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Revista Psicologia Organizações e Trabalho

versão On-line ISSN 1984-6657

Rev. Psicol., Organ. Trab. vol.18 no.4 Brasília out./dez. 2018

https://doi.org/10.17652/rpot/2018.4.15202 

RESENHA

 

Resenha - em busca de organizações saudáveis

 

 

Liliana Andolpho Magalhães Guimarães; Fernando Faleiros de Oliveira; João Massuda Junior; Flavinês Rebolo

Universidade Católica Dom Bosco, Campo Grande, Mato Grosso do Sul, Brasil

 

 


Palavras-chave: Organizações; Impacto psicossocial; Saúde; Trabalhadores.


 

 

Livro: Zanelli, J. C., & Kanan, L. A. (2018). Fatores de risco e de proteção psicossocial: organizações que emancipam ou que matam. Lages: Editora da Uniplac. 160p.

O livro dos professores-doutores José Carlos Zanelli e Lilia Aparecida Kanan aponta que os primeiros estudos sobre fatores psicossociais de risco datam dos anos de 1960, ainda que nesse período o bem-estar e as doenças advindas do ambiente organizacional não fossem vistos como resultados das relações de trabalho.

Observa-se que essa discussão se torna mais palpável quando a Organização Internacional do Trabalho (OIT) estabelece esse conceito em documentos e convenções, diferencia-os dos riscos físicos e ergonômicos (que a obra também apresenta conforme as normativas brasileiras) e abre espaço para que - como proposto no livro - se amplie essa análise para a correlação entre fatores individuais e fatores internos e externos ao trabalho.

Assim, ao elucidar e diferenciar os significados de organizações de trabalho e de trabalhadores e apresentar a responsabilidade das organizações (em matar ou emancipar), alertam para a importância do cuidado com os fatores de risco tanto quanto com os de proteção psicossocial, visando a melhoria da qualidade de vida no trabalho e do desenvolvimento sustentável das organizações.

A obra apresenta também fenômenos e indicadores relevantes para a saúde organizacional, apontando que a realidade latino-americana demonstra incipiência na constituição de meios formais para a proteção psicossocial, o que pode gerar grandes perdas tanto para as instituições públicas quanto privadas.

Tendo em vista que boa parte da vida das pessoas se desenvolve nos ambientes de trabalho e que o trabalho é prática transformadora que viabiliza a realização dessas pessoas, compreender e permitir a esses ambientes de trabalho que se tornem mais sustentáveis e saudáveis habilita os indivíduos e as organizações a se desenvolverem em conjunto por meio das discussões tratadas pela presente obra, assim como posiciona o texto em discussões fundamentais para campos do saber, como a psicologia das organizações e do trabalho, a psicologia da saúde ocupacional, a gestão de pessoas, entre outras que se correlacionam com o mundo do trabalho e que possam fazer uso das práticas e dos conceitos apresentados pelos autores.

A obra conecta conceitos de organização saudável, resiliência e aprendizagem como meios para fortalecimento de estratégias de superação de adversidades, visto que estar saudável em uma organização saudável permite trilhar um caminho positivo para a produtividade e a sustentabilidade da organização e do trabalhador por meio de um enfoque salutogênico, no qual saúde e segurança se tornam valores estratégicos autênticos para toda a comunidade organizacional. Esse caminho aponta práticas que geralmente constituem organizações saudáveis e que buscam se alinhar ao conceito de trabalho decente e da dignidade humana. A gestão do trabalho decente e das organizações saudáveis se pauta em respeito, pleno potencial, valores e vitalidade das pessoas, focando em relacionamentos, interações positivas e realização total da coletividade para criar trabalhos com significado e pertencimento social. Uma gestão positiva e saudável de indicadores mostra que é possível mudar determinantes dos riscos psicossociais de forma a prevalecer a proteção à saúde dos trabalhadores nas práticas e políticas da organização.

O caminho natural leva a prevenir e a promover a saúde psicossocial para evitar riscos, considerando que a vulnerabilidade é diferente de acordo com os diferentes ambientes de trabalho. Se o ambiente é de alta vulnerabilidade e baixa precaução, tendem a surgir fatores psicossociais negativos, como corrupção, assédio moral e sexual, suicídio, depressão, adição ao trabalho, entre outros. Em contraponto, se valorizadas a precaução e a qualidade de vida no trabalho observam-se fatores psicossociais positivos, tais como relacionamentos saudáveis, comunicação positiva, relações adequadas de liderança, engajamento, recompensa e reconhecimento, entre outros, levando os trabalhadores a obter relações satisfatórias e adequadas com a organização e a desenvolver, assim, os conceitos plenos de satisfação, prazer e sentido no trabalho.

Esses fatores são permeados pela cultura e pelo poder dentro das organizações, pois se as interações humanas levam a uma gestão positiva, que equilibre produtividade e saúde, tal ambiente é impulsionado - enquanto comunidade, enquanto coletividade - ao sucesso, levando os trabalhadores a experienciar relações humanas positivas e a viver uma cultura organizacional saudável, voltada para o bem comum. Assim, a organização deve evitar a alienação de seus trabalhadores, pois, afastando-os da participação efetiva nos processos, abre-se espaço para a potencialização dos riscos psicossociais.

Até aqui a obra apresenta a necessidade da compreensão da organização por processos de ação e decisão que se organizam ao longo do tempo e que também se modificam pela dinâmica da relação das pessoas com a estrutura organizacional, das relações da organização com seu ambiente e das estratégias organizacionais com o ambiente externo e interno, de modo que tais inter-relações se desenvolvam de forma cooperativa para que os fenômenos psicossociais sejam efetivos no desenvolvimento de espaços de trabalho que emancipam.

Para tanto, aponta-se que a prática diária das organizações orientada pela ética e pelo bem comum facilita a identificação e prevenção de danos e reforça a importância da participação dos trabalhadores nas tomadas de decisão. É o caminho aos que estão à frente de cargos de gestão, com maior responsabilidade para defender valores e princípios que sejam positivos a toda a comunidade organizacional. Probidade, justiça, respeito, equidade e confiança são exemplos de valores organizacionais éticos que expressam consonância com um ambiente moralmente responsável e que ampara a gestão de riscos psicossociais e a promoção de saúde e segurança no trabalho.

Nesse sentido, valores pessoais e organizacionais sustentam, então, os fenômenos psicossociais. Em um contexto organizacional, comportamentos individuais alinham-se aos valores e às normas da cultura local e demonstram que interesses pessoais podem ser qualificados como coerentes ou incoerentes, influenciando na possível construção de uma cultura saudável ou doente. Os laços relacionais se estabelecem de modo que os fenômenos psicossociais têm estreita relação com a forma com que tais laços se desenvolvem no ambiente de trabalho. Logo, uma organização saudável é caracterizada por atitudes que dizem respeito à autonomia, à emancipação e ao desenvolvimento pessoal e profissional, atitudes estas que também são impulsionadas pela própria organização.

Observa-se, então, que um fenômeno, como a corrupção, afeta não só governos, mas também a estrutura das organizações, as relações nela estabelecidas e o comportamento e o senso ético de cada cidadão em diferentes ambientes sociais. A corrupção corporativa denota um fenômeno psicossocial negativo, pois impõe aos trabalhadores da instituição envolvida as mesmas características negativas demarcadas para tal organização. A responsabilidade social corporativa autêntica se dá por meio de políticas e planejamento que levem à saúde e à produtividade e, concomitantemente, aumentem os níveis de consciência de cada integrante para os riscos psicossociais nas relações de trabalho.

A potencialização de ações e comportamentos para a manutenção da sustentabilidade deve estar presente nos pressupostos da cultura organizacional. Para tanto, é fundamental articular conceitos apresentados ao longo da obra em busca de organizações que emancipam seus trabalhadores, ou seja, aquelas que são saudáveis e produtivas.

Isso é possível por meio da sistematização do conhecimento sobre risco e proteção psicossocial e torná-lo acessível a gestores e a toda a organização, visto que a intervenção nesses temas é complexa e multifacetada. Reforçar esse investimento depende do quanto cada organização investe em sua dimensão humana, de modo que se possa vivenciar o que a literatura da área apresenta: trabalhadores emocionalmente saudáveis geram relações positivas e proporcionam ambientes de trabalho e organizações saudáveis.

Ações de prevenção psicossocial devem ter caráter proativo e fazer parte do planejamento estratégico das organizações, planejamento este que deve sugerir recursos e práticas que possam ser realizados com o objetivo de promover a proteção psicossocial corporativa e de seus trabalhadores em busca de ambientes mais saudáveis e livres dos riscos.

Ao considerar a estratégia como meio fundamental para que uma empresa execute suas atividades - permeada por planos para tal consecução, pela aprendizagem e pelo padrão de coerência das ações organizacionais - que, às vezes, devem ser modificadas para vencer novas dificuldades, originadas tanto no ambiente externo quanto no interno, observa-se um caminho possível para a investigação de fenômenos psicossociais que apontem esses rumos (novos ou não) para que as organizações se tornem mais saudáveis, emancipatórias.

Contudo, sabendo que risco psicossocial diz respeito à interação entre conteúdo e trabalho, organização do trabalho e gerenciamento, tanto quanto são percepções subjetivas do trabalhador em relação aos fatores da organização do trabalho e das interações entre trabalho, evidenciando sua influência na saúde do trabalhador, e a respectiva dificuldade para tal diagnóstico, a obra sugere a necessidade de um diálogo mais efetivo com a construção de modelos de ação e/ou intervenção com as estratégias organizacionais.

Outrossim, é ressaltada a importância e a urgência de mais estudos, pesquisas e intervenções que dirijam seus objetivos para compreender e minimizar, com efetividade, acidentes, transtornos e doenças relacionados ao trabalho, buscando a construção de organizações saudáveis.

A decisão de criar diagramas para apresentar os fluxos entre as relações propostas pelo texto aponta uma forma interessante de organizar o pensamento proposto. No entanto, como os próprios autores descrevem, não se pode resumir a leitura e a compreensão a essas figuras, visto que podem se tornar extremamente simplistas, se analisadas sem apoio do texto.

O livro apresenta também a importância e os meios para realizar uma abordagem multinível que aponta a relação entre a responsabilidade social e os fenômenos psicossociais no contexto das organizações de trabalho - tanto quanto a integração entre variáveis de risco e de proteção psicossocial neste mesmo ambiente - por meio da sistematização da análise desses aspectos e do caráter dinâmico e interativo na relação entre risco e proteção.

Para chegar ao conceito de organização que emancipa, de organização saudável, e ao modelo mais adequado de se detectar os fenômenos psicossociais, há de se manter atenção às constantes transformações sociais, dos estilos de gestão, de organização do trabalho (no Brasil, por exemplo, a nova legislação trabalhista) e de novas tecnologias nesses ambientes.

Não existe um modo único de intervenção nesse campo, logo, as equipes de trabalho devem estar sensibilizadas sobre o tema e a ação deve estar vinculada às estratégias da organização, o que exige conhecimento, fundamentação e coerência por parte daqueles que levarão os conhecimentos desta obra a campo.

Assim, nós, psicólogos atuantes nas demandas relacionadas ao mundo do trabalho, agradecemos aos professores-doutores José Carlos Zanelli e Lilia Aparecida Kanan pelas relevantes contribuições aos estudos e à consolidação da Psicologia Organizacional e do Trabalho e da Psicologia da Saúde Ocupacional no Brasil, de modo a permitir à nossa categoria profissional importantes reflexões e possibilidades de aplicação prática desses construtos, diante dos amplos desafios e das oportunidades que encontramos nesses campos de atuação.

 

Referência

Zanelli, J. C., & Kanan, L. A. (2018). Fatores de risco e de proteção psicossocial: Organizações que emancipam ou que matam. Lages: Editora da Uniplac.         [ Links ]

 

 

Recebida em: 23/02/2018
Aceita em: 03/05/2018

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