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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia
versão On-line ISSN 1983-8220
Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.1 no.2 Juiz de fora dez. 2008
ARTIGOS
Avaliação de saúde mental em gestantes
Mental health assessment of pregnant women
Poliana Patrício AlianeI,*; Telmo Mota RonzaniII; Cristiane Schumann SilvaII; Gabriel Resgala SilvaII; Daniele Batista MirandaII; Priscila Ferreira de OliveiraII; Aline Fajardo MendesII; Erikson Felipe FurtadoI
IUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP
IIUniversidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG
RESUMO
O período gravídico-puerperal é a fase de maior incidência de transtornos psíquicos na mulher, necessitando de atenção especial para manutenção de bem-estar e prevenção de dificuldades futuras para o desenvolvimento cognitivo e emocional do filho. A presente pesquisa objetivou verificar, através de um estudo piloto, a prevalência de sintomas psiquiátricos e uso de álcool entre gestantes do sistema público de saúde de Juiz de Fora, MG. Foram entrevistadas 33 gestantes de três unidades de saúde, e utilizados os instrumentos QMPA e MINI/DSM-IV. Verificou-se que 54,5% das entrevistadas apresentou sete ou mais sintomas psiquiátricos descritos no QMPA, com destaque para a subescala de ansiedade. Dentre os resultados do MINI/DSM-IV, destacaram-se os índices elevados de Agorafobia atual (37,7%), Agorafobia sem Transtorno de Pânico (33,3%), Síndrome Psicótica (25,0%), Episódio Depressivo Maior Atual (24,2%) e Transtorno de Ansiedade Generalizada (15,2%). Os altos índices encontrados de transtornos psiquiátricos indicaram a necessidade de investigações clínicas mais detalhadas para a avaliação da saúde mental dessas gestantes e possível indicação para tratamento. O estudo piloto se configura numa importante etapa da pesquisa, pois os resultados preliminares, bem como as dificuldades metodológicas iniciais, servem para o aprofundamento e a qualificação do estudo definitivo.
Palavras-chave: Gravidez, Alcoolismo, Sintomas Psiquiátricos.
ABSTRACT
The pregnancy and puerperium period is a phase of increased incidence of mental disorders in women, requiring special attention to ensure the maintenance of their well-being and prevention of future cognitive and emotional difficulties for their child. The present research aimed at verifying, through a pilot study, the incidence of psychiatric symptoms and alcohol use among pregnant women attending the public health system of Juiz de Fora, MG. 33 pregnant women of 3 health units had been interviewed using the instruments QMPA and MINI/DSM-IV. It was verified that 54.5% of the women interviewed presented seven or more psychiatric symptoms described in the QMPA, with a prominence of the anxiety subscale. Amongst the results of the MINI/DSM-IV, the high incidence of current Agoraphobia can be highlighted (37.7%), Agoraphobia without Panic Disorder (33.3%), Psychotic Syndrome (25.0%), Bigger Depressive Episode Current (24.2%) and Generalized Anxiety Disorder (15.2%). The high incidence of psychiatric disorders found indicated the necessity of detailed clinical inquiries for the evaluation of the mental health of pregnant women and possible referal for treatment. The pilot study constitutes an important stage of the research, since the preliminary results, as well as the initial methodological difficulties, will ensure the improvement of the final study.
Keywords: Pregnancy, Alcoholism, Psychiatric Symptoms.
A gestação é um período de muitas alterações na mulher, seja do ponto de vista psíquico, hormonal, físico ou social (Camacho et al., 2006). A saúde mental das mulheres em período de gestação e puerpério é um tema bastante discutido na literatura científica (Pinheiro, Laprega & Furtado, 2005; Brown, 2001; Llewellyn, Stowe & Nemeroff, 1997); isto porque muitas mulheres podem apresentar transtornos de ansiedade, de humor e até mesmo quadros psicóticos puerperais nesta fase de suas de vidas (Camacho et al.). Segundo Camacho et al., o período gravídico-puerperal é a fase de maior incidência de transtornos psíquicos na mulher, necessitando de atenção especial para manter ou recuperar o bem-estar e prevenir dificuldades futuras para o filho.
É sabido que prejuízos na saúde mental da gestante podem ter implicações negativas na relação mãe-bebê e afetar o desenvolvimento da criança. Inicialmente, essas implicações podem se expressar no recém-nascido em forma de choro, irritabilidade ou apatia (Moreira & Furtado, 2002) e, futuramente, contribuir como um fator de risco para o desenvolvimento de distúrbios afetivos na idade adulta (Gross, 1989; Dodge, 1990).
Dentre os transtornos psiquiátricos mais pesquisados na gestação e puerpério, destacamse os transtornos ansiosos e depressivos. Além desses, o uso de álcool também tem sido estudado, mesmo não configurando um quadro psiquiátrico de abuso ou dependência, uma vez que pode trazer conseqüências irreversíveis para a saúde do bebê.
Com relação aos transtornos ansiosos, um estudo realizado por pesquisadores da Pontifícia Universidade Católica do Chile (Jadresic, Jara, Miranda, Arrau & Araya, 1992) mostrou que, de uma amostra de 108 mulheres grávidas, 23,1% apresentaram sintomas de ansiedade, e que em 1,9% dos casos foi diagnosticado Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG). No Brasil, Freitas e Botega (2002) encontraram uma freqüência semelhante (23,3%) de casos de ansiedade em gestantes da cidade de Piracicaba (SP).
No que se refere aos transtornos de humor, foi encontrada uma prevalência de 20,4% de sintomas depressivos entre gestantes adultas (Falcone, Mäder, Nascimento, Santos & Nóbrega, 2005) e 20,8% de casos de depressão entre gestantes adolescentes (Freitas & Botega, 2002). Entre as adolescentes, o quadro depressivo apresentou-se associado com ideação suicida em 16,7% dos casos. Por outro lado, o estudo realizado no Chile por Jadresic et al. (1992) encontrou uma prevalência de 7,4% de transtornos depressivos entre as gestantes e 10,2% entre as puérperas.
Sobre o uso de álcool, uma pesquisa realizada em uma maternidade filantrópica de São Paulo (Kaup, Merighi & Tsunechiro, 2001) identificou que entre 445 puérperas, 150 (33,7%) consumiram álcool durante a gestação. Destas, 79 (17,8%) fizeram consumo durante toda a gravidez enquanto as outras 71 puérperas (15,9%) até a confirmação da gravidez. Isto demonstra que um número relevante de mulheres fez uso de álcool durante a gestação, embora a maioria (84,5%) tenha considerado que nenhuma bebida alcoólica deva ser consumida neste período. Estes dados indicam que a maioria das mulheres tem algum conhecimento sobre os malefícios do uso de álcool durante a gravidez.
As elevadas prevalências dos transtornos de ansiedade, de humor e referentes ao uso de álcool em gestantes e puérperas apresentadas anteriormente, indicam a importância de se realizar estudos com esta temática. Neste sentido, estudar a prevalência de transtornos psiquiátricos na gestação e puerpério é de grande relevância para a elaboração de estratégias públicas de saúde que visam à manutenção da saúde da mulher e previnam dificuldades futuras para o filho.
Justificativas e Objetivos
O presente trabalho relata o estudo piloto realizado como parte de um projeto de pesquisa intitulado "Estudo Longitudinal Sobre o Uso de Álcool e Aspectos Psicossociais entre Gestantes", do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Esta pesquisa tem a colaboração do Núcleo de Pesquisa em Psiquiatria Clínica e Psicopatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). O estudo temático tem como objetivo fazer uma investigação sobre uso de álcool na gestação e sua associação com sintomas psiquiátricos entre gestantes e puérperas usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS) de Juiz de Fora.
Neste estudo piloto, o objetivo foi verificar a presença de transtornos psiquiátricos em gestantes usuárias do Sistema Único de Saúde da cidade de Juiz de Fora/MG, especialmente de sintomas relacionados à Depressão, Ansiedade e consumo de álcool. Além disso, por se tratar de um estudo piloto, foi verificada a adequação dos instrumentos e da metodologia empregados com a finalidade de serem utilizados em um universo maior de gestantes.
Método
Participantes
Participaram deste estudo piloto 33 gestantes que estavam em atendimento nas unidades de atendimento Casa de Parto da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Instituto da Mulher (unidade secundária de atenção à mulher) e PAM Marechal (unidade básica central).
Procedimento
Inicialmente, foi realizado o treinamento dos entrevistadores para padronização da aplicação dos instrumentos. Como parte do treinamento, foram realizadas aplicações do instrumento de diagnóstico MINI (Mini International Neuropsychiatric Interview), que compunha o universo dos instrumentos a serem utilizados (ver seção Instrumentos). Estas entrevistas referentes ao treinamento foram realizadas no Centro Regional de Referência em Saúde Mental (CRRESAM) Oeste, em pacientes psiquiátricos em tratamento, a fim de aprimorar a capacidade de formulação diagnóstica dos aplicadores. Foram treinados cinco acadêmicos do curso de Psicologia da UFJF para a coleta de dados.
Posteriormente, no período de 29/08/06 a 17/10/06, foram realizadas as entrevistas do estudo piloto.
Os procedimentos para coleta dos dados foram: convidar a gestante a participar da pesquisa, lendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, levantar dados sóciodemográficos, aplicar os instrumentos QMPA (Questionário de Morbidade Psiquiátrica)ea entrevista estruturada M.I.N.I. (Mini International Neuropsychiatric Interview, do DSM-IV), além de recolher dados de saúde dos prontuários ou do cartão das gestantes.
Para participar da pesquisa, as gestantes manifestaram sua concordância através do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme determinação do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da UFJF. Para as gestantes menores de idade, foi entregue um Termo de Consentimento aos pais ou responsáveis.
Por fim, quando não havia privacidade para a realização das entrevistas em salas reservadas aos pesquisadores, e a sala de espera encontravase cheia, optamos por não realizar a entrevista, a fim de diminuir as chances de respostas pouco fidedignas por parte das gestantes.
Instrumentos
O QMPA é um instrumento de rastreamento desenvolvido por Santana (1982) e validado para a população brasileira por Andreoli, Blay e Mari (1998). É composto por 45 questões que abrangem sintomas psiquiátricos característicos de doenças psiquiátricas. Um ponto de corte igual ou superior a sete indica a possibilidade de um transtorno psiquiátrico. Segundo o estudo de validação do QMPA por Andreoli et al. (1998), pode-se isolar três subescalas a partir da análise fatorial de seus itens, a saber: Depressão, Ansiedade e Alcoolismo. A subescala Depressão é composta dos seguintes itens do questionário: falta de apetite, explosões fáceis, períodos de tristeza/desânimo, crises de irritação, choro fácil, idéias suicidas, descontrole emocional, necessidade de isolamento, intranqüilidade ou nervosismo freqüente. A subescala Ansiedade é composta dos itens: insônia inicial, zumbidos/agonia na cabeça, fraqueza nas pernas/dores nos nervos, períodos de tristeza/desânimo, sensação de bolo na garganta, queimação ou empachamento no estômago, tremores ou frieza nas mãos, dificuldades cognitivas, palpitação ou aperto cardíaco, intranqüilidade ou nervosismo freqüente, preocupações somáticas, e us de medicações psicotrópicas (calmante/indutores do sono). E a subescala Alcoolismo é composta pelos itens consome bebidas alcoólicas, intoxicação alcoólica uma vez por semana, consumo diário de álcool, consumo exagerado de etílicos.
O M.I.N.I. foi desenvolvido por Sheehan et al. (1998) e traduzido para o português por Amorim (2000). Trata-se de uma entrevista diagnóstica estruturada, baseada no DSM-IV (American Psychiatric Association, 1994), de aplicação rápida (aproximadamente 15 minutos), e que fornece informações para diagnóstico dos principais transtornos psiquiátricos do Eixo I do DSM-IV (transtornos de humor, transtornos ansiosos, transtornos alimentares, síndromes psicóticas, transtorno de personalidade antisocial e dependência de álcool e outras substâncias).
Análise dos dados
Foi realizada uma análise descritiva da amostra, caracterizando a população de gestantes entrevistadas com relação aos dados sóciodemográficos, dados obstétricos e de saúde materno-infantil. Foram observadas as freqüências de casos positivos para o QMPA, além das médias do escore total e das subescalas Ansiedade, Depressão e Alcoolismo. Além disso, apresentaram-se as freqüências positivas para cada transtorno psiquiátrico avaliado pelo M.I.N.I.
Foi utilizado para registro e análise dos dados o software SPSS (Statistical Package for Social Science) versão 15.0.
Resultados
A idade média das gestantes pesquisadas foi de 26,8 anos, com idade gestacional média de 29 semanas (aproximadamente 8 meses), como mostra a Tabela 1.
Quanto aos dados sócio-demográficos, a maioria das gestantes pesquisadas se autodefiniram como brancas (54,5%), casadas ou amasiadas (57,6%), com renda familiar entre um e cinco salários mínimos (57,6%), em situação de emprego ativa (66,7%) e praticantes de alguma religião (57,6%). Quanto à escolaridade, encontrou-se uma maioria de gestantes com Ensino Médio à Superior (54,5%). Porém, 36,4% das gestantes repetiram pelo menos um ano da vida escolar. A escolaridade dos pais dessas gestantes foi mais baixa, sendo que 72,7% dos pais e 84,8 % das mães estudaram até, no máximo, o Ensino Fundamental. (Tabela 2).
A tabela 3 descreve o número médio de gestações anteriores e os dados obstétricos e de saúde materno-infantil. Observou-se que a freqüência de abortos foi 21,7%, enquanto as gestações levadas a termo representaram 63% do total de gestações anteriores. No que se refere às gestações levadas a termo houve maior freqüência de parto cesárea entre as gestantes estudadas (41,3%) do que partos vaginais (38,7%), sendo que não foram registrados partos domiciliares. Os dados encontrados na amostra foram semelhantes à incidência de partos cesáreos no Brasil (27,5%) e inferiores aos índices do Estado de Minas Gerais (33,8%), conforme consulta ao Datasus (2006).
Quanto à incidência de óbitos após o parto, observa-se que o número de natimortos foi duas vezes menor em relação aos óbitos verificados na 1ª semana e quatro vezes menor se comparado a incidência de óbitos após a primeira semana (Tabela 3). Neste sentido, o número de óbitos após o parto aumentou progressivamente em relação ao tempo do nascimento na amostra estudada. No entanto, este dado não corresponde à realidade do Brasil e de Minas Gerais (Luis & Oliveira, 1998), onde as taxas de mortalidade neonatal precoce (até uma semana de vida) são maiores que as taxas de mortalidade neonatal tardia (7 a 27 dias de vida).
Quanto à freqüência de casos positivos e negativos segundo o QMPA, pouco mais que a metade da amostra (54,5%) pontuou acima de sete (casos positivos), indicando a necessidade de uma investigação clínica para avaliação da saúde mental destas gestantes. (Tabela 4).
A média da pontuação total no QMPA foi de 9,85, sendo considerada acima do ponto de corte (07). Observa-se que a média de pontuação na subescala ansiedade é a que mais se destacou se comparada com as subescalas Depressão e Alcoolismo (Tabela 5).
Quanto aos dados obtidos a partir da entrevista diagnóstica estruturada M.I.N.I., de todas as oito gestantes com diagnóstico de Episódio Depressivo Maior Atual, somente uma já apresentou um Episódio Depressivo Maior Passado, indicando que a maioria dos casos são "novos", com primeira ocorrência durante a gestação.
Entre as gestantes com depressão, cinco apresentavam características melancólicas, uma das quais apresentava risco elevado de suicídio. Outro Transtorno de Humor presente em nossa investigação foi o Episódio Hipomaníaco, com ocorrência de 12,5%, sendo 3,1% atual; e o Episódio Maníaco, com ocorrência de 3,2%, semprevalência atual. Uma gestante apresentou diagnóstico de Transtorno de Pânico, porém este diagnóstico foi caracterizado como passado, ou seja, durante o último mês a gestante não apresentou os critérios diagnósticos para caracterização de um Transtorno de Pânico Atual. Esta mesma gestante apresentou diagnóstico de Agorafobia atual. Dentre as gestantes sem diagnóstico de Transtorno de Pânico, 33,3% apresentou diagnóstico de Agorafobia atual. Sobre os demais Transtornos de Ansiedade, destacaram-se 3,0% das gestantes com Fobia Social, 7,1% com Transtorno Obsessivo-Compulsivo, 3,0% com Transtorno do Estresse Pós-Traumático e, ainda, 15,2% com diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada (Tabela 6).
Uma (01) gestante preencheu os critérios diagnósticos para Dependência Alcoólica, sendo que a mesma era também dependente de maconha. Apresentaram critérios para o preenchimento de diagnóstico de Síndrome Psicótica 25,0% das gestantes, sendo que 6,3% apresentavam sintomas da síndrome no momento da entrevista. Uma destas (3,1%) apresentava diagnóstico de Transtorno de Humor com Sintomas Psicóticos Atual. Quanto aos Transtornos Alimentares, foi encontrada uma gestante (3,1%) com Anorexia Nervosa. Não foi encontrado nenhum caso de Bulimia Nervosa. Ainda uma gestante (3,8%) foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Anti-Social (Tabela 6).
Discussão
Os dados obtidos pelo QMPA sugerem um número significativo de gestantes com algum tipo de transtorno psiquiátrico (54,5%). Por sua vez, Pinheiro et al. (2005) encontraram um número expressivamente menor (38,2%) também em uma população de gestantes utilizando este mesmo instrumento. Dentre as subescalas do QMPA, a subescala de ansiedade foi a que obteve a maior média. Isso corrobora as prevalências de casos de ansiedade apresentadas na literatura em amostras nacionais (Freitas & Botega, 2002) e internacionais (Jadresic et al., 1992) de gestantes.
A porcentagem de gestantes com diagnóstico de Transtorno de Ansiedade Generalizada, obtido a partir da entrevista diagnóstica estruturada M.I.N.I., foi de 15,3%. Esta prevalência supera o índice descrito no estudo de Jadresic et al. (1992), no qual 1,9% das gestantes apresentaram este diagnóstico de acordo com o instrumento RDC (Research Diagnostic Criteria), para uma amostra de idade média (27,7 anos) semelhante a do presente estudo, porém com maior freqüência de gestantes casadas (87%) e que pertenciam em sua maioria à classe média.
No que se refere à prevalência dos casos de depressão, a entrevista diagnóstica estruturada M.I.N.I. permitiu verificar que 24,2% dos casos foram positivos para Episódio Depressivo Maior Atual. Essa porcentagem foi um pouco superior a encontrada por Falcone et al. (2005) com prevalência de 20,4% de gestantes consideradas deprimidas pelo Inventário Beck de Depressão (BDI).
Em relação à dependência de álcool, 3,4% das gestantes apresentaram critérios diagnósticos para dependência pelo M.I.N.I. Este índice é bastante próximo ao encontrado por Pinheiro et al. (2005), que foi de 3,1%, utilizando critérios diagnósticos da CID-10.
Os índices de transtornos psiquiátricos encontrados na nossa amostra foram razoavelmente superiores aos encontrados na literatura, como observado nos índices de casos positivos para o QMPA, apresentados anteriormente. Em outros momentos, ao compararmos as prevalências para depressão e alcoolismo, os índices, embora superiores, alcançaram alguma proximidade com o observado na literatura.
É importante ressaltar ainda que se trata de um estudo piloto e, portanto, uma das limitações refere-se ao número pequeno de gestantes entrevistadas. Assim, o estudo posterior nos permitirá apurar melhor os índices de transtornos mentais nesta população. Neste sentido, seria interessante realizar um estudo comparativo com mulheres não grávidas, a fim de investigar se as alterações psiquiátricas relatadas ocorrem com mais freqüência em grávidas do que na população em geral.
Destacamos ainda que os altos índices de Síndrome Psicótica, Agorafobia Atual e Agorafobia sem Transtorno de Pânico podem estar associados a uma baixa sensibilidade dos entrevistadores em manipular o instrumento de diagnóstico. É possível que isso também tenha ocorrido para a prevalência encontrada para o Transtorno de Ansiedade Generalizada que foi muito superior ao encontrado na literatura (Jadresic et al., 1992). Neste sentido, essas observações incitaram a necessidade de um novo treinamento.
A condução deste estudo piloto nos permitiu ainda fazer reajustes em nossa metodologia e fazer algumas reflexões para o estudo posterior. Alguns dados obtidos no prontuário das gestantes (por exemplo, número de gestações anteriores, intercorrências durante a gestação e registro de consumo de álcool, tabágicos e outras drogas) serão investigados de forma complementar a partir do relato das gestantes. Isto se deve ao fato de termos observado que as informações registradas nos prontuários eram ausentes ou desatualizadas. Em nossa opinião, este é um dado importante que pode ter sido subestimado pelos profissionais de saúde, visto que intercorrências na gestação, abortos anteriores, óbitos prematuros, consumo de álcool, tabaco e outras drogas são fatores que influenciam tanto a saúde materna quanto a infantil.
No que se refere ao consumo de álcool, observou-se a necessidade de discriminar a quantidade de álcool ingerida em cada trimestre da gestação, como uma informação complementar aos instrumentos de rastreamento e diagnóstico, que oferecem informações sobre o padrão e período de uso de álcool pela gestante. Isso se justifica pelo fato de que o consumo de álcool em determinados trimestres da gestação pode afetar diferentemente a saúde do bebê, provocando alterações como patologias, malformações e baixo peso ao nascer.
Outro aspecto observado se refere ao diagnóstico de Transtornos Alimentares, segundo os critérios do DSM-IV adotados pelo M.I.N.I. Neste instrumento as características fundamentais para o diagnóstico de Anorexia Nervosa de peso inferior ao limite crítico indicado para a altura e de ausência de menstruação poderiam ser falseados em função das entrevistadas serem gestantes. No estudo piloto foram identificados casos em que a gestante atendia a todos os demais critérios para o diagnóstico de Anorexia Nervosa, porém, em função da gravidez, seu peso não era inferior ao limite crítico e a ausência de menstruação deviase ao fato de a respondente estar grávida. Assim, todos os critérios para Anorexia Nervosa, independente dos critérios de baixo peso e de amenorréia, foram avaliados cuidadosamente. Outro procedimento adotado em função desta dificuldade foi a discussão de casos clínicos, cujo diagnóstico tenha gerado dúvida por parte do entrevistador, nas reuniões com o grupo de pesquisa.
Esses aspectos mostram a importância da avaliação cuidadosa pelo entrevistador para o correto manuseio dos instrumentos utilizados, especialmente do M.I.N.I., por se tratar de um instrumento de diagnóstico. Alguns dos sintomas investigados pelos instrumentos podem se confundir com sintomas característicos da gestação, tais como dificuldade de sono e cansaço ou falta de energia presentes no Episódio Depressivo Maior Atual ou dificuldade de respirar e irritabilidade presentes nos Transtornos de Ansiedade ou, ainda, empachamento no estômago, fraqueza nas pernas ou dores nos nervos, presente na subescala ansiedade do QMPA. A presença desses sintomas entre as gestantes podem meramente refletir a sua condição gestacional e, portanto, não indicar, necessariamente, a presença da psicopatologia investigada.
Apesar dessas observações, entendemos que os instrumentos adotados para este estudo são adequados para a avaliação dos sintomas investigados e que merecem, como já destacado, um maior cuidado na sua aplicação devido à condição específica da sua população alvo. Dessa forma, este estudo piloto foi de especial importância para verificar estas questões e solucionar as dificuldades encontradas, principalmente no que se refere à coleta e análise dos dados para o estudo posterior.
Referências
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Recebido em: 05/07/07
Aceito em: 12/09/08
* Endereço eletrônico para correspondência: poliana_aliane@yahoo.com.br