pareço boa mãe, mas dei leite artificial pro meu filho porque eu queria dormir mais um pouco. Me julguem. #menasmain

Fiz yoga na gestação, contratei equipe de parto domiciliar, doula e acabei numa cesárea. #menasmulher #menasmain

Meus filhos só almoçam vendo iPad. Me julguem. #menasmain

Engravidei e ainda amamento minha filha em livre demanda. No segundinho vai rolar chupeta, fato. #menasmain

Fazemos cama compartilhada desde que meu filho nasceu. Eu durmo enquanto ele mama, mas hoje estava tão cansada que ele caiu da cama e eu só vi quando ele já estava no chão. #menasmain

Enunciados como esses são frequentemente encontrados nas redes sociais, apesar de estas terem se configurado como uma ferramenta fundamental no que diz respeito à tessitura de redes de apoio entre as mães. Neste artigo - um recorte de uma pesquisa de doutorado em andamento - tomaremos as redes sociais como o campo que suscita as primeiras interrogações que compõem esta escrita, entendendo que o "virtual" forja no "real" práticas de existência.

Dito isso, é preciso situar a pesquisa e as pesquisadoras, adotando uma política de localização, tal qual Donna Haraway (1995, p. 10) nos convida a fazer: "Todo conhecimento é um nódulo condensado num campo de poder agonístico.". A citada autora segue com afirmações com as quais corroboramos.

As feministas têm que insistir numa explicação melhor do mundo; não basta mostrar a contingência histórica radical e os modos de construção de tudo. [...]As feministas têm interesse num projeto de ciência sucessora que ofereça uma explicação mais adequada, mais rica, melhor do mundo, de modo a viver bem nele, e na relação crítica, reflexiva em relação às nossas próprias e às práticas de dominação de outros e nas partes desiguais de privilégio e opressão que todas as posições contêm. Nas categorias filosóficas tradicionais, talvez a questão seja ética e política mais do que epistemológica. (Haraway, 1995, p. 15)

Essa narrativa de uma temática inequivocamente (mas não exclusivamente) feminina, que é a maternidade, está, no entanto, preocupada em não produzir, mais uma vez na história da escrita acadêmica, universalizações que suprimam as experiências de mulheres negras, deficientes, indígenas, quilombolas, lésbicas, etc., produzindo uma crença na hegemonia da mulher branca. Por outro lado, não se trata de tomar a experiência com a maternidade de mulheres de classes, raças e capacidades distintas da das autoras como objeto de estudo. Eis o desafio.

Nesse sentido, observamos, nas redes sociais, uma vasta produção discursiva SOBRE a maternidade. Certamente, discursos que não contemplam a realidade de muitas famílias brasileiras. Discursos que correm o risco de tornar hegemônica uma certa maternidade - branca, classe média, letrada -, segregando as demais formas de maternar existentes.

Diante desse modo discursivo propositivo, propomos um outro modo da fazer ciência, que acreditamos que possa contemplar experiências mais diversas de maternidade. Moraes e Tsallis (2016, p. 44), professoras universitárias cariocas, assim como outros pesquisadores brasileiros, vêm debatendo e articulando a Teoria Ator Rede com o que vão chamar de Pesquisar no Feminino, um modo de produzir conhecimento a partir das afetações que os encontros promovem.

Nessa mesma direção, forjaram o método denominado PesquisarCOM, a partir do qual salientam o compromisso de fazer pesquisa COM o outro e não SOBRE o outro: "A escrita na ciência está longe de ser o simples relato dos resultados de uma pesquisa. Ela é antes, uma forma de povoar o mundo. Uma forma de fazer mundo" (Moraes & Tsallis, 2016, p. 44). É desse modo que nos engajamos na presente escrita, responsabilizando-nos pelo "mundo" que sabemos estar produzindo, talvez mais plural, múltiplo, contra-hegemônico.

Dito isso, cabe situar as autoras. Somos mulheres, mães, brancas, de classe média. E nesta escrita seguem os primeiros questionamentos que emergem, sem sombra de dúvida, do lugar privilegiado que sabemos ocupar.

O Rio de Janeiro é o berço onde se situa esta pesquisa. Rio de Janeiro, "cidade maravilhosa", com seus encantos e seus territórios de exclusão, suas políticas de segregação e seus baixos índices de saúde da mulher e da criança. Foi nesse Rio que pudemos notar importante protagonismo das redes sociais no que diz respeito à construção de apoio mútuo entre as mães, um ato de resistência em meio ao caos, mulheres se apoiando! Ao que tudo indica, o encontro com a maternidade no contexto da vida urbana (e colonizada, acrescentaríamos), acentua (ou fabrica?) uma experiência de solidão. Há, nos centros urbanos, um certo esvaziamento de modos de vida comunitários, coletivos. Não nos responsabilizamos de maneira generalizada pelas nossas crianças. Caminhamos na direção oposta do que afirma o sábio provérbio africano: "É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança" e, ao contrário, seguimos numa reprodução incessante da expressão popular "Quem pariu Mateus que o embale".

Tomamos, então, o "conceito-hashtag"1 (se quisermos nos adequar ao linguajar das redes sociais) "#menasmain", cunhado nas/pelas mesmas redes virtuais arquitetadas por mães, e o acompanhamos, curiosas, buscando entender o significado deste, seu uso equivocado do português e sua frequente existência.

Por que motivos a hashtag #menasmain viralizou? Do que essa hashtag dá notícias? A partir de que conjunto de crenças a expressão "menasmain" se popularizou? Por que é comum encontrar mães sentindo-se "menos mãe", "em dívida", "em falta"? De onde vem essa associação indissociável entre culpa e maternidade? Que forças estão em jogo na produção desse lugar endividado da mulher-mãe? Quem são essas mulheres que experimentam culpa, dívida, falta, fracasso em seu cotidiano?

Em continuidade com essas perguntas, nos debruçamos a investigar o motivo pelo qual temos encontrado muitas queixas por parte das mães nos grupos de apoios em redes sociais, notando um certo efeito, que aqui vamos nomear de "despotencialização", no encontro com a maternidade, sem, no entanto, universalizar essa experiência.

Parece-nos que essa despotencialização tem relação com inúmeras forças em jogo: solidão, falta de apoio, falta de rede, centralização dos cuidados com filhos nas mães, exigência de retorno breve aos seus postos de trabalho, dificuldade de conciliar o trabalho doméstico com o trabalho remunerado e os cuidados com filhos (uma exigência impossível dessas...), escassez de espaços públicos apropriados ou acolhedores para as crianças, incompatibilidade entre orientações do Ministério da Saúde sobre amamentação e períodos de licença maternidade, tempo da licença-paternidade insuficiente, escassez de vagas em escolas públicas, etc.

Mas não somente. Suspeitamos que tal efeito de despontencialização está ligado a um efeito moral de discursos e práticas sobre a maternidade comumente engendrado nos corpos das mulheres.

Há uma política de romantização e idealização da maternidade que ganha novas roupagens a cada momento histórico, por meio de uma produção discursiva que, de uma maneira geral (e aqui reproduzido de maneira caricatural), sugere modos de criar filhos "felizes e saudáveis", notoriamente um enfoque dirigido às crianças e não àquilo que seria definitivamente possível, ou mesmo viável, para as mães e para as mais diversas configurações familiares.

O site anarquista da Organização Resistência Libertária (2016) corrobora com a nossa argumentação ao afirmar: "A nível de relações cotidianas e no campo simbólico, a romantização da maternidade é um mecanismo machista e patriarcal de naturalizar e perpetuar a sobrecarga de trabalho sobre as mães."

Silvia Federici (2017, p. 30), no livro O calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação primitiva, analisa o papel destinado às mulheres na transição do Feudalismo para o Capitalismo e o "desenvolvimento contemporâneo de uma nova divisão sexual do trabalho que confina as mulheres ao trabalho reprodutivo".

A historiadora aponta que a diferença fundamental nessa nova divisão sexual do trabalho reside na maneira como o trabalho doméstico passa a ser tratado.

Na aldeia feudal não existia uma separação social entre a produção de bens e a reprodução da força de trabalho: todo o trabalho contribuía para o sustento familiar. As mulheres trabalhavam nos campos, além de criar os filhos, cozinhar, lavar, fiar e manter a horta; suas atividades domésticas não eram desvalorizadas e não supunham relações sociais diferentes das dos homens, tal como ocorreria em breve na economia monetária, quando o trabalho doméstico deixou de ser visto como um verdadeiro trabalho. (Federici, 2017, pp. 52-53)

Angela Davis (2016, p. 228), em Mulheres, raça e classe, complementa que

Nas sociedades capitalistas avançadas, por outro lado, o trabalho doméstico, orientado pela ideia de servir e realizado pelas donas de casa, que raramente produzem algo tangível com seu trabalho, diminui o prestígio social das mulheres em geral. No fim das contas, a dona de casa, de acordo com a ideologia burguesa, é simplesmente a serva de seu marido para a vida toda.

Visando romper com esse destino certo para as mulheres-mães e sair de um lugar despotencializado, as proponentes deste artigo, também mães, buscam, com a presente narrativa, encontrar afetos mais alegres com a experiência de maternar - sem idealismos - de maneira pontual. Entretanto, com frequência perpassa-nos a vontade de desistir e abandonar o ato da escrita, uma vez que o sentimento de impotência e a crença de que talvez uma revista científica não comporte um artigo cujo principal tema é a maternidade nos assombram. Mas algo em nós persiste e não desiste de interrogar: por que a academia, as universidades, as produções literárias e científicas não seriam espaços para as mães ocuparem? Ora, é disso que se trata! Esta escrita emerge com uma intencionalidade: poder afirmar que lugar de mãe é onde ela quiser... Ousada afirmação. Mas talvez esta escrita só possa se efetuar tendo ao lado, como parceira, a ousadia. Sigamos.

Destarte, temos entendido, então, que ocupar os espaços públicos e institucionais sendo mãe é também um ato político. É preciso que os espaços públicos criem condições para acolher as crianças, pois isso é criar condições para que também as suas mães estejam ali e não trancadas em casa ou relegadas a frequentar somente parquinhos, playgrounds, espaços babyfriendly, etc.

Seguindo esse raciocínio, Mariana Bruce, militante do Movimento Mães e Crias na Luta,2 enaltece essa argumentação em seu blog de nome "Meu labirinto particular: um espaço para eu botar pra fora aqueles pensamentos fora do lugar...":

Basta de acreditar que o mundo pertence somente aos adultos, que não há uma responsabilidade coletiva de tornar os espaços, quaisquer que sejam, mais acolhedores para as crianças (inclusive, os ambientes de trabalho) ou que para que elas frequentem um espaço, tenham que se "adultizar", negando sua própria condição de existência que envolve explorar o ambiente, movimentar o corpo, fazer barulho, sentir medo e chorar, rir, falar, gritar, mamar, trocar as fraldas. Com isso, perdemos todos com nossa falta de escuta, de observação, de empatia, de acolhimento. (Bruce, 2016)

Não se trata tão somente de exigir que os espaços públicos criem as condições necessárias para receber as mães com as suas crianças. O campo em disputa é bem mais complexo. O que estamos reivindicando, como ativistas do "feminismo materno", é que as mulheres não sejam demitidas imediatamente depois do retorno da licença-maternidade, que mulheres que tenham filhos sejam admitidas em processos seletivos e entrevistas tanto de emprego como no mundo acadêmico, que as mulheres possam amamentar em público sem sofrer assédios, que as creches públicas sejam acessíveis e de qualidade, que as mulheres tenham direito a pré-natal e a parto públicos, dignos e respeitosos, sem sofrer violência obstétrica, equidade nos cuidados com as crianças, tempos mais longos de licença maternidade e paternidade, igualdade salarial para mulheres e homens, etc. Essa luta é por todas as mulheres, pelo nosso corpo, pelas nossas vidas, contra a maternidade compulsória e a favor dos nossos filhos, que queremos vivos!

Acreditamos, assim, que o universo das publicações acadêmicas não poderá se furtar a trazer para o debate o tema da maternidade. É indispensável, para a construção de outras políticas públicas, no que diz respeito aos direitos das mulheres, o apoio de argumentação científica. Precisamos produzir e multiplicar narrativas acadêmicas em defesa da mulher. Não se trata de solicitar condições especiais justificadas por uma suposta fragilidade do corpo feminino, trata-se de exigir o que nos é de direito. Ousaríamos dizer que, de maneira geral, as bandeiras levantadas historicamente pelos feminismos ainda contemplam pouco as mulheres que são mães e que será necessária a criação de novas bandeiras. Que o presente trabalho sirva de "pontapé" para uma reflexão nessa direção.

 

Breve historicização do papel da mãe

Na direção de desconstruir a romantização produzida em torno da figura da mãe, cabe, aqui, uma breve historicização. Há uma vasta produção de discursos sobre a maternidade, sobre o corpo da mulher, sobre o feminino, enfim. Colocar em debate uma discussão acerca da maternidade é se dispor a discutir a vida, a política, a ciência, a biologia, os nascimentos...

Nascimento e maternidade são temas indissociáveis, posto que é o evento do nascimento que "concede" à uma mulher o seu papel social de mãe. Michel Foucault cunhou o conceito de biopolítica da espécie humana ao analisar aquilo que ele chamou de nascimento do racismo de Estado, que disserta sobre uma tecnologia de poder de dupla face: disciplina dos corpos e regulamentação dos processos da vida. Se, num primeiro momento, as técnicas de poder estavam essencialmente centradas no corpo individual, a partir da segunda metade do século XVIII, surge uma nova tecnologia de poder, que não exclui a primeira, mas a integra, a modifica parcialmente, vai se incrustando nela e

[...] se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que eles se resumem em corpos, mas na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. (Foucault, 1999, p. 289, grifo nosso)

A partir dessa análise foucaultiana, entendemos o corpo da mulher como alvo de um controle biopolítico da espécie humana. Mas de que forma esse corpo é tomado como alvo? Ora, a eficiência desse exercício de poder reside em ser difuso, descentralizado e sutil, mas não menos violento.

A própria constituição da obstetrícia como conhecimento prático e disciplinar no século XIX inaugura uma transformação histórica do parto, que antes era um evento social ligado à cotidianidade das mulheres, que ocorria entre mulheres, passando a ser um evento médico-hospitalar e inaugurando a entrada de homens na cena do parto. Homens legislando sobre o corpo das mulheres, o corpo feminino como objeto do discurso médico-científico. Isso cria um gerenciamento dos corpos femininos sem precedentes que, inclusive, inventa uma certa "natureza feminina" associando-a à vocação maternal da mulher. Passa a ser uma missão exclusiva da mulher, na nova ordem social, a formação de novos cidadãos.

No Brasil, na década de 1990, tínhamos um modelo de assistência ao parto extremamente intervencionista. Foi nesse contexto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) propôs a utilização de práticas que posteriormente se tornaram um campo da Medicina, baseadas em "Evidência Científica". De acordo com a própria Medicina Baseada em Evidências (MBE), esta tem como função garantir a "segurança" e "eficácia" de cada procedimento médico. Entretanto, nos interrogamos por que motivo uma prática médica "inovadora" precisaria acrescentar o termo "científico" ao seu nome, já que a Medicina, como campo de conhecimento, formou suas bases nisso que chamam hegemonicamente de ciência. Curioso, não? E essa ciência não terá se baseado, desde sempre, em "evidências"? Eis aqui duas interrogações importantes para começarmos a pensar sobre os modos de fazer ciência que estão em jogo.

De todo modo, é preciso reconhecer que o campo da MBE, no que diz respeito à assistência ao parto e à amamentação, vem desenvolvendo pesquisas relevantes e consideráveis críticas aos procedimentos da Medicina convencional realizados "sem respaldo científico", isto é, procedimentos que se instituíram nas práticas cotidianas e que desqualificam o corpo da mulher, tomando-o como incapaz e, portanto, dependente de intervenções e tecnologias. Sem dúvida, uma prática médico-científica que se instituiu como campo de saber numa cultura patriarcal.

No atual cenário de lutas pela humanização do parto e da amamentação, a MBE tem fundamental relevância no incentivo ao parto normal, inclusive tendo promovido a criação de novas leis sobre os direitos reprodutivos da mulher e sobre a amamentação. Entretanto, Alzuguir e Nucci (2015, p. 223) elucidam uma controvérsia curiosa desse modelo assistencial:

A despeito da nítida vertente de desmedicalização do corpo feminino como diretriz defendida para a consecução de uma maternidade "mais natural", "ativa" e "empoderada", tal vertente se apoia, paradoxalmente, na ciência - a partir do respaldo em "evidências científicas" - como matriz privilegiada de legitimação das práticas humanizadas de parto e amamentação.

Para além de querermos aqui questionar que se tome a ciência como matriz privilegiada de legitimação das práticas de parto e amamentação, queremos pensar com você, leitora/leitor: de que ciência se está falando? Quando uma ciência precisa garantir seu "resultado" baseado em evidências, em que lógica de produção de conhecimento estará ela se ancorando? Que modelo científico é esse que afirma produzir "verdades evidenciadas" que não inclui as controvérsias da produção de conhecimento, as singularidades e, principalmente, o que aqui mais nos interessa, os efeitos do que é enunciado como verdade?

Ora, nessa direção, perguntamos o que aqui nos interessa mais: que efeitos os discursos produzidos sobre parto e amamentação têm tido sobre as mulheres? Há riscos de que esse campo de pesquisa acabe contribuindo para o aparecimento de afetos vividos ou experienciados pelas mães, como fracasso e impotência?

Alzuguir e Nucci (2015, p. 219) afirmam que "o discurso científico é ressignificado nas redes virtuais de mães, para legitimar práticas e estilos de vida consoantes com o ideário da humanização do parto e da amamentação ancorados na ideia de uma natureza feminina universal".

As autoras dão seguimento a esse raciocínio: "Se esta positivação da natureza do corpo feminino pode ser reconhecida como um esforço em direção à luta pela autonomia reprodutiva das mulheres, por outro lado, a essencialização de uma noção de natureza universal pode instaurar armadilhas." (Alzuguir & Nucci, 2015, p. 236).

O que significa, no âmbito da maternidade, se aliar a discursos e práticas universalizantes e hegemônicas? Há o enorme risco de, na tentativa de romper com determinado modelo que desqualifica o corpo feminino, se produzir discursos consoantes com esse modelo, porém sob nova roupagem e de o protagonismo da mulher-mãe ser novamente "jogado para escanteio", pois ela seguirá norteando suas escolhas a partir da validação de especialistas, que detêm o saber, agora mais sofisticado e "baseado em evidências científicas".

Na mesma direção do ativismo em favor do parto e da amamentação da Medicina Baseada em Evidências, têm surgido, mais recentemente, muitos discursos sobre "como criar filhos seguros", os quais recebem nomes bastante diversificados, a despeito de suas propostas semelhantes: Maternidade Mamífera, Maternidade Ativa, Maternidade Consciente (como se houvesse outra não consciente), Criação com Apego, etc. Entre essas, destacamos a Criação com Apego, já bastante disseminada internacionalmente.

De acordo com o blog "Paizinho vírgula"3 (Queiroz, 2013), em 1994 foi criada uma organização sem fins lucrativos chamada Attachment Parenting International (API), que oferece "apoio a pais que buscam criar vínculos seguros com seus filhos". Inspirada no pediatra norte-americano William Sears, a API criou "Os Oito Princípios da Criação com Apego" (assim foi traduzido no Brasil o termo Attachment Parenting).

Embora os estudiosos da Criação com Apego afirmem que não houve intenção de se tornar mais um manual sobre como criar filhos, que seus princípios não são receita de bolo e que cada família vai precisar encontrar o que se adéqua melhor em sua dinâmica, ou ainda que "a prática da Criação com Apego (do inglês Attachment Parenting - AP) atende às necessidades da criança de confiança, empatia e afeição, provendo a base para uma vida repleta de relacionamentos saudáveis" (Queiroz, 2013), o que temos encontrado são mães sentindo-se impotentes e fracassadas. Novamente essa questão retorna: quais têm sido os efeitos desses discursos para as mães? Queremos, com este artigo, poder propor uma maternidade em que o princípio seja: NÃO TER PRINCÍPIOS! Será por demais ousado?

É preciso reconhecer o ativismo da criação com apego (e seus derivados) na direção de produzir resistência a determinado modelo de sociabilidade urbano, ocidental, patriarcal, colonizado, centrado no trabalho e na terceirização do cuidado. Vale frisar que essa sociabilidade urbana que narramos aqui se encontra pautada em alguns elementos, entre eles: o de que as mães não são incentivadas a parir e amamentar; de elas serem convocadas ou, ainda, forjadas a retornarem o quanto antes aos seus postos de trabalho, trazendo como um de seus efeitos a terceirização com relação aos cuidados dos filhos; do uso de muitos anteparos ao contato mãe-bebê, como chupetas, mamadeiras, carrinhos, berços, etc.

Questionamo-nos acerca de quais os efeitos desses discursos que criticam um modo de criar filhos carregado de anteparos e terceirizações e propõem uma maternidade mais "natural". Uma crítica que pode trazer o seu avesso, a saber, o risco iminente de que esse discurso, sob nova roupagem, aparentemente progressista, avançado, esteja realocando as mulheres no trabalho doméstico e reprodutivo, sob a justificativa da existência de uma certa natureza biológica. E com isso atualizando uma maternidade despotencializada, que opere na lógica do sacrifício.

Qual será a incidência dessa crítica, se as "soluções" apontadas sugerem, mais uma vez na história, a mãe como foco principal de resolução? Será que os diversos blogs cujo principal tema é a criação de filhos se dão conta de que sua produção discursiva parece estar no mesmo registro de práticas que confinaram mulheres à criação de seus filhos, tal qual Elisabeth Badinter elucida em seu livro Um amor conquistado: o mito do amor materno? A autora afirma que

A mãe será promovida a "grande responsável" pela felicidade de seu rebento. Missão terrível, que acaba de definir seu papel. Sem dúvida, esses encargos sucessivos que sobre ela foram lançados fizeram-se acompanhar de uma promoção da imagem da mãe. Essa promoção, porém, dissimulava uma dupla armadilha, que será por vezes vivida como uma alienação. [...] Enclausurada em seu papel de mãe, a mulher não mais poderá evitá-lo sob pena de condenação moral. (Badinter, 1985, p. 237)

Ora, "teorias" que propõem saídas individualizantes focadas nas mulheres-mães contribuem em que na mudança da condição feminina na sociedade?

A Criação com Apego suscita, ainda, uma armadilha bastante perigosa ao colocar esse "estilo de criar" numa dimensão de escolha da mulher, sem levar em consideração as condições sociais, os níveis de pobreza e a precarização da saúde pública; uma produção discursiva dirigida à mulher que se quer hegemonizar, ao passo que enunciações supostamente universais são proferidas: a mulher branca de classe média.

 

Maternar como sacrifício

Enquanto tecemos aqui este debate acerca dos discursos sobre criação de filhos e seus efeitos de despotencialização nas mães, uma matéria publicada no G1 em 2015 nos chama a atenção: "'Menas main' existe? Mães contam como lidam com culpa e palpites". A reportagem segue explicando que

a expressão surgiu em grupos de apoio ao parto normal e à maternidade consciente, em que mulheres que davam leite em pó aos bebês e deixavam a criança chorar no berço até dormir bradavam não serem "menos" mães do que as outras que estavam ali. [...] Para além da brincadeira, a expressão esconde uma questão ancestral: a culpa materna. (Faraco, 2015)

Chama atenção o fato de que exista uma expressão que conecte de forma inquestionável culpa e maternidade, como se houvesse um pertencimento da culpa na mãe. Acreditamos que será preciso, primeiramente, desnaturalizar isso que está posto. Que forças estão em jogo na afirmação da existência de uma culpa materna? Quais elementos históricos, sociais, culturais, subjetivos e políticos estão em jogo na produção e naturalização dessa culpa?

É possível observar muito claramente, nas frases que inauguram este texto, um pedido: "me julguem". Somado a esse pedido, a afirmação "menasmain", ambos trazem consigo um tom de confissão, que nos remete à prática cristã de colocação da (própria) verdade em discurso, que implica para o sujeito um horizonte de abnegação e sacrifício. De acordo com análise do filósofo francês Michel Foucault (2011), o cristão deve testemunhar contra si mesmo, ou seja, saber sobre si, sobre suas tentações, sobre as faltas que pode ter cometido; e, mais ainda, precisará dizê-lo aos outros.

É curioso que esse modo de operar cristão encontre nas mulheres-mães um solo tão fértil para ser colocado em funcionamento. No exato contexto em que se radicaliza a experiência de ser mulher nesse mundo, radicalizam-se os papéis destinados ao gênero feminino - que é o momento do nascimento de um filho -, o corpo da mulher torna-se uma engrenagem, por excelência, para pôr em funcionamento alguns ideais cristãos, a começar pelo sacrifício.

A obrigação de verdade sobre si está totalmente ligada a outra prática cristã: a penitência. Por meio dela, sofrem-se proibições e restrições. É preciso tornar públicas as faltas, mostrar-se como pecador. De acordo com Foucault (2011), desde o início do cristianismo, a penitência era um estatuto geral da existência. Por intermédio dela, sofrem-se proibições e restrições: "A penitência nos primeiros séculos cristãos é um modo de vida que deve atuar em todos os momentos como uma obrigação de mostrar-se a si mesmo" (Foucault, 2011, p. 173). Um modelo importante na penitência era o modelo do martírio: era preciso se expor voluntariamente a algum tipo de martírio. No caso, estamos chamando de exposição voluntária ao martírio, obviamente numa analogia caricatural, os pedidos de julgamento pelas mães ao usar a hashtag #menasmain.

Essa tecnologia de si cristã, orientada pela permanente verbalização, é dominante nos dias de hoje. Será possível fundar outra relação do sujeito com a verdade que não remeta ao sacrifício? Nesse sentido, certa direção analítico-crítica parece indispensável: "Talvez nosso problema hoje seja o de descobrir que o sujeito não é nada além de correlação histórica das tecnologias de si construídas em nossa história" (Foucault, 2011, p. 186). Mas como transformar essas tecnologias? Foucault faz um chamado a que forjemos uma nova "política de nós mesmos".

 

"O pessoal é político"

Com essa intenção, de forjar novas políticas acerca de nós mesmas, na direção do cuidado de si, a presente pesquisa, ainda em fase inicial, pretende entender se as mulheres estão podendo construir, na experiência de se tornarem mães, uma ética que dialogue com o efeito moral dos discursos sobre a maternidade, comumente engendrado em seus corpos. E avaliar como, a partir desse diálogo, inauguram-se, efetivamente, outras maneiras de exercer a maternagem.

Interessa-nos avaliar quais as implicações de um frágil exercício de si entre as mães, quando sua ocupação principal é justamente uma prática de cuidado do outro; entendendo que, por mais que as mães tenham acesso a um imenso volume de informações sobre "como criar seus filhos", não será isso que vai garantir "filhos criados com segurança". Como uma mãe precarizada, descuidada e miserabilizada poderá produzir um cuidado potente?

Michel Foucault, em sua releitura do período helenístico-romano, toma o tema do cuidado de si como uma ética e uma estética de si. Tomar o cuidado nessa perspectiva é entendê-lo não

[...] como algo a ser recebido de alguém, por alguma espécie de compaixão, humanismo ou mesmo especialidade profissional, mas de um processo para a vida inteira, que forja liberdades, conquistando-as dia-a-dia, junto às forças ativas da vida, que geram a possibilidade de criar novos modos de subjetivação. (Cretton, 2014, p. 83)

Refazer uma ética do eu seria então uma tarefa urgente e politicamente indispensável, na medida em que a relação de si para consigo é o ponto de resistência ao poder político. Foucault (2012, p. 265) afirma que "Não se deve fazer passar o cuidado dos outros na frente do cuidado de si; o cuidado de si vem eticamente em primeiro lugar". Além disso, o cuidado de si não é uma atividade solitária; ao contrário, implica sociabilidade.

Será possível que as mães reconstruam uma ética de cuidado de si mesmas, apesar da solidão e da falta de apoio de toda ordem (inclusive estatal) experimentadas?A aposta consiste na construção/invenção de outras formas de subjetivação que não esteja absolutamente atrelada à impotência, ao fracasso.

Tomar o tema da maternidade, partindo de nossa experiência, como material de pesquisa e produção de conhecimento acadêmico é, no terreno da Psicologia, uma atitude política. Uma Psicologia que não deseja estar dissociada da política, da polis, da cidade, de onde a vida acontece, enfim.

Isabelle Stengers e Vinciane Despret (2011, p. 35), no livro As fazedoras de histórias, proclamam: o pessoal é político e

a evocação de nossas experiências torna-se anônima, falando de outra coisa que não nós mesmas [...]. E como se tornaram anônimas essas particularidades, trocadas pelas mulheres no devir feminista, nos encontros onde elas faziam existir, cada uma à sua maneira e cada uma com todas, que isto que elas tinham vivido no registro pessoal era (também) político4

A aposta consiste em tomar a experiência pessoal e torná-la política, com vistas a intervir numa realidade que parece imutável, dura, consolidada. Trata-se, pois, de se arriscar numa escrita que possibilite criar condições para desentranhar, despessoalizar, desprivatizar a experiência e recolocá-la no plano do impessoal, do coletivo. Forçar uma coletivização da experiência - hoje tão intimista e solitária - de tornar-se mãe.

Nesse sentido, enquanto essas palavras ganham linhas no papel, estamos alertas e atentas, preocupadas em produzir uma narrativa que rompa com os modos de escrita imperativos, que dizem às mães o que fazer/como fazer para tornar-se mãe. Em um breve futuro, essa pesquisa de doutorado ganhará solo, corpo, campo e se tornará (tomara!) uma escrita interessada em recolher relatos e deixar que os discursos elaborados pelas próprias mulheres-mães ganhem a cena, num exercício de tomar a escrita como ferramenta. Ferramenta essa que possibilita às mulheres se subjetivarem diferentemente das formas hegemônicas. Uma escrita de si que tem como horizonte uma prática de liberdade, forjada num cuidado diário com as forças ativas da vida.

 

Nossas referenciais

A leitura de feministas como Donna Haraway, Isabelle Stengers e Vinciane Despret tem fornecido ferramentas importantes para afirmar um modo encarnado de fazer e narrar uma pesquisa. Conti e Silveira (2016, p. 55) perguntam: "Ora, mas então com que espécie de matéria escreve o pesquisador sua pesquisa? Ah sim, ele escreve com a experiência." Desse modo, indo ao encontro do pensamento de Arendt e Moraes (2016, p. 15),

Entendemos que esta abordagem permite sugerir uma maneira nova de pensar a Psicologia. O enfoque mudaria completamente se o interesse dos psicólogos se dirigisse não tanto ao que o sujeito ou indivíduo é, mas o que ele poderia ser, numa situação ela própria plena de possibilidades de ação.

É notório que, neste artigo, as autoras estão em relação com o campo que quer investigar e narrar. Ou melhor, estão situadas nele. De acordo com Moraes e Tsallis (2016, p. 43), Donna Haraway "sinaliza que na ciência todo olhar é situado, tecido a partir de conexões e mediações que fazem certos mundos visíveis e deixam outros na sombra. Assim, para a autora, só é possível conhecer a partir de algum lugar".

Afirmar uma pesquisa a partir do lugar onde estamos é tomar a produção de conhecimento e a escrita como atos políticos que envolvem posicionamentos, escolhas. Se aventurar numa escrita em que as pesquisadoras coloquem em análise também o lugar que ocupam e que buscam ocupar é, sem dúvida, arriscar-se a repensar as próprias práticas de pesquisa que, no presente trabalho, são também de vida.

Faz tempo que buscamos modos de pesquisar sem um método apriorístico, com metas preestabelecidas e determinadas a priori. Interessa-nos um "procedimento" que se constrói no próprio processo de pesquisar, um primado do caminhar. Essa postura procura garantir protagonismo àquilo que se quer pesquisar, evitando pôr em cena o pesquisador onisciente, bem como o objeto assujeitado. Nessa direção, há uma certa política de narratividade que nos ampara, uma escrita afetiva e encarnada.

Conti e Silveira (2016) chamam esse modo de pesquisar e escrever de contra-hegêmonico de "fazer ciência no Feminino" (grifo nosso).

É preciso dizer que se vamos marcar um feminino na ciência e não uma ciência feminina e também para marcar uma posição política no meio acadêmico. Este meio acadêmico que trata sem pestanejar os homens como rigorosos cientistas e nós, contadoras de histórias, como pesquisadoras sensíveis. As histórias que escrevemos sustentam um mundo que queremos, com o qual nos responsabilizamos. Responsabilizar não no sentido de uma lista de obrigações, mas como afirma Haraway (em sua fala no Simpósio Mil Nomes de Gaia já citado): "Não é ser responsável, é mais como cultivar a capacidade de reagir" no tempo e no espaço. Não queremos apagar nossa sensibilidade, mas queremos que nossas narrativas tenham lugar em pé de igualdade na comunidade científica, considerando nossa aposta no fomento de um mundo mais denso, mais complexo e por que não, mais encantado. (Conti e Silveira, 2016, p. 66)

Propor uma metodologia que implica entrar em relação com o que se quer pesquisar, assumindo um compromisso ético, político e epistemológico é, pois, uma aposta de vida, sem a qual não seria possível escrever nesse momento. As pesquisadoras caminham junto ao tema pesquisado na direção de se subjetivar de outras formas não hegemônicas no campo da maternidade, radicalizando os sentidos de uma pesquisa encarnada: "Uma experimentação criadora no campo da produção de conhecimento, que se faz visível e enunciável como uma política facultativa de subjetivação (versus sujeição)" (Rodrigues, 2010, p. 201).

 

Referências

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Recebido em: 18/9/2019
Aceito em: 28/5/2020

 

 

1 Hashtags são palavras-chave precedidas do símbolo # que acabam se transformando num link. Então, ao se clicar na hashtag #menasmain, abrirá uma nova página com todas as frases onde fora usado #menasmain.
2 Este movimento nasce do protesto majoritariamente feminino realizado na Cinelândia, Rio de Janeiro, em outubro de 2015, contra o então presidente da câmara, Eduardo Cunha, e seu Projeto de Lei n. 5.069/13, que tornava crime induzir ou auxiliar uma gestante a abortar. Na linha de frente da passeata, mulheres carregavam seus bebês em carregadores e gritavam palavras de ordem como: "Quem manda no meu corpo sou eu", "Deputados, tirem as mãos dos nossos úteros", "Regular o meu corpo? Aborte essa ideia", "Mulheres contra Cunha", "Ser mãe é uma escolha", etc.
3 O blog foi criado por Thiago de Queiroz, ativista da paternidade ativa e da criação com apego. No universo da maternidade, é um dos blogs mais lidos e conhecidos nacionalmente. Thiago atualmente é certificado como líder pela organização Attachment Parenting International e criador do primeiro grupo de apoio oficial no Brasil, a API Rio.
4 Tradução feita pelas integrantes da pesquisa "Perceber sem ver: corpo e subjetividade entre deficientes visuais", coordenada pela professora Márcia Moraes, do departamento de Psicologia da Universidade Federal Fluminense (UFF).

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