SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.1 número1A (in)sustentável banalização do ser índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.1 n.1 Florianópolis jun. 2001

 

RESENHAS

 

Psicólogo organizacional: aplicador de técnicas e procedimentos ou agente de mudanças e de intervenção nos processos decisórios organizacionais?1

 

 

Beatriz Marcondes de AzevedoI; Sílvio Paulo BoloméII

IMestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (biabizzy@ig.com.br)
IIDoutor em Psicologia. Professor do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (botome@cfh.ufsc.br)

 

 

A preocupação com a formação acadêmica e com a atuação profissional do psicólogo brasileiro já existe há várias décadas. Desde 1954, quando foi publicado o trabalho de Castilho e Cabral (Problemas da formação de psicólogos), passando pelo trabalho de Sylvia Leser de Mello (Psicologia e profissão em São Paulo, 1975) e por múltiplos trabalhos dos Conselhos Regionais e Federal de Psicologia e dos sindicatos da categoria nas duas décadas seguintes. A multiplicidade de trabalhos publicados nas últimas cinco décadas atestam, no conjunto, a preocupação com a formação do psicólogo no Brasil.

Entretanto, a maioria desses estudos considerou a formação e a atuação profissional do psicólogo. A preocupação com a psicologia organizacional e com o psicólogo organizacional esteve mais característica e especificamente presente em trabalhos de alguns profissionais: Néri (1978), Malvezzi (1979), Codo (1985), Gaivão (1987), Gomes (1988), Bastos (1990), Borges-Andrade (1990) e Zanelli (1994). Dentre esses trabalhos, o livro de Zanelli elaborado a partir de sua tese de doutorado2, apresenta vários e importantes questionamentos acerca da formação e atuação do psicólogo organizacional no Brasil.

Durante o processo de realização do trabalho de pesquisa que dá suporte ao texto, o autor teve como objetivo a identificação e análise das necessidades derivadas das atividades de trabalho do psicólogo organizacional brasileiro e suas inter-relações com a formação profissional, além das condições e implicações das referidas necessidades. A pesquisa foi caracterizada como de caráter exploratório e descritivo. Participaram sete profissionais considerados expertsna área, por meio de entrevistas realizadas até o assunto ser considerado "esgotado". A descrição e interpretação das informações dos discursos obtidos foram apresentadas em nove conjuntos: 1) processo de ensino, 2) conhecimentos e habilidades, 3) método científico, 4) abordagens e teoria, 5)instrumentos e procedimentos, 6) atuação, 7) identidade e Imagem, 8) ambiente das organizações e 9) crítica e a competência profissional.

Quanto aos resultados da pesquisa, como um panorama geral das informações obtidas, a atuação dos psicólogos dentro das organizações é marcada pelo caráter técnico-operacional que, por sua vez, acaba tendo como decorrência um fraco poder no seu exercício profissional. Devido à deficiente formação básica da profissâo, muitas vezes encontram-se mal preparados, até mesmo para o desempenho dessas atividades de cunho técnico-operacional (seleção e recrutamento, treinamento, análise de cargo e salário, avaliação de desempenho etc). Pior aindaquando se trata de ampliar a possibilidade de sua atuação, realizando atividades ditas emergentes (elaboração de políticas de recursos humanos, planejamento estratégico, desenvolvimento de carreiras e planos de sucessão, desenvolvimento de equipes, análise e mudança da cultura organizacional, programas de qualidade de vida e qualidade total etc).

O processo de formação acadêmica dos psicólogos é caracterizado pelo modelo médico, pois ocorre um considerável direcionamento para a área clínica e problemas de patologia e uma tendência de 'psicologização' dos fenômenos. Uma explicação focalizada em fatores individuais internos, negligenciando outros fatores que também estão presentes, como, por exemplo fatores sócio-ambientais e evolutivos. Além disso, o processo de formação é caracterizado pelo caráter generalista, descontextualizado e sem articulações, tanto entre os diversos tipos de conhecimentos estudados, como entre as teorias apresentadas no curso e as práticas profissionais necessárias, importantes ou até mesmo existentes. Outro problema indicado é a pouca atenção que tem sido dada à prática da pesquisa no decorrer dos cursos de graduação como um recurso para aprender a aprender, aprender a pensar e aprender a conhecer, aptidões importantes para um bom exercício profissional. A prática da pesquisa é essencial na formação profissional, uma vez que centra sua importância na possibilidade de tomar contato com a realidade e criar o hábito de pensar criticamente sobre os fenômenos, compreender e apreender as múltiplas variáveis envolvidas nesse contexto. Além disso, ao aprender a trabalhar cientificamente, com recursos de informação e de metodologia como sustentação de sua atuação, o psicólogo é capaz de escolher o método mais adequado para obter dados e transformá-los em informações úteis para alterar ou otimizar as situações com as quais se defronta como profissional.

As constantes e velozes mudanças que as organizações e as sociedades sofreram, principalmente no final do século XX, têm exigido dos psicólogos organizacionais uma disposição estratégica, uma capacidade de gerenciamento de pessoas, de facilitadores de mudanças, bem como de promotores de melhor qualidade de vida. A demanda que se apresenta na transição do século XX para o XXI está muito mais relacionada com atividades emergentes e com necessidades sociais do que com atividades tradicionais. O psicólogo organizacional não pode mais continuar sendo um mero aplicador de técnicas, outrora aprendidas na graduação, que possibilitam apenas lidar com o ser humano como um ser isolado, dotado de deficiências e potencialidades. Ele precisa compreender ohomem como um ser social, em constante interação com o meio, um ser que se constitui nas relações que estabelece e nas atividades que executa. E isso, além de um verniz discursivo, parece distante de uma efetiva formação dos psicólogos nos cursos de graduação em geral, acarretando vários problemas e dificuldades para o exercício profissional.

O psicólogo organizacional brasileiro está distante da função de agente de transformação. Ao ser considerado como um agente de mudanças, sua prática deveria levar em consideração as complexidades dos fenõmenos psicológicos e organizacionais e resultar em uma ação transformadora. Segundo o trabalho de Zanelli (1994), o psicólogo como agente de mudanças "deve estar preparado para discutir o referencial científico-metodológico que sustenta sua prática e os resultados que obtém, mas preparado também para discutir os valores que sustentam diferentes direcionamentos do trabalho" (p. 184).

No seio das organizações, as funções gerenciais e estratégicas estão sendo exercidas, muitas vezes, por profissionais competentes e não apenas por aqueles que possuem formação acadêmica específica que os habilite para tal exercício. É justamente pela deficiente formação, pela identidade profissional sem consolidação e pela falta de determinadas competências e habilidades, que o psicólogo vem perdendo oportunidades para demonstrar e tornar conhecido seu papel, suas possibilidades de contribuição e sua importância dentro das organizações. Sem fazer isso, o psicólogo deixará de construir possibilidades de trabalho que estão sendo realizadas por profissionais de outros campos de atuação como administradores, engenheiros, economistas e pedagogos. Zanelli ainda considera que "o profissional que se pretende não é aquele que vai ajustar-se mecanicamente às necessidades do mercado, mas um profissional capaz de reestabelecer as condições que o mercado oferece, utilizando competentemente os espaços que lhe são oferecidos" (1994, p.16).

Nesse sentido, o autor faz recomendações prospectivas: o psicólogo organizacional precisa tornar conhecidas suas contribuições, fazer conexões interdisciplinares de suas atividades e posicionar-se de maneira que os outros profissionais compreendam e valorizem sua prática. Zanelli também sugere que a formação profissional do psicólogo organizacional seja repensada para que ela possa realmente cumprir o objetivo de fornecer parâmetros para identificação, análise e interpretação dos fenômenos humanos e organizacionais,de maneira a promover uma apreensão crítica do contexto das organizações. Configura-se assim, a necessidade de mudanças curriculares e de aumento da oferta de cursos para a formação específica na área de Psicologia Organizacional.

O livro de José Carlos Zanelli "O psicólogo nas organizações de trabalho: formação e atividades profissionais" é de interesse de quem, pela atuação profissional, técnica, docente ou de pesquisa, necessita de uma compreensão mais clara a respeito da formação e das possibilidades de atuação do psicólogo organizacional. O texto, além de trazer muitas contribuições para essa compreensão, é acessível, possibilitando também um bom aproveitamento para estudantes de Psicologia.

 

Referências Bibliográficas

BASTOS, A. V. B . Mercado de trabalho: uma velha questão e novos dados. Psicologia, Ciência e Profissão,10 (2,3,4), 28-39, 1990.         [ Links ]

BORGES-ANDRADE, J. E. A avaliação da profissão, segundo os psicólogos da área organizacional. Psicologia, Ciência e Profissão,1, 19-23, 1990.         [ Links ]

CASTILHO, A & CABRAL, M. Problemas da formação de psicólogos. Boletim de Psicologia, V/VI (18,19,20), 60-63, 1954.         [ Links ]

CODO, W. O papel do psicólogo na organização industrial (notas sobre o lobo mau em Psicologia). Em: Psicologia Social: o homem em movimento.São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985.         [ Links ]

GALVÃO, A. H. C. Um espaço a ser conquistado pelo psicólogo organizacional. Anais da VIII Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, 1987.         [ Links ]

GOMES, W. B. Proposta para sistematização e divulgação da pesquisa e prática psicológica em revistas especializadas no Brasil. Anais da VIII Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, 1988.         [ Links ]

MALVEZZI, S. O papel dos psicólogos profissionais de recursos humanos - um estudo na Grande São Paulo.Dissertação de Mestrado. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo: 1979.         [ Links ]

MELLO, S. L. Psicologia e profissão em São Paulo. São Paulo: Ática, 1975.         [ Links ]

NÉRI, A. A. Formação em Psicologia do Trabalho. Anais da VIII Reunião da Sociedade de Psicologia de Ribeirão Preto, 1978.         [ Links ]

ZANELLI, J. C. O psicólogo nas organizações de trabalho: formação e atividades profissionais.Florianópolis: Paralelo 27, 1994.        [ Links ]

 

 

1 Resenha do livro de J.C. Zanelli, O Psicólogo na organizações de trabalho: formação e atividades profissionais. Publicado em 1994 pela Editora Paralelo 27, com 208 páginas.
2 "Formação Profissional e Atividades de Trabalho: análise das necessidades identificadas por psicólogos organizacionais". Unicamp, 1992.

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons