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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. v.1 n.2 Florianópolis dez. 2001

 

ARTIGOS

 

Aconselhamento profissional a desempregados: relato de uma experiência de formação acadêmica para o psicólogo organizacional e do trabalho

 

Professional counseling for the unemployed: report of an experience of academic training for psychological organization and work

 

 

Sônia Maria Guedes GondimI; Ánderson Bevilaqua de AlmeidaII; Ánderson Córdova PenaIII; Júlio FilgueirasIV

IDoutora em Psicologia. Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal da Bahia (sggondim@terra.com.br)
IIEspecialista em Administração Estratégica de Empresas (bevilaqu@net.em.com.br)
IIIPsicólogo, responsável pelo setor de RH da First Assessoria Empresarial Ltda (filial Juiz de Fora) (kordova@zipmail.com.br)
IVPsicólogo (julio _fil@yahoo.com.br)

 

 


RESUMO

O propósito deste artigo é o de apresentar e discutir um programa de estágio curricular em Psicologia do Trabalho desenvolvido no período de julho de 1999 a dezembro de 2000, do qual participaram 18 estudantes do curso de Psicologia de uma universidade pública federal. Trata-se de uma modalidade de aconselhamento profissional dirigida a desempregados, com os seguintes objetivos: dar apoio psicológico ao desempregado, oferecer informações para que ele avalie o mercado de trabalho e venha a desenvolver habilidades mais compatíveis com os perfis profissionais atuais e, por último, orientar o redimensionamento de sua trajetória profissional, para que ele assuma um papel mais proativo no seu projeto de carreira. O aconselhamento profissional foi dividido em quatro módulos, sendo desenvolvido em grupos de quatro a seis participantes, com duração média de dois meses. A experiência foi avaliada, principalmente, na perspectiva de três estudantes de Psicologia que participaram do projeto; atuais psicólogos e co-autores deste artigo. Algumas vantagens do projeto foram discutidas, notadamente no que tange à melhoria na condição de empregabilidade pessoal, visualizada a partir do acompanhamento de alguns egressos do programa de aconselhamento profissional.

Palavras-chave: aconselhamento profissional; estágio em Psicologia do Trabalho; empregabilidade; desemprego.


ABSTRACT

The purpose ofthis study is to present and discuss a trainnee program in work psychology developed from July 1999 to December 2000. Eighteen students from the psychology course of the Federal Universities of Brazil participated in this study. The students trainning consisted on offering professional counselling to the unemployed. The objective of the program was to offer psychological support to the unemployed, information that allowed the unemployed to evaluate new job opportunities and that allowed them to develop job skills that are required by the job market today, finally it was intended to help the unemployed himself to orient his carrier to attend the job market demands. The work was done in four sections, each section consisted in 4 to 6 participants, the duration of the counselling was 2 months. This counselling experience was evaluated by 3 psychologists (that were students at the time the project). During the follow up of some of the unemployed show some improvment on their conditions.

Keywords: professional counseling; training program in work psychology; employment; unemployment


 

 

1. Introdução

O objetivo deste artigo é o de discutir, no contexto da formação acadêmica, alguns aspectos do estágio curricular na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho (Goulart Júnior, Canêo & Lunardelli, 1998). Neste sentido, é preciso ressaltar que, tradicionalmente, os Centros ou Serviços de Psicologia Aplicada vinculados aos cursos de graduação em Psicologia no Brasil oferecem mais oportunidades de estágio em atendimentos clínicos individuais e grupais. A atuação de estudantes nas áreas de Psicologia Organizacional e do Trabalho, Escolar, Hospitalar, Jurídica, Comunitária e de Esportes, geralmente é desenvolvida fora do âmbito das instituições formadoras, o que dificulta uma melhor integração entre a produção teórica e de pesquisa de docentes e a prática profissional (Venturini, 1994).

Especificamente na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho é comum firmarem-se convênios com empresas que disponham de um psicólogo em seu quadro de pessoal, cuja atuação, na maioria das vezes, é bastante limitada, restringindo-se a recrutamento e seleção de pessoal.

O projeto de Aconselhamento Profissional a Desempregados foi criado com o compromisso de oferecer prática profissional atrelada ao processo de formação acadêmica. Apesar de ele se situar no plano da Psicologia do Trabalho, pode vir a ser desenvolvido no contexto das organizações formais de trabalho.

Além deste compromisso, procurou-se refletir sobre o papel do psicólogo do trabalho e sua responsabilidade diante dos novos desafios a que estão sujeitas as relações do homem com a principal atividade que lhe dá humanidade - o trabalho.

Se desde a Antigüidade identificam-se sinais da ambivalência nas relações do homem com o trabalho - amor e ódio - e da desigualdade na sua distribuição - algumas formas laborais sendo percebidas como um fardo a ser evitado, devendo ser entregues apenas aos escravos e aos homens despreparados, enquanto outras deveriam ser reservadas aos homens livres e intelectuais1- hoje, com a diminuição do nível de emprego2 , a situação se vê agravada (Arendt, 1983; Battaglia, 1958). Neste contexto emergem as discussões acerca do trabalho abstrato e do trabalho concreto, da diferenciação entre trabalho, ocupação e emprego, da perda da centralidade do trabalho como categoria de análise sociológica, assim como dos valores e do significado do trabalho na vida pessoal (Antunes, 1995, 1999; Bastos, 1995; Codo, 1996; Colbari, 1995; Kurz, 1993; Offe, 1989; Rifkin, 1995; Singer, 2000).

As novas políticas econômicas e as modificações profundas no sistema produtivo e gerencial decorrentes das novas tecnologias de informação e comunicação (Gill, 1996; Howard, 1995) viabilizam a utilização de modelos de automação e de administração capazes de garantir níveis de excelência organizacional, com menor número de trabalhadores. Isso repercute de modo significativo no sentido de que o desemprego deixe de ser transitório e passe a ser estrutural, o que faz com que novas alternativas sejam pensadas para garantir a ocupação e o sustento da população economicamente ativa (Aznar, 1995; Singer, 2000).

A conseqüência mais previsível é de ordem econômica e suscita questões nos planos político e social. A maior parte da população depende do emprego para sobreviver e sua escassez contribui para a instabilidade social. Além disso, os empregos estão mudando significativamente seu formato, pois as descrições de cargos e postos de trabalho, assim como a organização do trabalho passaram a demandar um outro perfil profissional apoiado em novas habilidades instrucionais, técnicas, interpessoais, cognitivas e emocionais. Sendo assim, o problema se ampliou, pois além de não haver igualdade de chances para todos os que concorrem no mercado de trabalho, o profissional que busca emprego não está preparado para competir, já que suas habilidades e competências não estão ajustadas ao que é exigido pelas organizações formais.

Ainda que o desemprego e a diminuição do nível de emprego devam ser analisados levando em conta aspectos estruturais mais amplos, tais como o modelo de produção econômica e a ideologia política (Cattani, 1996; Kurz, 1993), pode-se dizer que em termos práticos há duas alternativas para a solução do despreparo profissional: ou os governos, as empresas e organizações treinam e qualificam seus trabalhadores para desenvolver novas habilidades e competências, ou o trabalhador que almeja inserção no mercado de trabalho terá que investir na sua formação e aperfeiçoamento, de modo a aumentar suas chances de competitividade.

A proposta de estágio aqui discutida foi delineada com o objetivo de ocupar uma porção desse espaço, ao orientar desempregados na busca ativa de inserção no mercado de trabalho e encontra justificativa em pelo menos três premissas: i) na de que o desemprego desencadeia sentimentos de angústia e ansiedade em muitas pessoas, demandando apoio psicológico (Estramiana, 1992; Tiffany, Cowan & Tiffany, 1970 apud Estramiana, op. cit.; Winefield, 1995); ii) na de que a perda da centralidade do trabalho na vida pessoal gera insegurança, fragiliza o autoconceito, a auto-estima e compromete a identidade social e profissional (Offe, 1989; Santos, 1990); e iii) na de que uma reavaliação pessoal em termos de habilidades físicas, mentais e afetivas à luz da análise das exigências do mercado de trabalho atual pode vir a dar uma condição melhor de empregabilidade (Whitaker, 1997).

Estramiana (1992) assinala que a partir de 1970 foram publicados inúmeros artigos discutindo programas de intervenção psicológica sobre desemprego. A maioria deles tinha como objetivo analisar de que modo os traços de personalidade de pessoas contribuíam para o desajustamento no trabalho e a experiência de desemprego. Acrescenta ainda que sem negar a utilidade destes programas, algumas críticas lhes são endereçadas. Em primeiro lugar, o problema é analisado apenas do ponto de vista das características psicológicas do desempregado, desconsiderando sua contextualização nos planos econômico, tecnológico, político e social. Em segundo lugar, estes programas de longo prazo só conseguem efetivamente obter êxito entre aqueles que já dispõem de um nível instrucional mais elevado, demarcando ainda mais o distanciamento entre aqueles que reúnem condições de serem absorvidos pelo mercado e a grande massa de excluídos. Em terceiro e último lugar, as conseqüências destes programas ainda não estão sendo sistematicamente avaliadas, tanto no que tange ao êxito, quanto ao fracasso daqueles que deles participam.

Ao ser elaborado o projeto aconselhamento profissional, procurou-se levar em consideração essas críticas e, em função disso, assumiram-se como verdadeiras duas crenças: i) a de que o fenômeno do desemprego é bastante complexo e a abordagem psicológica seria limitadora, exigindo esforços multidisciplinares para ter ampliada sua eficácia; e ii) a de que o investimento numa experiência piloto, ainda que centrada no plano de análise psicológica, proporcionaria uma compreensão mais abrangente do perfil do desempregado, de modo que tornasse mais claro como integrar esforços multidisciplinares para integrar, tanto as necessidades do desempregado, quanto o contexto social, econômico e político mais amplo.

Este artigo foi dividido em quatro partes. .Na primeira, procurou-se contextualizar o novo perfil profissional exigido no mercado de trabalho; na segunda, foram descritas, de modo mais detalhado, as etapas do processo de aconselhamento; na terceira foram feitas reflexões sobre a experiência de estágio em três perspectivas: na dos participantes, na de sua importância para a formação do psicólogo do trabalho e na dos estagiários; na quarta e última parte, apresentaram-se sugestoes para o aperfeiçoamento da proposta de estágio.

 

2. Mudanças no contexto de trabalho: a exigência de novos perfis profissionais

A bem da verdade, cabe esclarecer que a preparação e a qualificação profissional são temas complexos, envolvendo a discussão sobre a instrução geral e a especializada, assim como sobre o papel da educação no sistema produtivo (Fogaça, 1998; Gílio, 2000; Leite, 1996; Salm, 1997). Explorar essas questões em detalhes exigiria uma digressão bastante prolongada, importante, mas que se desviaria do objetivo central deste artigo. Em função disto, foram selecionados apenas alguns aspectos que permitirão contextualizar, de modo resumido, o problema que serviu de base para a elaboração do projeto.

A Administração Científica ou taylorismo (Taylor, 1985), considerada a primeira escola da administração, teve grande difusão nos EUA a partir de 1860 e parece ter cumprido bem sua função, principalmente durante a Primeira Guerra Mundial, não só no aumento, como também na eficiência da produção estadunidense. Entre inúmeras inovações introduzidas por esta escola, a máquina-ferramenta semi-automatizada tinha a seu favor a possibilidade de ser operada por pessoas pouco treinadas, inclusive mulheres, que substituíam os homens enviados à guerra. E mesmo depois da vitória, o taylorismo preparou o terreno para a concorrência interna entre as empresas e o acesso desse país ao mercado mundial. A linha de montagem, ou seja, a produção em massa, desenvolvida nas fábricas automobilísticas de Ford, foi um aperfeiçoamento dos princípios tayloristas, pois permitiu o ajustamento do conjunto dos trabalhadores ao ritmo imposto pela esteira (Heloani, 1996).

Esse sistema gerencial e produtivo, que se apresentava como uma grande promessa para uma parte do mundo, entrou em crise a partir de 1960. A produtividade e a eficiência já não estavam sendo alcançadas devido às altas taxas de absenteísmo, turnovere refugos decorrentes, principalmente, da falta de qualidade do processo de produção. Dito de outro modo, a excessiva divisão do trabalho, que garantiu durante longo tempo o aumento da produtividade e da eficiência, estava esbarrando no limite do trabalhador de se ajustar a ritmos acelerados de produção. Associada a outras mudanças tecnológicas, econômicas e sociais do mundo do trabalho, a insatisfação dos trabalhadores se tornava cada vez mais visível. Um aspecto psicossocial parece ter contribuído para essa crise, pois os trabalhadores que estavam ingressando no mercado de trabalho tinham mais expectativas, maior nível de instrução e mantinham uma atitude mais firme de não querer se sujeitar a formas de trabalho tão desumanas (Heloani, 1996).

Embora se situem nos séculos XVIII e XIX os estudos mais sistemáticos sobre as condições de trabalho e a satisfação do trabalhador, a proliferação de pesquisas nesta área veio, principalmente, a partir de 1950, por meio dos teóricos do Instituto Tavistock de Londres, que desenvolveram a abordagem sociotécnica, centrada na reestruturação da tarefa. A partir de 1974, principalmente nos EUA, a criação da Comissão Nacional de Produtividade e de grupos de estudo da Qualidade de Vida no Trabalho ajudaram a disseminar as preocupações com as condições de trabalho (Rodrigues, 1994).

Se analisarmos esta questão de outro lado, podemos dizer que a qualidade de vida no trabalho caminhou lado a lado com uma série de transformações nos modelos de gestão administrativa, devido particularmente à divulgação de experiências estrangeiras como, por exemplo, a da Volvo, na Suécia, que, ao substituir o trabalho em cadeia pelo de equipes semi-autônomas, ofereceu modelos de gestão alternativos ao taylorismo que contribuíram no desenvolvimento de múltiplas abordagens de qualidade organizacional (Heloani, 1996). Os estadunidenses se apoiaram na proposta de qualidade formulada por Juran (1990), os japoneses desenvolveram seus programas de qualidade com base nos 14 princípios enumerados por Deming (1990) e os europeus se especializaram na padronização internacional de organizações, por meio da concessão de certificados de qualidade - ISO (Barbalho, 1998).

Em resumo, a busca contínua pela eficiência, eficácia e produtividade fez com que as organizações adotassem programas de qualidade e introduzissem novas tecnologias (Las casas, 1997; Mendonça, 1986).

Estas mudanças no mundo do trabalho repercutiram no perfil do trabalhador. A organização passou a exigir que o trabalhador fosse:

I) Comprometido, ao oferecer-lhe oportunidades de participação,

II) Autônomo, ao lhe permitir tomar algumas decisões,

III) Instruído, ao ter que lidar com novas tecnologias e

IV) Criativo e flexível, ao lhe conceder liberdade de execução de trabalho e lhe proporcionar condições de redesenhar o seu cargo.

Do ponto de vista psicológico, o trabalhador deparou-se com a necessidade de se preparar não só tecnicamente, mas afetivamente para atender a todos estes requisitos. Leite (1994 p. 160) é muito explícita ao enumerar os atributos mais relevantes exigidos do profissional atual: raciocínio, lógico, capacidade de aprender novas qualificações, conhecimento técnico geral, iniciativa para resolução de problemas, concentração, responsabilidade no processo produtivo e disciplina na organização do trabalho. Os tipos de conhecimento necessários são em informática, eletrônica, processo global de fabricação e operação e, por último, funcionamento das máquinas.

Ao analisar a realidade brasileira, surgem algumas questoes: será que esse salto qualitativo é possível de ser conseguido? Será que é fácil transformar trabalhadores pouco, instruídos e de reduzida habilidade técnica em trabalhadores instruidos e com variadas competências técnicas? Se, por um lado, a solução aparece de imediato, ao investir em treinamentos que qualifiquem o trabalhador ou em políticas de aproveitamento daqueles que já dispõem das exigências mínimas requeridas, de outro lado têm-se que levar em conta pelo menos dois outros fatores. O primeiro se refere à queda do nível de emprego, principalmente em decorrência da introdução e novas tecnologias, que desvincula a qualidade e a quanttdade da produção do número de trabalhadores. Sendo assim, mesmo que os trabalhadores sejam treinados, não há garantia de emprego para toda a população economicamente ativa. O segundo fator parece estar diretamente ligado ao primeiro. As transformações no mundo do trabalho estão gerando conseqüências práticas e psicológicas. O trabalhador experimenta pelo menos cinco tipos de insegurança:

I) Insegurança no mercado de trabalho, pois o compromisso com o pleno emprego, que surgiu da proposta social-democrata de Keynes (1883-1946), deixou de ser uma prioridade para os governos ocidentais;

II) Insegurança no emprego, pois já estão sendo eliminadas formas estáveis e padronizadas de relações de trabalho;

III) Insegurança na renda, pois os rendimentos de trabalho são cada vez mais variáveis;

IV) Insegurança nas formas de contratação, cada vez mais individualizadas;

V) Insegurança nas organizações representativas dos trabalhadores, pois os sindicatos parecem não atender plenamente às expectativas do trabalhador de hoje (Mattoso, 1994).

É neste contexto que a discussão sobre a empregabilidade vem se difundindo cada vez mais. A empregabilidade é um termo novo que se refere à condição de ser empregável, isto é, de dar e conseguir emprego pelos seus conhecimentos, habilidades e atividades desenvolvidos por meio da educação e do treinamento, sintonizados com as novas necessidades do mercado de trabalho. Pode-se pensar em três perspectivas da empregabilidade: a do governo, a das empresas e a da pessoa (Minarelli, 1995). Um dos objetivos do projeto aqui relatado foi o de garantir que uma pessoa, mesmo que não estivesse sendo apoiada pelo governo ou pela empresa, pudesse vir a ter maiores chances de empregabilidade. O que está em pauta é a individualização da relação do homem com o trabalho e o emprego, em que cada vez mais se é compelido a gerenciar sua própria trajetória profissional, ou seja, assumir o papel de empreendedor3.

A partir destas considerações, conclui-se que o psicólogo organizacional e do trabalho pode dar a sua contribuição à discussão do desemprego e da empregabilidade. No âmbito das organizações formais de trabalho, o psicólogo é capaz de ajudar na elaboração de programas de realocação no mercado de empregados demitidos e no âmbito da relação individual do homem com o emprego pode vir a reorientar a sua carreira profissional.

 

3. Descrição do Projeto

O projeto Aconselhamento Profissional a Grupos de Desempregados, criado no início do ano de 1999, partiu de iniciativa de docente responsável por disciplinas teóricas e estágio na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho. A proposta foi a de oferecer aos estudantes de Psicologia oportunidades em que pudessem desenvolver atividades alternativas àquelas descritas como tradicionais em Psicologia Organizacional e do Trabalho, a saber: análise do trabalho, recrutamento e seleção de pessoal, treinamento gerencial e técnico, avaliação de desempenho e comportamento e desenvolvimento organizacionais (Bastos, 1992). As atividades foram elaboradas a partir da utilização do instrumental teórico e técnico da Psicologia, para avaliar e reorientar trajetórias profissionais, levando em conta aspectos psicológicos e o contexto econômico, social e político mais amplo. Em resumo, a preocupação foi a de ampliar as atividades a serem desenvolvidas por psicólogos I organizacionais e do trabalho e atrelá-las às discussões realizadas em sala de aula: o binômio trabalho/emprego, a responsabilidade do psicólogo na promoção da saúde e da qualidade de vida no trabalho e o entendimento de que este profissional deveria atuar em políticas mais amplas. A Psicologia Social dos grupos (Schermerhorn, Hunt & Osborn, 1999; Morales, 1997; Myers, 1999), a Psicologia Cognitiva (Eysenck, 1994; Sternberg, 2000), a Dinâmica de Grupo (Castilho, 1998, 1992; Miranda, 1996) e o Desenvolvimento da Criatividade (Alencar 1996; Amabíle 1996; Boden, 1991; Csikszentmihalyi, 1996; Fernandes, 1998; Mettrau, 2000; Oech, 1999; Ostrower, 1999; Predebon, 1999; Romo, 1997) permitiram integrar conhecimentos e técnicas de diversas áreas para consubstanciar a atividade dos estagiários.

Em linhas gerais, o objetivo do projeto foi o de desenvolver um programa de aconselhamento psicológico para desempregados visando a sua reinserção no mercado de trabalho, apoiando-se, principalmente, em uma mudança de atitudes, de modo a que viessem assumir um papel mais ativo na sua própria trajetória profissional.

Retomando o que foi afirmado na seção anterior, quatro grupos de atividades nortearam o desenvolvimento do projeto, a saber:

I) dar apoio psicológico temporário aos desempregados, tendo em vista que essa condição desencadeia angústia e ansiedade na maior parte das pessoas;

II) propiciar ao desempregado um volume de informações sobre a conjuntura atual, mercado de trabalho e o perfil profissional exigido pelas empresas;

III) realizar avaliações psicológicas de suas habilidades à luz das exigências do mercado de trabalho, propondo alternativas para o seu desenvolvimento;

IV) oferecer orientações práticas específicas, tais como, elaboração de currículos, apresentação em entrevistas, etc.

Privilegiou-se a modalidade de atendimento grupal para o desenvolvimento do projeto ao partir-se da premissa de que o grupo serviria como principal aliado na comunicação de experiências pessoais e na mudança de atitudes diante da trajetória profissional. Apenas em dois ou três casos o atendimento foi feito individualmente.

3.1 Estagiários envolvidos

Na sua primeira fase, que teve uma duração de seis meses, de julho a dezembro de 1999, o projeto contou com a participação de dez estagiários do 9º período do curso de Psicologia, entre os quais se incluem os três co-autores deste artigo. Na segunda fase do projeto, que ocorreu no período de março a dezembro de 2000, oito novos estagiários do 8º e 9º períodos foram selecionados e treinados para participar do projeto, sendo que dois ex-estagiários e co-autores deste artigo atuaram como psicólogos voluntários. No total, o projeto de estágio envolveu 18 estudantes de Psicologia.

3.2 Clientela atendida

O projeto original previa a composição de grupos homogêneos por áreas de atividade, tendo em vista a consulta feita a algumas instituições que analisavam os problemas de desemprego na cidade. Os cinco grupos ficariam assim distribuídos: profissionais dos setores bancário, vestuário, metalurgia, de nível superior e pessoas que procuravam emprego pela primeira vez. A rigor, inúmeras dificuldades de recrutamento contribuíram para o abandono desta forma de composição dos grupos a favor da formação de grupos heterogêneos, acreditando que a heterogeneidade das experiências profissionais poderia vir a ser enriquecedora para o processo de aconselhamento.

Adotou-se, então, uma outra estratégia que incluiu uma parceria com o Comitê Pró-Emprego que mantinha cadastro de desempregados na cidade, o que facilitou a formação dos novos grupos. Associado a isto, recorreu-se à imprensa local para divulgação, fato que gerou uma grande demanda pelo atendimento durante o segundo semestre de 2000. Cabe acrescentar que no total foram atendidas aproximadamente 70 pessoas; número aquém das expectativas, mas que encontra justificativa nas dificuldades de manter a motivação e a freqüência em níveis elevados durante todo o processo de aconselhamento. Dois fatores limitadores parecem ter contribuído para a evasão: problemas financeiros, que tornavam as idas ao Centro de Psicologia Aplicada onerosas para um desempregado, e a expectativa de que a participação no projeto garantiria a realocação imediata no mercado de trabalho.

3.3 O relato da experiência

O programa de aconselhamento foi realizado nas dependências do Centro de Psicologia Aplicada, localizado numa área central da cidade. Os grupos de desempregados eram atendidos por dois estagiários, que os acompanhavam sistematicamente durante um período médio de três meses, dependendo da necessidade específica de cada grupo nas etapas do processo. Os atendimentos eram realizados em duas sessões semanais com duração média de duas horas cada; aproximadamente 12 sessões no total, divididas em quatro módulos:

I) Apoio psicológico,

II) Informações sobre mercado e perfil profissional;

III) Diagnóstico e desenvolvimento de habilidades; e, por último,

IV) Orientações práticas. Em média, participaram de cada grupo cerca de quatro a seis desempregados.

Uma vez por semana era realizada uma supervisão, em que se discutiam os problemas específicos de cada grupo, propunham-se as atividades, intervenções e refletia-se sobre as conseqüências e resultados de cada etapa.

No primeiro módulo, o de apoio psicológico,eram avaliadas as condições social e psicológica de cada desempregado no grupo, buscando preservar a sua auto-estima e seu autoconceito por meio do entendimento do desemprego como um problema social e estrutural mais amplo, de modo que o processo de autoatribuição de culpa fosse amenizado. Estimulava-se a participação de cada integrante através do relato de sua condição, de suas dificuldades de inserção no mercado, da experiência e história profissionais, procurando distancá-la de uma abordagem de psicoterapia grupal4 (Castilho, 1998).

No segundo módulo, o de informações,contextualiza-la a questão do desemprego no mundo atual e refletia-se sobre as transformações ocorridas no mundo do trabalho e as novas exigências de perfil profissional. Essas temáticas eram introduzidas com o auxílio de material de fácil leitura, tais como revistas, jornais e artigos obtidos em websites.O propósito era o de discutir o desemprego e a educação, as habilidades valorizadas pelas organizações, a formação generalista e outros temas relacionados com a empregabilidade. Observou-se, durante este módulo, que a opção por textos mais simples e curtos foi pertinente, na medida em que eles eram lidos durante a sessão de aconselhamento e compreendidos por pessoas de níveis de instrução diferenciados.

O terceiro módulo do programa, o de diagnóstico e desenvolvimento de habilidades,tinha como finalidade a avaliação das habilidades cognitivas, interpessoais, atitudinais e comportamentais. Procurava-se fazer estas avaliações, principalmente da habilidade de comunicação (Knapp & Hall, 1999), por meio de exercícios grupais e do processo de interação. Logo nas primeiras sessões, algumas dificuldades eram identificadas, tais como, a prolixidade, as falas lacônicas, a falta de clareza na argumentação, a ausência ou excesso de expressões durante a fala, assim como as dificuldades de ordem interpessoal, manifestadas pela desatenção para com o colega que estivesse falando e pelo desrespeito do ponto de vista alheio. A técnica de dar feedbackscontínuos (Schermerhorn, Hunt & Osborn, 1999) foi utilizada, com objetivo de conscientizar o participante de alguns aspectos que poderiam estar comprometendo a qualidade de sua comunicação. Para ajudar na percepção e autoconscientização, utilizavam-se, com autorização dos participantes, recursos audiovisuais, como, por exemplo, gravador e filmadora.

Não havia uma separação nítida entre as atividades que visavam ao diagnóstico e aquelas propostas para o aprimoramento de habilidades, na medida em que o propósito do aconselhamento era o desenvolvimento a partir da condição atual da pessoa e não o diagnóstico propriamente dito, deixando para uma etapa posterior a orientação. A seguir, encontram-se enumerados alguns exercícios realizados nos grupos.

I) Exercícios lógico-matemáticos para avaliar e desenvolver o raciocínio lógico.

II) Exercícios e atividades para o desenvolvimento da criatividade, da capacidade de abstrair, de encontrar relações e de identificar semelhanças e diferenças entre alguns objetos cocretos e palavras abstratas.

III) Exercícios de dinâmicas de grupo para ajudar na sensibilização dos participantes acerca da importância da flexibilidade e da adaptabilidade, assim como do investimento no marketing pessoal.

IV) Exercícios para desenvolver a atenção e rapidez de raciocínio.

V) Exercícios de auto-avaliação da capacidade de comunicação, etc.

Os exercícios foram adaptados a partir da literatura disponível sobre o assunto: livros de dinâmica de grupo, raciocínio lógico, criatividade, processos psicológicos básicos, comunicação, etc.

Finalmente, neste módulo do projeto o participante era solicitado a pensar e apontar alternativas para elaboração de seu plano de carreira, tendo em vista o desenvolvimento profissional com base nas habilidades discutidas e outras desenvolvidas durante o programa, tais como: formação generalista, flexibilidade, adaptabilidade, proatividade e o conhecimento técnico em informática e línguas estrangeiras. Com relação a esses dois últimos aspectos, os participantes eram encaminhados para cursos de informática e de idiomas ministrados por entidades sem fins lucrativos e que cobravam apenas uma taxa simbólica, pois estavam direcionados parapopulação de baixa renda e os desempregados.

O plano de carreira tinha a função psicológica de fazer com que o orientando assumisse um compromisso consigo mesmo, cabendo aos estagiários auxiliar na sua elaboração. Os aspectos mais explorados neste plano de carreira eram as áreas alternativas de atuação que se apresentavam para o desempregado, levando em conta suas habilidades e o que o mercado estava demandando.

Durante este módulo, ficou evidenciado que havia grande motivação e envolvimento nas atividades propostas, assim como receptividade para com as orientações, embora participantes e coordenadores tivessem clareza de que algumas dificuldades não seriam facilmente superadas com a simples indicação de alguns exercícios adicionais. O maior problema recaiu sobre o plano de carreira, uma vez que ampliar as alternativas de atuação profissional demandava uma qualificação técnica que não poderia ser suprida num projeto de aconselhamento psicológico. Ele apenas ajudaria a traçar diretrizes, mas não garantiria sua concretização.

O quarto e último módulo do aconselhamento foi destinado a orientações técnicasespecíficas aos participantes. Nesta parte do projeto enfatizava-se a importância do cuidados na elaboração de um currículo, como clareza, objetividade, pertinência, organização das informações e a estética da apresentação desse documento, além de informações sobre como preencher cadastro de currículos na internet. Para cumprir este objetivo, os participantes eram solicitados a organizarem o seu próprio currículo sob supervisão dos estagiários.

Nesta fase também eram discutidos os objetivos e os cuidados necessários para se apresentar em uma entrevista de seleção. E para que os participantes pudessem sentir-se mais preparados, entrevistas de seleção com alguns voluntários eram simuladas e filmadas para posteriormente serem avaliadas pelos membros do grupo.

 

4. Reflexões críticas sobre a experiência

Tendo em vista o objetivo deste artigo, procurou-se avaliar o projeto de Aconselhamento Profissional em pelo menos três perspectivas: a dos participantes, a da formação do Psicólogo e a dos estagiários.

Quanto à primeira perspectiva, cabe esclarecer que o aconselhamento profissional não foi desenvolvido na condição de um projeto de pesquisa e, neste caso, as avaliações estão apoiadas em inferências feitas a partir de observações no decorrer do processo e de contatos informais posteriores com alguns dos participantes. O que de início ficou evidente é que havia entre os participantes uma grande expectativa de um possível encaminhamento para o mercado, o que parece ser compreensível na condição em que eles se encontravam. Por se tratar, no entanto, de uma experiência piloto, não foram feitas parcerias externas de modo a viabilizar este encaminhamento. E isto parece ter sido um fator restritivo. Sendo assim, ao refletir sobre a experiência como um todo, cabe destacar que um projeto desta natureza terá mais chances de êxito se envolver mais supervisores e estudantes universitários de diversos cursos, tais como de informática, comunicação, serviço social, administração, comunicação, letras, etc. e, ao mesmo tempo, oferecer alternativas de ocupação profissional, como, por exemplo, as advindas de convênios com organizações formais de trabalho.

Ainda que esta limitação seja admitida, as reações psicológicas de participantes que diziam estar mais confiantes e seguros de suas capacidades fez crer que o projeto trouxe algum benefício para os desempregados. Somado a isto, embora de forma não sistemática, foi possível acompanhar a trajetória de alguns participantes, principalmente em virtude de naquela ocasião um dos estagiários já trabalhar em uma empresa de prestação serviços na área de recrutamento, seleção e alocação de mão-de-obra temporária, tendo sido efetivado por ela logo após sua formatura. Deste modo, cerca de 15 participantes dos grupos de desempregados puderam ser encaminhados para vagas temporárias ou definitivas e, pelos feedbacksdas empresas, osegressos do programa de aconselhamento demonstraram mais segurança nas entrevistas, apresentaram o currículo de modo mais organizado e objetivo, assim como mostraram-se mais dispostos a aprender novas habilidades, o que estaria compatível com a perspectiva profissional multidirecional.

Um outro fator importante a ser considerado foi a baixa freqüência às sessões de aconselhamento. Quatro razões pareciam estar justificando as ausências e até mesmo a evasão nos grupos: falta de dinheiro para o transporte, desmotivação em relação aos outros participantes, expectativas não correspondidas quanto ao encaminhamento para o mercado, já mencionadas anteriormente e, por último, o fato de ter arranjado um emprego.

Na segunda perspectiva de avaliação, ou seja, a da formação do estudante de Psicologia, retorna-se à discussão apresentada no início deste artigo, qual seja, a de que são poucas as práticas profissionais articuladas com o processo ensinoaprendizagem. Uma das grandes reclamações de estudantes de graduação é a de que se sentem despreparados para o mercado, uma vez que os estágios e as práticas durante o processo de graduação nem sempre os capacitam adequadamente, ou estão ajustados ao discurso da sala de aula (Gondim, 2001). O projeto de aconselhamento permitiu trazer para o contexto da sala de aula discussões acerca dos problemas e dificuldades encontrados na realidade do mercado de trabalho e gerar desdobramentos significativos, como, por exemplo, o de despertar o interesse do estudante para pesquisar práticas profissionais. Foi o que aconteceu com uma estudante de Psicologia, que está desenvolvendo sua monografia de conclusão de curso a partir de desdobramentos desta experiência. Tal ocorrência acena na direção da viabilização de uma formação profissional atrelada à pesquisa, que possa vir não só a consubstanciar a prática, como também a reorientá-la.

Outro aspecto que merece ser examinado dentro desta segunda perspectiva de avaliação diz respeito à diversidade de práticas na área de Psicologia do Trabalho, haja vista que as poucas oportunidades de estágio que surgem para estudantes de Psicologia se restringem, em sua maioria, à atuação no setor de Recursos Humanos de empresas, com concentração de atividades em seleção de pessoal. O projeto de Aconselhamento Profissional apareceu como uma alternativa para esta prática tradicional que, apesar de ser ainda predominante entre psicólogos, não contempla as múltiplas possibilidades que estão emergindo para profissionais desta área de atuação (Bastos, 1992; Zanelli, 1994 a, 1994b).

A terceira perspectiva de avaliação explora a experiência dos estagiários durante o desenvolvimento do projeto. Um dos problemas enfrentados pelos estagiários que coordenavam os grupos era o de desenvolver as atividades programadas, em virtude das oscilações das freqüências dos participantes. Duas limitações de infra-estrutura também dificultaram o desenvolvimento do projeto: o número insuficiente de computadores com acesso à internet, o que diminuiu as possibilidades de exploração deste meio para o cadastramento on-line de currículos, e a ausência de contribuições e parcerias com estudantes de outros cursos, como os de Medicina, Fonoaudiologia, Informática e Letras, a fim de melhor atender às necessidades básicas dos participantes.

o tempo reduzido de permanência no aconselhamento igualmente dificultou o treino de habilidades, deixando sob a responsabilidade do próprio participante o desenvolvimento e o controle de seu auto-aperfeiçoamento futuros.

Há, contudo, alguns aspectos positivos da experiência. O fato de os grupos serem coordenados por duplas de estagiários proporcionou maior segurança, além de facilitar a programação de atividades num curto espaço de tempo, já que os encontros eram realizados duas vezes por semana. Um outro fator positivo está relacionado ao conhecimento mais aprofundado adquirido, estagiários e supervisora, do perfil de desempregados: há aqueles cujo apoio familiar insatisfatório lhes deixa em condições existenciais críticas, enquanto há outros cujo desemprego não gera muitas repercussões negativas, pois a família dispõe de uma situação econômica tolerável. Há ainda aqueles que são tomados pelo imobilismo, pois mesmo diante de grandes dificuldades não conseguem ter esperança em projetos como esse. Isto aumentou a capacidade de refletir sobre a questão do desemprego e ensaiar novas modalidades de abordar o desempregado.

Enfim, o fato de os estagiários terem que lidar com grupos heterogêneos favoreceu o aprimoramento da flexibilidade na coordenação de grupos, particularmente no que diz respeito às habilidades de comunicação e controle de processos interpessoais. O Quadro 1 permite uma visualização sintética das forças e limitações do projeto.

 

 

5. Considerações finais

As discussões feitas neste artigo denotam a complexidade que envolve a situação do desemprego e do próprio trabalho neste início de século XXI, demandando mais pesquisas e projetos que ampliem a compreensão desta realidade e proponham alternativas práticas de solução.

Os autores deste artigo partem da constatação de que o desemprego tende a crescer e a assumir uma dimensão social de grandes proporções, uma vez que é das recompensas salariais do emprego que a população tira o seu sustento, e concordam com Estramiana (1992) em que a abordagem psicológica é insuficiente para dar conta de um fenômeno macrossocial como este, o que torna essencial a análise mais ampla do problema. É o que se procurou fazer com base no referencial teórico discutido em sala de aula.

Deve-se salientar, contudo, que se torna justificável o desenvolvimento de projetos desta natureza, pelo reconhecimento que se tem das repercussões psicológicas que a condição de desemprego traz para a pessoa, dificultando ainda mais a visualização de alternativas para o enfrentamento desta realidade. Um projeto como o de Aconselhamento Profissional oferece não só apoio psicológico, como também instrumentaliza o desempregado para agir, mesmo que se reconheça que somente aqueles com um maior nível de instrução terão um melhor aproveitamento, o que limita o número de pessoas beneficiadas. Um trabalho mais intenso no início dos grupos, para conscientizar os participantes da importância de se investir em um projeto de carreira de longo prazo, talvez possa ajudar na auto-reflexão daqueles que objetivam apenas um emprego imediato e não estão cônscios de que a instabilidade no mercado de trabalho atual põe em risco toda ocupação profissional, quer autônoma, quer empregatícia. Além disso, a ampliação do projeto visando a compor uma equipe multidisciplinar também poderá contribuir para a melhoria das condições pessoais e profissionais dos participantes.

É pertinente também a crítica de Estramiana (1992) de que não há sistematização no acompanhamento dos egressos destes programas de atendimento ao desempregado, o que coloca em dúvida sua eficácia. Reconhece-se que um acompanhamento pós-projeto se faz necessário, sobretudo se se pretende avaliar os resultados obtidos e dar apoio aos projetos profissionais em andamento. Sugere-se que isto seja feito quando do reinício do projeto. Torna-se oportuno ressaltar, contudo, que o aconselhamento profissional não está restrito apenas a desempregados, pois mesmo para quem não esteja nesta condição, ele pode proporcionar uma reavaliação da trajetória de carreira à luz, tanto dos anseios individuais de cada um, quanto das necessidades de um mercado de trabalho cada vez mais exigente e dinâmico.

Para finalizar, acrescenta-se que, além do valor acadêmico, que procura atrelar a prática profissional do psicólogo do trabalho ao processo de ensino-aprendizagem, o aconselhamento profissional e de carreira poderia ser útil ao psicólogo que atua em organizações formais de trabalho, ao fornecer subsídios que o auxiliariam na elaboração de políticas de empregabilidade, ampliando o compromisso da empresa com o reaproveitamento interno de pessoas ou sua recolocação no mercado de trabalho (outplacement).

 

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Nota: Agradecemos as sugestões feitas pelo Professor Antonio Virgílio B. Bastos.
1 Arendt (1983) distingue, de forma clara, três atividades fundamentais da vida: o labor, atividade ligada ao processo biológico; o trabalho, aquela vinculada à criatividade no agir sobre o objeto com o intuito de modificá-lo, e a ação, quese exerce com intencionalidade, consciência e, principalmente, em público, sendo o papel político a sua expressão mais fiel. No mundo grego antigo havia uma gradação em relação ao statusatribuído a cada tipo de atividade: o nível inferior era o do labor, enquanto que o nível superior era o da ação. No mundo atual, segundo Arendt, o trabalho ficou subordinado somente à sobrevivência humana (labor) a ponto de acreditarmos que o homem deve se emancipar dele. Talvez seja esse o motivo da desvalorização do trabalho humano na sociedade hodiema.
2 Arigor deveríamos fazer uma distinção entre trabalho, emprego e ocupação. O primeiro se refere a uma ação intencional que visa transformar a natureza e a realidade, de significativa importância para o auto-aperfeiçoamento e autodomínio (Friedmann & Naville, 1973). O emprego é uma categoria ocupacional em que um esforço no exercício funcional é recompensado por uma remuneração sob a forma de salário que deveria garantir a sobrevivência econômica do trabalhador, podendo ter ou não significado para aquele que o realiza. A ocupação é qualquer atividade que proporciona sustento para quem a executa (Singer, 2000).
3 Empreendedorismo pode ser entendido a partir de duas perspectivas: num sentido psicológico, é considerado como um conjunto de características pessoais que motiva alguém para ter uma posição proativa no mercado; num sentido econômico, é considerado uma nova condição alternativa de geração de renda fora do mercado de trabalho formal (Fogaça, 1998; Karlöf, 1999).
4 Uma das principais diferenças entre psicoterapia de grupoe o desenvolvimento interpessoal é que, enquanto a primeira visa ao ajustamento do indivíduo através da reorganização de valores, de necessidades e da percepção, o segundo procura o desenvolvimento de habilidades sociais diversas, tais como saber ouvire falar, aprender a tolerar diferenças individuais, aprender a dar e receber feedbacks,etc.; lembrando que este permanece centrado no aqui-e-agora e visa às relações interpessoais no trabalho, e aquele busca analisar situações do passado que estejam interferindo na vida atual, dificultando-a (Castilho, 1998).

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