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Contextos Clínicos

versão impressa ISSN 1983-3482

Contextos Clínic vol.14 no.1 São Leopoldo jan./abr. 2021

 

ARTIGOS

 

Delirium em CTI: ansiedade e depressão como possíveis fatores de risco na população idosa

 

Delirium in the ICU: anxiety and depression as possible risk factors in elderly patients

 

 

Marta Velo Hofmeister; Paula Moraes Pfeifer; Samanta Fanfa Marques; Michele Pereira Lohmann; Patricia Pereira Ruschel

Instituto de Cardiologia do RS/Fundação Universitária de Cardiologia

Correspondência

 

 


RESUMO

As doenças cardiovasculares, quando agravadas, podem requerer cuidados hospitalares específicos em Centro de Tratamento Intensivo (CTI). As características desta unidade podem potencializar o afastamento do paciente de sua subjetividade, aumentando a vulnerabilidade para desenvolvimento de delirium - uma das síndromes mais comuns no ambiente hospitalar, especialmente na população idosa. Frente a isso, foram avaliados 94 pacientes com idade igual ou superior a 60 anos, a fim de identificar se existe relação entre a ansiedade e depressão no momento da internação em CTI de um hospital cardiológico e o desenvolvimento de delirium nas 48 horas seguintes. Foram utilizadas a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) e a Confusional Assessment Method in Intensive Care Unit (CAM-ICU). Foi possível observar uma tendência de que pacientes com sintomas de ansiedade e, principalmente, de depressão têm maior probabilidade de desenvolver delirium. Entre os pacientes com depressão, 18.8% apresentaram delirium e, daqueles sem depressão, 4.2%. Em relação à ansiedade, 11.1% dos que apresentaram ansiedade tiveram também delirium, comparado a 4.1% entre aqueles sem ansiedade. Observa-se a importância de se identificar o impacto de sintomas psicológicos na evolução clínica do paciente, tendo em vista a associação de delirium a desfechos clínicos desfavoráveis.

Palavras-chave: ansiedade; depressão; delírio.


ABSTRACT

Cardiovascular diseases, when aggravated, may require special hospital care in Intensive Care Units (ICUs). The characteristics of this unit may potentialize the distancing of the patient from their subjectivity, increasing the vulnerability to the development of delirium - one of the most common syndromes at hospitals, especially in the elderly population. Considering that, 94 patients with ages equal or greater than 60 years old were evaluated with the aim of identifying whether there is a relation between anxiety and depression at the moment of admission into the ICU of a cardiovascular hospital and delirium in the following 48 hours. Both the Hospital Anxiety and Depression Scale (HADS) and the Confusional Assessment Method in Intensive Care Unit (CAM-ICU) were used for the evaluations. In the preliminary results, it was observed a trend that patients with symptoms of anxiety and, especially, depression have a higher probability of developing delirium. Amongst patients with depression, 18,8% presented with delirium, and between those without depression, 4,2%. As for anxiety, 11,1% of those with anxiety had delirium, compared to the 4,1% that did not have anxiety. It can be noted the impact of psychological symptoms on the clinical condition of the patient, considering the association between delirium and unfavorable outcomes.

Keywords: anxiety; depression; delirium.


 

 

Introdução

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte na população idosa (Ferreira et al., 2017). As mudanças nos hábitos e estilo de vida na contemporaneidade têm aumentado os fatores de risco para cardiopatias, como hipertensão, diabetes mellitus, dislipidemia, tabagismo e obesidade. Esse quadro é ainda mais crítico entre os idosos, exigindo do sistema de saúde um olhar multidisciplinar e um cuidado contínuo para esse público (Paola, Barbosa, & Guimarães, 2012).

Esse grupo de pacientes é o mais propenso a desenvolver alterações cardiovasculares. Isso se dá por fatores naturais, como o envelhecimento do corpo, e por fatores externos, como a continuidade de hábitos de vida prejudiciais. Estudo recente aponta que mais da metade da população acima de 60 anos apresenta altos níveis de pressão arterial (Ferreira et al., 2017).

Quando agravadas, as doenças cardiovasculares exigem cuidados específicos, muitas vezes hospitalares. A internação por evento coronariano, insuficiência cardíaca (IC) descompensada ou arritmias pode ser vista como uma crise e uma ameaça à vida e à integridade física (Shapiro, 2017). Esse impacto tende a ser ainda maior quando são necessários cuidados em Centro de Tratamento Intensivo (CTI), pois o sofrimento está ligado não só a doença em si, mas também ao estresse causado pelo ambiente (Santos & Lucia, 2016).

Na internação em CTI, o paciente está constantemente exposto a estímulos desorganizadores como: sons de aparelhos, luz artificial, medicações e movimentação contínua da equipe. Além disso, distancia-se do convívio com seus familiares e objetos pessoais. Dessa maneira, o indivíduo se vê restrito ao leito, com a sua autonomia reduzida e dependente dos cuidados dos profissionais da saúde (Santos & Lucia, 2016). Esse contexto propicia o desenvolvimento de sintomas psicopatológicos (Simonetti, 2016).

Ansiedade e depressão estão entre os sintomas mais observados entre os cardiopatas. A depressão aparece como resposta a algum estressor ou eventos adversos, podendo ser um estado afetivo considerado adequado, uma síndrome ou uma doença. O quadro clínico da depressão inclui sinais psíquicos, comportamentais e fisiológicos. Alguns sintomas são considerados fundamentais para o seu diagnóstico: humor depressivo e/ou falta de interesse e motivação, lentificação psicomotora e redução ou ausência da capacidade hedônica (Neto, Elkis, & colaboradores, 2009). Da mesma forma, a ansiedade é uma reação emocional que pode ser esperada em uma situação desconhecida, sendo queixa frequente em serviços de saúde. Esse sintoma passa a ser considerado patológico quando a resposta do indivíduo ao estressor se dá de forma inadequada ou desorganizada, dificultando a sua adaptação ao ambiente (Botega, 2017).

Transtornos de ansiedade estão associados a maior risco para doença arterial coronariana, maiores índices de eventos cardiovasculares e mortalidade. A depressão está presente em cerca de 30% dos pacientes com doença arterial coronariana e insuficiência cardíaca (Shapiro, 2017). Um estudo americano de revisão bibliográfica mostra que esses sintomas emocionais prévios a um evento de infarto agudo do miocárdio (IAM) estão associados a pior prognóstico em unidades de terapia intensiva (Ghoneim & O'Hara, 2016).

Frente a isso, é comum o desenvolvimento de delirium, um estado confusional agudo. É uma complicação clínica frequente em hospitais, principalmente em pacientes em estado grave. Apesar de ser fator de risco para um mau prognóstico, costuma ser subdiagnosticado e está associado a maiores taxas de morbimortalidade. A sua manifestação pode incluir sintomas de diversos transtornos psiquiátricos, como depressão, mania e esquizofrenia, e costuma ter caráter flutuante. O delirium é considerado uma síndrome secundária a uma causa orgânica, não devendo ser entendida como uma doença psiquiátrica primária (Botega, 2017).

O delirium pode ser classificado em três tipos: hiperativo, hipoativo ou misto. O primeiro é caracterizado por sintomas de agitação, inquietação e labilidade emocional. O segundo observa-se em pacientes pouco responsivos, apáticos, com atividade motora diminuída, falta de coerência na fala e desinteresse. Já a combinação dos dois tipos é, então, o misto (Mesa et al., 2017).

Devido à alta prevalência de delirium e demência em idosos no ambiente hospitalar, é essencial fazer o diagnóstico diferencial para realizar a terapêutica correta. Essa diferenciação muitas vezes não é simples, mas alguns pontos devem ser observados, como o tempo de início dos sintomas (no delirium é abrupto), a qualidade do discurso (na demência, pode haver uma fala coesa, porém com afasia ou anomia) e na demência o pensamento é vago, enquanto no delirium ele é incoerente (Pereira, 2018).

A prevalência de delirium varia de acordo com a população observada, mas pode ser considerada a síndrome psiquiátrica mais encontrada no ambiente hospitalar (Pessoa & Nácul, 2006). Uma pesquisa realizada no Texas (EUA) com 329 pacientes admitidos em uma unidade de cuidados paliativos mostrou que 29% desenvolveram delirium em um tempo médio de dois dias (de la Cruz et al., 2017). Segundo publicação da Revista Brasileira de Terapia Intensiva, o número de pacientes em delirium no CTI pode chegar a 80% naqueles em ventilação mecânica, mas apenas 32% a 66% são corretamente diagnosticados (Pessoa & Nácul, 2006).

Uma pesquisa prospectiva de coorte realizada na Argentina mostrou que dos 230 pacientes avaliados pelo CAM-ICU, 184 desenvolveram delirium. Foi apontado que o desenvolvimento dessa síndrome estava associado à idade: dos 115 indivíduos acima de 65 anos de idade, 104 tiveram delirium (Mesa et al., 2017). Corroborando com esse estudo, outra pesquisa recente realizada com 133 pacientes internados em unidade cardiológica de terapia intensiva mostrou que aqueles com idade superior a 65 anos tinham maior risco de desenvolver delirium (Ozturk Birge & Beduk, 2018).

Um estudo multicêntrico prospectivo realizado na Espanha mostrou que 7% dos pacientes octogenários que sofreram um IAM sem supradesnivelamento do segmento ST desenvolveram delirium. Além disso, o delirium apareceu como um forte preditor de mortalidade em 6 meses. A pesquisa identificou depressão, demência e institucionalização do paciente como características prévias à internação que podem ajudar a identificar pacientes mais propensos a ter delirium (Vives-Borrás et al., 2019). A cirurgia de revascularização do miocárdio também está associada a altos índices de delirium, podendo atingir até 72% dos pacientes no período pós-operatório (Greaves et al., 2020).

Existem múltiplos fatores que podem predispor o desenvolvimento de delirium, sendo o ambiente um deles. Tal condição indica a importância do controle de fatores ambientais na sua prevenção (Ghaeli, Shahhatami, Mojtahed Zade, Mohammadi, & Arbabi, 2018). Um estudo de coorte realizado num hospital universitário da Suíça mostrou que a síndrome foi mais prevalente em homens que realizaram cirurgia cardíaca (40,5%). Além disso, os pacientes idosos tiveram mortalidade significativamente maior e maior tempo de internação no CTI (Schubert et al., 2018). Em uma pesquisa feita na Sérvia com pacientes idosos internados por fratura de quadril, foi observado 21,7% dos indivíduos desenvolveram delirium e sintomas depressivos concomitantemente e que tais pacientes tiveram período maior de internação (Radinovic et al., 2014). Estudo prospectivo realizado na Polônia com 563 pacientes internados para realizar cirurgia cardíaca apontou que idade avançada e sintomas prévios de depressão associaram-se a delirium no período pós-operatório (Kazmierski et al., 2010).

Apesar de os fatores de risco para delirium mais amplamente estudados e comprovados estejam ligados a doenças sistêmicas/infecciosas, distúrbios tóxico-metabólicos, doenças do sistema nervoso central e abuso ou abstinência de álcool e outras substancias psicoativas (Botega, 2017), considera-se importante estudar também o impacto dos aspectos emocionais no momento da internação em CTI para o desenvolvimento dessa síndrome. O tratamento farmacológico tem se mostrado limitado no seu controle e medidas como orientação espaço-temporal, higiene do sono e contato familiar têm se mostrado efetivas (Rosa et al., 2017).

Desta forma, esse trabalho tem como objetivo identificar se há relação entre os níveis de ansiedade e depressão, nos primeiros momentos da internação em CTI, e o desenvolvimento de delirium no decorrer de 48 horas. Também será analisado o perfil sociodemográfico da amostra estudada e se aqueles pacientes com diagnóstico prévio de doença cardiovascular estão mais predispostos a desenvolver essa síndrome do que aqueles diagnosticados na internação atual. Para este fim, serão utilizadas a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS) e a Confusional Assessment Method in Intensive Care Unit (CAM-ICU) devido a confiabilidade e sensibilidade apresentadas em estudos pregressos.

 

Método

Delineamento

Foi realizado um estudo transversal com abordagem quantitativa, a fim de identificar se há relação entre os níveis de ansiedade e depressão no momento de internação no CTI e o desenvolvimento de delirium nas 48 horas seguintes.

Participantes

A amostra é composta de 94 pacientes idosos (acima de 60 anos), de ambos os sexos, que se encontravam nas primeiras 24 horas de internação no CTI. Foram excluídos aqueles pacientes com alguma dificuldade de compreensão que impedisse de responder as questões das escalas, aqueles com algum déficit cognitivo significativo, os que reinternaram no CTI na mesma hospitalização e aqueles avaliados com RASS -3 ou inferior. A participação no estudo é de caráter voluntário e, dessa forma, todos os integrantes leram e assinaram o Termos de Consentimentos Livre e Esclarecido (TCLE), o qual foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital1.

Instrumentos

Na primeira coleta de dados, foi aplicado um questionário com a finalidade de obter os dados sociodemográficos e informações relacionadas ao momento da hospitalização. Em seguida, foi utilizada a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS), a qual foi validada para uso no Brasil e tem como objetivo avaliar quantitativamente sintomas de ansiedade e depressão durante o período da hospitalização. Esta escala foi desenvolvida a partir do Inventário de Depressão de Beck (BDI) e do Inventário de Ansiedade de Beck (BAI), ambas consideradas padrão ouro, tendo destaque o fato de que foram excluídos do questionário todos os sintomas relacionados a doenças físicas, a fim de prevenir vieses. Essa escala tem sido amplamente utilizada por ser considerada eficaz na identificação de tais sintomas em pacientes hospitalizados, além de ser rápida e fácil de ser aplicada. A HADS possui 14 itens, dos quais sete avaliam ansiedade (HADS-A) e sete avaliam depressão (HADS-D). Cada um de seus itens pode ser pontuado de zero a três, tendo uma pontuação máxima de 21 para cada escala - em ambas o ponto de corte é oito (Marcolino et al., 2007),

• HADS-A: sem ansiedade de 0 a 8, com ansiedade > 9;

• HADS-D: sem depressão de 0 a 8, com depressão > 9.

Num período de 48 horas após essa primeira avaliação, foi investigado o desenvolvimento de delirium, através do instrumento Confusional Assessment Method in Intensive Care Unit CAM-ICU, também validado para o país. Por ter uma sensibilidade de 81%, pode ser um importante instrumento para auxiliar na detecção dessa síndrome (Aparanji et al., 2018). Em estudo realizado em três regiões do Brasil, em 2011, essa escala demonstrou acurácia satisfatória: conseguiu identificar 26,8% dos quadros de delirium apresentando uma sensibilidade de 72,5% e especificidade de 96,2% (Gusmao-Flores et al., 2011).

Para classificar se o paciente está no tipo hiperativo, hipoativo ou misto do delirium, esse instrumento conta com a escala Richmond Agitation Sedation Scale (RASS). Essa escala pontua de +4 a -5, sendo que de -3 a 0 são considerados hipoativos e de 1 a 4 hiperativos (Gusmao-Flores et al., 2011). Essa classificação foi fornecida pela equipe de enfermagem da Unidade - que tem como rotina aplicá-la para avaliar e registrar em prontuário o nível de consciência do paciente.

Procedimentos de Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada a partir da verificação de novos pacientes internados no CTI em prontuário eletrônico. Era, então, realizado contato com a equipe de saúde da unidade, para contatar os pacientes e convidá-los a participar da pesquisa. Uma vez aceito o convite, era agendada uma entrevista no local onde o paciente encontrava-se internado.

Tendo em vista as restrições e rotinas estabelecidas no CTI, foram respeitadas as orientações da equipe e o espaço do participante, a fim de garantir o conforto necessário. Após o paciente aceitar o convite, ele deveria assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para, então, ser realizada a entrevista.

Os dados foram armazenados no programa Microsoft Excel e, posteriormente, levados para análise estatística através do software SPSS, versão 23.0. As variáveis contínuas foram analisadas através de média e desvio padrão e as variáveis categóricas serão descritas através de frequência absoluta e relativa. Para identificar a correlação entre ansiedade e depressão e desenvolvimento de delirium, será utilizado o Coeficiente de Correlação de Pearson, conforme a distribuição das variáveis.

 

Resultados

A média de idade dos 94 pacientes que compunham amostra foi de 71,6±9,1 anos, 50% de cada um dos sexos e a maioria com ensino fundamental incompleto (38,3%). Além disso, a maior parte da amostra é aposentada (84,0%) e casada/com companheiro (a) (53,2%). Os motivos de internação prevalentes foram IAM (45,7%), arritmia (25,5%) e angina instável (11,7%) (tabela 1).

Em relação às variáveis estudadas na pesquisa, 47,9% apresentaram sintomas de ansiedade, 23,4% de depressão e 54,4% ansiedade e/ou depressão. Delirium foi observado em 7,4% da amostra (tabela 2).

Na análise dos resultados, já é possível observar algumas tendências: dentre os pacientes com depressão, 18,8% apresentaram delirium e, dentre aqueles sem depressão, 4,2%. Em relação à ansiedade, 11,1% dos que apresentaram ansiedade tiveram também delirium, comparado a 4,1% entre aqueles sem ansiedade. Foi coletado o tempo de diagnóstico da cardiopatia autorreferido - esse dado não parece ter relação com delirium (tabela 3).

Delirium foi observado apenas em pacientes que internaram por arritmia ou IC. Parece haver uma tendência entre os pacientes com arritmia: 16,7% dos pacientes com tal diagnóstico tiveram delirium (tabela 4).

 

Discussão

O estudo teve como objetivo identificar se existe relação entre sintomas de ansiedade e depressão e o desenvolvimento de delirium. Na amostra analisada, foi possível observar o impacto de sintomas psicológicos na evolução clínica do paciente. Tendo em vista que o delirium está associado a pior prognóstico, é importante que os idosos admitidos no CTI possam ter uma avalição de possíveis comorbidades psicopatológicas, a fim de buscar formas de prevenção.

Conforme artigo recente da Journal of the American Heart Association, a associação entre sintomas psicológicos e doenças cardiovasculares já vem sendo identificada por muitos pesquisadores (Pimple et al., 2019), podendo ser observada também nesta população: 23,4% de depressão e 47,9% de ansiedade. Outro estudo dessa mesma revista trouxe que 63% dos idosos admitidos em CTI cardiológica possuem alguma fragilidade emocional (Damluji et al., 2019), dados reforçados por essa pesquisa que identificou 54,4% de pacientes com depressão e/ou ansiedade.

Ainda na perspectiva dessa pesquisa, foi demonstrado que aqueles idosos com vulnerabilidade emocional que serão submetidos a alguma cirurgia cardíaca estão mais suscetíveis a ter delirium (Damluji et al., 2019). Nessa linha, outro importante achado do presente estudo foi a associação entre depressão e delirium: dentre os pacientes com depressão, 18,8% apresentaram delirium e, daqueles sem depressão, 4,2%.

Foi possível observar essa tendência também entre os pacientes com ansiedade, uma vez que 11,1% dos que apresentaram tal sintoma tiveram também delirium, comparado a 4,1% entre aqueles sem ansiedade. Esses dados são reforçados por um estudo de coorte realizado no Japão com uma população de faixa etária semelhante à desta pesquisa, que concluiu que sintomas de ansiedade foram fortes preditores para delirium (Wada et al., 2018).

Quando comparado a outros estudos, esse vem mostrando uma porcentagem baixa de delirium. Isso pode ser explicado pelo tempo limitado (48 horas) no qual os pacientes foram avaliados para essa síndrome. Além disso, trata-se de uma unidade intensiva clínica que não abrange os pacientes pós cirurgia cardíaca, os quais a literatura aponta maiores índices de delirium (Damluji et al., 2019; Ghaeli et al., 2018; Greaves et al., 2020; Schubert et al., 2018). No entanto, o índice de delirium encontrado até o momento corrobora com os achados de pesquisa recente realizada com idosos cardiopatas na Espanha - 7% dos pacientes desenvolveram a síndrome (Vives-Borrás et al., 2019).

Entre as cardiopatias observadas na amostra, foi possível identificar uma tendência de maior incidência de delirium em pacientes com arritmia (16,7%). Dos pacientes diagnosticados com insuficiência cardíaca, 80,0% desenvolveram tal síndrome, porém com baixo poder estatístico, o que talvez possa ser comprovado com a avaliação de uma amostra maior. Pesquisa brasileira apontou a fibrilação atrial (caso comum de arritmia) como um forte preditor de delirium no período pós-operatório de cirurgia cardíaca (Oliveira et al., 2018). Em relação à insuficiência cardíaca, um outro estudo, realizado no Japão, apontou que o paciente que sofre dessa patologia tem maior probabilidade de desenvolver delirium devido à instabilidade de seu estado geral (Sakaguchi et al., 2018). Contrariando esses achados, uma pesquisa prospectiva europeia, que pesquisou tal desfecho em 726 pacientes idosos, descreveu não parecer haver tal associação direta, mas que delirium estaria mais relacionado a instabilidade hemodinâmica ou elétrica, infecções ou distúrbios eletrolíticos (Grotti & Falsini, 2017). Nesse sentido, ressalta-se a importância de novos estudos que busquem conhecer melhor a associação entre as doenças cardiovasculares mais encontradas em CTI e delirium.

O tempo de diagnóstico da doença cardiovascular não parece estar associado a sintomas emocionais durante a internação ou a delirium. Isso pode ser explicado pela dificuldade de mensurar o tempo de elaboração psíquica de cada indivíduo, dentro de seus processos de adaptação individuais (Ronick & Campos, 2017). Outra limitação desse estudo a ser destacada é que não foram levantados dados e associações relacionadas a fatores de risco prévios, medicamentos de uso contínuo e medicamentos recebidos durante a hospitalização.

 

Considerações finais

A partir desse estudo é possível corroborar com o conhecimento científico, uma vez que foi observado que pacientes idosos com maior grau de ansiedade e depressão estão mais sujeitos a desenvolver delirium quando hospitalizados em CTI. Para uma maior compreensão desses dados, é importante que a amostra seja ampliada, tendo assim um melhor entendimento desse fenômeno dentro da cardiologia e do conhecimento das variáveis de pacientes com delirium.

Frente ao exposto, evidencia-se a necessidade de seguir estudos para conhecer melhor os aspectos emocionais envolvidos na internação do paciente em uma unidade de tratamento intensivo. Dessa forma, é possível proporcionar ao sujeito um atendimento que compreenda a sua complexidade e integralidade, visando um melhor desfecho clínico e uma melhor qualidade de vida.

 

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Correspondência para:
Patricia Pereira Ruschel
Av. Princesa Isabel, 395 - Santana
Porto Alegre - RS, 90040-371
E-mail: patriciapruschel@gmail.com

Submetido em: 26.06.2020
Aceito em: 19.02.2021

 

 

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