SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.8 número2Identificação de talentos: uma análise exploratória do modelo dos três anéis e do modelo das portas giratóriasSilêncios e rearranjos na conjugalidade em situação de câncer em um dos cônjuges índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.8 no.2 Juiz de Fora dez. 2014

https://doi.org/10.5327/Z1982-1247201400020007 

ARTIGOS
DOI: 10.5327/Z1982-1247201400020007

 

Representações sociais do envelhecimento entre diferentes gerações no Brasil e na Itália

 

Social representations of aging between different generations in Brazil and Italy

 

 

Brigido Vizeu CamargoI; Alberta ContarelloII; João Fernando Rech WachelkeIII; Daniela Xavier MoraisI; Chiara PiccoloII

IUniversidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis), Brasil
IIUniversità degli studi di Padova (Padova), Itália
IIIUniversidade Federal de Uberlândia (Uberlândia), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As representações sociais do envelhecimento podem ser diferentes de acordo com a cultura. O objetivo deste estudo foi comparar as representações do envelhecimento no Brasil e na Itália. Participaram 360 sujeitos distribuídos igualmente entre as nacionalidades, sexo e grupo etário. O questionário apresentou questões fechadas e abertas. Os resultados indicam associação das variáveis sociais (sexo, grupo etário e contexto cultural) com duas representações de envelhecimento: uma, na qual as relações sociais e a atividade completam a ideia de um momento exitoso, em que experiência de vida produziu sabedoria diante da vida, e outra como um processo que, embora traga experiência e sabedoria, resulta em declínio, doenças, inatividade e incapacidades, indicando o fim da vida.

Palavras-chave: representação social; envelhecimento; fatores socioculturais; grupos etários.


ABSTRACT

The social representations of aging may differ according to culture. The aim of this study was to compare the representations of aging in Brazil and in Italy. The participants were 360 subjects equally distributed between nationalities, sex and age group. The questionnaire presented closed and open ended questions. The results indicate the association of social variables (sex, age group and cultural context) with two representations of aging: one, where social relations and activity complete the idea of a successful moment in which life experience produced wisdom toward life, and another as a process that, although bring experience and wisdom, results in decline, illness, inactivity and incapacity, indicating the end of life.

Keywords: social representation; aging; sociocultural factors; developmental age groups.


 

 

O envelhecimento é um fenômeno universal e inerente à condição humana. Desde a década de 1980, ele vem ocorrendo de forma mais intensa em nível mundial, culminando na população de 893 milhões idosos entre os 7 bilhões de habitantes do mundo em 2011, com projeções de que irá abranger 2,4 bilhões de pessoas até o ano de 2050, num total de 9,3 bilhões da população em geral (Fundo de População das Nações Unidas [UNFPA], 2011).

Trata-se de um processo que traz implicações para a vida social, familiar e profissional, e as crenças e teorias leigas que as pessoas mantêm sobre o assunto organizam práticas, justificam posições e sustentam o entendimento da realidade; noutras palavras, o envelhecimento qualifica-se também como um objeto social, um assunto discutido por pessoas de diversas inserções na sociedade e que se torna pertinente em diversos contextos da vida cotidiana. O presente estudo visa caracterizar associações de representações, avaliações e percepções referentes ao universo simbólico do envelhecimento e da velhice com variáveis socioculturais, por meio de estudo comparativo de um contexto brasileiro e um contexto italiano, diferenciando também efeitos ligados a faixas etárias e sexo.

A Itália tem vivido o fenômeno do envelhecimento de forma intensa, representando o segundo maior país em relação à população de idosos no mundo, com cerca de 15 milhões de pessoas com 60 anos ou mais. Já no Brasil, há 20 milhões de pessoas nessa faixa etária, o que indica que a população do país continua se modificando significativamente em direção a um perfil cada vez mais envelhecido (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2012). Projeções indicam que, em 2025, a população de idosos no Brasil será de mais de 34 milhões de pessoas (United States Census Bureau, 2013), constituindo uma das maiores populações de idosos do mundo.

Apesar de muitas vezes serem identificados como sinônimos, os conceitos de velhice e envelhecimento se diferenciam. Estudos sobre o envelhecimento indicam que os idosos entendem-no como um processo que ocorre ao longo da vida, que compreende perdas em vários domínios, com a diminuição e fim do ritmo de trabalho, enfraquecimento e declínio físico e psicológico (Gastaldi & Contarello, 2006; Veloz, Nascimento-Schulze, & Camargo, 1999). A velhice é percebida como uma etapa do ciclo de vida, uma aproximação da morte marcada por doenças, em que ocorre sofrimento, dependência, abandono e desrespeito (Araújo, Carvalho, & Moreira, 2003).

Na perspectiva do ciclo de vida ou Lifespan, proposta por Paul Baltes (1987), o envelhecimento é considerado um processo contínuo e heterogêneo, o que significa que corresponde a diferentes padrões, de acordo com o indivíduo e seu contexto histórico (Baltes, 1987; Neri, 2001, 2006; Marigo, Borella, De Beni, Caprara, & Fernández-Ballesteros, 2009). Ele consiste em diversas mudanças, normativas e não normativas, as quais são determinadas por questões genéticas, biológicas, sociais e culturais e estão, portanto, associadas às perdas e ganhos decorrentes da interação entre o indivíduo e a cultura em que está inserido (Neri, 2006).

Partindo do pressuposto de que a velhice e o envelhecimento são vivenciados distintamente nos mais diversos contextos, uma das variáveis importantes para a compreensão do processo de envelhecimento, do enfrentamento das perdas decorrentes do mesmo e da busca de um envelhecimento com sucesso diz respeito às concepções que as pessoas têm desse processo. Nesse sentido, a teoria das representações sociais torna-se um importante instrumento de compreensão desse processo, utilizada em diversos estudos (Veloz et al., 1999; Almeida & Cunha, 2003; Torres, 2010; Nagel, Contarello, & Wachelke, 2011).  Ela permite a compreensão dessa forma específica de conhecimento do mundo, com um objetivo prático, na qual os grupos constroem e compartilham um conjunto de conhecimentos, conceitos e explicações sobre determinado fato ou tema, durante as conversações interpessoais que estabelecem no cotidiano (Moscovici, 1976, 1981; Jodelet, 2001). Conforme Moscovici (1976), as representações sociais apresentam-se como proposições, reações e avaliações sobre objetos relevantes para os grupos que as enunciam. Assim, uma representação social é tridimensional, envolvendo a dimensão informacional, a dimensão atitudinal ou avaliativa e a dimensão figurativa (produto do processo de objetificação pelo qual o objeto da representação passa). O foco aqui é sobre os elementos que constituem a representação social do envelhecimento, em seu significado (parte da dimensão informacional) e no seu caráter avaliativo (atitudinal).

Alguns estudos apontam que as representações sociais de saúde na velhice podem estar atreladas a fatores relacionados a aspectos econômicos, sociais (como o acesso aos serviços de saúde) e subjetivos (como a aparência e o bem-estar) (Andrade, 2003; Teixeira, Nascimento-Schulze, & Camargo, 2002). O estilo de vida também influencia a forma como as pessoas chegarão à velhice, justificando a necessidade de políticas para o envelhecimento saudável (World Health Organization [WHO], 2005). Estas devem incentivar, além de recursos para cuidados com a saúde, a independência e a autonomia, que irão proporcionar a qualidade de vida.

A qualidade de vida percebida é uma avaliação subjetiva do sujeito sobre seu funcionamento físico, psicológico, social e espiritual em qualquer domínio das competências comportamentais e da sua satisfação em relação aos vários aspectos da vida (Neri, 2001). Um aspecto importante para uma boa qualidade de vida são as redes de apoio social do idoso constituídas pelos amigos, familiares e vizinhos. Outro aspecto importante para a saúde e qualidade de vida do idoso é a convivência intergeracional que vem se tornando objeto de estudo na análise demográfica, especialmente pelo suporte dado pelos idosos às gerações mais novas (Camarano, 2002).

Estudos identificaram que o processo de envelhecimento também é percebido de maneira distinta por homens e mulheres, sendo que estas apresentam uma representação social do envelhecimento caracterizada pela perda dos laços familiares, enquanto que, para os homens, o envelhecimento assume o significado de perda do ritmo de trabalho (Veloz et al., 1999; Figueiredo et al., 2007; Gutz, 2013).

Outras pesquisas identificaram a existência de diferenças significativas nas percepções acerca da velhice entre os idosos e não idosos (Almeida & Cunha, 2003; Martins, Camargo, & Biasus, 2009; Wachelke & Contarello, 2010). Observou-se que grupos tendem a representar socialmente outros grupos de forma diferente, aspecto muito característico quando se trata de grupos geracionais diferenciados.

Além da importância de estudar os efeitos das variáveis grupo etário e sexo, é relevante analisar a implicação dos fatores culturais, que podem ser decisivos para o entendimento das representações sociais do processo do envelhecimento. As representações sociais estão sujeitas às mudanças geradas nas sociedades, seja pelo aparecimento de novas representações, seja pela reelaboração de representações já existentes (Moscovici, 2003). Dadas essas condições, as representações sobre o mesmo objeto podem ser diferentes de acordo com a cultura.

O objetivo deste estudo foi realizar uma comparação entre as representações sociais do envelhecimento no Brasil e na Itália, sobretudo nas suas dimensões informacional e atitudinal. Procurou-se analisar o papel do sexo, do ciclo de vida (grupos etários) e da cultura (brasileira e italiana) nas representações sociais do envelhecimento. Realizou-se a comparação dos resultados obtidos em Pádua (Itália) e em Florianópolis (Brasil), o que permitiu a compreensão das dimensões informacional e atitudinal das representações sociais do envelhecimento em dois contextos culturais.

 

Método

Foi desenvolvido um estudo de caráter exploratório, descritivo e comparativo, com um delineamento 2×2×3, envolvendo as variáveis sexo, grupo etário e contexto cultural (Brasil/Florianópolis e Itália/Pádua).

Participaram 360 sujeitos brasileiros e italianos, distribuídos igualmente entre as nacionalidades, sexo e grupo etário (jovem: 18–24 anos, adulto jovem: 25–34 anos, adulto: 35–49 anos, adulto maduro: 50–64 anos, idoso: 65–79 anos e grande idoso: mais de 80 anos). A média de idade dos participantes jovens foi de 21,75 anos (desvio padrão – DP=1,80); dos adultos jovens foi de 28,49 anos (DP=2,55); dos adultos foi de 41,37 anos (DP=4,38); dos adultos maduros foi de 55,90 anos (DP=4,32); dos idosos foi de 70,62 anos (DP=3,94); e dos grandes idosos foi de 84,03 anos (DP=3,47). Em algumas análises, os grupos etários foram reagrupados em jovens (18–34 anos), adultos (35–64 anos) e idosos (mais de 65 anos), e suas médias de idade foram respectivamente: 25,40 anos (DP=4,12); 40,13 anos (DP=8,51) e 77,71 anos (DP=7,62). Em ambos os países, o percentual de idosos que informou ter uma religião foi maior que o dos outros grupos etários.

A coleta de dados ocorreu nas dependências da Universidade Federal de Santa Catarina (Brasil) e da Universidade de Pádua (Itália), no segundo semestre de 2009 e no primeiro semestre de 2010, envolvendo estudantes de graduação e de pós-graduação, funcionários e participantes dos projetos de extensão das universidades.

O questionário utilizado foi composto por questões fechadas e abertas. Além dos itens de caracterização dos participantes, havia seis grupos de questões:

(1)  teste de classificação de palavras-elementos da representação social do envelhecimento;

(2)  questões sobre relações com pessoas de idade diferente;

(3)  escala de bem-estar psicológico tipo Likert, de 5 pontos (Positive and Negative Affect Schedule - PANAS);

(4)  escala de bem-estar social tipo Likert, de 5 pontos (Social Well-Being Scales);

(5)  perguntas relativas às práticas de enfrentamento do processo de envelhecimento, de cuidados com a saúde e da concepção da velhice positiva;

(6)  questões de comparação intercultural do envelhecimento na Europa (Itália) e no Brasil.

Foi utilizada como medida de bem-estar psicológico uma escala traduzida para o português a partir de uma adaptação italiana realizada por Gasparini, Sarrica e Contarello (2007) da PANAS, medida construída e validada originalmente por Watson, Clark e Tellegen (1988). Os índices α de Cronbach para os conjuntos de afetos positivos e negativos foram satisfatórios: 0,81 e 0,85, respectivamente.

Quanto ao bem-estar social, utilizou-se uma versão traduzida e adaptada de uma escala proposta por Keyes (1998). A medida original contém 33 itens divididos em 5 dimensões de bem-estar social: coerência social, integração social, aceitação social, contribuição social e realização social. A dimensão coerência social não foi abordada, após se considerar que esse fator seria pouco adequado para a realidade brasileira. Uma análise fatorial exploratória (método de fatoração dos eixos principais e rotação Varimax) apontou que 3 fatores explicaram 43% da variância dos itens de bem-estar social. O terceiro fator foi composto por um item somente e, portanto, foi desconsiderado. Os dois primeiros fatores explicaram 36,5% da variância e tiveram importância muito semelhante (Fator 1: 18,26% e Fator 2: 18,24%). O Fator 1 reuniu 12 itens que, na escala original, diziam respeito à integração social (por exemplo: Sinto-me próximo(a) das outras pessoas do meu grupo e comunidade) e à contribuição social (por exemplo: Acho que eu posso contribuir com algo para o mundo) — α de Cronbach: 0,82. O Fator 2 abordou 5 itens voltados originalmente para aceitaçãosocial (por exemplo: Acho que as pessoas só pensam em si mesmas - revertido) — α de Cronbach: 0,76.

A aplicação do instrumento foi realizada de forma coletiva e individual, de acordo com o acesso aos respondentes. Os participantes da pesquisa receberam e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e o projeto desta pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética na Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina sob o nº 231.

Os dados foram analisados no programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0, envolvendo descrição estatística (frequência relativa, escore numérico) e estatística correlacional (teste de associação do χ2, teste t de Student, análise de variância - ANOVA e o teste não paramétrico de Mann-Whitney). Além disso, foram realizadas análises fatoriais e estruturais no software Système Portable pour l'Analyse des Données (SPAD, 2008; Lebart & Salem, 1988) e uma análise de conteúdo de tipo categorial (Bardin, 2009), com o objetivo de analisar o conhecimento e a referência dos participantes para realizar uma comparação entre os diferentes contextos culturais.

 

Resultados

Ao se referirem ao outro país, os principais elementos citados pelos participantes brasileiros sobre a Itália foram os aspectos relacionados à geografia, história e cultura (34,3%) do país europeu, os aspectos ligados à descendência e imigração italiana (26,3%) e o desenvolvimento social e econômico (9,9%). Já os participantes italianos, ao falarem sobre o Brasil, indicaram a desorganização social, atrelada à pobreza (38,6%), o turismo (13,5%) e os aspectos históricos, geográficos e culturais (12,8%) como informações sobre o outro país. As principais fontes de informação utilizadas pelos participantes de ambos os países foram televisão, família, amigos, jornal, revistas e Internet. Porém, a fonte família (p<0,001) foi mais utilizada pelos brasileiros, fato que pode estar associado às questões históricas referentes à imigração italiana para o Brasil no século XX.

A qualidade de vida do idoso, em geral, foi mais bem avaliada pelos participantes brasileiros. Em nível mundial, a qualidade de vida do idoso foi percebida como regular pelos brasileiros (média – M=2,13; DP=0,72) e apresentou uma média ainda mais baixa pelos italianos (M=1,80; DP=0,73). A qualidade de vida na Europa foi considerada boa pelos brasileiros (M=3,05; DP=0,66) e regular pelos italianos (M=2,68; DP=0,75). Quanto à qualidade de vida do idoso na Itália, as respostas dos brasileiros (M=2,94; DP=0,60) apresentaram resultado um pouco mais favorável que as dos italianos (M=2,46; DP=0,77). Já com relação à qualidade de vida do idoso no Brasil, os brasileiros (M=1,93; DP=0,69) avaliaram-na de maneira um pouco mais positiva que os italianos (M=1,86; DP=0,76), porém, em ambos os países, houve a tendência a uma avaliação mais negativa. Houve associação estatisticamente significante em função da nacionalidade dos participantes nas avaliações sobre qualidade de vida do idoso no mundo (teste t de Student – t=3,59; graus de liberdade – gl=256; p<0,001), na Europa (t=4,54; gl=285; p<0,001) e na Itália (t=5,86; gl=265; p<0,001), com exceção para a avaliação relacionada ao Brasil (t=0,74; gl=259; não significante). Esses resultados sugerem que os participantes, independentemente do país, percebem a qualidade de vida do idoso na Itália melhor que no Brasil.

A maior parte dos participantes brasileiros indicou que é melhor ser idoso na Itália; por outro lado, a maior parte dos italianos afirmou que é pior ser idoso no Brasil (Tabela 1).

 

 

As principais justificativas dos brasileiros para essa indicação foram as condições sociais (17,9%), o fato de a Itália ser um país mais desenvolvido (17,2%) e a valorização do idoso pelos italianos (13,4%). Para os italianos, as justificativas mais utilizadas foram a falta de condições sociais existente no Brasil (31%) e o fato de o Brasil ser um país menos desenvolvido (22,4%), seguido por outras explicações (13,8%).

Elementos da Representação Social do Envelhecimento

A Tabela 2 apresenta os resultados de associação de palavras pré-determinadas ao objeto envelhecimento. A associação entre as palavras (elementos) e os pertencimentos etários foi examinada com a aplicação da prova estatística do χ2, separada por cada país.

As palavras evocadas por mais de 50% dos participantes em todos os grupos etários e nos dois países foram: experiência e sabedoria. No Brasil, a grande maioria dos jovens associou essas duas palavras ao envelhecimento. Além destas, duas outras apareceram muito evocadas entre os brasileiros: família e tempo livre. No entanto, a ideia de família é muito mais presente na medida em que os grupos etários envelhecem, e esse é um dado significativo no Brasil. Diferentemente, na Itália, embora as diferenças entre grupos etários sejam estatisticamente significantes, a importância do termo família ocorre para idosos e jovens e, em menor proporção, para adultos.

Considerando-se as diferenças etárias, entre os brasileiros, sobretudo idosos, uma contraposição de elementos mais positivos e mais negativos foi observada: de um lado, as ideias de saúde e trabalho e, de outro, as de declínio e dependência. Entre os italianos, verificou-se outra contraposição, colocando como principais responsáveis pelos elementos positivos os próprios idosos e, pelos negativos, os adultos. Os elementos do lado positivo foram: amigos e trabalho e, do lado negativo, limitação, dependência e doença.

Os resultados referentes à amostra brasileira apresentam um predomínio de elementos positivos associados ao envelhecimento, por exemplo: saúde e tempo livre. Já em relação à amostra italiana, evidenciaram-se os aspectos negativos do envelhecimento, tais como: doença e morte.

Uma Visão Geral da Relação dos Elementos da Representação Social do Envelhecimento com as Variáveis Caracterizadoras dos Participantes

Foi realizada uma análise fatorial de correspondência com os dados do teste de evocações de palavras. Essa análise resume as relações entre os elementos das representações sociais do envelhecimento e as características dos participantes. Nesse momento, utilizou-se a escala etária mais detalhada (jovem, adulto jovem, adulto, adulto maduro, idoso e grande idoso).

Em relação ao bem-estar psicológico (BEP), separaram-se as médias dos itens positivos (BEP +) das médias dos itens negativos (BEP -), conforme a Tabela 3. Quanto ao bem-estar social (BES), retiveram-se as médias de 2 fatores: o Fator 1 (integração social) e o Fator 2 (aceitação social).

Essas médias foram dicotomizadas para serem consideradas na análise fatorial como variáveis nominais. Assim, para o bem-estar psicológico, os itens positivos foram considerados altos (BEP +_Alto), quando o escore era igual ou maior que a mediana, e baixos (BEP -_Baixo), quando era menor. Os fatores da escala de bem-estar social foram considerados altos (BES1_Alto e BES2_Alto) ou baixos (BES1_Baixo e BES2_Baixo) pelo mesmo critério aplicado à escala de bem-estar psicológico.

A análise fatorial de correspondência considerou como variáveis ativas os elementos da representação social do envelhecimento (palavras) e, como ilustrativas, o país, as seis faixas etárias, o sexo dos participantes, os itens positivos do BEP, os itens negativos do BEP, o Fator 1 do BES e o Fator 2 do BES. Os 10 primeiros fatores explicam 76,3% da variância. Mas dois planos fatoriais apresentaram maior interesse: o 1×2 e o 3×5.

Plano fatorial 1×2

O Fator 1 (Figura 1) opõe, de um lado (esquerdo), os participantes brasileiros idosos e grandes idosos e, de outro lado (direito), os participantes italianos jovens, jovens adultos e adultos. Os brasileiros tiveram escores altos nos itens positivos e baixos nos negativos da escala de bem-estar psicológico e escores baixos no Fator 2 da escala de bem-estar social (falta de aceitação social); enquanto que os italianos apresentaram escores baixos nos itens positivos e altos nos negativos da escala de bem-estar psicológico e escores altos nos Fatores 1 (integração social) e 2 (aceitação social) da escala de bem-estar social.

Os elementos característicos da representação social do envelhecimento dos brasileiros são positivos: família, amigos, trabalho e utilidade, enquanto os dos italianos são negativos: inatividade, declínio, incapacidade, doença e morte.

 O Fator 2 contrapõe, na parte superior, participantes brasileiros idosos e grande idosos e, na parte inferior, participantes italianos jovens, jovens adultos e adultos. Os brasileiros apresentaram escores baixos tanto nos itens negativos como nos positivos da escala de bem-estar psicológico, enquanto os italianos, ao contrário, apresentaram escores altos nos dois tipos de itens nessa escala. Quanto à escala de bem-estar social, os brasileiros apresentaram escores baixos para o Fator 1 (falta de integração social) e alto para o 2 (aceitação social), enquanto os italianos, inversamente, apresentaram escores altos (integração social) para o primeiro fator e baixo para o segundo (falta de aceitação social).

O envelhecimento apareceu de forma mais concreta entre os idosos brasileiros, tanto nos seus elementos positivos — saúde, amigos, utilidade e trabalho — como no elemento negativo: declínio. Para os jovens e adultos italianos, o envelhecimento apareceu de forma mais estereotipada como sabedoria e experiência.  Constata-se que as faixas etárias têm um papel mais decisivo aqui, indicando que, quanto mais implicado o participante, entendendo implicação como pertencimento à faixa etária que caracteriza o resultado do processo de envelhecimento, mais rico o conteúdo de sua representação e menos estereotipado.

Plano fatorial 3×5

O plano fatorial 3×5 (Figura 2) traz um novo elemento para compreendermos as representações do envelhecimento: o papel do sexo. O Fator 3 contrapõe, de um lado (o esquerdo), homens brasileiros adultos, adultos maduros e grandes idosos e, de outro lado (direito), mulheres italianas jovens e idosas. Os primeiros pensam o envelhecimento sobretudo pelas suas perdas — limitação e declínio —, e as últimas também, mas a ideia de solidão, juntamente com incapacidade e inatividade, é central nas suas concepções compartilhadas sobre o envelhecimento.

O Fator 5 contrapõe mulheres grandes idosas brasileiras (na parte superior do plano fatorial) aos homens italianos de diversas faixas etárias (idosos, adultos maduros, jovens e jovens adultos). As mulheres enfatizam mais as perdas, já que os elementos principais foram: limitação, dependência e tempo livre. E os homens enfatizam menos as perdas: utilidade, saúde e dependência.

 

Discussão e Considerações Finais

O emprego parcial da abordagem dimensional indicada por Moscovici (1976) nos permitiu examinar, por meio dos elementos associados ao envelhecimento, o conteúdo e o posicionamento atitudinal dos grupos etários e dos dois contextos culturais quanto a esse importante objeto social. A ideia de que o envelhecimento traz experiência e sabedoria aos indivíduos é compartilhada pelas pessoas, independentemente do contexto cultural e do grupo etário.

No entanto, quando se observa a composição das influências do contexto cultural (Brasil e Itália) e do grupo etário, com os dois tipos de bem-estar percebidos pelos participantes (o psicológico e o social), temos uma primeira diferenciação da representação social do envelhecimento. Os idosos brasileiros, que experimentam bem-estar psicológico e falta de aceitação social (mal-estar social), entendem o envelhecimento como um processo no qual as relações sociais (família e amigos) e a atividade (trabalho e utilidade) completam a ideia de um momento exitoso no ciclo vital, em que experiência de vida produziu sabedoria diante da vida. Para Wachelke e Contarello (2011), a família pode ser vista como uma unidade social cujos membros compartilham valores como união e amor, caracterizando um ambiente relacionado ao amparo e à proteção.

Já os jovens e adultos italianos, que experimentam mal-estar psicológico e bem-estar social, pensam o envelhecimento como um processo que, embora traga experiência de vida e sabedoria, resulta em declínio, aparecimento de doenças e é caracterizado pela inatividade e pelas incapacidades, apontando para o fim da vida (morte). É importante considerar que os adolescentes, independentemente de nacionalidade, foram os que mais experimentaram mal-estar psicológico. Isso parece também estar ligado a aspectos psicológicos, como o desenvolvimento do self. A ideia de perdas que norteia o pensamento social dos respondentes jovens e adultos italianos acerca dessa etapa da vida também foi constatada em outros estudos (Wachelke et al., 2008; Gastaldi & Contarello, 2006).

Trata-se de duas representações sociais do envelhecimento bastante distintas, nas quais, em certa medida, o momento social e econômico dos dois países (maior crise na Itália) e o pertencimento ao grupo etário objeto da representação parecem ter um papel no entendimento dessas diferenças. O entendimento de que o envelhecimento é parte do curso de vida e composto simultaneamente por ganhos e perdas (Baltes, 1987) foi concebido diferentemente de acordo com o contexto cultural e os grupos etários.

Os jovens, pela distancia etária da velhice, compartilham a ideia mais estereotipada e consensual do envelhecimento: um processo que traz experiência e sabedoria. Os adultos vão além dessas duas características mais compartilhadas pela sociedade e relacionam esse processo a uma importante perda: a limitação. Em contrapartida, os idosos apresentam, além dos dois elementos mais compartilhados, a importância das relações de amparo e proteção da família e da manutenção da saúde, que passa a ser central em suas vidas. No geral, a representação social do não idoso, na sua dimensão atitudinal (Moscovici, 1976), apresenta-se de maneira bastante negativa e simplificada. Já a representação social do envelhecimento dos idosos apresenta-se na sua dimensão atitudinal mais positiva.

Entre brasileiros e italianos, aparece uma distinção entre o coletivismo e o individualismo mesclada com visões idealizadas (positivas) e realistas (negativas), já que a família apareceu como um importante elemento para os primeiros e, para os últimos, o envelhecimento foi associado principalmente com doença. Observou-se uma diferenciação em função do sexo dos participantes: as mulheres enfatizam mais perdas que os homens; os tipos de perdas considerados pelos homens são mais voltados à atividade e ao trabalho e, pelas as mulheres, aos laços sociais familiares, como outros estudos já indicaram (Veloz et al., 1999; Figueiredo et al., 2007; Gutz, 2013).

De modo geral, os resultados apresentam um panorama que indica associação de variáveis sociais com configurações de pensamento representacional acerca do objeto envelhecimento e posicionamentos correspondentes. Variáveis que indicam inserções posicionais e mesmo pertenças grupais, como sexo e grupo etário, contextualizam-se em condições culturais as quais se associam a produtos representacionais que explicam e dão sentido aos desafios e novos fenômenos com os quais as pessoas devem lidar na vida cotidiana, adaptando-se a exigências práticas. Embora este estudo tenha empregado parcialmente a abordagem dimensional das representações sociais (Moscovici, 1976), o que é um dos seus limites, considera-se que ele junta-se a outros esforços dedicados a situar lógicas de pensamento representacional em termos de respostas e adaptações a desafios e emergências culturais (por exemplo: Wachelke & Contarello, 2010; Biasus, Demantova, & Camargo, 2011; Nagel et al., 2011).

 

Referências

Almeida, A. M. O., & Cunha, G. G. (2003). Representações sociais do desenvolvimento humano. Psicologia: Reflexão e Crítica, 16(1), 147-155.         [ Links ]

Andrade, O. G. (2003). Representações sociais de saúde e de doença na velhice. Acta scientiarum. Health sciences, 25(2), 207-213.         [ Links ]

Araújo, L. F., Carvalho, V. A. M. L., & Moreira, E. F. (2003). Representações sociais da velhice: um estudo com idosos paraibanos. In: III Jornada Internacional & I Conferência Brasileira sobre Representações Sociais, Textos completos (pp. 542-556). Rio de Janeiro: Editora da UERJ.         [ Links ]

Baltes, P. B. (1987). Theorical propositions of lifespan developmental psychology on the dynamics between growth and decline. Developmental Psychology, 23, 611-626.         [ Links ]

Bardin, L. (2009). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.         [ Links ]

Biasus, F., Demantova, A., & Camargo, B. V. (2011). Representações sociais do envelhecimento e da sexualidade para pessoas com mais de 50 anos. Temas em Psicologia, 19, 319-336.         [ Links ]

Camarano, A. A. (2002). Envelhecimento da população brasileira: uma análise demográfica. Rio de Janeiro: IPEA.         [ Links ]

Figueiredo, M. L., Tyrrel, M. A., Carvalho, C. M., Luz, M. H., Amorim, F. C., & Loiola, N. L. (2007). As diferenças de gênero na velhice. Revista Brasileira de Enfermagem, 60, 422-427.         [ Links ]

Fundo de População das Nações Unidas (2011). Relatório sobre a situação da população mundial 2011. Recuperado de http://www.unfpa.org.br/Arquivos/swop2011.pdf        [ Links ]

Gasparini, G., Sarrica, M., & Contarello, A. (2007). Emotions well-being and aging. A study in the framework of Castersen's socioemotional selectivity theory. In: V. Zammuner, & I. Galli (Orgs.), Proceedings. Giornata di studio sulle emozioni. Padova: CLEUP.         [ Links ] 

Gastaldi, A., & Contarello, A. (2006). Una questione di età: rappresentazioni sociali dell'invecchiamento in giovani e anziani. Ricerche di Psicologia, 20, 7-22.         [ Links ]

Gutz, L. (2013). Envelhecimento e espiritualidade: um estudo sobre representações sociais de idosos. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.         [ Links ]

Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. (2012). Censo demográfico 2010. Recuperado de http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/sinopse/default_sinopse.shtm        [ Links ]

Jodelet, D. (2001). Representações sociais: um domínio em expansão. In: D. Jodelet (Org.), As representações sociais (pp. 17-44). Rio de Janeiro: EDUERJ.         [ Links ]

Keyes, C. L. M. (1998). Social well-being. Social Psychology Quarterly, 61, 121-140.         [ Links ]

Lebart, L., & Salem, A. (1988). Analyse statistique des données textualles. Paris: Dunod.         [ Links ]

Marigo, C., Borella, E., De Beni, R., Caprara, M., & Fernández-Ballesteros, R. (2009). Invecchiamento di successo: vivere a lungo, vivere bene. In : R. De Beni (Org.), Psicologia dell'invecchiamento (pp. 233-258). Bologna: il Mulino.         [ Links ]

Martins, C.R.M., Camargo, B. V., & Biasus, F. (2009). Representações sociais do idoso e da velhice: de diferentes faixas etárias. Universitas Psychologica, 8, 831-847.         [ Links ]

Moscovici, S. (1976). La psychanalyse, son image et son public. Paris: PUF.         [ Links ]

Moscovici, S. (1981). On social representation. In: J. P. Forgas (Org.), Social Cognition. London: Academic Press.         [ Links ]

Moscovici, S. (2003). Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis, RJ: Vozes.         [ Links ]

Nagel, M. M., Contarello, A., & Wachelke, J. (2011). Social representations and stakes across borders: studying ageing in times of change. Temas em Psicologia, 19, 59-73.         [ Links ]

Neri, A. L. (2001). Velhice e qualidade de vida na mulher. In: A. Neri (Org.), Desenvolvimento e envelhecimento: perspectivas biológicas, psicológicas e sociológicas (pp. 161-200). Campinas, SP: Papirus.         [ Links ]

Neri, A. L. (2006). O legado de Paul B. Baltes à psicologia do desenvolvimento e do envelhecimento. Temas em Psicologia, 14, 17-34.         [ Links ]

Système Portable pour l'Analyse des Données. (2008). Guide de l‘utilisateur. Courvoie: Coheris SPAD.

Teixeira, M. C. T. V., Nascimento-Schulze, C. M., & Camargo, B. V. (2002). Representações sociais sobre a saúde na velhice: um diagnóstico psicossocial na Rede Básica de saúde. Estudos de Psicologia, 7, 351-359.         [ Links ]

Torres, T. L. (2010). Pensamento social sobre envelhecimento, idoso e rejuvenescimento para diferentes grupos etários, Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis.         [ Links ]

United States Census Bureau. (2013). International Programs. International database.         [ Links ] Recuperado de http://www.census.gov/population/international/data/idb/

Veloz, M. C. T., Nascimento-Schulze, C. M., & Camargo, B. V. (1999). Representações sociais do envelhecimento. Psicologia: Reflexão e Crítica, 12(2), 479-501.         [ Links ]

Wachelke, J., Camargo, B. V., Hazan, J. V., Soares, D. R., Oliveira, L. T. P., & Reynaud, P. D. (2008). Princípios organizadores da representação social do envelhecimento: dados coletados via internet. Estudos de Psicologia, 13, 107-116.         [ Links ]

Wachelke, J., & Contarello, A. (2010). Social representations on aging: Structural differences concerning age group and cultural context. Revista Latinoamericana de Psicologia, 42, 367-380.         [ Links ]

Wachelke, J., & Contarello, A. (2011). Italian students' social representation on aging: an exploratory study of a representational system. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(3), 551-560.         [ Links ]

Watson, D., Clark, L. A., & Tellegen, A. (1988). Development and validation of brief measures of positive and negative affect: The PANAS scales. Journal of Personality and Social Psychology, 54, 1063-1070.         [ Links ]

World Health Organization. (2005). Envelhecimento ativo: uma política de saúde. Brasília: Organização Pan-Americana da Saúde.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Brigido Vizeu Camargo
Universidade Federal de Santa Catarina
Departamento de Psicologia
Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição (LACCOS)
Campus Universitário Trindade, Bloco C, sala 1B, 3º piso
CEP: 88040-900 – Florianópolis/SC
E-mail: brigido.camargo@yahoo.com.br

Recebido em 06/06/2013
Revisto em 13/12/2013
Aceito em 16/12/2013