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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.5 no.4 Calle  2013

https://doi.org/10.5579/rnl.2013.0165 

DOI: 10.5579/rnl.2013.0165

 

Qual é a participação de fatores socioeconômicos na inteligência de crianças?

 

Quelle est la part des facteurs socio-économiques dans l'intelligence d'un enfant?

 

¿Cuál es el rol de los factores socioeconómicos en la inteligencia de los niños?

 

What's the participation of socioeconomic factors on child intelligence?

 

 

Geise M. JacobsenI; André L. MoraesI; Flávia WagnerII; Clarissa M. TrentiniII

I Programa de pós-graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
II Programa de pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo do presente estudo foi verificar se a escolaridade dos pais e a renda da família são preditores da inteligência de uma amostra de crianças brasileiras de 6 a 12 anos de idade, a partir de duas medidas de inteligência. Quatrocentos e dezoito crianças, do sexo feminino ou masculino, provenientes de escolas privadas e públicas de Porto Alegre, foram avaliadas. Cento e noventa e três participantes foram avaliados pela Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI) (agrupamento 1) e 225 pelo teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (agrupamento 2). O Coeficiente de Correlação de Pearson foi utilizado para investigar a associação entre variáveis socioeconômicas e inteligência. Posteriormente, as variáveis com correlação significativa foram inseridas em um modelo de Regressão Linear Múltipla (método Stepwise). Correlações positivas de fracas a moderadas foram encontradas entre a escolaridade dos pais, o QI obtido na WASI e o percentil no Raven, bem como entre a renda e as mesmas medidas de inteligência. A escolaridade dos pais também apresentou associação com os escores brutos alcançados nos subtestes Raciocínio Matricial e Vocabulário da WASI. A escolaridade do pai e a renda da família explicam 15% da variância no QI da WASI. No subteste Raciocínio Matricial, a variável mais explicativa é a escolaridade do pai (8%). No Vocabulário, a escolaridade da mãe é a melhor preditora (22%). No Raven, a renda prediz 6% da variação no percentil. As variáveis socioeconômicas, por meio das condições ambientais oferecidas aos filhos, parecerem exercer um papel no desenvolvimento da inteligência das crianças, em especial nas medidas verbais.

Palavras-chave: Crianças, Escolaridade, Renda, Inteligência, Neuropsicologia.


RESUMEN

El objetivo de este estudio es determinar si la educación de los padres y los ingresos mensuales familiares son predictores de la inteligencia en una muestra de niños brasileños de 6-12 años de edad, a partir de dos medidas de inteligencia. Fueron evaluados cuatrocientos dieciocho niños, hombres y mujeres, de escuelas públicas y privadas de Porto Alegre. Ciento noventa y tres participantes fueron evaluados con la Escala Abreviada de Wechsler de Inteligencia (WASI) (grupo 1) y doscientos venticinco, por el Test de matrices progresivas de Raven (grupo 2). El coeficiente de correlación de Pearson fue utilizado para estudiar la asociación entre las variables socioeconómicas y la inteligencia. Posteriormente, aquellas variables que evidenciaron una correlación significativa se introdujeron en un modelo de regresión lineal múltiple (método por pasos). Se encontraron correlaciones significativas de débil a moderada entre la educación de los padres, el coeficiente intelectual obtenido sobre la WASI y el percentil Raven, así como entre los ingresos mensuales y las medidas de inteligencia. El nivel educativo de los padres también fue asociado con puntajes brutos obtenidos en los subtests Raciocino matricial y Vocabulario de la WASI. El 15 % de la varianza en el coeficiente intelectual de la WASI fue explicado por la educación y el ingreso mensual del padre. En la subprueba de Raciocino matricial, la variable más explicativa es la educación del padre (8 %). Para los resultado de Vocabulario de la WASI, la educación de la madre es el mejor predictor (22 %). El Raven predice los ingresos del 6% de la varianza en el percentil. En conclusión, las variables socioeconómicas, consecuencia de las condiciones ambientales de los niños, parecen jugar un rol fundamental en el desarrollo de la inteligencia de los niños, sobre todo en habilidades verbales.

Palabras clave: Niños, Educación, Ingresos mensuales, Inteligencia, Neuropsicología.


RÉSUMÉ

L'objectif de cette étude était de vérifier si le niveau d'éducation des parents et le revenu familial étaient prédicteurs de l'intelligence d'un échantillon d'enfants brésiliens de 6 à 12 ans, à partir de deux mesures d'intelligence. Quatre cent dix-huit enfants, féminins ou masculins, provenant d'écoles privées et publiques de Porto Alegre, ont été évalués. Cent quatre-vingt-treize participants ont été évalués avec le WASI (Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence) (le groupe 1) et 225 avec le Raven (Teste das Matrizes Progressivas) (le groupe 2). Le Coefficient de Corrélation de Pearson a été utilisé pour examiner l'association entre des variables socio-économiques et l'intelligence. Plus tard, les variables avec la corrélation significative ont été insérées dans un modèle de Multiples (la méthode Point par point) la Régression linéaire. Les corrélations positives de faibles à modérées ont été trouvées au niveau de l'éducation des parents, le QI obtenu dans le WASI et le centile dans le Raven, aussi bien qu'entre le revenu et les mêmes mesures d'intelligence. L'éducation du père et le revenu familial expliquent 15 % du désaccord dans le QI de WASI. Dans le sous-test Racioc í Nio Matricial, la variable la plus explicative est l'éducation ( 8 %) du père. L'éducation des parents a aussi présenté l'association avec le grand nombre de sous-tests Raciocínio Matricial e Vocabulário da WASI. Dans le Vocabulaire, l'éducation de la mère est le meilleur prédicteur (22 %). Dans le Raven, le revenu prévoit 6 % de la variation dans le centile. Les variables socio-économiques, par les conditions environnementales offertes aux enfants, semblent exercer un rôle dans le développement de l'intelligence des enfants, particulièrement dans les mesures verbales.

Mots-clefs: Enfants, Scolarité, Revenu, Intelligence, Neuropsychologie.


ABSTRACT

The goal of the present study was to investigate whether parental education and family predict intelligence in a sample of Brazilian children 6-12 years old on two intelligence measures. Four hundred and eighteen children, female or male, from private and public schools of Porto Alegre, were evaluated. One hundred and ninety-three participants were assessed by the Wechsler Abbreviated Scale of Intelligence (WASI) (group 1) and 225 by Raven's Coloured Progressive Matrices (group 2). The Pearson correlation coefficient was used to investigate the association between socioeconomic variables and intelligence. Then, the significant variables were entered into a multiple linear regression model (stepwise). Poor to moderate positive correlations were found between parents' education, IQ obtained on the WASI and percentile on Raven as well as between the income and the same measures of intelligence. The parental education was also associated with raw scores achieved in the Matrix Reasoning and Vocabulary subtests of the WASI. The father's education and family income explained 15% of variance in IQ of WASI. In the Matrix Reasoning subtest, the most explaining variable is the father's education (8%). Vocabulary, the mother's education is the best predictor (22%). In Raven, income predicts 6% of the variance in percentile. Socioeconomic variables, by means of environmental conditions offered to the children, play a role in the development of children's intelligence, especially in verbal measures.

Keywords: Child, Educational status, Income, Intelligence, Neuropsychology.


 

 

Introdução

O modelo psicométrico de inteligência desenvolvido ao longo do tempo apresenta diferentes concepções de como o construto é organizado e de quantos fatores o compõem. Spearman enfatizava a existência de uma capacidade intelectual geral (fator g), enquanto outros teóricos, como Thurstone, defendiam a existência de fatores amplos não correlacionados entre si. A teoria das capacidades cognitivas de Cattell-Horn-Carroll (CHC) é um refinamento das teorias até então apresentadas. Ela propõe uma integração das ideias de Raymond Cattell, John Horn e John Carroll, representando uma evolução do modelo Gf-Gc (inteligência fluida e cristalizada) (Primi, 2003; Schelini, 2006).

A CHC pode ser definida como um modelo multidimensional com dez fatores relacionados a áreas amplas do funcionamento cognitivo, abrangendo o conhecimento, a linguagem, a memória, a percepção visual, a produção de ideias, o raciocínio, a recepção auditiva, o rendimento acadêmico e a velocidade cognitiva. Essa teoria reconhece a existência do fator g, contudo, enfatiza as capacidades amplas. Em suma, entende-se a inteligência como um construto composto por capacidades múltiplas e passíveis de estimulação. Assim, a inteligência, como capacidade cognitiva global, é influenciada por fatores biológicos e socioculturais (Primi, 2003; Schelini, 2006).

Nas últimas décadas é observado, no cenário científico, um interesse de compreender a participação das variáveis socioculturais e demográficas na cognição humana e nos diferentes domínios neuropsicológicos. Entre essas variáveis, destaca-se o nível socioeconômico que está relacionado às condições econômicas e sociais experienciadas por uma família ao longo da vida (Ardila, Rosselli, Matute, & Guajardo, 2005; Castillo et al., 2011). O nível socioeconômico é uma variável complexa que é composta pela relação de diferentes fatores como escolaridade e ocupação dos pais/familiares, local de residência, além de renda familiar, entre outras.

É crescente o interesse em investigar a relação entre as variáveis socioeconômicas e as habilidades cognitivas em diferentes fases do desenvolvimento humano. As pesquisas sugerem a influência dos fatores socioeconômicos, principalmente da escolaridade dos pais, no desempenho e nas expectativas acadêmicas dos filhos. Há relatos de associações entre escolaridade e ocupação dos pais, nível socioeconômico e renda da família e funções cognitivas, como atenção, habilidades numéricas, raciocínio, memória e processamento executivo. Diferentes evidências sugerem que as variáveis socioeconômicas exercem um papel no desenvolvimento cognitivo, concebido também como um incremento da funcionalidade neuropsicológica e de estruturas e circuitos neurais (Ardila et al., 2005; Castillo et al., 2011; Davis-Kean, 2005; Filippetti, 2011; Ganzach, 2000; Klenberg, Korkman, & Lahti-Nuuttila, 2001; Villaseñor, Martín, Díaz, Rosselli, & Ardila, 2009).

Especificamente quanto à relação entre a inteligência e as variáveis socioeconômicas, um estudo recente verificou que o escore de inteligência de adolescentes, obtido a partir do Reasoning Tests Battery, aumenta linearmente de acordo com o aumento da escolaridade dos pais (Lemos, Almeida, & Colom, 2011). Esse mesmo estudo não encontrou relação significativa entre inteligência e renda. Colom e Flores-Mendoza (2007) encontraram apenas correlações fracas entre a escolaridade dos pais, a renda da família e a inteligência de crianças, mensurada a partir das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. A partir disso, os autores sugeriram que a relação entre essas variáveis socioeconômicas e a inteligência dos filhos é pouco significativa.

A pesquisa de Rowe, Jacobson e Van den Oord (1999) analisou a relação entre a escolaridade dos pais e a hereditariedade do quociente de inteligência (QI) por meio de uma medida de QI verbal. Os resultados encontrados sugerem que a escolaridade dos pais modera as influências genéticas e de ambiente compartilhado. A probabilidade de filhos apresentarem capacidade intelectual semelhante à dos pais aumentou de 25%, quando os pais apresentavam menos de 12 anos de estudo, para 75%, em famílias de pais com maior escolaridade. Em contrapartida, a influência do ambiente compartilhado decresceu de 20-40% para aproximadamente zero.

No mesmo sentido, os estudos de Turkheimer, Haley, Waldron, D'Onofrio e Gottesman (2003) sugerem que a proporção de variância no QI (estabelecido a partir da Escala de Inteligência Wechsler para Crianças) atribuída ao ambiente e aos genes varia de acordo com o nível socioeconômico. Nas famílias com condições socioeconômicas restritas, 60% da variância no QI é explicada pelo ambiente compartilhado, sendo a contribuição genética aproximadamente zero. Já nas famílias de maior nível socioeconômico, o resultado foi o contrário, evidenciando-se maior herdabilidade do QI.

Por outro lado, a investigação de Hanscombe et al. (2012) verificou que o efeito da hereditariedade na inteligência é similar tanto em famílias de alto nível socioeconômico quanto de baixo. Contudo, a influência do ambiente compartilhado é maior em famílias com menores condições socioeconômicas. Portanto, o nível socioeconômico modera apenas as condições ambientais. Em geral, sugere-se que a melhoria nas condições ambientais tende a aumentar a hereditariedade dos traços genéticos.

A partir disso, pode-se sugerir que o QI dos pais, que é associado a fatores genéticos, influencia a sua escolaridade e, como consequência disso, a sua ocupação, renda e nível socioeconômico em geral. Em contrapartida, o ambiente pode restringir a expressão dos genes, caracterizando o desenvolvimento como um processo de interação constante entre aspectos ambientais e genéticos, gerando diferenças na inteligência. Em suma, a escolaridade dos pais pode ser um indicador de aspectos socioeconômicos e também de tendências genéticas (Filippetti, 2011; Klenberg et al., 2001; Lemos et al., 2011; Rowe et al., 1999).

Pode-se perceber que existem diferentes interpretações sobre a participação das variáveis socioeconômicas na inteligência, sugerindo a necessidade de obtenção de mais evidências acerca dessa relação, principalmente com amostras brasileiras, tendo em vista a variabilidade cultural e socioeconômica do país. A partir disso, o objetivo deste estudo foi verificar o papel da escolaridade dos pais e da renda da família na inteligência de uma amostra de crianças brasileiras de 6 a 12 anos de idade, a partir de duas medidas de inteligência empregadas no contexto de avaliação psicológica. Até onde se sabe, não há estudos que busquem de forma concomitante evidências sobre a influência dessas variáveis socioeconômicas em mais de uma medida de inteligência. Sendo assim, esta investigação pode contribuir com achados ainda não retratados em sua íntegra na literatura acerca dos fatores influentes na evolução ontogenética da inteligência.

 

Método

Os dados deste estudo são provenientes de um banco de dados do Grupo Neuropsicologia Clínica e Experimental, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universitária Católica do Rio Grande do Sul. O projeto do qual faz parte esta investigação foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da mesma instituição (nº 09/04864).

Participantes

Foram avaliadas 418 crianças de ambos os sexos, com idades de 6 a 12 anos, provenientes de escolas públicas e privadas de Porto Alegre. Os dados desses participantes foram agrupados conforme o instrumento de avaliação empregado para estimar o valor do QI.

Agrupamento 1 – Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI)

Participaram deste agrupamento 193 crianças de ambos os sexos (feminino n=105; masculino n=88), de escolas privadas (n=111) e públicas (n=82), idades de 6 a 12 anos (M=9,26; DP=1,89) e escolaridade do 1º ao 7º ano do Ensino Fundamental em andamento. O QI dos participantes na WASI foi, em média, 108,23 (DP=13,27). O nível socioeconômico médio, mensurado pelo Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2013), foi 30,48 (DP=6,87). Por fim, a média da pontuação no Questionário Abreviado de Conners foi 2,66 (DP=4,24).

Agrupamento 2 – Matrizes Progressivas Coloridas de Raven – Escala Especial

Foram agrupados 225 participantes do sexo feminino (n=122) e masculino (n=103), de escolas privadas (n=106) e públicas (n=119), idades de 6 a 11 anos (M=8,52; DP=1,87) e escolaridade do 1º ao 7º ano do Ensino Fundamental em andamento. O percentil médio das crianças no teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven foi 82,32 (DP=16,98). O nível socioeconômico (ABEP, 2013) foi, em média, 29,44 (DP=7,40). Já a média da pontuação no Questionário Abreviado de Conners foi 3,11 (DP=4,45).

Critérios de exclusão

Foram considerados os seguintes critérios de exclusão: a) repetência escolar; b) queixas generalizadas de aprendizagem; c) queixas de linguagem oral; d) dificuldades sensoriais (auditivas e/ou visuais) não corrigidas; e) histórico atual ou prévio de doenças genéticas, sindrômicas ou crônicas; f) histórico atual ou prévio de doenças neurológicas ou psiquiátricas; g) quociente de inteligência sugestivo de deficiência intelectual (percentil igual ou inferior a 25 no teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven ou QI Total abaixo de 80 na Escala Wechsler Abreviada; h) pontuação igual ou superior ao ponto de corte no Questionário Abreviado de Conners (indícios significativos de desatenção, hiperatividade e impulsividade).

Os procedimentos éticos foram respeitados. As avaliações foram realizadas na escola durante o turno letivo em local adequado. O agrupamento 1 foi examinado em uma sessão de aproximadamente 20 minutos, já o 2 em cerca de 10 minutos.

Instrumentos

a) Questionário de dados sociodemográficos e de saúde: respondido por um dos pais e/ou responsáveis. Ele informa os dados pessoais (idade, escolaridade, entre outros) e o histórico clínico e escolar da criança (doenças, queixas e repetência), permitindo a verificação dos critérios de exclusão e inclusão, exceto os indícios de desatenção, hiperatividade e impulsividade e os sinais de deficiência intelectual. Identifica-se, também, o nível socioeconômico, incluindo as condições de moradia e a escolaridade dos pais, a qual é preenchida em anos pelos mesmos. A renda foi determinada a partir do Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP, 2012), usualmente utilizado em pesquisas para mensurar as condições socioeconômicas de famílias brasileiras (Colom & Flores-Mendoza, 2007).

b) Questionário Abreviado de Conners (Barbosa & Gouveia, 1993): composto por dez afirmações referentes a sinais de desatenção, hiperatividade e impulsividade. Ele foi preenchido por um dos professores do participante, a partir da seleção de uma das seguintes opções para cada afirmativa: nenhum; pouco; razoável; e muito. São considerados os pontos de corte definidos por Brito e Pinto (1991) para crianças brasileiras, de acordo com a faixa etária e o sexo.

c) Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI) (Trentini, Yates, & Heck, in press; Yates et al., 2006): uma bateria breve destinada à avaliação da inteligência geral da população de 6 a 89 anos de idade, já aprovada pelo Conselho Federal de Psicologia. De forma mais específica, ela mensura a inteligência cristalizada e a fluida, incluindo o conhecimento verbal, o processamento de informação visual, o raciocínio espacial e não verbal (Canivez, Konold, Collins, & Wilson, 2009; Yates et al., 2006).

A WASI é composta por quatro tarefas: Vocabulário e Semelhanças, que avaliam as habilidades cristalizadas ou verbais; Cubos e Raciocínio Matricial, que mensuram a capacidade fluida ou não verbal. Assim, a escala infere o desempenho executivo e verbal e estima o QI Total. A WASI conta com estudos psicométricos e normas para avaliar o QI também a partir de sua versão reduzida, que inclui as tarefas Vocabulário e Raciocínio Matricial. A aplicação da bateria completa (quatro tarefas) é de, aproximadamente, 30 minutos e da abreviada (duas tarefas), de 15 minutos (Canivez et al., 2009; Yates et al., 2006).

Para este estudo, foi administrada a versão reduzida. A tarefa de Vocabulário investiga a habilidade verbal dos indivíduos em identificar e descrever itens visuais e conceituar o significado de palavras. É composta por quatro figuras e 38 palavras apresentadas oralmente e visualmente. A criança é orientada a dizer o que é ou o que significa cada estímulo. A tarefa de Raciocínio Matricial é formada por 35 estímulos visuais incompletos, em que o participante deve estabelecer a relação lógica entre os estímulos e indicar qual das cinco opções oferecidas como resposta melhor completa cada um dos itens (Yates et al., 2006).

d) Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves, Custódio, Duarte, & Duarte, 1999): Tarefa lógica de raciocínio matricial formada por 36 figuras –estímulos incompletos – em que a criança deve identificar a relação lógica contida em cada estímulo e inferir a resposta, selecionando qual das alternativas apresentadas melhor o completa. O teste é dividido em três séries de 12 itens (A, Ab e B), organizadas em ordem crescente de dificuldade, sendo, inclusive, cada série mais difícil que a anterior.

A aplicação foi realizada individualmente e teve a duração de aproximadamente 15 minutos. Esse instrumento se presta a mensurar a capacidade intelectual geral (fator g) (Bandeira, Alves, Giacomel, & Lorenzatto, 2004) de crianças de 5 a 11 anos de idade.

Procedimentos de análise dos dados

As variáveis independentes consideradas no estudo foram: escolaridade da mãe, escolaridade do pai e a renda da família. Já as variáveis dependentes foram o percentil obtido no Raven e o valor de QI na WASI, além dos escores brutos alcançados nos subtestes Vocabulário e Raciocínio Matricial desse instrumento. Optou-se pela utilização dos escores brutos para permitir maior variabilidade.

Utilizou-se, então, o Coeficiente de Correlação de Pearson para investigar as possíveis associações entre as variáveis socioeconômicas e a inteligência, sendo consideradas significativas correlações com um valor de p< 0,05. Por fim, as variáveis que apresentaram correlações significativas com as medidas de QI foram utilizadas para um modelo de regressão com o uso da Regressão Linear Múltipla (método Stepwise).

 

Resultados

No agrupamento 1, entre os participantes avaliados com a WASI, a média do QI foi 108,23 (DP=13,27), sendo o valor mínimo 81 e o máximo 143. Já entre os participantes avaliados com o Raven (agrupamento 2), a média do quociente de inteligência foi de 82,32 (DP=16,98), com um percentil mínimo de 25 e máximo de 99.

Encontraram-se correlações positivas fracas da escolaridade dos pais com o QI obtido na WASI e o percentil no Raven. Ainda, a escolaridade dos pais apresentou uma associação moderada com o Vocabulário e fraca com o Raciocínio Matricial, ambos subtestes da WASI. A renda, por sua vez, demonstrou uma correlação moderada com o QI na WASI e fraca com o percentil no Raven. Os resultados da análise correlacional podem ser observados na Tabela 1.

 

 

A renda explica 13% da variância do QI obtido na WASI, contudo, conjuntamente, a renda e escolaridade do pai predizem 15%. No raciocínio Matricial, a variável mais explicativa é a escolaridade do pai (8%), já no Vocabulário é a da mãe (22%). Por fim, no Raven, a renda prediz 6% da variação no percentil. Os resultados da regressão podem ser verificados na Tabela 2.

 

 

 

Discussão

O presente estudo buscou verificar a influência da escolaridade dos pais e da renda da família na inteligência de crianças de 6 a 12 anos de idade. Foram encontradas correlações positivas de fracas a moderadas entre a escolaridade da mãe, a escolaridade do pai e a renda e o percentil obtido no Raven e o QI na WASI. Além disso, as maiores associações foram as evidenciadas entre as escolaridades da mãe e do pai e os escores brutos atingidos no subteste Vocabulário da WASI. Constatou-se correlação fraca dessas variáveis também com a tarefa Raciocínio Matricial do mesmo instrumento. Sendo assim, pode-se pensar que melhores condições socioeconômicas, especialmente maior escolaridade dos pais, estão associadas a maior capacidade intelectual das crianças.

A literatura sugere que há maior influência das variáveis socioeconômicas nas medidas verbais em relação às não verbais / executivas, o que endossa os resultados deste estudo, a partir da maior associação encontrada entre a escolaridade dos pais e os escores brutos no subteste vocabulário da WASI, uma medida verbal, em comparação à correlação com o Raven, um teste de raciocínio lógico e matricial. Sendo assim, pode-se supor que os pais com melhores condições socioeconômicas tendem a apresentar maiores habilidades linguísticas, o que influencia o desempenho das crianças em tarefas verbais. Há evidências de que a capacidade linguística de crianças de baixo nível socioeconômico é inferior em relação às suas próprias habilidades cognitivas e à população geral (Ardila et al., 2005, Catale, Willems, Lejeune, & Meulemans, 2012).

As investigações de Ardila et al. (2005) e de Catale et al. (2012) constataram maior associação de condições socioeconômicas com medidas verbais. Ardila et al. (2005), particularmente, não encontraram resultados significativos acerca da relação entre fatores socioeconômicos e instrumentos não verbais (Matrices, semelhante ao Raven, e Card Sorting, similar ao Wisconsin, ambos da bateria Evaluación Neuropsicológica Infantil). Assim, os resultados aqui encontrados estão de acordo, parcialmente, com os achados dessas pesquisas, visto que foi evidenciada uma maior correlação da escolaridade dos pais com uma tarefa verbal. Em contrapartida, este estudo contribui com evidências de que fatores socioeconômicos também podem influenciar medidas fluidas de inteligência, como o Raven, tendo em vista a associação do percentil das crianças nesse teste tanto com a escolaridade dos pais quanto com a renda da família.

Os estudos historicamente sugerem que a inteligência fluida apresenta pouca influência de aspectos culturais, sendo mais determinada por aspectos biológicos (Rindermann, Flores-Mendoza, & Mansur-Alves, 2010; Schelini, 2006). Contudo, apesar da correlação fraca com o Raven e do reduzido potencial de predição da capacidade intelectual nesse instrumento, as variáveis socioeconômicas parecem, em certa medida, estar relacionadas à inteligência inclusive no que diz respeito à inteligência fluida (Rindermann et al., 2010).

Em suma, a escolaridade dos pais demonstra estar mais relacionada à inteligência cristalizada, à memória semântica e ao desenvolvimento léxico-semântico, vinculado à aquisição do vocabulário. A menor associação dos fatores socioeconômicos com a inteligência fluida (subteste Raciocínio Matricial) pode ter reduzido a correlação deles com o QI na WASI e o potencial de explicação das mesmas variáveis na regressão. A renda, por sua vez, parece não exercer um impacto no desempenho em subprocessos específicos nessa amostra, mas sim à inteligência em geral e às suas múltiplas dimensões.

Especificamente quanto ao Raven, os achados deste estudo se assemelham aos de Colom e Flores-Mendoza (2007), que verificaram apenas uma relação fraca entre a escolaridade dos pais, a renda familiar e o desempenho de crianças nesse instrumento. Esse resultado se deve, possivelmente, à carência de uma medida verbal nesse teste, tendo em vista que as pesquisas têm encontrado maiores associações entre índices socioeconômicos e tarefas verbais (Ardila et al., 2005; Catale et al., 2012).

Colom e Flores-Mendoza (2007) utilizaram como medida de inteligência apenas o teste Matrizes Progressivas Coloridas de Raven. Este se baseia na teoria bifatorial de Charles Spearman, tendo como objetivo avaliar a capacidade intelectual geral (fator g), mais especificamente, a capacidade dedutiva. Sendo assim, o Raven mensura somente a inteligência fluida, que se refere à precisão e à velocidade de processamento do raciocínio abstrato e da resolução de problemas (Bandeira et al., 2004; Diamond, 2013; Yates et al., 2006). Dessa forma, trata-se de um diferencial da presente investigação a utilização da WASI, permitindo a avaliação tanto da inteligência fluida quanto da cristalizada (conhecimento e vocabulário adquiridos) (Bandeira et al., 2004; Yates et al., 2006).

Considerando-se as associações entre a WASI, a escolaridade dos pais e a renda da família, pode-se pensar que esse instrumento se mostra mais sensível para detectar a influência de características socioeconômicas na inteligência, provavelmente, devido à inclusão de uma tarefa verbal (medida cristalizada), diferindo do Raven, que abrange somente as habilidades fluidas. Frente a esses resultados, hipotetiza-se que as condições socioeconômicas podem exercer um papel no desenvolvimento da inteligência, principalmente, nas habilidades cristalizadas.

No mesmo sentido, o maior potencial de predição das variáveis socioeconômicas no subteste Vocabulário (escolaridade da mãe explica 22% da variação no desempenho) reforça a hipótese de que a participação delas na inteligência pode estar mais vinculada às habilidades verbais (Ardila et al., 2005; Catale et al., 2012), sendo os instrumentos que medem a capacidade cristalizada mais influenciados por essas variáveis. Especialmente, a escolaridade dos pais relaciona-se mais às medidas verbais devido à influência dela no desenvolvimento da linguagem e do vocabulário das crianças (Aarnoudse-Moens, Weisglas-Kuperus, Duivenvoorden, Oosterlaan, & Goudoever, 2013; Ardila et al., 2005; Dollaghan et al., 1999; Hoff, 2003), provavelmente relacionada ao papel parental de estimulação cognitivo-linguística por conversação, brincadeiras e leitura compartilhada de histórias. Considerando que muitos estudos enfatizam a escolaridade da mãe, é importante ressaltar também o papel do pai e/ou cuidador paterno na evolução ontogenética da inteligência, uma vez que a sua escolaridade foi o melhor preditor do desempenho no subteste Raciocínio Matricial (8%) e um dos melhores no QI da WASI, junto à renda (15%) (Dollaghan et al., 1999; Filippetti, 2011; Hoff, 2003). A menor relação das variáveis socioeconômicas com habilidades fluidas pode ter reduzido o potencial de explicação da escolaridade dos pais no QI da WASI, sendo que somente a renda prediz 13% da variância nos resultados. A renda parece estar mais relacionada a medidas gerais e não verbais de inteligência, tais como o Raven (6%).

Possivelmente, os pais com maior nível socioeconômico tendem a criar um ambiente que oferece maior estimulação cognitiva aos filhos, contribuindo para o incremento no desenvolvimento das habilidades linguísticas, da capacidade para resolver problemas e da inteligência em geral (Aarnoudse-Moens et al., 2013; Ardila et al., 2005; Castillo et al., 2011; Filippetti, 2011; Lemos et al., 2011; Rowe et al., 1999; Villaseñor et al., 2009). Frente a isso, questiona-se sobre quais características favorecem a estimulação ambiental do ponto de vista cognitivo.

Entre esses fatores, os estudos indicam que os pais com melhores condições socioeconômicas e, principalmente, com maior escolaridade, tendem a empregar uma maior variedade lexical, ler mais para os seus filhos, produzir orações maiores e utilizar um vocabulário mais rico em geral. Essas características estão relacionadas ao desenvolvimento mais rápido da linguagem das crianças, o uso de léxico mais rico por elas, maiores hábitos de leitura e melhor desempenho linguístico e cognitivo em geral (Aarnoudse-Moens et al., 2013; Catale et al., 2012; Davis-Kean, 2005; Filippetti, 2011; Villaseñor et al., 2009). A investigação de Dollaghan et al. (1999) demonstrou que desde os três anos de idade há uma correlação positiva entre a escolaridade da mãe e o número e tipo de palavras utilizadas, a porcentagem de consoantes articuladas de forma correta e o tamanho das frases proferidas pelos filhos.

Além disso, as condições socioeconômicas podem suscitar diferenças no estilo parental e na maneira que os pais interagem com os filhos, sendo as interações mais enriquecidas cognitivamente. Podem-se mencionar, também, diferenças quanto ao acesso aos materiais de alfabetização, às oportunidades de aprendizagem e ao suporte social oferecidos aos filhos (Aarnoudse-Moens, 2013; Ardila et al., 2005; Castillo et al., 2011; Davis-Kean, 2005; Filippetti, 2011).

Por fim, os pais com alta escolaridade, especialmente com nível superior, possivelmente, possuem atitudes e expectativas mais voltadas aos objetivos acadêmicos em comparação àqueles com menor escolaridade. Isso pode gerar diferenças no ambiente que eles proporcionam aos filhos, incluindo as atividades que os pais realizam com as crianças (Ardila et al., 2005).

Pode-se supor que diferenças quanto às habilidades cognitivas subjazem a escolaridade e a renda dos pais. Sendo assim, a inteligência dos filhos poderia ser o resultado de traços genéticos herdados, contudo, ainda que não se possa desconsiderar essa influência, sabe-se que as variáveis socioeconômicas moderam os fatores genéticos (Colom & Flores-Mendoza, 2007; Rowe et al., 1999).

Em suma, as variáveis socioeconômicas, por meio das condições ambientais oferecidas aos filhos, podem influenciar a maturação cerebral. Consequentemente, elas podem exercer influência sobre a evolução ontogenética das habilidades cognitivas das crianças (Filippetti, 2011).

 

Considerações finais

Os achados deste estudo contribuem com evidências da participação das variáveis socioeconômicas, especificamente da escolaridade dos pais e da renda familiar, na inteligência das crianças. A escolaridade dos pais parece influenciar especialmente as habilidades verbais. Já a renda, os aspectos mais gerais da inteligência. O impacto das variáveis socioeconômicas na inteligência se dá, possivelmente, pela estimulação cognitiva oferecida às crianças pelos seus cuidadores parentais, a qual pode apresentar diferenças de acordo com a escolaridade e a renda da família.

Analisaram-se neste estudo algumas das variáveis ambientais mais significativas para o desenvolvimento cognitivo. Apesar disso, devem-se considerar outros fatores que, possivelmente, também influenciam o desenvolvimento das funções cognitivas, tais como a idade, a escolaridade, o sexo e o tipo de escola, além da ocupação dos pais.

Nesse sentido, trata-se de uma limitação desta investigação a carência de controle quanto à distribuição da amostra em relação à escolaridade, à idade e ao tipo de escola. Contudo, isso não descaracteriza a importância dos achados da presente pesquisa enquanto evidências iniciais acerca da influência das variáveis socioeconômicas na inteligência da população infantil brasileira, sugerindo a necessidade de mais estudos sobre esse tema a fim de compreender de forma mais profunda essa relação.

Os resultados aqui apresentados podem contribuir para a compreensão da influência complexa das variáveis socioeconômicas na inteligência, principalmente no Brasil, onde há ampla diversidade de condições culturais, econômicas e sociais. A partir disso, eles podem oferecer subsídios para otimizar políticas públicas e possibilidades de intervenção em nível preventivo em instituições da área da educação e da saúde. Especificamente, os achados podem favorecer o avanço da neuropsicologia no planejamento e execução de programas de capacitação de professores e psicoeducação de cuidadores parentais com a finalidade de tornar rotineiras as atividades vinculadas à promoção das habilidades linguísticas e cognitivas em geral, tais como a leitura compartilhada.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Geise M. Jacobsen
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre
Avenida Ipiranga, 6681 – prédio 11 sala 932
CEP 90619-900 - Porto Alegre, Brasil
E-mail: geisejacobsen@gmail.com

Artigo recebido: 09/10/2013
Artigo revisado: 20/12/2013
Artigo revisado (2ª revisão): 26/12/2013
Artigo aceito: 30/12/2013

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