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Revista Psicologia Organizações e Trabalho
versão On-line ISSN 1984-6657
Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.4 Brasília out./dez. 2018
https://doi.org/10.17652/rpot/2018.4.14659
Valores pessoais e comprometimento afetivo em conselhos municipais de assistência social
Personal values and affective commitment in municipal social assistance councils
Valores personales y compromiso afectivo enconsejerías municipales de asistencia social
Virgínia D. CarvalhoI; Cleusimar Cardoso Alves AlmeidaII,III
IUniversidade Federal de Alfenas, Minas Gerais, Brasil
IIUniversidade Vale do Rio Verde, Minas Gerais, Brasil
IIIUniversidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, São Paulo, Brasil
RESUMO
As pesquisas em comprometimento afetivo têm crescido nas últimas décadas, enfocando diversas realidades organizacionais, embora não tenham ainda contemplado a dos conselhos gestores municipais, não obstante a relevância das funções sociais que desempenham. Buscando suprir essa lacuna e também aprofundar a compreensão acerca do papel dos valores pessoais como antecedentes do comprometimento afetivo, este artigo analisou a relação entre esses dois construtos junto aos conselheiros municipais de assistência social do Estado de Minas Gerais. A amostra envolveu 204 participantes, que responderam ao Questionário de Perfil de Valores Pessoais (PQ-21) e à Escala de Comprometimento Afetivo (ECOA). Análises de regressão hierárquica demonstraram que os tipos motivacionais benevolência e poder, bem como o fator de ordem superior autotranscendência ofereceram predição ao comprometimento afetivo, sendo que o poder estabeleceu com este uma relação negativa. Reflexões acerca das implicações e das limitações da pesquisa são apresentadas, bem como sugestões para estudos futuros.
Palavras-chave: valores; comprometimento afetivo; conselhos municipais.
ABSTRACT
Research on affective commitment has been growing over recent decades, focusing on several organizational environments, although Municipal Councils are a yet unexplored reality, notwithstanding the relevance of their social function. Aiming to address this gap as well as provide further evidence about the role of personal values as antecedents of affective commitment, this study analyzed the relationship between these two constructs in the context of Social Assistance councils in the state of Minas Gerais. A sample of 204 participants responded to the Personal Values Profile Questionnaire (PQ-21) and the Affective Commitment Scale (ECOA). Regression analyses showed that the benevolence and power motivational types, as well as the high order value type of self-transcendence, predicted affective commitment. The relationship with power was negative. Study limitations and practical implications are discussed with suggestions for future research.
Keywords: Values; Affective Commitment; Municipal Councils.
RESUMEN
Las investigaciones en compromiso afectivo han crecido en las últimas décadas, enfocando diversas realidades organizacionales, aunquetodavía no hayan contemplado la de lasconsejeríasgestoras municipales, a pesar de la relevancia de sus funciones sociales. En este trabajo se analizó la relación entre estos constructos junto a consejerías municipales de asistencia social del Estado de Minas Gerais, procurando suplir esa laguna y profundizar la comprensión del papel de los valores personales como antecedentes del compromiso afectivo. La muestra involucró a 204 participantes, que respondieron al cuestionario de valores personales (PQ-21) ya la escala de compromiso afectivo (ECOA). Análisis de regresión jerárquica demostraron que los tipos motivacionales benevolencia y poder, así como el factor de orden superior autotranscendencia ofrecieron una explicación significativa para el compromiso afectivo, y el poder estableció con este una relación negativa. Se presentan reflexiones sobre las implicaciones y limitaciones de la investigación, así como sugerencias para estudios futuros.
Palabras-Clave: Valores; Compromiso Afectivo; Consejerías Municipales.
A literatura de comprometimento organizacional destaca a centralidade que os estudos nesse tema vieram assumindo nas últimas décadas no campo da psicologia organizacional (Bastos, Maia, Rodrigues, Macambira, & Borges-Andrade, 2014; Peixoto, Bastos, Soares, & Lobo, 2015; Stazyk, Pandey, & Wright, 2011), tendo um volume crescente de pesquisas no cenário nacional e internacional. Não obstante sua consolidação como uma tradição de pesquisa nesse campo, o comprometimento organizacional segue carecendo de consenso quanto à sua definição, ocasionando o que Menezes e Bastos (2009) denominaram como uma polissemia do construto.
Compreendê-lo como uma espécie de vínculo entre o indivíduo e a organização favorece salientar tanto o seu caráter dinâmico como a pressuposição de troca e reciprocidade existente na relação (Costa & Bastos, 2014). Se esse vínculo é estabelecido com base na identificação e no envolvimento do indivíduo com a organização, caracteriza-se o comprometimento atitudinal ou afetivo (Mowday, Steers, & Porter, 1979). Caso seja estruturado em função de uma avaliação de ganhos ou perdas decorrentes da sua manutenção tem-se o comprometimento instrumental (Becker, 1960).
Essas duas abordagens do comprometimento organizacional caracterizam-se como as bases sobre as quais se assentaram o estudo do fenômeno (Tamayo et al., 2001), e aqui será enfocado, especificamente, o comprometimento afetivo. Este se destaca como a dimensão mais consolidada no meio acadêmico (Fernandes, Siqueira, & Vieira, 2014), mostrando-se relacionado a resultados individuais e organizacionais relevantes, tais como diminuição do absenteísmo, melhor desempenho, demonstração de cidadania organizacional e diminuição dos níveis de estresse (Meyer, Stanley, Herscovitch, & Topolnytsky, 2002), dentre outros.
Por essas razões, o comprometimento afetivo continua sendo o foco de variadas pesquisas na atualidade (e.g. Fernandes, et al., 2014; Kim, Eisenberger, & Baik, 2016; Kuo, 2015; Stazyk et al., 2011; Vandenberghe, Bentein, & Panaccio, 2014) com um crescimento da atenção dada aos seus antecedentes (Kim et al., 2016). Como exemplo, cabe citar que já foram estudados a percepção de suporte organizacional (Fernandes et al., 2014; Kim et al., 2016), o estilo de vinculação (Schmidt, 2016) e os valores individuais e tempo de serviço (Tamayo et al., 2001).
No que tange especificamente aos valores individuais, observa-se que embora já tenha sido anteriormente explorado o seu papel como variável antecedente do comprometimento organizacional (e.g. Cohen & Liu, 2011; Fernandes & Ferreira, 2009; Glazer, Daniel, & Short, 2004; Martins & Sant'Anna, 2014; Omar; Paris, & Vaamonde, 2009), poucos estudos o fizeram considerando seu papel unicamente em relação ao comprometimento afetivo (e.g. Cohen & Shamai, 2010; Tamayo et al., 2001; Wang, Caldwell, & Yi, 2015). Dessa forma, constata-se que ainda há campo a ser explorado no estudo da relação entre valores individuais e comprometimento afetivo, principalmente ao se considerar a existência de populações pouco ou nunca exploradas nas pesquisas, tais como a de conselheiros municipais.
Os estudos sobre comprometimento têm enfocado, na maioria dos casos, empresas privadas: alguns deles são voltados a órgãos públicos (e. g. Melo et al., 2014; Oliveira, Cabral, Santos, Pessoa, & Roldan, 2014; Potipiroon & Ford, 2017; Stazyk et al., 2011), mas nenhum deles direcionado à realidade dos conselhos gestores municipais, não obstante o papel fundamental que estes podem desempenhar para o exercício da democracia, dado que se constituem como espaços de formulação e controle de políticas públicas setoriais, que atuam na captação de demandas e pactuação de interesses específicos de diversos grupos sociais e como forma de ampliar a participação dos segmentos com menor acesso ao aparelho de Estado (Raichelis, 2007). Os conselhos são órgãos permanentes e obrigatórios, que possuem têm leis próprias de criação, presentes nas esferas municipal, estadual e federal. Sua composição é paritária, contando com representantes do poder público e da sociedade civil. Entretanto, a existência dos conselhos não assegura a mudança no padrão das relações que se estabelecem entre o poder público e a sociedade, pois, caso sua atuação não seja efetiva, eles podem se estruturar por mero formalismo (Oliveira, Pereira, & Oliveira, 2010).
No caso dos conselhos municipais de assistência social, por exemplo, os sujeitos ali atuantes desempenham relevante papel como agentes públicos, com poder de decisão nos assuntos de interesse coletivo, tendo como atribuições a deliberação sobre a aprovação de planos e resoluções, gastos públicos, fiscalização e acompanhamento de serviços, programas, projetos e benefícios da política pública local de assistência social oferecida pelos órgãos públicos e/ou entidades associadas, contribuindo para a implantação do Sistema Único de Assistência Social no país (Conselho Nacional de Assistência Social - CNAS, 2011; Tribunal de Contas da União - TCU, 2013). Esses conselheiros devem manter-se em constante aprimoramento para o desempenho de suas funções, as quais podem vir a contribuir para o bom uso dos recursos públicos e para a deliberação de serviços socioassistenciais em atividades continuadas que visem à melhoria da qualidade de vida da população, especialmente de famílias em situação de vulnerabilidade e risco social (TCU, 2013). Cumpre, portanto, assinalar que o estudo do comprometimento afetivo de conselheiros municipais reveste-se de maior singularidade, haja vista se tratar de um tipo de trabalho não remunerado, que apresenta grande potencial de exercício de controle social.
Tomando-se o caráter voluntário desse tipo de atuação, tem-se outro aspecto pouco explorado nos estudos sobre comprometimento organizacional (e.g., Boezeman & Ellemers, 2007; Turnau & Mignonac, 2015; Valéau, Mignonac, Vandenberghe, & Turnau, 2013; Vuuren, Jong, & Seydel, 2008). Valéau et al. (2013) já refletiram sobre a necessidade de se testar como os construtos elaborados para a realidade de trabalhadores remunerados se aplicam em ambientes de trabalho voluntário. No caso do comprometimento afetivo, tal demanda se justifica pelo fato de que os conselhos gestores municipais, bem como as instituições que se beneficiam de mão de obra voluntária, precisam atrair e reter indivíduos comprometidos com a causa na qual se engajam e também porque os indivíduos que neles atuam voluntariamente buscam satisfação em suas atividades.
Considerando-se, então, as reflexões aqui tecidas, o presente trabalho tem como objetivo analisar a relação entre os valores pessoais e o comprometimento afetivo dos conselheiros municipais de assistência social. Com esse intuito, envolveu os sujeitos atuantes nos Conselhos Municipais de Assistência Social - CMAS do Estado de Minas Gerais, uma vez que eles se encontram ativos nos 853 municípios do seu território (Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS, 2013). A seguir, são apresentadas algumas contribuições relevantes para compreender como se delineia o comprometimento organizacional afetivo, bem como as relações que ele estabelece com outros construtos e também uma descrição da teoria de valores pessoais adotada no estudo, acompanhada de breve análise de estudos anteriores sobre a relação entre valores pessoais e comprometimento organizacional afetivo.
Comprometimento organizacional afetivo
A clássica definição de comprometimento organizacional oferecida por Mowday et al. (1979) enfatiza a magnitude da identificação e do envolvimento de um indivíduo com a organização em que atua, caracterizando-a por meio de três fatores, a saber: crença e aceitação dos objetivos e valores organizacionais; disponibilidade em dispender esforços em favor da organização; e desejo de se manter como membro da instituição. Enfatizam, ainda, que, considerado dessa forma, o conceito de comprometimento abrange mais do que uma simples lealdade passiva à organização, passando a compreender uma relação ativa, na qual o indivíduo deseja contribuir em favor do bem-estar da organização.
Variadas tentativas de conceitualização do fenômeno se seguiram, gerando uma pluralidade conceitual e culminando no desenvolvimento de um modelo tridimensional (Meyer & Allen, 1991), que se consolidou como o mais difundido da área. Segundo esse modelo, o comprometimento seria um estado psicológico que caracteriza a relação do empregado com a organização e que traz implicações sobre sua decisão de permanência, sendo formado por três componentes: afetivo - incorpora a noção de comprometimento defendida por Mowday et al. (1979); de continuação (trata dos custos associados à decisão de deixar a organização); e normativo (envolve a ideia de obrigação em relação à organização), cada um deles se desenvolvendo em função de diferentes antecedentes e com implicações distintas sobre o comportamento no trabalho.
As críticas a esse modelo, entretanto, foram surgindo, com destaque para aquela empreendida por Solinger, Van Olffen e Roe (2008), que explica que o modelo estaria antes tratando de preditores da rotatividade nas organizações do que de componentes do comprometimento organizacional. Isso porque as dimensões de continuação e normativa descreveriam atitudes relacionadas a comportamentos de permanência ou saída da organização, e os autores defendem que o comprometimento organizacional deveria ser compreendido em termos de atitudes em relação à organização.
Logo, seria preservada apenas a dimensão afetiva como um tipo de atitude que "tende a se correlacionar positiva e significativamente com muitos comportamentos desejáveis" (Rodrigues & Bastos, 2010, p. 134), o que fortaleceria a ideia de se retornar a uma definição unidimensional do construto (Costa & Bastos, 2014). Os argumentos apresentados são de que a base afetiva caracteriza de modo mais adequado o comprometimento, já que constitui uma espécie de vínculo ativo, em que se sobressaem as atitudes de efetivo engajamento e identificação, que se manifestam pelo empenho e interesse na execução de atividades e esforços direcionados ao desenvolvimento da organização (Rodrigues et al., 2013). A respeito dessa caracterização emerge outra controvérsia, que diz respeito ao fato de nela se incluir a noção de identificação - que já estava presente desde a definição apresentada por Mowday et al. (1979). Segundo Schoemmel, Jønsson e Jeppesen (2015), essa compreensão tem sido questionada conceitual e empiricamente por alguns autores (e.g. Gautam, Van Dick, & Wagner, 2004; Riketta, 2005), pois embora sejam construtos relacionados, a identificação e o comprometimento deveriam ser tratados separadamente, por serem considerados assuntos distintos.
De acordo com Mercurio (2015), esse debate sobre a natureza, os tipos e bases do comprometimento, bem como sobre a questão da validade e acurácia do modelo tridimensional de Meyer e Allen (1991) permanece intenso. Apoiado na análise das pesquisas que examinou em seu estudo de revisão, afirma persistir tanto esse debate quanto alguma confusão sobre o que é comprometimento organizacional. Não obstante, esclarece que é perceptível, em quase todas as pesquisas, a existência de elementos que permitem defender a noção do comprometimento afetivo ou atitudinal como uma espécie de núcleo do comprometimento organizacional, que tende a se estabelecer como um foco para o direcionamento das pesquisas futuras. Perreira et al. (2018) pontuam também que esse tem se mostrado um dos melhores preditores do comportamento organizacional.
Tomando-se os antecedentes do comprometimento afetivo, em estudo de meta-análise, Meyer et al. (2002) observaram principalmente o papel da idade, do tempo de serviço na organização, do locus de controle externo, da ambiguidade e do conflito de papel e percepção de suporte organizacional, sendo esse último o que apresentou correlação mais forte com o comprometimento afetivo. Breitsohl e Ruhle (2013) apontam que tais antecedentes podem ser categorizados como individuais e/ou organizacionais, citando desses últimos, além do suporte, o clima, a cultura e a justiça organizacionais. Quanto aos antecedentes individuais, Bastos et al. (2013) explicam que as características pessoais, como idade, gênero e tempo de serviço na organização, são variáveis distais do comprometimento, cujas relações com o fenômeno são geralmente modestas. No que tange ao papel dos valores individuais, alguns estudos os testaram conjuntamente com a percepção de valores organizacionais, utilizando uma taxonomia de valores adaptada de Rokeach (1973) por McDonald e Gandz (1992) (e.g. Abbott, White, & Charles, 2005; Finegan, 2000; Lawrence & Lawrence, 2009). Outros os examinaram a partir do enfoque do individualismo e coletivismo (e.g. Omar et al., 2009; Wang et al., 2015). A maioria dos estudos empreendidos no Brasil e alguns poucos desenvolvidos no exterior (Cohen & Liu, 2011; Cohen & Shamai, 2010; Fernandes & Ferreira, 2009; Glazer et al., 2004; Martins & Sant'Anna, 2014; Tamayo et al., 2001) fizeram uso da Teoria de Valores Pessoais de Schwartz (1992), a qual será resgatada a seguir, assim como as principais contribuições dos estudos que dela se utilizaram para explicar a relação entre valores humanos e comprometimento organizacional.
Valores pessoais e comprometimento afetivo
Os valores podem ser compreendidos como concepções socialmente compartilhadas sobre o que é considerado bom, correto e desejável, e, quando se trata de valores individuais, expressam objetivos transituacionais motivacionais amplos, que afetam as percepções e interpretações de diferentes situações, assim como as preferências, escolhas e ações (Knafo, Roccas, & Sagiv, 2011). De acordo com Rohan (2000), teóricos de várias áreas têm enfatizado a importância das prioridades axiológicas individuais para compreender e predizer decisões atitudinais e comportamentais, de modo que os valores individuais se constituem, conforme Porto e Torres (2014), como variáveis antecedentes primárias de estudos empíricos, sendo a relação entre valores, atitudes e comportamento explorada para explicar uma grande diversidade de fenômenos organizacionais (Torres, Porto, Vargas, & Fischer, 2015).
Dentre as estruturas propostas para o estudo de valores em nível individual, destaca-se aquela apresentada por Schwartz (1992), a qual foi testada em inúmeras culturas ao redor do mundo (67 países) (Schwartz, 2005), envolvendo todos os continentes. Uma das pressuposições básicas sobre as quais se assenta é de que os tipos motivacionais de valores tendem a ser universais, dado que eles se fundamentam em três requisitos básicos para a existência humana: as necessidades dos indivíduos como organismos biológicos, os requisitos da interação social coordenada e as demandas sociais de sobrevivência e bem-estar dos grupos (Schwartz, 1992; 2005). Desses três requisitos universais, Schwartz (1992; 2005) deriva dez tipos motivacionais de valor, quais sejam: poder, realização, hedonismo, estimulação, autodeterminação, universalismo, benevolência, tradição, conformidade e segurança.
Além disso, Schwartz evidenciou a existência de um conjunto de relações dinâmicas entre esses tipos motivacionais, que podem ser de conflito "antagônicas" ou compatibilidade, resultando no seu agrupamento em duas dimensões bipolares, que contrastam valores de abertura à mudança a valores de conservação e valores de autotranscendência a valores de autopromoção. Designadas em uma estrutura circular, a autotranscendência trata da preocupação com o bem-estar alheio e agrupa os tipos motivacionais benevolência e universalismo, estando em oposição à autopromoção, que descreve o domínio sobre outros e a promoção dos próprios interesses, envolvendo a realização, o poder e o hedonismo (Schwartz, 1992; 2005). Cabe salientar que este último pode compor tanto os valores de autopromoção quanto os de abertura à mudança. No que se refere à abertura à mudança, aponta para a independência de pensamento e ação, bem como para a predisposição a transformações, reunindo os tipos motivacionais autodeterminação e estimulação; ao passo que a conservação refere-se à preservação de práticas tradicionais e à tendência a preservar a estabilidade, congregando a tradição, a conformidade e a segurança (Schwartz, 1992; 2005).
Tal estrutura sofreu reformulação recente, com vistas a proporcionar maior poder explicativo, por meio de uma atualização dos tipos motivacionais, que aumentaram para 19, mantendo-se organizados, no entanto, nas mesmas duas dimensões bipolares acima descritas (Schwartz et al., 2012). Autores como Teixeira, Sambiase, Janik e Bilsky (2014) entendem que a estrutura atualizada carece de solidez, comparativamente à original, pois foi testada em número menor de países. Em concordância com tais autores, o presente estudo se apoiou na estrutura original de 10 tipos motivacionais.
Utilizada no estudo desenvolvido por Tamayo et al. (2001) para analisar a influência das prioridades axiológicas no comprometimento afetivo, a estrutura revelou como preditores do comprometimento afetivo os tipos motivacionais tradição, poder, estimulação e universalismo (sendo, no caso da estimulação, uma relação negativa). Quando foram consideradas como preditoras as dimensões que agrupam os tipos motivacionais, apenas a conservação emergiu como antecedente. Já na pesquisa desenvolvida por Cohen e Shamai (2011), que examinou a relação entre valores individuais, bem-estar subjetivo e comprometimento afetivo, evidenciaram-se o papel da realização (relação negativa) e do poder (relação positiva), este último corroborando parcialmente os achados de Tamayo et al. (2001).
As contribuições de Cohen e Liu (2011), Fernandes e Ferreira (2009), Martins e Sant'Anna (2014) e Glazer et al. (2004), embora não tenham focado exclusivamente o comprometimento afetivo, apresentaram os antecedentes encontrados para essa dimensão do comprometimento. Fernandes e Ferreira (2009) corroboraram os achados de Tamayo et al. (2001) ao observarem o papel dos valores pessoais de conservação na predição do comprometimento afetivo, que, no estudo de Martins e Sant'Anna (2014), já se mostrou correlacionado aos tipos motivacionais hedonismo e segurança. Assim, este último corrobora parcialmente as pesquisas anteriores no Brasil, uma vez que o tipo motivacional segurança faz parte do grupo de valores de conservação.
No que tange à pesquisa de Glazer et al. (2004), por ter coletado dados em diferentes países (Hungria, Itália, Reino Unido e Estados Unidos), conseguiu observar que as correlações entre valores e comprometimento organizacional variaram ligeiramente entre as culturas, sendo que a abertura à mudança explicou a variância no comprometimento afetivo nas amostras da Hungria, da Itália e dos Estados Unidos. Cohen e Liu (2011), por sua vez, examinaram a relação entre valores individuais, comprometimento organizacional e ocupacional e cidadania organizacional, tendo observado que o comprometimento organizacional afetivo se relacionou positivamente com a conformidade e a benevolência.
Analisando-se os achados dos estudos internacionais e brasileiros, nota-se que no Brasil as pesquisas tiveram como ponto comum a contribuição de tipos motivacionais de valores agrupados no polo conservação para explicar o comprometimento afetivo, o que também se evidenciou de forma parcial no estudo de Cohen e Liu (2011), por terem identificado relação positiva com a conformidade. No extremo oposto desse polo estão os valores de abertura à mudança, que foram aqueles que explicaram o comprometimento afetivo em três países no estudo de Glazer et al. (2004). Cumpre observar se o presente estudo irá reforçar os achados anteriores das pesquisas nacionais sobre a relação entre esses construtos.
Método
A população do estudo foi composta por 853 representantes de Conselhos Municipais de Assistência Social (CMAS) de cada um dos municípios que compõem o Estado de Minas Gerais (MDS, 2013). Dessa população, foi selecionada uma amostra probabilística aleatória de 204 respondentes, sendo a confiabilidade esperada de 90%. O tamanho da amostra foi definido por meio de um cálculo de estimação de proporção multinominal, baseado nos estudos de Steven (1987). A maioria dos respondentes é do sexo feminino (67,6%), o que vai ao encontro do apontamento em pesquisas de que as mulheres tradicionalmente representam a maioria expressiva dos representantes em conselhos (Lüchmann & Almeida, 2010). A idade média gira em torno de 39 anos (DP = 11,25); a renda familiar predominante oscila entre 1 a 3 salários-mínimos (46,1%) e 4 a 5 salários-mínimos (32,8%); e a maioria tem graduação (30,4%) ou pós-graduação (39,7%). O tempo médio como representante de CMAS é de 31 meses (DP = 31,24), ainda que parte da amostra esteja atuando por até 180 meses. A situação no conselho é de titulares, para a maioria (69,6%); e os representantes do poder público (52,7%) e da sociedade civil (47,1%) se distribuíram de forma relativamente equitativa. Cabe salientar, ainda, que a pesquisa contou com respondentes de todas as regiões de Minas Gerais.
A coleta de dados foi realizada por meio da aplicação dos questionários Portrait Values Questionnaire - PVQ-21, Escala de Comprometimento Organizacional - ECOA e uma ficha sociodemográfica. O PVQ-21, também conhecido como PQ-21, foi traduzido e adaptado, tendo suas evidências de validade testadas no Brasil por Sambiase, Teixeira, Bilsky, Araújo e Domenico (2014). Esse instrumento é composto por 21 questões representativas dos dez tipos motivacionais de valores de Schwartz (1992), que descrevem objetivos, aspirações ou desejos que implicitamente apontam para a importância de dado tipo de valor para uma pessoa. Os testes realizados pelos referidos autores confirmaram a estrutura fatorial da escala, cujo alpha de Cronbach para os tipos motivacionais variou entre 0,45 e 0,65, se mantendo em torno de 0,60 para as dimensões bipolares. A ECOA é uma escala apresentada por Bastos, Siqueira, Medeiros e Menezes (2008), que possui 18 itens estruturados para indicar sentimentos positivos e negativos do respondente com relação à organização em que trabalha, permitindo analisar o nível de seu comprometimento organizacional afetivo. Os resultados dos testes a que foi submetida atestaram a confiabilidade da escala, que se constitui em uma medida unidimensional do comprometimento, cujo alpha de Cronbach foi de 0,95.
A coleta de dados foi realizada, em um primeiro momento, em uma Conferência de Assistência Social (quando se teve acesso aos representantes dos CMAS de diversas regiões do Estado de Minas Gerais), localizando os respondentes de acordo com o seu número de inscrição. Foram distribuídos 260 questionários físicos e desses retornaram 160 considerados válidos. Como o volume não foi suficiente para cobrir o número apontado pelo cálculo amostral, a coleta teve sua continuidade por meio de envio de mensagens por correio eletrônico, com o questionário em anexo, a 213 respondentes, obtendo por esse meio a adesão de mais 44 respondentes. A pesquisa foi aprovada pelo Comité de Ética da Universidade Federal de Alfenas, e todos os participantes foram requisitados a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
As análises dos dados foram feitas por meio do software SPSS, por meio de cálculos de média, desvio-padrão e frequência para os dados sociodemográficos, de modo a delinear o perfil dos respondentes. Os cálculos de média, desvio-padrão e análise de regressão hierárquica foram computados para os dados relativos aos valores pessoais e ao comprometimento organizacional dos participantes. A opção pela análise de regressão hierárquica se deu em virtude de se tratar de um estudo que buscou analisar a relação entre um conjunto de variáveis que já havia sido testado em pesquisas anteriores, porém em contextos distintos daquele enfocado no presente trabalho. Assim, a ordem de entrada dessas variáveis foi baseada nos referidos estudos, de modo que o grau de comprometimento afetivo foi tomado como variáveis dependentes e independentes; no primeiro bloco, a idade, o gênero, a escolaridade e o setor de representação dos conselheiros (poder público ou sociedade civil) e, no segundo bloco, os 10 tipos motivacionais de valores de Schwartz (1992). Numa segunda fase, as variáveis do primeiro bloco foram mantidas e, no segundo bloco, foram inseridas as quatro dimensões que agrupam os tipos motivacionais da teoria de valores mencionada (autopromoção, abertura à mudança, autotranscendência e conservação).
A inclusão dos dados sociodemográficos, como variáveis e controle na regressão, se deveu ao fato de que variados autores (Fernandes & Ferreira, 2009; Kim et al., 2016; Mathieu & Zajac, 1990; Meyer et al., 2002; Wang et al., 2015) têm apontado o seu papel, ainda que modesto (Bastos et al., 2013), na predição do comprometimento afetivo. Assim, as variáveis de idade, gênero e escolaridade foram incluídas por serem usualmente empregadas em estudos dessa natureza, quase sempre apresentando alguma explicação da variação no grau de comprometimento. Quanto à variável setor de representação, foi inserida no modelo por caracterizar um aspecto relevante da posição dos pesquisados em seus respectivos CMAS.
Resultados e discussão
Os resultados da análise de regressão que demonstrou a contribuição preditiva dos tipos motivacionais de valores humanos, em relação ao comprometimento organizacional afetivo, encontram-se dispostos na Tabela 1. Conforme ali se observa, as variáveis de controle (primeiro bloco) explicam significativamente a variância do grau de comprometimento afetivo (R2 = 0,14) e, após a entrada dos tipos motivacionais de valores (segundo bloco), uma explicação também significativa foi adicionada a tal variância (R2 = 0,32), com uma mudança em R2 da ordem de 18%. Esse resultado é indicativo de que os valores individuais oferecem uma explicação incremental considerável, além de idade, gênero, escolaridade e setor de representação em nível de comprometimento afetivo dos conselheiros com os CMAS.
Tomando-se a contribuição preditiva das variáveis sociodemográficas, nota-se que houve uma associação positiva entre a idade (β = 0,20) e a escolaridade (β = 0,27) e uma negativa com o setor de representação (β = -0,16), sendo esta última indicativa de que os conselheiros que representam o poder público são mais comprometidos afetivamente com os conselhos do que os representantes da sociedade civil.
No que tange à idade, Tamayo et al. (2001) já haviam aventado a possibilidade de que sua explicação do vínculo afetivo estivesse relacionada à maturidade psicológica. Já Bastos et al. (2013, p. 294) consideram que "não é possível afirmar que os trabalhadores ficam mais comprometidos à medida que envelhecem", mas que isso talvez possa ser devido aos efeitos provocados pela presença de grupos de gerações distintas na composição das amostras. Entende-se que ambas as suposições são plausíveis, embora, para o presente estudo, a primeira pareça mais aplicável, tendo em vista que a participação em conselhos é voluntária, portanto, indivíduos mais maduros podem apresentar maior envolvimento e disponibilidade de emitir esforços pela causa.
Da mesma forma, a maior escolaridade pode estar contribuindo para uma escolha mais consciente em participar do conselho, tendo em conta o seu potencial democrático, o que facilita a identificação com o ideário que fundamenta a existência de instâncias dessa natureza. Os achados de Wang et al. (2015) também observaram o papel da educação, mas de forma negativa em relação ao comprometimento afetivo e positiva em relação à intenção de deixar a organização, salientando que o maior nível de escolaridade de trabalhadores em organizações que visam ao lucro representa maior mobilidade no mercado de trabalho e menor vinculação afetiva. Assim, a mesma variável que representa possibilidade de escolha mais atrativa profissionalmente em um contexto é a que facilita a opção consciente pelo engajamento em outro; tanto que, dentre as variáveis demográficas no presente estudo, a escolaridade foi a que apresentou maior contribuição preditiva e significância para o modelo.
Em concernência ao maior comprometimento afetivo por parte dos conselheiros que representam o poder público, importa esclarecer que estes, mesmo atuando voluntariamente como conselheiros, possuem vínculo empregatício com o órgão governamental que representam, nas cadeiras que ocupam, e são indicados pelo gestor público para esse exercício. Os CMAS não possuem sede própria e se encontram normalmente instalados nas dependências do prédio da prefeitura municipal, o que pode ocasionar desde a dependência do apoio desta para seu funcionamento (Gurgel & Justen, 2013) até uma transformação do poder deliberativo previsto em uma função consultiva e, em alguns casos, legitimadora das decisões do poder público (Kronemberger, Tenório, Dias, & Barros, 2012). Paralelamente, o protagonismo estatal é sugerido por alguns autores, e as reuniões são mediadas por algum conselheiro do governo (Coelho & Veríssimo, 2004; Teixeira, Souza, & Lima, 2012). Por essas razões, entende-se que os representantes do poder público podem se sentir mais identificados e implicados na dinâmica dos CMAS do que os representantes da sociedade civil.
Examinando, por sua vez, os resultados referentes às variáveis antecedentes do segundo bloco, isto é, os tipos motivacionais de valores, nota-se que poder (β = -0,15) e benevolência (β = 0,28) ofereceram predição ao comprometimento afetivo. Sendo negativo o coeficiente β do primeiro, tem-se que quanto maior a valorização do status social, do prestígio e do controle de pessoas e recursos, menor tende a ser o nível de comprometimento. Assim, o conjunto desses resultados se mostra coerente tanto com os pressupostos da Teoria de Schwartz (1992) quanto com a realidade de um trabalho voluntário, que tem como uma de suas bases motivacionais o altruísmo.
Vale mencionar que a significância do coeficiente relativo ao universalismo (β = 0,16) ficou no limite do ponto de rejeição (p = 0,07), o que permite cogitar uma possível influência desse tipo motivacional sobre o comprometimento afetivo, que cabe ser averiguada em pesquisas futuras. Tomado juntamente com o tipo motivacional benevolência, compõem o polo autotranscendência, que enfatiza a aceitação da igualdade entre as pessoas, e o interesse por seu bem-estar, ao passo que o tipo motivacional poder compõe o polo exatamente oposto (autopromoção), que aborda o empenho por sucesso pessoal e domínio sobre o entorno (Schwartz, 2006). Contudo, dado que este último se apresenta com sinal negativo, termina por reforçar a autotranscendência como a motivação principal do comprometimento organizacional. Tal resultado sinaliza o esquecer de si em favor dos outros como uma força que contribui para explicar o comprometimento com os CMAS, onde os respondentes podem se engajar em alguma atividade em benefício da sociedade ou das pessoas próximas, em canais de participação social e de recepção de demandas, pensando no desenvolvimento humano e social e na efetivação dos direitos sociais.
Nessa vertente, importa salientar que a benevolência apresentou a maior contribuição preditiva de todas as variáveis do modelo e sua meta é de preservação, fortalecimento da solidariedade intragrupos e atenção ao bem-estar daqueles com quem se mantém contato pessoal mais frequente (Schwartz, 2005). Os que mais buscam projeção pessoal e destaque são os que menos se comprometem afetivamente, pois sua motivação é individualista. Logo, prevalece na explicação do comprometimento afetivo uma motivação de natureza coletivista, mas com um tipo de altruísmo mais alicerçado em relações de proximidade do que em ideais universais de igualdade e justiça social, que descrevem o tipo motivacional universalista. Então, os que apresentam maior tendência a um vínculo de envolvimento com os CMAS são aqueles que trazem os valores de benevolência como característica pessoal que os predispõe a priorizar o auxílio aos que lhe estão próximos. Isso pode acabar se manifestando por meio de um devotamento maior às demandas do setor e/ou da instituição representada.
Por fim, atentando para os resultados das análises que, considerando os dois grupos de representação conjuntamente, tomaram as dimensões de valores humanos como variáveis preditoras do segundo bloco (Tabela 2), emerge coerentemente a autotranscendência com um coeficiente expressivo (β = 0,43). Comparado ao primeiro modelo, este oferece explicação ligeiramente menos satisfatória, já que após a entrada das dimensões de valores (segundo bloco), a explicação adicionada à variância foi de 30%; e a mudança em R2, de 16%, portanto, 2% menor do que a obtida anteriormente. Contribuiu, entretanto, para fortalecer a conclusão de que a autotranscendência se apresenta como a motivação que explica o comprometimento afetivo no âmbito dos CMAS, dado que a autopromoção não se confirma nessa segunda análise como variável preditora.
Tais resultados contradizem a noção, defendida por Tamayo et al. (2001, p. 33), de que "o comprometimento organizacional não é um comportamento que se desenvolve a partir de uma única motivação, mas que apresenta um núcleo motivacional complexo". Por outro lado, corroboram a tese, que esses mesmos autores apresentam em seu estudo, de um comprometimento afetivo fundamentado em motivações de natureza coletivista. Aliás, esse se mostrou como o único aspecto que liga os resultados da presente pesquisa aos achados de estudos anteriores no Brasil, uma vez que a predição do comprometimento afetivo por valores de conservação foi uma tônica que se repetiu tanto no estudo de Tamayo et al. (2001) quanto no de Fernandes e Ferreira (2009) e, em certa medida, no de Martins e Sant'Anna (2014) por ter revelado como preditores do comprometimento afetivo os tipos motivacionais hedonismo e segurança, sendo esse último parte do grupo de valores de conservação. Com base no levantamento realizado, observou-se que o presente estudo foi o único a identificar o tipo motivacional benevolência e o fator de ordem superior autotranscendência como preditores do comprometimento afetivo e também o único do gênero desenvolvido junto a participantes em conselhos municipais, que se caracterizam em sua atuação como trabalhadores voluntários. Isso ressalta a relevância do contexto de estudo para o processo de estabelecimento de relações entre variáveis.
Considerações finais
Conforme salientam Bastos et al. (2014), uma das razões pelas quais o tema do comprometimento organizacional foi crescendo em evidência nas pesquisas, nas últimas décadas, está no potencial que os seus achados apresentam para o campo da gestão, ao viabilizar o repensar de políticas e práticas concernentes às pessoas nas organizações, de modo a promover melhor desempenho das funções sociais delas esperadas. Assim, quando se pensa na realidade dos conselhos municipais no Brasil, torna-se clara a relevância das funções sociais que cumprem, porém não talvez dos desafios com que se defrontam para a manutenção de seu funcionamento em conformidade com o ideário que serviu de base para sua criação. Por conseguinte, trata-se de um espaço que pode se beneficiar de estudos sobre o comprometimento de seus participantes, embora se trate de uma realidade ainda negligenciada em pesquisas dessa natureza.
Buscando suprir essa lacuna e também aprofundar a compreensão acerca do papel dos valores pessoais como antecedentes do comprometimento afetivo, este trabalho analisou a relação entre esses dois construtos numa pesquisa junto aos conselheiros municipais de assistência social do Estado de Minas Gerais. Como resultados, destaca-se que tanto os tipos motivacionais de valores quanto os fatores de ordem superior da Teoria de Valores Pessoais de Schwartz (1992) ofereceram explicação significativa ao comprometimento afetivo, independentemente de idade, sexo, escolaridade e setor de representação no conselho. Em termos mais específicos, a contribuição preditiva dos tipos motivacionais benevolência e poder (relação negativa) se fez notar, assim como da dimensão autotranscendência, sendo que dentre as variáveis controle destacaram-se as contribuições de escolaridade, idade e setor de representação, nessa ordem. Em suma, além de explicar a variância do comprometimento afetivo, os modelos indicaram que os conselheiros com maior idade, maior escolaridade, representantes do poder público e que valorizam menos o poder e mais a benevolência e a autotranscendência são aqueles que mais se mostram afetivamente vinculados aos CMAS.
Tal resultado conduz a refletir que para o fortalecimento dos vínculos afetivos dos conselheiros municipais de assistência social com esses espaços de formulação e controle de políticas públicas setoriais, faz-se necessário que esses últimos atuem mais efetivamente na promoção da igualdade e do bem-estar das pessoas, favorecendo a realização dos valores pessoais de autotranscendência. Em outras palavras, possibilitar aos conselheiros a concretização de suas motivações altruísticas tenderá a contribuir para o incremento do comprometimento afetivo nos CMAS. Isso pode se realizar, por exemplo, concedendo maiores oportunidades de se construir decisões coletivamente nesses espaços, já que algumas experiências analisadas em conselhos gestores de município mineiro (Oliveira & Pereira, 2014) revelaram a ocorrência de certa desarticulação social, aliada ao que os autores denominaram como oportunismo governamental, que favorece a priorização de suas demandas em detrimento do interesse público e da promoção do bem-estar social.
Nesse sentido, o presente trabalho trouxe algumas contribuições que podem beneficiar a gestão da dinâmica de trabalho nos conselhos municipais de assistência social e também inovou ao contemplar a questão do comprometimento afetivo em um espaço ainda não explorado pelas pesquisas. Além disso, permitiu aprofundar a compreensão acerca do papel dos valores pessoais na predição do comprometimento afetivo, fundamentando-se numa teoria de valores relativamente pouco explorada nos estudos em âmbito internacional e trazendo resultados que refutaram os achados de pesquisas anteriores, utilizando-se dessa teoria no Brasil, evidenciando como a mudança do contexto de estudo pode impactar o estabelecimento de relações entre variáveis. Isso se mostrou válido, inclusive, para a relação entre variáveis demográficas e para o comprometimento afetivo, conforme ocorrido com o nível de escolaridade, cujos achados de estudo anterior em organizações com finalidade lucrativa (Wang et al., 2015) apresentaram sentido inverso àquele observado no presente estudo.
Examinando-se, ainda, os resultados concernentes ao papel desempenhado pelos valores individuais, frente aos achados de pesquisas internacionais desenvolvidas com base na teoria de Schwartz, constatou-se que os resultados obtidos corroboraram parcialmente apenas para o estudo de Cohen e Liu (2011), que também identificaram relação positiva entre benevolência e comprometimento afetivo. Uma possível explicação reside na relativa similaridade de contexto, dado que o referido estudo foi desenvolvido junto a uma amostra de docentes israelenses que, segundo os autores, sofreram quedas expressivas em sua remuneração, percebendo baixos rendimentos comparativamente à realidade de outros países industrializados. Assim, embora não se trate de trabalho voluntário, configura-se um cenário em que a promoção dos próprios interesses não se encontra dentre as principais motivações do comportamento. Guarda, ainda, alguma similaridade em termos de natureza da atividade, haja vista se tratar de trabalho de inegável importância social.
Por fim, as limitações do presente estudo se revelam no fato de abranger apenas os CMAS atuantes nos municípios do Estado de Minas Gerais, impossibilitando a generalização de seus resultados para o território brasileiro e por se concentrar unicamente nos conselhos gestores da assistência social. Pesquisas futuras podem verificar como a relação entre valores e comprometimento afetivo se delineia nos CMAS de outros estados do país, bem como replicar o estudo junto a conselhos gestores de outras naturezas. As investigações de outras variáveis antecedentes que explicam o comprometimento afetivo em relação a conselhos gestores também são necessárias, bem como novos estudos que abordem o comprometimento afetivo em instituições de trabalho voluntário.
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Endereço para correspondência:
Virgínia D. Carvalho
Universidade Federal de Alfenas, Campus Varginha - MG
Av. Celina Ferreira Ottoni, 4000, Padre Vítor
37048-395. Varginha - MG, Brasil
E-mail: virginiadcarvalho@gmail.com
Recebido em: 21/11/2017
Primeira decisão editorial em: 08/04/2018
Versão final em: 03/05/2018
Aceito em: 03/05/2018