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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.5 no.1 Juiz de Fora ago. 2011

 

ARTIGOS

 

Regulação dos Estados de Vigília de Bebês (um e cinco meses) em Contextos Diádicos Mãe-bebê*

 

Regulation in the Baby's States of Consciousness (one and five months) in Mother-infant Dyadic Context

 

 

Maria Lucia Seidl-de-Moura; Deise Maria Leal Fernandes Mendes; Luciana Fontes Pessôa; Renata Gomes da Costa de Marca

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As características individuais do bebê, os contextos específicos nos quais ele se desenvolve, e as atividades realizadas pelos adultos, interrelacionam-se, constituindo um sistema dinâmico que permite a regulação dos estados de vigília do mesmo. Neste artigo foram analisadas comparativamente as mudanças nos estados de vigília em dois momentos do desenvolvimento, aos trinta dias e aos cinco meses, e identificadas as atividades maternas e os contextos específicos associados a essas mudanças. Trinta díades mãe-bebê foram filmadas por quinze minutos em suas residências. Os estados foram classificados em: sono, sonolência, alerta, inquietação e choro. Bebês de cinco meses apresentaram capacidade de regulação mais previsível, tipos de transição mais restritos, maior capacidade de manutenção em um estado específico e mais atividades em um maior número de contextos. Há indicações do desenvolvimento da capacidade do bebê de regulação de seus estados de vigília de forma articulada ao papel do adulto e do contexto.

Palavras-chave: Estados de vigília; contextos; regulação.


ABSTRACT

The individual characteristics of a baby, the specific contexts in which he/she develops and the activities carried out by the adults are related, constituting a dynamic system that allows the regulation of his awareness states. In this article, the changes in those states have been comparatively analyzed in two different moments of their development: at thirty days and five months, and the specific maternal activities and contexts associated to those changes have been identified. Thirty mother-baby dyads were filmed during fifteen minutes in their residences. The awareness states were classified in: sleep, sleepiness, alert, fidgety and cry. Five-month babies presented more restricted capacity of predictable regulation, some types of transition, bigger capacity of maintenance in a specific state and more activities in a larger number of contexts. There are indications of development of babies' regulation capacities associated with the role of the adult and the context.

Keywords: Consciousness states; contexts; regulation.


 

 

A dinâmica e importância da comunicação entre mães e seus bebês têm sido foco de vários trabalhos na psicologia, e, mais recentemente, também em outras áreas, como as neurociências. Interações mãe-bebê apresentam uma estrutura própria, desde os primeiros meses de vida do bebê, contrariamente a uma possível desorganização que se poderia imaginar como inerente a esse período inicial (Seidl-de-Moura et al., 2008). Durante as interações cotidianas com seus cuidadores, o bebê aprende a se comunicar através da regulação conjunta de sinais emocionais (Cohn & Tronick, 1988, Feldman, 2006; Seidl-de-Moura, 2009).

Na comunicação que estabelecem entre si, adultos e bebês emitem sinais uns para os outros, inclusive na forma de mensagens afetivas. Cada um altera seu comportamento em resposta a esses sinais para alcançar, segundo Tronick (1989) os objetivos de uma interação positiva. Nas trocas afetivas, os bebês desde muito cedo (por volta do segundo mês de vida) já respondem contingentemente a comportamentos afetivos manifestados pela mãe (Seidl-de-Moura et al., 2008; Mendes, Seidl-de-Moura & Siqueira, 2009) refletindo uma estrutura de comunicação de certa complexidade.

A dinâmica relação entre a propensão genética e os primeiros cuidados tem um impacto relevante sobre o modo como os bebês aprendem a regular afetos e emoções, e estabelecem contatos sociais. Essas aprendizagens são críticas para os indivíduos ao longo da vida e dependem, em grande parte, do amadurecimento do córtex que se inicia com as interações do recém-nascido com seu cuidador (Shore, 1996). Os processos psicológicos da interação estão ligados aos fisiológicos do cérebro, de modo que, os primeiros contatos e interações com a mãe vão gerar sentimentos no bebê que funcionarão como poderoso estímulo para o sistema nervoso central (Gerhardt, 2008).

As trocas estabelecidas nas interações iniciais entre os recém-nascidos e seus cuidadores podem ser consideradas, segundo Feldman (2006) como "um processo dinâmico que integra os ritmos endógenos da mãe e de seu bebê" (p. 175). Para essa autora, esses ritmos, juntamente com seu estilo de comunicação e o nível de engajamento mútuo, constituem um sistema relacional com claros parâmetros temporais. Desde muito cedo, ainda de acordo com a autora, sistemas de comunicação se desenvolvem a partir da integração de componentes biológicos, contextuais e emocionais, provendo uma configuração que favorece a organização de experiências afetivas e cognitivas.

Oscilações entre estados de sono e vigília estão presentes desde etapas iniciais do desenvolvimento dos recém-nascidos, e em geral, são de curta duração. Wolff (1966), citado por Lebovici (1987), foi o autor que iniciou os estudos atuais sobre essa questão. Esse autor observou recém-nascidos de maneira a caracterizar seus estados de vigília e propôs uma classificação que varia do sono, profundo ou leve (Estados 1 e 2); passando pela sonolência (Estado 3) até diferentes níveis de despertar ou alerta (Estados 4, 5 e 6). Esta classificação tem sido utilizada com pequenas diferenças por diversos autores (e.g. Brazelton, 1988; Brazelton & Cramer, 1992; Mazet, 1990; Munger, Buncher & Duc, 1998; Rosenthal, 1983).

Segundo Brazelton (1988), os recém-nascidos utilizam os diferentes estados para controlar as tensões endógenas ou exógenas e organizar sua vivência. Nesta concepção, os estados e suas mudanças fazem parte de mecanismos de regulação primitivos. As primeiras formas de controle orgânico são identificadas nas tentativas dos bebês de modular ou suavizar seus estados de atividade ou vigília por meio de padrões organizados de comportamento que incluem ações reflexas, como a de levar a mão ou o polegar à boca para sugar. Essa modulação ou capacidade para promover o autorrelaxamento, funciona como proteção do sistema nervoso ainda em desenvolvimento contra estímulos excessivos.

Os bebês são capazes desses comportamentos autoprotetores, que suavizam, de certa forma, o estímulo, mas a modulação dos estados de atividade e regulação do estímulo depende, em grande parte, dos adultos que deles cuidam (Diaz, Neal & Amaya-Williams, 1996). Desde o nascimento, o estado do bebê comunica à mãe algo sobre sua experiência, nível e direção da atenção e disposição para trocas (Brazelton, 1988). São as rotinas do adulto dirigidas ao bebê, com base na sensibilidade para perceber as modulações em seus estados de vigília, que dão suporte para que ele consiga o ajuste harmonioso de funções neurofisiológicas.

Os diferentes estados funcionam também como meios pelos quais os bebês comunicam algo aos pais ou adultos que deles cuidam. Estes interpretam os estados manifestados como uma característica do bebê e respondem com base nessas interpretações. A contingência das respostas emitidas pelos pais aos bebês diante da mudança de seus estados de vigília é considerada uma importante qualidade do comportamento dos adultos (Brazelton & Cramer, 1992; Keller, Lohaus, Völker, Cappenberg & Chasiotis, 1999). Isso significa responder ao bebê num tempo hábil, de forma que ele possa perceber a relação da resposta emitida com a mensagem enviada. Os adultos devem responder, também, de forma sincronizada, o que significa entender o que o bebê está comunicando e agir de acordo com essa interpretação.

Gerhardt (2008) salienta a importância dessas respostas positivas e sensíveis aos sinais do bebê. Para ela, essas experiências iniciais deixam uma marca biológica e se tornam "escritas na fisiologia da criança porque esse é o período da vida humana em que hábitos regulatórios estão sendo formados" (p. 64). Uma importante consequência é a regulação do cortisol. Os bebês apresentam níveis baixos de cortisol nos primeiros meses, mas isso depende da qualidade de cuidados que recebem. Seu equilíbrio é afetado pelo toque afetivo e pelo embalo, por exemplo. Se não são cuidados de forma sensível e responsiva, podem apresentar altos níveis de cortisol diante de situações de estresse. Para essa autora, os dois aspectos mais importantes como fonte de experiências de prazer são o toque e o cheiro. A partir de seis meses são informações visuais, como as de expressões emocionais da mãe, e a partir de um ano começa a se formar o self verbal.

De acordo com a perspectiva de sistemas dinâmicos, sistemas de autorregulação irão se constituir a partir da interação entre os indivíduos e o contexto no qual estão inseridos. Autorregulação, segundo Kopp (1982), é um construto complexo que vem sendo definido, de maneiras diversas, como: a habilidade da criança em atender a pedidos, em iniciar e cessar comportamentos de acordo com demandas situacionais, em modular a intensidade, frequência e duração de atos verbais e motores em contextos sociais e educacionais, em abdicar de atuar sobre um objeto ou objetivo desejado, e em se comportar de maneira socialmente aceita na ausência de reguladores externos. Dentro desse quadro diversificado, há um consenso entre a maioria das abordagens de que a autorregulação exige uma consciência sobre aquilo que é ou não socialmente aceito e representa um aspecto significativo no processo de socialização da criança. O desenvolvimento da autorregulação, portanto, se dá na interação com o outro, sendo as interações pai/mãe-criança consideradas como as principais constituintes do processo extraindividual (Jennings et al., 2008; Shore, 1996).

Kopp (1982) propôs um modelo ontogenético do desenvolvimento da autorregulação composto por cinco fases que se sucedem por transições graduais. A primeira fase, correspondente ao período do nascimento até cerca de três meses de idade do bebê, denomina-se "modulação neurofisiológica" e engloba as adaptações neurofisiológicas e de reflexos ao meio ambiente. Tais mecanismos aparecem primeiro por conta das forças maturacionais. No entanto, o estado de controle é viabilizado de forma significativa pelas interações sociais com os cuidadores, uma vez que possibilitam que os adultos auxiliem o bebê, quando acordados e alertas, a focar a atenção em características relevantes do ambiente (Als, 1978 citado por Kopp, 1982). Assim, segundo o autor, as rotinas funcionam como um suporte externo para o controle interno do ciclo sono-vigília, de forma que, aos três meses, os bebês já demonstram explicitamente ter esse ciclo ajustado às definições sociais de dia e noite. A criança não poderá se autorregular, portanto, sem antes percorrer essas fases preliminares e básicas do desenvolvimento. Shore (1996) fala da importância das transações diádicas que regulam o estado afetivo do bebê a curto prazo e levam a mudanças estruturais a longo prazo. Nelas a mãe funciona com uma espécie de "córtex auxiliar externo" para o bebê.

A segunda fase diz respeito à capacidade da criança em se engajar em comportamentos motores voluntários como "pegar", "alcançar", entre outros, modulando tais ações de acordo com o contexto situacional. Ocorre entre os três e nove/12 meses. Essa modulação não envolve uma consciência, uma intenção prioritária ou um entendimento do significado da situação. Esse é o motivo pelo qual Kopp (1982) escolheu a palavra modulação, para essa fase, em vez de controle. A modulação sensório-motora serve de base para atividades subsequentes de controle, auxiliando a criança a organizar seu mundo social de forma econômica e possibilitando o desenvolvimento de uma consciência sobre sua própria ação (seja de pegar, brincar, etc.). A importância dessa fase é que a criança desenvolve a capacidade de diferenciar a própria ação da ação alheia, o que possibilita a emergência do controle.

O desenvolvimento da autorregulação pode ser entendido, então como um processo de co-construção, já que o bebê depende não só de sua maturação neurológica, mas da presença e ação do outro para essas modulações. Brazelton, Koslowski e Main (1974) descrevem a característica rítmica e cíclica das interações mãe-bebê, com ciclos de atenção e não-atenção. Na mesma linha, este trabalho tem como objetivo analisar transições em estados de consciência de bebês em interação com suas mães. Visa-se a analisar qualitativamente parte desse processo de co-construção da autorregulação de estados de vigília em dois momentos: quando os bebês têm um e cinco meses de idade, respectivamente. Investigar esses momentos iniciais do desenvolvimento da autorregulação pode trazer uma contribuição à literatura nessa área em que estudos brasileiros não foram identificados.

 

Método

Aspectos éticos

Os vídeos dos dados analisados fazem parte do acervo do grupo de pesquisa Interação Social e Desenvolvimento e são de duas coletas de pesquisa aprovada pelo CEP - Comitê de Ética em Pesquisa da UERJ. As mães foram informadas sobre os objetivos gerais do estudo, e assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecido e a Autorização para uso de imagens de vídeo.

Participantes

Participaram deste estudo 30 díades mãe-bebê, sendo 15 díades em que os bebês tinham um mês de idade (grupo 1) e 15 em que os bebês tinham cinco meses (grupo 2). Os bebês tinham desenvolvimento típico e eram de ambos os sexos. O grupo 1 foi constituído por bebês que tinham entre 22 e 37 dias (média de 29 dias) e o grupo 2 entre quatro meses e 25 dias e cinco meses e 12 dias (média de cinco meses e quatro dias). Para o grupo 1, as famílias foram contactadas a partir de indicações de pediatras e dos pesquisadores. No grupo 2, as famílias foram recrutadas em diversas fontes: as unidades de Pediatria e Obstetrícia de dois hospitais universitários (da UFRJ e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro [UERJ]); o Hospital da Força Aérea; o Instituto Pediátrico da UFRJ; e pediatras locais. As mães eram primíparas e viviam com o pai do bebê na ocasião da filmagem. No grupo 1, cerca de 57% das mães tinham até 30 anos, e em torno de 43% tinham mais de 30 anos. No grupo 2, cerca de 54% tinham até 30 anos, e, aproximadamente, 47% tinham mais de 30 anos de idade.

Procedimentos

As díades mãe-bebê foram visitadas em suas residências, em uma situação em que apenas a mãe e o bebê estavam presentes. Foi solicitado à mãe manter a sua rotina diária, realizando suas atividades de costume (ficar brincando com o bebê, amamentando, fazendo a higiene diária do bebê, arrumando a casa, etc.) e ignorar a presença do observador, na medida do possível. Optou-se por registrar apenas 30 minutos das díades com os bebês mais novos (um mês) - grupo 1 e 60 minutos das díades com bebês de 5 meses - grupo 2. A escolha desse período de filmagem diferenciado foi baseada no período de desenvolvimento do bebê evitando, na medida do possível, qualquer tipo de desconforto para a díade. O horário da filmagem era escolhido a partir da disponibilidade da mãe e variou entre manhãs e tardes, sem predominância de períodos nos dois grupos.

Codificação dos Dados

Em ambos os grupos foram considerados 15 minutos para análise. No grupo 1, os tinta minutos de vídeo foram divididos em dois períodos de 15 minutos. No grupo 2, os 60 minutos foram divididos em quatro períodos de 15 minutos. O período analisado foi selecionado aleatoriamente.

Todos os vídeos foram decupados, descrevendo-se a sessão e, cada nível de análise foi realizado independentemente por uma dupla de membros da equipe, especialmente capacitada para esse trabalho. As codificações independentes foram cotejadas, as discordâncias levadas para reunião de equipe e resolvidas por consenso, sempre na direção mais conservadora, ou seja, em caso de dúvida, a presença de comportamentos ou estados não era registrada. Tendo em vista esses procedimentos, não foi necessária a realização de análises de concordância.

As fitas de vídeo foram analisadas com os seguintes objetivos: identificar os estados de vigília do bebê, as mudanças nesses estados, os comportamentos maternos e os contextos específicos associados a essas mudanças. Cada estado era identificado ao se iniciar. Marcava-se o início de um novo estado e, assim, era caracterizada a transição.

Estados de vigília do bebê

O sistema de classificação utilizado foi adaptado de Rosenthal (1983), que inclui cinco estados variando do Sono (1) ao Choro (5). As definições utilizadas são amplas e não incluem as definições finas entre o sono profundo e leve, ou entre estados de alerta passivo e ativo, porque se considerou que não poderiam ser consistentemente avaliadas com o tipo de filmagem feita:

Estado 1 - Dormindo (inclui sono profundo e leve) - Olhos fechados continuamente por pelo menos 15 segundos. O bebê pode fazer alguns movimentos. No sono profundo, o bebê encontra-se pouco sensível aos estímulos externos. Sua face mostra-se relaxada e as pálpebras fechadas e imóveis. A respiração é profunda e regular. A pele é rosada, a atividade motora é nula ou apresenta pequenos movimentos suaves dos dedos, dos lábios e, por vezes, das pálpebras. O bebê pode apresentar pequenos sobressaltos sem por isso despertar, voltando a este estado após alguma perturbação.

No sono leve, os olhos estão fechados, mas podem apresentar movimentos rotativos e ocasionalmente flutuar entre o aberto e o fechado. Há atividade física ocasional, que varia de movimento dos braços e pernas do bebê à agitação do corpo inteiro. O bebê enruga o rosto, sorri, faz caretas, contrai a musculatura facial, movimenta a boca e faz movimentos de sucção. Ocasionalmente pode choramingar. Há mais sensibilidade a estímulos externos do que no sono profundo, a pele muda de rosada a vermelha intermitentemente.

Estado 2 - Sonolento - Olhos podem estar abertos ou fechados, ou abrir-se e fecharem-se intermitentemente. Os níveis de atividade são variáveis com rápidos movimentos dos braços e pernas. Quando os olhos estão abertos, o olhar tem uma aparência apática, em geral não se fixando em nenhum ponto. A atividade motora é fraca, e ocasionalmente, o bebê pode movimentar suavemente braços e pernas, e sorrir, franzir as sobrancelhas e mexer os lábios. Choramingos podem ser observados.

Estado 3 - Acordado - Olhos abertos, o bebê está alerta. Esse estado inclui tanto o de alerta passivo (tranquilo), como o de alerta ativo. No primeiro caso (alerta passivo), os olhos do bebê estão totalmente abertos e ele parece calmo e atento ao ambiente. Sua respiração é regular e seu corpo e face mostram-se relativamente inativos. No alerta ativo, o bebê apresenta atividade motora generalizada, que pode incluir movimentos espasmódicos e desorganizados. Há movimentos frequentes e alguns que ocorrem em um ritmo especial.

Estado 4 - Inquieto - O bebê grita e chora, em breves episódios, que não persistem. Pode, por vezes, gemer, resmungar ou esboçar gritos. O estado pode apresentar-se como uma transição para o choro, mas o bebê está aberto aos estímulos, podendo ser acalmado ou voltar a um estado de alerta. A pele avermelha-se intermitentemente, quando o bebê se agita e a respiração é irregular.

Estado 5 - Chorando - O bebê se mantém chorando. Durante o choro seus olhos podem estar abertos ou firmemente fechados. O bebê chora e grita vigorosamente. Atividade motora difusa, braços e pernas movem-se intensamente. A face fica contorcida, vermelha, o rosto contraído, fazendo caretas.

Atividades ou comportamentos maternos

As categorias de atividades ou comportamentos maternos codificados foram: gestos dirigidos ao bebê (G), vocalizações (V), fala (F), atribuição de significado (AS), sorrir (S), toque (T), olhar o bebê (OB), mostrar objeto (MO), cantar (CA) e pegar no colo (PC), dar o peito (DP), e mudar o bebê de posição (MP).

Gestos dirigidos ao bebê (G) - fazer gestos com as mãos, movimentos com partes do corpo, movimentos com a cabeça ou expressões faciais, como caretas, movimentos de boca e língua, e abrir e fechar os olhos, por exemplo (sorrisos foram considerados em uma categoria específica) voltados para o bebê.

Vocalizações dirigidas ao bebê (V) - vocalizar, ou seja, emitir sons dirigidos ao bebê que não sejam classificados como fala, tais como sílabas soltas, repetições de vogais, (Exemplos: Ba, Didi, Tico, Agú, etc.).

Fala dirigida ao bebê (F) - falar com o bebê. As interjeições, como: hein, psiu, upa, epa, hum, oh, ui, ai, oh, ah, ei, ih, uai, ô, entre outras, são consideradas como fala.

Atribuição de significado e/ou intenção (AS) - uma das subcategorias de fala da mãe com o bebê foi observada em termos do quanto a mãe explicitamente atribui significados e/ou intenções aos comportamentos do bebê (AS). Exemplos: O que você quer? Quer mais? Está com fome? Está com raiva? Quer o seu brinquedo? Eu tô com fome, mamãe.

Sorriso dirigido ao bebê (S) - sorrir, sendo este sorriso dirigido ao bebê.

Toque (T) Tocar propositadamente com alguma parte do corpo em alguma parte do corpo do bebê. O toque pode estar ligado a atividades de acariciar, brincar (toque afetivo) ou cuidar fisicamente do bebê (toque de cuidado). Exemplos do primeiro caso: tocar com as pontas do dedo o corpo do bebê, como se estivesse chamando por ele, acariciar o corpo ou rosto do bebê, fazer cócegas, usar o toque para fazer brincadeiras com o bebê. Do segundo caso: cuidado com a higiene, limpeza, arrumação da roupa do bebê e troca de fralda. A ocorrência desta categoria independe do bebê estar ou não no colo da mãe.

Olhar para o bebê (OB) - voltar o olhar ou o rosto na direção do bebê. Dependendo do ângulo da câmera é possível observar a direção do olhar da mãe ou apenas a direção do rosto dela. Em caso de dúvida a decisão é sempre a mais conservadora.

Mostrar objeto (MO) - mostrar propositadamente um objeto para o bebê, podendo estar este objeto com a mãe, perto ou longe dela; quando a mãe destacar determinado objeto no ambiente e mostrá-lo ao bebê.

Cantar (CA) - cantar, podendo ser o canto dirigido ou não ao bebê.

Pegar no colo (PC) - esta categoria ocorre se o bebê não estiver no colo da mãe e ela o pegar no colo. Caso o bebê já esteja no colo da mãe, entende-se que este é o contexto específico (bebê no colo da mãe), portanto, não é registrada a ocorrência desta categoria.

Dar o peito (DP) - esta categoria ocorre com o bebê no colo da mãe, e esta ajusta sua posição e a do rosto do bebê de modo a que a boca do bebê toque a região do bico do seio, ou próxima, procurando favorecer o início do sugar, pelo bebê.

Mudar o bebê de posição (MP) - estando a mãe com o bebê no colo, ela muda a posição em que o bebê se encontrava, passando a acomodá-lo no outro braço, ou passando-o de deitado, para sentado, por exemplo.

Categorias de observação dos contextos específicos

Os contextos foram definidos como os cenários mais comuns nos quais se davam as trocas entre as díades. São considerados como recortes do microcontexto em que se inscrevem as atividades e que apresentam peculiaridades em termos de organização, incluindo amamentação, cuidados com o bebê, bebê no colo (sem mamar), bebê deitado com brinquedos, bebê no carrinho e alimentação com colher.

 

Resultados

Todos os bebês de um mês apresentaram variação nos estados de vigília durante a observação, resultando em um total de 66 transições. Em sete das díades com bebês de cinco meses não foram observadas variações dos estados de vigília, sendo o total de 42 transições apresentadas, nas díades em que estas aconteceram. A tabela a seguir mostra as principais transições observadas nas duas idades.

Os resultados da Tabela 1 apresentam as transições mais frequentemente encontradas nas duas faixas etárias estudadas. Indicam a predominância de uma variação entre os estados dormindo e chorando (1 ao 5) nas díades com bebês de um mês e entre os estados sonolento, acordado e inquieto (2, 3 e 4), nas díades com bebês de cinco meses.

 

Tabela 1 - Freqüências das principais transições dos estados de vigília
(bebês de um mês)

Estados de vigília: Estado 1 - Dormindo; Estado 2 - Sonolento; Estado 3 -
Acordado; Estado 4 - Inquieto; e Estado 5 - Chorando.

 

A transição mais frequente nas duas faixas etárias foi a variação 3-4-3 (acordado - inquieto-acordado), aparecendo em 39% das transições encontradas nos bebês com um mês e em 52% nos bebês com cinco meses. Os bebês de um mês apresentaram a transição 3-2 (acordado - sonolento) em 12% das transições observadas, 3-4-5 (acordado - inquieto - chorando) em 11% e as transições 3-4 (acordado - inquieto) e 2-3 (sonolento - acordado) em 9 %. Já os bebês com cinco meses apresentaram maior estabilidade. Em 26% das transições a variação foi entre os estados 3-4, seguido de 12 % entre os estados 3-2 e 7% entre os estados 2-3. A transição 4-5 ocorreu apenas uma vez, o que equivale a 2 %.

Os bebês de um mês variaram amplamente na distribuição de seus estados de vigília. Isso sugere o despertar do desenvolvimento de uma capacidade de regulação dos estados de vigília, onde a manutenção de um estado específico ainda é reduzida. O bebê e a mãe estão se ajustando ao ambiente e iniciando a construção de uma relação de conhecimento.

Os bebês de cinco meses diferem dos mais novos. Não apresentam uma variação tão diversificada dos estados e os bebês passam a maior parte do tempo no estado 3 (acordado). Não se observou o estado 1 (dormindo), e o estado 5 (chorando) foi observado em apenas um dos bebês das díades, em dois intervalos apenas. Esses dados parecem indicar certo refinamento no sistema de regulação dos estados de vigília do bebê, que passa a apresentar como produto resultante do funcionamento desse sistema a manutenção de determinados estados, mais especificamente o estado acordado (3).

Os resultados das tabelas 2 e 3 indicam uma ampliação dos contextos nas díades com bebês de cinco meses. As transições 3-4-3, onde o bebê passa do estado acordado ao inquieto e retoma ao acordado, ocorriam com um mês, predominantemente nos contextos de cuidados com o bebê e de amamentação. Com os bebês de cinco meses, os contextos aparecem em uma maior variedade, incluindo, além dos contextos de cuidados, amamentação e bebê no colo (sem mamar), frequentes em bebês de um mês, os de bebê deitado com brinquedos, bebê no carrinho, e alimentação com colher.

 

Tabela 2 - Contextos predominantes em transições específicas aos 30 dias

Estados de vigília: Estado 1 - Dormindo; Estado 2 - Sonolento; Estado 3 -
Acordado; Estado 4 - Inquieto; e Estado 5 - Chorando.

 

Tabela 3 - Contextos predominantes em transições específicas aos
cinco meses

Estados de vigília: Estado 1 - Dormindo; Estado 2 - Sonolento; Estado 3 -
Acordado; Estado 4 - Inquieto; e Estado 5 - Chorando.

 

Esses resultados indicam uma ampliação do universo em que esses bebês vivem. O contexto de amamentação e cuidados com o bebê, observados nas díades com bebês de um mês, e que ocorrem na presença da mãe, deixam de ser osúnicos. A mãe não é oúnico ou central foco da atenção do bebê. Brinquedos, animais e outros objetos começam a ser incluídos nas trocas e entram como fatores no sistema de regulação dos estados de vigília do bebê. Observa-se que a mãe se afasta um pouco e dá lugar ao brinquedo, que mantém o bebê no estado alerta quando ela não está presente ou não pode dar a atenção devida a ele. No entanto, esse afastamento da mãe ainda não é muito longo, pois ela logo retorna. O bebê ainda depende da mãe para a satisfação de muitas de suas necessidades primárias, entre elas, a de se alimentar e ser cuidado, além de suas necessidades afetivas, o que sinaliza a importância da presença da mãe nessa relação.

De acordo com os resultados apresentados na tabela 4, a fala da mãe surge, entre as díades com bebês de cinco meses, como uma atividade materna eficaz para regulação dos estados de vigília, em 40% das transições 3-4-3. Nesse caso, o bebê acordado passa ao estado inquieto, e, uma vez a mãe falando com ele, consegue auxiliá-lo na regulação e ele retorna ao estado acordado, mas em uma condição de tranquilidade (alerta passivo). Isso difere do observado nas díades com bebês de 30 dias, em que só em 21% das atividades de falar com o bebê, as mães conseguem auxiliá-lo na regulação dos estados. Para essas díades, o que funciona prioritariamente como regulador são as atividades de mudar o bebê de posição (36%) e dar o peito (21%).

 

Tabela 4 - Atividades maternas predominantes associadas a transições específicas

Estados de vigília: Estado 1 - Dormindo; Estado 2 - Sonolento; Estado 3 - Acordado;
Estado 4 - Inquieto; e Estado 5 - Chorando.

 

A fala da mãe para as díades com bebês de um mês parece ter um efeito perturbador em 67% das transições 3-4, pois não auxilia o bebê a retornar para o estado acordado (alerta passivo), e, pelo contrário, o mantém no estado inquieto. Já para as díades com bebês de cinco meses, os dados sugerem que a fala da mãe representa um dos fatores do sistema que auxilia o bebê na regulação de seus estados de vigília, já que em 40% das transições 3-4-3 parece levar ao retorno ao estado de acordado, e em 40% das transições 3-2 pode estar facilitando a instalação de um estado de sonolência.

O contato físico e o toque materno em bebês de cinco meses não parecem exercer o mesmo papel de relevância no sistema de regulação que apresentavam nos bebês de um mês de idade, consistentemente ao que aponta Gerhardt (2008). O toque e o olfato são fundamentais nessa etapa inicial, mas aos poucos a visão vai assumindo mais importância. Como se pode observar, em bebês de um mês, nas transições 3-4-3, a atividade de pegar o bebê no colo está presente em 14% dos casos, e a atividade de dar o peito em 21%. Já para os bebês de cinco meses, nas transições 3-4-3, apenas a atividade de pegar no colo foi observada (em 20% das transições). Também para as transições 3-2, uma situação análoga pode ser vista, na medida em que, apenas para os bebês de um mês, a atividade de dar o peito representa 20% das transições analisadas, e aos cinco meses, não se observou nenhuma atividade de contato físico ou toque para esse tipo de transição de estado.

Observa-se, assim, que o papel da mãe no sistema de regulação dos estados de vigília é diferente nos dois momentos de desenvolvimento estudados e algumas de suas atividades passam a ter mais importância do que outras. A linguagem se insere nesse sistema de regulação com a possibilidade de substituir temporariamente o contato físico com a mãe, o que indica uma transformação na configuração das trocas diádicas, refletindo aspectos do desenvolvimento do bebê e da sensibilidade materna para essas mudanças.

 

Considerações Finais

As diferenças entre os dados apresentados pelas díades com bebês de um mês e as díades com bebês de cinco meses sugerem que ocorre um processo de desenvolvimento do sistema de regulação dos estados de vigília. Inicialmente, as díades apresentam uma capacidade de regulação pouco previsível, onde os tipos de transição apresentados são amplamente variados e a frequência em que cada uma delas ocorre é bem distribuída em relação ao número total de ocorrências. Aos cinco meses, a capacidade de regulação é mais previsível, os tipos de transição apresentados pelas díades são mais restritos e a frequência em que cada um deles ocorre tende a se concentrar nos estados alerta e inquieto, apontando para o surgimento da capacidade de manutenção de um estado específico por mais tempo. O estado acordado passa a ser mantido por um período de tempo maior, o que permite ao bebê intensificar as relações com o mundo à sua volta. As atividades propostas ao bebê são ampliadas, o que se verifica nos resultados sobre os contextos encontrados nas díades com bebês de cinco meses. Tais resultados corroboram os estudos de Gerhardt (2008) que mostram haver uma interrelação entre os aspectos psicológicos e os fisológicos/maturacionais do cérebro no desenvolvimento.

Com o passar do tempo, o bebê começa a participar de outras atividades, a circular em outros espaços, e a interagir mais frequente e intensamente com novos parceiros, animais e objetos. Os brinquedos passam a intermediar sua relação com a mãe, e, por vezes, a substituir temporariamente a sua presença. O papel das atividades maternas se modifica no sistema de regulação dos estados e a fala da mãe passa a ser mais eficaz para auxiliar o bebê na sua autorregulação, já que assim como Shore (1996) acredita-se que o desenvolvimento da autorregulação se estabelece pela interação social. Essas mudanças demonstram o quanto a responsividade e o comportamento contingente são fatores constituintes desse processo.

O sistema de regulação dos estados de vigília incorpora, com o passar do tempo, novos contextos e objetos que atuam como reguladores. O bebê, paralelamente, percebe novas pistas do ambiente, e é capaz de regular seus estados, mantendo um estado especifico com maior autonomia. É importante apontar que embora o desenvolvimento desse sistema de regulação indique o curso normal do desenvolvimento das capacidades do bebê, as características específicas das díades são promotoras de diferenças no produto final do processo de regulação desse sistema. Isso se reflete nas formas distintas em que bebês de uma mesma faixa etária nas díades estudadas apresentam variações na regulação de seus estados de vigília, apontando para a importância do contexto interacional.

Esta análise exploratória permite uma reflexão sobre as mudanças que ocorrem na capacidade de regulação dos estados de vigília do bebê ao longo dos primeiro meses após o nascimento. Essas mudanças no sistema de regulação sinalizam o dinamismo da interrelação entre os fatores que o compõem, apontando para a possibilidade da inserção de novos elementos e alteração de papéis. Há indicações do desenvolvimento da capacidade do bebê para regular seus estados de vigília, e da modificação dos papéis exercidos pelo adulto e pelo contexto no sistema de regulação de bebês em seus primeiros meses de vida. O estudo representa uma contribuição para a compreensão das etapas iniciais da autorregulação apesar de suas limitações: seu caráter transversal e número reduzido de participantes. Novas investigações, com dados longitudinais, necessitam ser desenvolvidas para ampliar e aprofundar alguns de seus achados. Além disso, estudos incluindo a observação e análise das categorias finas, considerando os períodos específicos do dia (manhã, tarde ou noite) e comparando bebês quanto ao sexo podem trazer importantes indícios sobre esse desenvolvimento.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rua Fritz Feigl, 465 - Eldorado, Freguesia, Jacarepaguá
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Tel: 21 24471588
E-mail: mlseidl@gmail.com

Recebido em Junho de 2010
Revisto em Outubro de 2010
Aceito em Dezembro de 2010

 

 

* Os autores agradecem aos demais membros do grupo de pesquisa Interação Social e Desenvolvimento que, ao longo dos anos, participaram da coleta e codificação dos dados que compõem o acervo do grupo, destacando-se Flávia Gomes Luz que realizou análises deste trabalho originalmente. Os autores desejam também expressar sua gratidão às mães que aceitaram participar do estudo e às entidades financiadoras: CAPES, CNPq e FAPERJ.