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Gerais : Revista Interinstitucional de Psicologia

versão On-line ISSN 1983-8220

Gerais, Rev. Interinst. Psicol. vol.5 no.1 Juiz de fora jun. 2012

 

RELATOS DE EXPERIÊNCIA

 

Psicologia no sistema único de assistência social: uma experiência de clínica ampliada e intervenção em crise

 

Psychology in the unified system for social assistance: a broadened clinical experience and intervention

 

 

Maisa Elena Ribeiro*,1; Tommy Akira Goto+

*Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Campinas, Brasil
+Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Brasil

 

 


RESUMO

O presente estudo relata a atuação do psicólogo no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), vislumbrando as possibilidades, desafios e limites das intervenções. A partir do referencial da clínica ampliada, políticas públicas e atuação do psicólogo em situação de crise, destacou-se a importância do trabalho interdisciplinar e ações intersetoriais para o rompimento do ciclo da violência, proteção e desenvolvimento dos usuários. Evidenciou-se ainda a importância de romper com teorias individualizantes, hegemônicas e tradicionais para propor ações que partam da realidade em que se atua e sejam construídas conjuntamente com os sujeitos.

Palavras-chave: Intervenções em Crise, Clínica Ampliada, Violência, Políticas Públicas, Intervenção Psicossocial


ABSTRACT

This study reports the practice of the psychologist in the Unified System for Social Assistance (SUAS), including the possibilities, challenges, and limitations of the interventions. From the references of the broadened clinical practice, of the public policies, and of the practice of the psychologist in crisis situations, the importance of the interdisciplinary work and intersectoral actions for the rupture of the cycle of violence, protection, and development of the users were highlighted. The importance of the rupture from individualizing, hegemonic, and traditional theories was evidenced so that actions which derive from the reality of the practice and which are built jointly with the subjects are proposed.

Keywords: Crisis intervention, Broadened clinical practice, Violence, Public policies, Psychosocial intervention


 

 

A partir de 1988, com a nova Constituição Federal Brasileira, são estabelecidos e legitimados diversos direitos da população que o Estado tem o dever de garantir, o que impulsionou a criação de políticas públicas para concretização de tais direitos. Dentre eles, destaca-se o artigo 6º, que faz referência aos direitos sociais: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados na forma desta constituição" (Brasil, 1988). No âmbito da Assistência Social, foi criada no ano de 1993 a Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742, 1993), que propiciou constitucionalmente a elaboração da Política Nacional de Assistência Social (PNAS), que por sua vez foi efetivada e implementada no Brasil por intermédio do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).

O SUAS foi organizado em dois níveis de Proteção Social (Básica e Especial), em que seus serviços e programas são distribuídos de acordo com a demanda e o nível de complexidade. A Proteção Social Básica visa, principalmente, a fortalecer os vínculos familiares e comunitários existentes, a promover o acesso e gozo dos direitos fundamentais para garantir as condições de sobrevivência e desenvolvimento e a contribuir, assim, para a melhoria da qualidade de vida da população. Os serviços da Proteção Social Básica são ofertados no Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e por meio de equipes multiprofissionais compostas, principalmente, por assistentes sociais, psicólogos e educadores sociais, que desenvolvem ações de caráter preventivo, protetivo e proativo e promovem o desenvolvimento de potencialidades e aquisições das famílias e o fortalecimento dos vínculos.

A Proteção Social Especial foi subdividida em dois níveis: Proteção Social Especial de Alta Complexidade e Proteção Social Especial de Média Complexidade. A Proteção Social Especial de Alta Complexidade tem o intuito de garantir proteção integral a indivíduos e famílias em situação de risco pessoal e social, com vínculos familiares rompidos ou extremamente fragilizados, por meio de serviços que garantam o acolhimento institucional em tempo integral com privacidade e promovam o fortalecimento dos vínculos familiares e/ou comunitários e o desenvolvimento da autonomia das pessoas atendidas. Já a Proteção Social Especial de Média Complexidade é prevista quando os usuários ainda mantêm os vínculos familiares preservados. As ações são desenvolvidas pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), que tem como objetivo oferecer apoio, orientação e acompanhamento às famílias com um ou mais de seus membros em situação de ameaça ou violação de direitos, contribuindo para o seu fortalecimento e desempenho e sua função protetiva (Brasil, 2004).

Dentre os serviços ofertados pelo CREAS, estão: Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC); Serviço Especializado em Abordagem Social; Serviço de Proteção Social Especial a Pessoas com Deficiência, Idosos (as) e suas Famílias; Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua; e Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos (PAEFI) (Brasil, 2009).

De forma geral, as equipes do CREAS, assim como no CRAS, atuam de forma multidisciplinar. No entanto, as equipes de Proteção Social Especial são mais amplas e compostas por assistentes sociais, psicólogos, pedagogos, advogados, educadores sociais e outros profissionais de acordo com a demanda local. Isso promove não só o desenvolvimento social da pessoa, mas também seu desenvolvimento afetivo e cognitivo, o que contribui para sua compressão como totalidade e, consequentemente, para a garantia dos seus direitos de modo integral.

 

A atuação da equipe multiprofissional e a articulação com a rede socioassistencial

Uma vez que a presença do psicólogo no SUAS é recente e que está em processo de implantação no país, os estudos acerca dessa temática ainda são muito escassos, o que ressalta a importância de discutir esse tema e compartilhar as experiências formativas relacionadas a essa área. As publicações se limitam basicamente às cartilhas de referência que o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia têm produzido e às pesquisas quantitativas efetuadas pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas. Dessa forma, este artigo visa a apresentar um

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relato de experiência profissional a partir da descrição da dinâmica do trabalho realizado no serviço PAEFI do CREAS de Poços de Caldas/MG. Tal relato de experiência tem o objetivo de apontar e refletir acerca das possibilidades, desafios e limites suscitados no cotidiano do serviço.

Em Poços de Caldas/MG, o PAEFI é subdividido em dois núcleos: o PAEFI: mulher e o PAEFI: criança e adolescente. O primeiro é voltado para o atendimento às mulheres vítimas de violência e o segundo destinado ao atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência, bem como suas famílias. Vale destacar que cada núcleo tem uma equipe técnica específica. Tal divisão por núcleos foi uma possibilidade encontrada pelo município, a fim de especificar a demanda e o público-alvo a ser trabalhado por cada equipe técnica, o que permite um maior aprofundamento e especialização dos profissionais e a garantia de uma melhor especificidade ao trabalho. O PAEFI: criança e adolescente é caracterizado como uma política pública nacional que visa a prevenir e a combater todas as formas de violência (física, psicológica, sexual, negligência, abandono) a crianças e adolescentes por meio do desenvolvimento de ações socioassistenciais especializadas, personalizadas e continuadas de atendimento aos seus usuários. As ações do serviço visam: à reparação dos danos advindos da violação dos direitos; à restauração e preservação da integridade física, psicológica e social das vítimas; ao rompimento da vivência da violência; o fortalecimento da família em desempenhar sua função protetiva; à prevenção da incidência e reincidência de violações de direitos às crianças e adolescentes; e ao fortalecimento dos vínculos familiares, sociais e comunitários. Como estabelece Matos (2009), tais ações têm como fim último a oferta de subsídios e condições para o desenvolvimento saudável, autonomia, socialização e protagonismo das crianças, adolescentes e suas famílias, para que os mesmos possam se fortalecer e superar a violência vivenciada.

Atualmente, o serviço implantado em Poços de Caldas/MG conta com uma equipe multiprofissional composta por duas psicólogas, uma assistente social, uma pedagoga, um advogado e duas estagiárias de Psicologia. Desde sua implantação, em 2006, até 2011, foram encaminhados ao serviço 405 casos. Dentre eles, estão caracterizados: violência física, psicológica, abuso sexual, jogos sexuais, estupro, negligência e exploração sexual. Na grande maioria dos casos, inclusive nos de abuso sexual, os agressores, como citados na literatura (Conselho Federal de Psicologia, 2009; Matos, 2009), são pessoas que mantêm um vínculo próximo com as vítimas, como pais, padrastos, irmãos, tios, primos etc.

No início do processo, é desenvolvido o acolhimento interdisciplinar com a família, em que dois técnicos realizam uma escuta da demanda, apresentando a proposta do CREAS e, em especial, do Serviço PAEFI: criança e adolescente. A opção pelo atendimento interdisciplinar justifica-se pela presença de diversos olhares sobre a problemática da família atendida, o que possibilita contemplar uma visão ampliada, clínico-social e integral. Após esse acolhimento, é realizada uma discussão do caso juntamente com toda a equipe do serviço, em que serão decididas as intervenções internas e externas mais pertinentes para o caso em questão. As intervenções internas são aquelas realizadas diretamente pelos profissionais do serviço, tais como: visita domiciliar/escolar, atendimento psicológico individual (Plantão Psicológico) e grupos psicossociais, orientações sociais, psicossexuais e pedagógicas, grupos de apoio aos pais e responsáveis e grupo de apoio às crianças e adolescentes. As intervenções externas consistem na articulação com a rede de atendimento e proteção à criança e adolescente. Tal articulação tem o objetivo de ampliar a compreensão da criança e da família e suas redes de relações sociais e pessoais, buscando estabelecer estratégias e ações conjuntas com outros serviços, para que se tenham ações mais efetivas que resultem no fortalecimento da família e na superação da violência vivenciada, contribuindo pela melhora da qualidade de vida da família como um todo.

É importante destacar que existem famílias que não aderem ao serviço ou abandonam os atendimentos. Nesses casos, tenta-se contato com o usuário e, caso não haja adesão da família, a equipe contrarreferencia uma devolutiva ao Conselho Tutelar, solicitando providências. Após o arquivamento, poderá ocorrer o retorno do caso, sendo que, nessa situação, retoma-se o mesmo prontuário. Um dos motivos percebidos em relação à não-adesão dos usuários foi a intensa demanda do serviço, o que dificulta realizar um acompanhamento contínuo e de longo prazo às famílias que não aderiram aos atendimentos realizados no CREAS. Uma alternativa encontrada pelos profissionais para esse limite foi a articulação com a rede socioassistencial e o referenciamento da família para os serviços da Proteção Social Básica como os CRAS e demais serviços de atenção básica situados na região em que os usuários residem. No entanto, mesmo que já estejam se iniciando essas articulações com a rede local, consideram-se tais articulações ainda como um desafio, uma vez que a rede e a formação interdisciplinar necessitam ser aprimoradas.

A realização de um trabalho interdisciplinar e articulação com a rede se fazem necessários devido à complexidade e à multicausalidade do fenômeno da violência. A violência contra crianças é manifestada, percebida e representada de forma singular por quem a vivencia. Nesse sentido, a presença de profissionais de diversas áreas possibilitará um olhar compreensivo para as diferentes realidades - familiar, social, econômica, política, jurídica, subjetiva - presentes em uma cultura e organizadas em uma rede dinâmica de produção de violência (Conselho Federal de Psicologia, 2009).

Uma pesquisa realizada por Njaine, Assis, Gomes e Minayo (2007), sobre redes de proteção à violência contra crianças e adolescentes, aponta que os profissionais e serviços que trabalham com tal temática, além da abertura para o trabalho em equipes interdisciplinares, têm que conhecer também >os serviços e órgãos existentes em seu município, suas configurações e propostas. Além disso, os autores apontam a importância de saber o quanto esses serviços estão sendo atuantes, articulados e efetivos no enfrentamento e interrupção da violência e na oferta de atendimentos e possibilidades de rompimento e superação da violência pelas pessoas que a vivenciam. Para tanto, os profissionais envolvidos e a comunidade como um todo precisam ser capacitados para conhecerem e trabalharem em rede de forma articulada e coordenada, desenvolvendo ações sincronizadas e compreensões comuns (causas, contextos e consequências) das diferentes formas e manifestações da violência, buscando e alcançando objetivos comuns e complementares.

No PAEFI: criança e adolescente, tal articulação com a rede socioassistencial é constante, tanto no início das intervenções, para melhor compreensão e conhecimento da família atendida, quanto no encerramento, quando são discutidos com a rede e o usuário os encaminhamentos e acompanhamentos que serão ofertados a partir de então àquela família. Tal articulação tem efeito direto na garantia de direitos e autonomia dos usuários, pois estes passam a conhecer outros direitos e serviços aos quais podem ter acesso, principalmente relacionados diretamente à violência, o que garante a promoção da cidadania e o fortalecimento dos mesmos para além da violação de direitos. No entanto, como dito anteriormente, em alguns casos e nos serviços que compõem a rede socioassistencial, a articulação ainda necessita ser aprimorada.

 

Atuação clínico-social do psicólogo: a concepção de Clínica Ampliada e de Intervenção em Crise

Quando instituída como profissão no Brasil, em 1962, a formação e a atuação do psicólogo se estruturaram em torno de três principais áreas: a clínica, a escolar e a indústria. Dentre tais áreas, a que mais teve destaque na formação, na atuação e no imaginário social da profissão foi a área clínica, trazendo uma concepção clássica psicoterapêutica que remete a uma atuação individualizada e voltada para as classes média e alta da população (Ferreira Neto, 2004). Tal concepção trouxe algumas consequências para a atuação do psicólogo, pois, reproduzindo a visão individualizada e curativa, os psicólogos normalmente se remetiam somente aos fenômenos mentais pessoais, desconsiderando os fenômenos sociais. Essa visão era reforçada pelo regime político de ditadura militar que vivia o país nessa época, proibindo qualquer tipo de reflexão social. Assim, o modelo predominante se tornou o psicoterapêutico, que não buscava entender a pessoa na sua integralidade e muitas vezes desconsiderava as influências que os contextos sociais, econômicos e políticos exerciam no sujeito (Yamamoto, 2003).

Em 1994, o Conselho Federal de Psicologia realizou uma pesquisa que investigou a emergência dos novos fazeres e contextos de atuação do profissional. Como resultado, apontou: a) a necessidade de revisão teórica das concepções em psicologia, b) a inclusão no social como fator fundamental para investigar a subjetividade e, finalmente, c) o campo multidisciplinar e transdisciplinar como base indispensável para a produção do conhecimento e atuação do psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 1994). Foi nesse contexto de mudanças que o psicólogo passou a se inserir em novos espaços de trabalho. No entanto, novos espaços de trabalho demandam novas possibilidades de atuação. Por isso, visando a refletir acerca dessas novas possibilidades, o Conselho Federal de Psicologia criou, em 2006, o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), com o objetivo de nortear a atuação do psicólogo nas políticas públicas por meio de pesquisas e criação de documentos de referência para a atuação profissional (Conselho Federal de Psicologia, 2009).

Especificamente no PAEFI: criança e adolescente, a atuação do psicólogo tem como meta promover intervenção psicológica ao estado de crise e estabelecer o equilíbrio emocional e a ressocialização da vítima. A atuação do psicólogo se atém aos aspectos subjetivos e relacionais do fenômeno da violência sem deixar de lado os aspectos sociais e culturais intrínsecos à mesma, desenvolvendo, a partir de ações de cunho terapêutico, condições para o fortalecimento da autoestima. Além disso, contempla o restabelecimento do direito à convivência familiar e comunitária em condições dignas e a identificação e desenvolvimento do potencial para superação e redução de danos sofridos pelo sujeito, a fim de proporcionar a transformação das condições subjetivas que geram, mantêm ou facilitam a ocorrência da violência (Conselho Federal de Psicologia, 2009).

Na concepção de Yamamoto (2003), o psicólogo - sendo o profissional que compreende o ser humano na elaboração e constituição de sua subjetividade e, consequentemente, em todas as relações sociais em que este está envolvido, influenciando e sendo influenciado por elas - tem sua prática nas políticas públicas, visando, principalmente, à prevenção e promoção do bem-estar social e psíquico do homem. Tal atuação vai ao encontro da concepção de Clínica Ampliada.

A Clínica Ampliada significa uma ampliação no que se refere ao "objeto de trabalho" da clínica, considerando não só as doenças, mas também as situações de vulnerabilidade e risco nas quais o sujeito está inserido. Tal ampliação está, sobretudo, em considerar que, de concreto, não há problema de saúde ou doença sem que estejam encarnadas nas pessoas. Nesse sentido é que se propõe a chamada "clínica do sujeito", cujo foco é contribuir para a ampliação do grau de autonomia do usuário em lidar com sua própria rede de dependências (Campos & Amaral, 2007).

Trazendo essa concepção para a atuação do psicólogo no SUAS, pode-se afirmar que o desenvolvimento e a garantia dos direitos sociais do sujeito envolvem diversos fatores biológicos, psicológicos, sociais e culturais, que não podem ser encarados a partir de concepções padronizadas e descontextualizadas dos conhecimentos convencionais. E para que isso não ocorra, é fundamental que o profissional construa suas ações a partir do estudo e conhecimento das realidades singulares e coletivas em que está inserido e, principalmente, que inclua o sujeito no processo de construção das análises e ações que fará, uma vez que o mesmo é o ator principal de todo o processo (Conselho Federal de Psicologia, 2009).

Para isso, a finalidade do trabalho também deve ser ampliada para além da cura, ou seja, para um estado de prevenção e promoção clínico-social, para que o sujeito possa desenvolver autonomia, protagonismo, autocuidado e compromisso consigo mesmo, com os outros e com o ambiente em que vive. Nesse sentido, a proposta de Clínica Ampliada vai ao encontro do princípio da integralidade, pois visa a compreender o sujeito na sua totalidade, ou seja, na inter-relação dos seus aspectos, biológicos, psicológicos e sociais.

No que se refere às ações internas realizadas pelo psicólogo no PAEFI: criança e adolescente, pode-se destacar os atendimentos individuais na modalidade de Plantão Psicológico e os atendimentos em grupos às crianças, adolescentes e responsáveis. Na experiência em Poços de Caldas/MG, a intervenção psicológica que foi estabelecida desde o início de programa consistiu no atendimento à crise, na modalidade de Plantão Psicológico, planejado e instituído a partir da parceria com a Clínica-Escola de Psicologia da PUC-Minas, que, como evidenciam Campos, Pereira e Goto (2009) e Goto e Mota (2009), tem como intuito acompanhar as novas exigências das condições de trabalho e profissionais do psicólogo brasileiro. Nessa parceria, definiu-se o Plantão Psicológico como uma modalidade de intervenção breve, clínico-social, por não só considerar o caso como clínico e singular, mas também por compreendê-lo a partir de uma realidade social-universal. Ainda cabe salientar que se decidiu pelo Plantão Psicológico porque

não utiliza como critério o grau de resolutividade do problema, ou seja, não se prioriza como foco do atendimento a queixa em si, considerada como algo objetivável e despido dos significados que lhe são atribuídos, mas sim a pessoa, compreendida como um todo que se revela em suas formas características de expressão, matizes de comportamento, atitudes e emoções, visando conferir-lhe autonomia (Cury, 1999, p. 119).

Com essa modalidade instituída, a demanda que chega até o serviço é imediatamente entendida pelo psicólogo como estando em um estado de crise, principalmente porque a vítima é vista pela sua incapacidade atual de se manter em um estado social e psíquico equilibrado e estável. Como destaca Slaikeu (2000), a crise pode ser definida como um estado temporal de conflito e desorganização, caracterizado pela incapacidade da pessoa em manejar as situações geradoras da crise, a partir dos métodos habituais de resolução de problemas.

Ao receber a vítima e a família em estado de crise, o psicólogo do serviço no processo de acolhimento identifica o tipo de crise pelo qual os mesmos estão passando, para o encaminhamento do melhor atendimento e intervenção. Nesse sentido, a crise pode ser classificada, como destaca, como uma "crise circunstancial", quando aparece frente a uma violência acidental e contingente, ou como uma "crise de desenvolvimento", quando aparece frente à violência que faz parte da dinâmica familiar da criança, marcada por um histórico de negligências e violências sofridas por diversos membros da família (Slaikeu, 2000).

Quando a crise é caracterizada como "crise circunstancial", o encaminhamento e o atendimento social e psicológico podem ser realizados no programa, uma vez que o objetivo é devolver à pessoa atendida condições psicossociais para sua reinserção social e familiar. A intervenção é focada na situação subjetiva do problema, na ampliação das capacidades da pessoa em enfrentar o problema e no bem-estar emocional. No entanto, quando a crise é caracterizada como "crise de desenvolvimento", o encaminhamento e a intervenção devem ser mais amplos, ou seja, é preciso intervenções e tratamentos que vão além do programa. Isso significa que o atendimento psicológico que é feito, por exemplo, não pode limitar-se somente à situação da vítima, porque as causas que levaram ao desencadeamento da violência estão constituídas na família ou no cuidador. Assim, é fundamental o atendimento social e psicológico com a família e o cuidador, visando a uma intervenção psicoeducativa ou mesmo psicoterapêutica.

Como recomenda a cartilha profissional do CREPOP, o atendimento psicológico deve ir além dos modelos tradicionais, e ainda deve ter caráter psicossocial, e não psicoterapêutico tradicional, uma vez que a meta de trabalho é atender às vítimas de violência resultado do processo social (Conselho Federal de Psicologia, 2009). Contudo, não se pode descartar a necessidade de atendimento psicoterapêutico focado, principalmente se a violência tem enraizamentos na dinâmica constitutiva da família. Por se tratar de um programa vinculado ao SUAS, o psicólogo não pode perder de vista que sua intervenção tem caráter psicossocial, e não psicoterapêutico. Assim, é importante frisar que outras modalidades de atendimentos, quando se fizerem necessárias, deverão ser articuladas e compartilhadas com a rede socioassistencial.

No caso do programa em Poços de Caldas/MG, quando a vítima se apresenta em crise de desenvolvimento, é feito o trabalho de intervenção em crise tanto da criança quanto da família ou do cuidador. Em seguida, promove-se o trabalho de sensibilizar os envolvidos para darem continuidade - após a liberação dos mesmos do programa - ao tratamento psicológico em outros serviços e modalidades de intervenção. Assim, é feito o encaminhamento para outras instituições que promovem atendimentos psicológicos de caráter psicoterapêutico de curta ou longa duração, como SUS e Clínica-Escola de Psicologia.

Com isso, evidencia-se que, mesmo que haja uma tentativa de delimitação das ações de cada profissional, o que ocorre é um movimento interventivo dialético, interdisciplinar e intersetorial durante o processo de trabalho. Cada profissional tem o seu papel estipulado, no cotidiano do serviço e das intervenções, mas as práticas e compreensões são construídas conjuntamente e os objetivos buscados e os resultados alcançados são os mesmos. Dessa forma, a atuação de cada profissional e serviço é essencial para a efetividade e integralidade das intervenções.

 

Considerações Finais

A inserção do psicólogo no SUAS encontra-se em processo de grande expansão no país e, uma vez que caracteriza um novo campo e contexto de atuação, demanda a construção de novos saberes e fazeres profissionais. Portanto, a realização de pesquisas e a construção de referenciais teóricos nessa área se fazem urgentes, para embasar a formação e atuação profissional, pois as pesquisas realizadas pelo CREPOP apontam limitações na psicologia clínica individual e tradicional na atuação dos psicólogos que estão no SUAS. Tal fato tem como consequência uma atuação descontextualizada com a realidade e que não atende à demanda local.

Nesse sentido, a partir da experiência profissional, das reflexões acadêmicas e das pesquisas dos envolvidos, o serviço de proteção de Poços de Caldas/MG optou por se constituir em uma concepção de Clínica Ampliada e Intervenção em Crise, saindo, assim, das limitações da psicologia clínica e social tradicional. Ainda, percebeuse a necessidade de promover intervenções breves e de caráter emergencial e de urgência, uma vez que as pessoas chegam fragilizadas e desamparadas psicossocialmente. Desse modo, reorganizou as intervenções em torno da chamada intervenção em crise, executadas na modalidade de Plantão Psicológico.

O Plantão Psicológico, como modalidade de Intervenção em Crise, tem como intenção, como destaca Bellak e Small (1980), proporcionar uma ajuda aos que têm problemas urgentes, providenciando uma assistência imediata e suficiente para o restabelecimento do equilíbrio psicoemocional do usuário. Isso é um elemento fundamental para a intervenção no SUAS, porque facilita a aceitação e mobilidade do usuário na inserção de outros programas interventivos e, ainda, no trabalho desenvolvido por outros profissionais.

Por fim, uma vez que o sujeito é uma unidade, complexa e plural, os casos que chegam ao serviço se traduzem em fenômenos multifacetados e multicausais, ficando evidente a importância da articulação da rede socioassistencial e do trabalho interdisciplinar para a efetividade das ações. Ainda, o trabalho preventivo se faz cada vez mais necessário tanto para sensibilizar a população da gravidade da situação de violência na sua região quanto em informá-la acerca dos serviços existentes e as formas de denunciar as violências contra crianças e adolescentes, sendo uma prática a ser desenvolvida também pelo psicólogo.

Tais fatores demandam dos profissionais abertura, flexibilidade e estudo constante, o que demonstra a importância de supervisão e o investimento na formação continuada, para que os mesmos possam aprimorar suas competências, a fim de buscarem compreender a realidade social em que a violência está inserida sem deixarem de levar em conta a singularidade dos sujeitos atendidos.

 

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Recebido: 11/05/2011
Aceito: 04/04/2012

 

 

1 Contato: maisapocos@gmail.com

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