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Psicologia em Pesquisa

versão On-line ISSN 1982-1247

Psicol. pesq. vol.11 no.2 Juiz de Fora dez. 2017

https://doi.org/10.24879/2016001000200437 

RESENHA

10.24879/2017001100200437

 

 

Estudos sobre as implicações psicossociais da pobreza: possibilidades à descolonização dos saberes

 

Implicações Psicossociais da Pobreza: Diversidades e Resistências, organizado por Veronica Morais Ximenes, V. M., Barbara Barbosa Nepomuceno, Elívia Camurça Cidade e James Ferreira Moura Junior.

(Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2016, 405 p.)

 

 

Kissila Teixeira MendesI

IPsicóloga, Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Centro de Pesquisa, Intervenção e Avaliação em Álcool e Drogas (CREPEIA)

 

A obra “Implicações psicossociais da pobreza: diversidade e resistências”, publicada em 2016, resulta do trabalho do Núcleo de Psicologia Comunitária (NUCOM) da Universidade Federal do Ceará (UFC), ilustrando o protagonismo da instituição neste este debate. O livro se propõe, a partir de trabalhos de diferentes perspectivas teóricas e diversas metodologias, a compreender a pobreza como fenômeno multidimensional e sistematizar questões relacionadas a ela. A importância dessa mudança epistemológica, sobretudo para a Psicologia, está no fato de que a compreensão do sujeito não está mais somente em aspectos intrapsíquicos, mas também - e, sobretudo - em seu contexto social e em suas formas de viver. Tal definição impacta também na concepção de ciência embutida no projeto, definida já em sua apresentação como uma ciência comprometida com a superação dos quadros de desigualdade.

Organizado por Verônica Morais Ximenes, professora dos programas de graduação e pós graduação da UFC e coordenadora do NUCOM; James Ferreira Moura Junior, professor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira e professor do programa de pós graduação da UFC; e por Bárbara Barbosa Nepomuceno e Elívia Camurça Cidade, ambas doutorandas em Psicologia pela UFC e membros do NUCOM, o livro é ainda resultado do trabalho de 33 autores. A formação maioritária destes é em Psicologia, havendo também autores com formação em Economia, Serviço Social e Direito. A organização do livro, por sua vez, consiste na divisão em três eixos, cada um composto de cinco capítulos.

O primeiro eixo é intitulado de “Categorias de análises da pobreza”, e os capítulos que o compõe buscam traçar diferentes formas de compreensão para o fenômeno para além dos critérios de renda e consumo – a exemplo das definições como as de linhas de pobreza e de Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo - e com o foco na multidimensionalidade da questão. Trata-se de pesquisas teóricas realizadas em diferentes centros acadêmicos e de pesquisas empíricas realizadas em Porto Alegre e em diferentes cidades do Ceará. É possível perceber no conjunto dos artigos o interesse: a) na constituição de saberes interdisciplinares; b) no debate de programas governamentais, como o Brasil sem Miséria, Bolsa Família, Luz para Todos, Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar e Programa Universidade para Todos, por exemplo, e em sugestões de aprimoramento; c) nas representações sociais da pobreza e em como estas, vinculadas a atributos morais, impactam na vida das pessoas em vivências de vergonha, humilhação, fatalismo e discriminação, conduzindo à estigmatização da pobreza, em diferentes expectativas sociais e na culpabilização do sujeito; d) e no levantamento de problemáticas outras, que, porém, também compõem a questão da pobreza, como gênero, etnia, raça, escolaridade, território, alimentação, relações (precárias) de trabalho, relações familiares e condições de trabalho.

Como exemplo deste último ponto, merece destaque o segundo capítulo, teórico, sobre a pobreza em contextos rurais e como esta atinge de forma especial as mulheres agricultoras. Por outro lado, é necessário ler com ressalvas alguns aspectos do eixo, como o quarto capítulo - onde, a partir de relações estatísticas, espiritualidade e otimismo são definidos como suportes positivos à pobreza, fortalecimento e evitação da passividade em grupos pobres - para não se cair em um aspecto romantizado e individualizante da problemática, o que todo o livro faz o esforço de evitar.

Dessa forma, fica clara já no primeiro eixo uma determinada concepção pobreza que, primeiramente, deve desvelar fenômenos de naturalização, individualização e moralização, e a compreendida enquanto processo histórico e premissa básica do capitalismo. Além disso, a pobreza só pode ser entendida a partir da relação entre as condições objetivas, materiais, econômicas e suas consequências subjetivas, ideológicas, simbólicas e culturais. Assim, “ser pobre” impacta na identidade pessoal e social dos assim identificados, principalmente por ter como características a privação de liberdades e as práticas de opressão e humilhação. Cabe, então, à Psicologia e à ciência se apropriarem dessas características para responder as demandas dessa população, o que exige ainda uma mudança metodológica para, a partir da expectativa dos “pobres”, compreender, de fato, os sentidos da pobreza.

O segundo eixo, “Investigar e atuar em contextos de pobreza”, talvez seja o mais aguardado por acadêmicos por suprir a ânsia do “como fazer”. Isso porque, apresenta debates sobre pesquisas e atuações em cenários de pobreza com diferentes metodologias e locais: Ceará, Paraguai, Espanha, Nicarágua e com os povos indígenas Guarani. Este último, exitoso ao tratar de um debate negligenciado pela Psicologia, de forma geral, fundamentalmente ao levar-nos a repensar sobre nossas raízes epistemológicas. São tratadas ao longo do eixo temáticas bastante diversas como: estigma, fatalismo, metodologias de diagnósticos em cenários de pobreza, processamento de informações sociais, formas de socialização da pesquisa e resistências em contextos de pobreza. Mais uma vez, é preciso um esforço para, ao vislumbrar novas significações da pobreza – a citar, o empoderamento e otimismo frente ao fatalismo, por exemplo -, não relativizar ou minimizar situações a ponto de esquecer as determinações do modo de vida capitalista sobre elas, tais como a violência estrutural e os impactos coloniais no contexto latino americano.

Nesse aspecto, é central o primeiro capítulo do eixo, onde a autora debate criticamente o modo de produção capitalista e sua intrínseca necessidade de perpetuação das desigualdades. Logo, defende que o combate à pobreza só é possível de forma estrutural, a partir uma mudança societária. Assim, propõe uma revisão curricular nos cursos de Psicologia para em engajamento ético-político na luta por uma sociedade menos desigual. As perguntas que devem guiar o profissional, sobretudo em pesquisas nos contextos de pobreza, são expostas logo no título do segundo capítulo do eixo e são capazes de sintetizar um início para a compreensão deste compromisso ético-político: “para que e para quem?” são nossas pesquisas.

O terceiro eixo, “Resistências e enfrentamento à pobreza”, nos aproximam da realidade de pobreza ao contar com relatos de pesquisas que enfatizam as estratégias psicossociais – concretas ou simbólicas - utilizadas por sujeitos expostos a essa realidade. Destaca-se, também nesse eixo, a multiplicidade de vozes, havendo pesquisadas realizadas com diferentes interlocutores, tais como: jovens, prostitutas, pessoas em sofrimento psíquico, e também no contexto rural. Há neste eixo a predominância de estudos da UFC. São resgatados como aspectos de enfrentamento à pobreza: a) as redes de apoio social, em formas como a familiar, comunitária, religiosa e institucional; b) os processos de ressignificação e de criatividade; c) as resistências à estigmatização; d) a revolta frente à condição de pobreza; e d) a compreensão das representações sociais sobre as políticas públicas e sobre “ser pobre”. O estudo com jovens em Fortaleza, que ilustra o quarto capítulo do eixo, é fundamental ao conseguir, a partir das categorias fatalismo e protagonismo, a princípio antagônicas, explicitar as possibilidades de enfrentamento à pobreza.

Abre-se caminho nesse ponto para o debate sobre o papel do Estado e as possibilidades via políticas públicas, ainda que estas muitas vezes se apresentem como paradoxos. É possível perceber como determinados tipos de políticas dizem também sobre o tipo de sociedade a qual está inserida. O quarto capítulo ainda traça um importante histórico das políticas de assistência social e transferência de renda no Brasil, e estas, juntamente às políticas de educação, são destacadas no último capítulo como possibilidades de transformação de condições materiais e subjetivas. A ênfase no fortalecimento das políticas públicas (papel do Estado) e na participação popular e comunitária como fontes de real emancipação ditam pretensões importantes do livro.

Historicamente, a pobreza e suas implicações foram temas ignorados pela Psicologia e pela ciência de forma geral, escolha esta que possui endereçamentos claros para a manutenção da ordem dominante. Dessa forma, o livro é uma obra necessária em tempos de exacerbada individualização e aprofundamento da questão social em nosso país e um resgate a pensar, sobretudo, sobre a realidade brasileira e latina americana a partir de novas formas metodológicas e epistemológicas, o que, por sua vez, conduz a novas possibilidades de compreensão e atuação. Portanto, trata-se de uma obra situada historicamente e que se mostra como possibilidade de embasamentos para pesquisas acadêmicas e práticas de extensão interessadas à temática. O livro não se impõe como um guia para determinada concepção teórica e se abre para a diversidade de perspectivas em consonância à unificação de esforços para trabalhos comprometidos com a realidade. Porém, apesar do tom polissêmico da publicação, é possível verificar importantes concepções norteadoras no sentido da defesa de uma Psicologia Social que parta de uma perspectiva dialética e do princípio de que pessoa e sociedade se constituem mutuamente.

 

REFERÊNCIAS

Ximenes, V. M., Nepomuceno, B. B., Cidade, E. C. & Moura Jr, J. F.. (Orgs.). (2016). Implicações Psicossociais da Pobreza: Diversidades e Resistências. Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora.

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