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Contextos Clínicos
versão impressa ISSN 1983-3482
Contextos Clínic vol.11 no.2 São Leopoldo maio/ago. 2018
https://doi.org/10.4013/ctc.2018.112.03
ARTIGOS
Efeitos da terapia assistida por animais na qualidade de vida de idosos: uma revisão sistemática
Effects of animal assisted therapy on elderly quality of life: systematic review
Luis Henrique Paloski; Karina Laux Schutz; Valéria Gonzatti; Elizabeth Luz Moreira dos Santos; Irani Iracema de Lima Argimon; Tatiana Quarti Irigaray
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Av. Ipiranga, 6681, p. 11, sala 939, 90619-900, Porto Alegre, RS, Brasil. luishenriquepaloski@hotmail.com, karina@petterapeuta.com.br, valeriapsi@gmail.com, bethmed2004@gmail.com, argimoni@pucrs.br, tatiana.irigaray@pucrs.br
RESUMO
O estudo objetivou investigar os efeitos da Terapia Assistida por Animais (TAA) na qualidade de vida em idosos por meio de uma revisão sistemática. Foi realizada a busca de artigos, por dois juízes, nas bases de dados indexadas na Medline, PsycINFO, Embase e Web of Science. Utilizaram-se as recomendações da Declaração Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses para esta revisão. A partir de critérios de inclusão/exclusão, foram recuperados e analisados oito artigos. Os estudos destacam que a TAA produz melhoria na qualidade de vida dos idosos, e os instrumentos para essa avaliação foram diversificados. Conclui-se que a TAA afeta positivamente a qualidade de vida dos idosos.
Palavras-chave: Terapia Assistida por Animais, qualidade de vida, idosos.
ABSTRACT
This study investigated the effects of Animal Assisted Therapy (AAT) on elderly quality of life through a systematic review. Articles were searched by two judges at Medline, PsycINFO, Embase, and Web of Science. This research was conducted in accordance with the Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) guidelines. After the criteria for inclusion and exclusion were applied, eight articles were selected and analyzed. The majority of studies found that AAT has positive effects on quality of life by the elderly, and different instruments were used for such evaluation. Finally, it can be concluded that AAT improves the quality of life among the elderly.
Keywords: Animal Assisted Therapy, quality of life, elderly.
A Terapia Assistida por Animais (TAA) consiste em intervenções desenvolvidas com o auxílio de um animal no processo terapêutico. Ela possui objetivos claros e definidos, podendo ser utilizada na promoção da saúde física e mental, bem como na estimulação das funções cognitivas do paciente. Na TAA, o indivíduo beneficia-se do vínculo resultante da relação humano-animal, em formatos ou arranjos terapêuticos que podem ser individuais ou grupais (Domènec e Ristol, 2012; Dotti, 2005).
Os animais que podem ser utilizados na TAA são inúmeros, desde escargot até elefantes (Burton, 2013). Estão disponíveis estudos científicos investigando os efeitos da terapia com golfinhos, botos, cavalos, animais de fazenda e os pets. O uso dos pets, que são definidos como, cão, gato, pássaro, rato e coelho, na TAA são os que possuem um maior número de estudos científicos investigando sua eficácia (Kamioka et al., 2014).
O primeiro artigo científico publicado sobre TAA com uso dos pets é de Levinson (1962), considerado o pai dessa prática. Nesse trabalho, o autor relata um atendimento psicológico com a ajuda de um cão e seus resultados benéficos, como melhor vinculação e adesão ao tratamento, para o processo terapêutico. Depois desse estudo, o uso dos pets, com finalidade terapêutica, passou a ser pesquisado por outros autores em diferentes países e em diversas fases do ciclo vital (Chandler, 2011).
A TAA com o uso de pets vem ao encontro da necessidade de se desenvolver estratégias terapêuticas não medicamentosas, que forneçam aos profissionais da área da saúde outras possibilidades terapêuticas (Johnson et al., 2003; Urbanski e Lazenby, 2012). Contudo, é imprescindível que as potencialidades e as limitações da TAA com o uso de pets sejam avaliadas cientificamente, a fim de validar sua utilização e regulamentação.
As premissas da TAA explicam que o contato com animais influencia positivamente na qualidade de vida das pessoas, oferecendo uma via para o tratamento de doenças. No trabalho com idosos, a TAA apresenta relatos científicos sobre seus efeitos terapêuticos, como no maior envolvimento em atividades e melhora no humor (Chandler, 2011; Domènec e Ristol, 2012). O uso dessa terapia com idosos aumenta a interação entre pares, estimula aspectos cognitivos, como memória, linguagem, atenção e melhora a qualidade de vida (Fine, 2010).
Assim, encontra-se que a TAA pode ser utilizada para melhorar a qualidade de vida dos idosos (Nordgren e Engström, 2014). Segundo o Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde (WHOQOL Group,1994), a qualidade de vida é definida como a percepção do indivíduo sobre sua situação na vida, dentro do contexto de uma cultura, envolvendo tanto aspectos positivos quanto negativos, em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. A definição terminológica de qualidade de vida é ampla e multidimensional, normalmente, contempla aspectos relacionados ao bem-estar pessoal, autoestima e percepção subjetiva das condições em que o sujeito se encontra. Para avaliação da qualidade de vida existem diversos instrumentos disponíveis, sendo o mais utilizado o World Health Organization Quality of Life (WHOQOL), existindo uma versão específica para idosos o World Health Organization Quality of Life - Old (WHOQOL-OLD) (Kessler, 2015).
Considerando as particularidades e vulnerabilidades inerentes ao processo de envelhecimento, é necessário construir novas estratégias de tratamento que não envolvam psicofármacos para o trabalho com idosos, uma vez que essa população já faz uso de polifarmácia (Paula Júnior et al., 2014). Assim, esse estudo teve por objetivo investigar os efeitos da Terapia Assistida por Animais (TAA) na qualidade de vida em idosos através de uma revisão sistemática. Além disso, buscou identificar os instrumentos de avaliação de qualidade de vida utilizados.
Método
O presente estudo seguiu as recomendações da Declaração de PRISMA, que visa orientar a elaboração de revisões sistemáticas da literatura e meta-análises na área da saúde (Moher et al., 2009). Foram realizadas buscas na Cochrane Database of Systematic Review (CDSR), Database of Abstracts of Reviews of Effects (DARE) a fim de verificar a existência de revisões sistemáticas anteriores sobre o assunto. Nessas buscas, não foram encontrados estudos especificamente sobre a temática. Contudo, vale ressaltar que estão disponíveis nessa base de dados uma revisão sistemática sobre a eficácia da terapia assistida por animais (Kamioka et al., 2014) e outra sobre a eficácia da equoterapia (Kendall et al., 2015), respectivamente. No entanto, nenhuma das duas abordava a questão da qualidade de vida em idosos.
No processo de construção da string foram realizados diversos testes com diferentes descritores a fim de contemplar o maior número de estudos sobre o assunto. A primeira busca, depois dos testes da string, foi utilizando-se do seguinte conjunto de descritores: "terapia assistida por animais" OR "intervenções assistidas por animais" OR "pet terapia" AND "qualidade de vida" AND "idosos" para artigos em português. Contudo, essa busca não identificou nenhum estudo em português, mesmo utilizando-se dos descritores sugeridos pelo Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) para utilizar na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).
Depois dos testes com a string para artigos em português, definiu-se uma nova string em inglês, com a ajuda das ferramentas Term Finder para a base PsychINFO, no índice Medical Subject Headings (MeSH) da base Pubmed/Medline. A versão final da string para busca de artigos em inglês foi "Animal Assisted Therapy" or "Human Animal Bond" or "Pet Therapy" and "Quality of Life" and "Elderly" or "Aged".
Como restritores do processo de busca dos artigos foram utilizados peer review e os descritores poderiam estar presentes em qualquer parte do artigo. No processo de busca dos artigos utilizaram-se aspas em cada descritor. A busca nas bases foi feita por dois pesquisadores (P1 e P2) e incluídos na revisão apenas aqueles que se enquadravam em todos os critérios de inclusão. Esse procedimento foi realizado no dia 20 de maio de 2015.
Os critérios de inclusão utilizados foram os seguintes: (i) artigos empíricos; (ii) envolver as três variáveis: TAA com uso de pets, qualidade de vida e idosos; (iii) estudos com análise de dados quantitativa; e (iv) língua inglesa, portuguesa ou espanhola. Esses critérios foram aplicados por meio da leitura do título e do resumo dos artigos. Os critérios de exclusão foram os seguintes: (i) estudos com outros animais, que não fossem pets; e (ii) estudos repetidos. Não foi aplicado nenhum restritor referente ao ano de publicação dos artigos, incluindo-se todos os estudos que contemplassem os critérios descritos acima, sem restrição de tempo.
Os pesquisadores analisaram, de forma independente, os artigos relevantes e emitiram parecer sobre a inclusão ou não desses na revisão. Nos casos em que houve divergências de parecer foi contatado um terceiro pesquisador. Depois do processo de seleção dos estudos e definidos aqueles que seriam incluídos na revisão, os pesquisadores fizeram a tabulação dos dados. Na sequência, apresenta-se um fluxograma (Figura 1) do processo de obtenção de artigos.
A exclusão de 61 artigos ocorreu devido a esses não serem resultados de artigos empíricos, quantitativos, não envolviam as variáveis TAA com uso de pets, qualidade de vida e idosos, e foram redigidos em outras línguas que não a inglesa, português ou espanhola. Os 24 artigos retirados após a seleção dos 32 artigos, se referiam a outros animais que não pets ou se repetiram em diferentes bases de dados.
Resultados
Com a finalidade de apresentar as informações dos estudos incluídos na revisão sistemática foi compilado o apêndice do presente artigo. Ele reúne de maneira sintética as autorias dos artigos, o ano de publicação, o país em que o estudo foi realizado, os objetivos, os instrumentos, as intervenções realizadas e, por fim, os principais achados.
Os oito artigos analisados englobaram 285 participantes, sendo 206 (73%) mulheres e 79 (17%) homens, com idades entre 72 a 98 anos (M = 84 anos). Os estudos foram publicados no período de 2006 a 2014, no ano de 2006, 2012 e 2013 foram encontrados dois por ano. A Itália (três artigos) e Suécia (dois artigos) tiveram maior número de artigos. Observou-se que em todos os artigos ocorreu a prevalência de mais mulheres do que de homens envolvidos nas pesquisas, sendo que o estudo realizado por Nordgren e Engström (2012) foi composto apenas por participantes do sexo feminino. Os participantes foram recrutados, em sua maioria, em residenciais para idosos. Apenas um estudo recrutou idosos em um ambulatório (Sellers, 2006).
Dentre os estudos avaliados, observou que apenas dois (Colombo et al., 2006; Vrbanac et al., 2013) utilizaram em sua amostra idosos sem comprometimento cognitivo. Os outros seis estudos (Berry et al., 2012; Moretti et al., 2011; Nordgren e Engström, 2012; 2014; Sellers, 2006; Travers et al., 2013) englobaram idosos com declínio cognitivo leve e demência de diferentes níveis (leve, moderada e severa).
As intervenções realizadas nos estudos foram variadas. Colombo et al. (2006) randomizou os participantes em três grupos: idosos receberem um canário, juntamente, com a instrução de cuidá-lo, alimentá-lo e mantê-lo limpo; idosos que receberam uma planta; e idosos que não receberam nada. Os participantes foram avaliados antes e após a intervenção, que durou três meses, em relação ao funcionamento cognitivo, qualidade de vida e sintomas psicopatológicos. O grupo que recebeu o canário demonstrou melhora na qualidade de vida e nos sintomas psicopatológicos, em comparação aos outros grupos. Sellers (2006) realizou cinco sessões com quinze minutos cada e as atividades envolveram fazer carícias, jogar bola, higiene e alimentar o cão.
Morreti et al. (2011) realizaram 6 semanas de intervenções, com 90 minutos cada, em um residencial geriátrico, envolvendo atividades de segurar, afagar, caminhar e falar com os cães. Berry et al. (2012) fizeram dois tipos de intervenção durante 5 meses, duas vezes por semana, com cães. A primeira intervenção focou em problemas físicos e envolveu interação com o cão e uma equipe composta por treinador e fisioterapeuta. A segunda intervenção utilizou a mesma equipe, mas com objetivo de trabalhar a socialização do participante, com a ajuda da interação com o cão. Vrbanac et al. (2013) utilizou o cão e uma equipe formada por assistente social, médico, terapeuta ocupacional e infectologista para uma intervenção de seis meses, com frequência de três sessões semanais. As atividades incluíram tocar, brincar, caminhar e interagir verbalmente com o cão.
No estudo de Travers et al. (2013) a intervenção foi realizada por um médico veterinário (terapeuta), uma enfermeira especialista em psiquiatria e como instrumento foi utilizado um cão treinado. Foi composta de duas sessões (não consecutivas) durante 11 semanas, com duração de 40 a 50 minutos cada sessão. As atividades realizadas incluíam oferecer alimento, realizar pequenos comandos e outras interações com o cão.
Nordgren e Engström (2014) apontam que tanto o cão quanto o terapeuta possuíam treinamento específico em TAA, que consistiu em dez sessões com frequência semanal (uma ou duas vezes por semana) e duração de 45 a 60 minutos. A TAA tinha como objetivo o treino de habilidades cognitivas, físicas e psicossociais, envolvendo atividades como caminhar, ensinar, alimentar, acariciar e falar com o cão. O estudo dos mesmos autores (Nordgren e Engström, 2012), publicado dois anos antes, englobou oito sessões, com periodicidade semanal e duração de 60 minutos cada sessão. A equipe era composta por enfermeira e treinador. Nesse estudo, a TAA tinha como foco caminhar e acariciar o cão.
Referente aos instrumentos utilizados para avaliação cognitiva dos participantes, apenas um estudo (Vrbanac et al., 2013) não utilizou Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (Folstein et al., 1975). Colombo et al. (2006) empregou o MEEM como critério de exclusão dos indivíduos com qualquer grau de demência, e Travers et al. (2013) usou apenas para excluir os casos de demência severa. Berry et al. (2012) utilizou o MEEM para caracterizar o funcionamento cognitivo da amostra. Sellers (2006), Nordgren e Engström (2014; 2012) não fizeram uso o MEEM para incluir idosos com demência em seus estudos.
Em relação aos critérios de seleção da amostra dos estudos, verificou-se que cinco estudos investigaram a ausência de alergia nos participantes para sua inclusão (Berry et al., 2012; Nordgren e Engström, 2012; 2014; Sellers, 2006; Vrbanac et al., 2013). Alguns estudos levaram em conta a afinidade por animal (Sellers, 2006; Nordgren e Engström, 2012), interesse para interagir com cão (Berry et al., 2012; Sellers, 2006) e ter tido experiência prévia com cão (Vrbanac et al., 2013). Nordgren e Engström (2014) excluíram idosos que demonstravam ansiedade perante cães ou que foram considerados agressivos pela equipe de enfermagem.
A avaliação da qualidade de vida, como demonstra o Apêndice, foi realizada por diferentes instrumentos. Somente as pesquisas de Nordgren e Engström (2012; 2014) utilizaram-se dos mesmos instrumentos (Quality of Life in Late-stage). Os outros instrumentos usados para avaliação da qualidade de vida foram o LEIPAD II - Short Version (Colombo et al., 2006), Quality of Life-AD (Travers et al., 2013) e Social Behavior Observation Checklist (Sellers, 2006). Moretti et al. (2011) e Vrbanac et al. (2013) criaram um instrumento para avaliação da qualidade de vida. Enquanto que Berry et al. (2012) não utilizaram nenhum instrumento padronizado para avaliar qualidade de vida dos participantes, inferindo esse resultado com base nas outras testagens.
Referente aos cuidados com os animais utilizados na TAA, apenas dois estudos apontam a importância desses aspectos. Berry et al. (2012) enfatizou a importância da equipe estar atenta aos calming signals, que são sinais de cansaço e estresse que o animal demonstra. Colombo et al. (2006) tinha em sua equipe dois veterinários que cuidavam diretamente da saúde dos animais envolvidos na TAA.
Quanto aos efeitos da TAA, Colombo et al. (2006) verificou que a TAA teve um efeito favorável sobre o self-care e aumento no funcionamento social, também houve redução das somatizações, sintomas depressivos, sintomas obsessivo-compulsivos e sintomas de ansiedade fóbica. Sellers (2006) observou aumento na interação social e diminuição de comportamentos agitados. Morreti et al. (2011) encontraram diminuição dos sintomas depressivos e aumento do desempenho cognitivo. Berry et al. (2012) verificaram aumento nas interações com pares e na comunicação verbal e diminuição da apatia. Nordgren e Engström (2012) observaram aumento da independência nas atividades de vida diária, da orientação espacial e no desempenho cognitivo. Vrbanac et al. (2013) identificaram, como efeito da TAA, diminuição na percepção de solidão dos idosos. Nordgren e Engström (2014) constataram redução do estresse e aumento do bem-estar. De maneira geral, em todos os estudos, os pesquisadores encontraram que a TAA com o uso de pets produziu efeitos positivos na qualidade de vida dos participantes.
Discussão
O principal objetivo deste estudo foi investigar os efeitos da Terapia Assistida por Animais (TAA) na qualidade de vida em idosos através de uma revisão sistemática. Como principal achado verificou-se que a TAA produz melhora na qualidade de vida de idosos. Uma hipótese para explicar esse resultado seria a de que o uso da TAA está relacionado à diminuição da ansiedade, aumento da autoeficácia e da capacidade de enfrentamento de problemas e estimulação do sistema nervoso simpático, o que levaria ao aumento da endorfina, levando a sensação de bem-estar (Reed et al., 2012).
Outra possibilidade para explicar esse achado seria a de que os animais conseguem emitir comportamentos que podem ser interpretados como feedbacks positivos e negativos. Os pets funcionam como um instrumento de trabalho para o terapeuta, facilitando aumentos nos níveis de interação social dos idosos, pois eles reagem positivamente ou negativamente de acordo com os estímulos que lhe são apresentados. Suas reações imediatas aos estímulos agradáveis ou desagradáveis funcionam como modelagem para os comportamentos do paciente (Fine, 2010). Assim, pode-se inferir que a estimulação e a modelagem decorrentes da interação com os animais são responsáveis pelo aumento da qualidade de vida dos idosos.
Os efeitos benéficos produzidos pela TAA ainda podem ser explicados pela ativação comportamental e fisiológica. Nesse contexto, utiliza-se de estímulos externos ao paciente a fim de incitá-lo em direção à mudança (Wright et al., 2010). Assim, o terapeuta pode utilizar os pets para realizar esse movimento, pois o animal funciona como um facilitador do processo terapêutico, tornando a figura do terapeuta menos ameaçadora (Fine, 2010). O terapeuta torna o espaço terapêutico mais propício a mudanças de comportamentos (Sellers, 2006). Uma pesquisa com 18 indivíduos (adultos), e seus respectivos cães, investigou os efeitos fisiológicos do contato das pessoas ao acariciar suavemente e conversar com seus cães. Nesse estudo, observou-se que os índices de oxitocina duplicaram tantos nos animais, quanto nos seres humanos. O estudo detectou um decréscimo da pressão sanguínea e do nível de cortisol e simultaneamente houve um aumento nos níveis de endorfinas e dopaminas em ambos os grupos (Odendaal e Meintjes, 2003).
Dentre os oito artigos incluídos nesta revisão, somente um (Colombo et al., 2006) não utilizou o cão como instrumento terapêutico. Esse dado corrobora as informações disponíveis na literatura científica sobre TAA, em que o cão é apresentado como o animal mais utilizado (Altschiller, 2011; Chandler, 2011). Isso acontece porque o cão pode ser utilizado com diferentes públicos, tais como crianças, adultos e idosos. Esse animal responde bem a comandos e brincadeiras, bem como interage e oferece companhia nas mais variadas demandas (Altschiller, 2011). Estudos apontam que os cães demonstram afeto e simpatia (por exemplo, através de movimentos das suas caudas) e isso faz com que as pessoas sintam-se estimuladas a interagir com eles (Chandler, 2011).
Dentre os trabalhos incluídos nessa revisão sistemática, apenas dois deles são ensaios clínicos randomizados. Foi utilizada uma escala de avaliação para esse tipo de estudo com a finalidade de mensurar a qualidade desses trabalhos (Jadad et al., 1996). A escala estabelece um ponto para cada item, sendo possível a pesquisa obter escore de 0 a 5. A pesquisa de Colombo et al. (2006) recebeu dois pontos, pois informa que a distribuição dos indivíduos foi randomizado e, também, os sujeitos que não terminaram a intervenção (dropouts). O trabalho de Travers et al. (2013) recebeu três pontos de acordo com a escala, pois além dos pontos anteriores, o estudo descreve o processo de randomização. Apesar de todos os estudos realizarem intervenções e possuírem um delineamento longitudinal, não foram encontrados dados referentes ao processo de randomização, além dos descritos anteriormente.
Considerando que um dos objetivos dessa revisão era identificar os instrumentos de avaliação de qualidade de vida utilizados nos estudos, observou-se que três estudos (Berry et al., 2012; Moretti et al., 2011; Vrbanac et al., 2013) não utilizaram nenhum instrumento validado. Esses estudos criaram instrumentos próprios para avaliação da qualidade de vida. Esse procedimento pode comprometer a validade interna e externa dos achados, pois não foram realizados estudos de evidência de validade dos instrumentos (Borsa et al., 2012; Breakwell et al., 2010). O instrumento mais utilizado foi o Quality of Life in Late-stage (Nordgren e Engström, 2012; 2014), seguido pelo LEIPAD II - Short Version (Colombo et al., 2006), Quality of Life-AD (Travers et al., 2013) e o Social Behavior Observation Checklist (Sellers, 2006). Com relação à avaliação cognitiva dos participantes, apenas um estudo (Vrbanac et al., 2013) não utilizou o MEEM. Os outros estudos utilizaram o MEEM como critério de inclusão ou de exclusão de pessoas com algum grau de demência. A literatura aponta que o MEEM é o instrumento mais utilizado para rastreio de demência (Ferreira et al., 2014). Além disso, verificou-se que a amostra dos estudos analisados foi composta, em sua maioria, por mulheres idosas, com declínio cognitivo leve ou demência, recrutadas em residenciais para idosos. Essa alta prevalência de participantes com prejuízos cognitivos pode estar associada ao fato de que esses espaços são ocupados, normalmente, por mulheres, que são mais longevas do que os homens, e que apresentam algum declínio cognitivo (Machado et al., 2011).
Em relação aos cuidados no recrutamento da amostra, os estudos de Berry et al. (2012), Nordgren e Engström (2012; 2014), Sellers (2006) e Vrbanac et al. (2013) levaram em consideração se os indivíduos possuíam algum tipo de alergia a cão, não incluindo na amostra indivíduos com alergia. Além disso, esses mesmos estudos investigaram se os participantes tinham afinidade, interesse e experiência prévia com cães antes de iniciar a TAA.
Um outro aspecto importante apontado por um dos estudos é o cuidado com o bem-estar do animal (Berry et al., 2012). A saúde dele deve ser avaliada por um médico veterinário que se responsabilize por suas condições físicas. No decorrer da TAA o animal pode demonstrar sinais de cansaço, estresse e calming signals (sinais de apaziguamento) que devem ser conhecidos e respeitados pelo terapeuta, levando-o a pensar sobre continuar ou não com a prática. Por fim, é importante salientar que o animal utilizado na TAA deve ser selecionado, treinado e capacitado para esse fim (Rugaas, 2006; Davis, 2002).
Em consonância com os achados desta revisão sistemática da literatura pode-se concluir que a utilização da TAA, com os animais descritos anteriormente, produz efeitos positivos sobre a qualidade de vida de idosos. No entanto, ela demonstra ter potencial para trabalhar outros aspectos, como habilidades sociais, humor, cognição, entre outros (Chandler, 2011; Domènec e Ristol, 2012; Fine, 2010). Como essa área ainda está em construção, apresenta-se a necessidade de investigar a eficácia dessa técnica em outras fases do ciclo vital e também para outros objetivos terapêuticos (pessoas com algum grau de deficiência), além da qualidade de vida.
Apresenta-se como limitação desta revisão sistemática o fato de não ter envolvido trabalhos publicados em outras línguas, além inglesa, portuguesa e espanhola. Os países dos artigos também podem ser uma limitação visto que são mais artigos italianos e suecos. Não contemplando outros locais, como o Brasil. O fato de existirem poucos artigos sobre o assunto reforça a importância de construir novos estudos empíricos sobre os efeitos da TAA obedecendo a um rigor científico, a fim de poder estabelecer uma relação de causalidade entre a TAA e qualidade de vida. Em estudos futuros, sugere-se verificar se os resultados de melhora na qualidade de vida dos idosos foram devido, simplesmente, ao contato com o cão, ou se foram resultantes da interação com o terapeuta e o cão ou só com o terapeuta.
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Submetido: 20/09/2016
Aceito: 31/07/2017