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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.5 no.1 São Paulo 2013
ARTIGO
Reflexões sobre a metodologia de pesquisa em psicodinâmica do trabalho
Reflections about the research methodology in psychodynamics of work
Renata Sabrina Maciel Lobato Louzada; Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Universidade Federal do Pará (UFPA)
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo refletir a utilização da metodologia de pesquisa qualitativa na Clínica do Trabalho, mais especificamente o uso da Psicodinâmica do Trabalho, de Christophe Dejours e suas adaptações nos estudos realizados no Brasil. Neste sentido, procura esclarecer os principais conceitos da teoria e sua articulação com a prática para compreensão da subjetividade e vivências de prazer-sofrimento do sujeito no ambiente de trabalho, bem como suas implicações para a dinâmica das relações sociais. Dialoga com autores que estudam a metodologia da psicodinâmica do trabalho e segue com a apresentação de três pesquisas que utilizam a referida teoria como referencial.
Palavras-chave: psicodinâmica do trabalho; subjetividade; prazer-sofrimento
ABSTRACT
The present article aims to reflect the use of qualitative research methodology in work clinics, more specifically the use of psychodynamics of work of Christophe Dejours and adaptations in studies conducted in Brazil. In this sense, seeks to clarify the main concepts of the theory and its articulation with practice to understand subjectivity and pleasure-suffering of the subject in the workplace, as well as its implications for the dynamics of social relations. Dialogues with authors who study the methodology of the psychodynamic of work and follows with the presentation of three studies that used this theory as a reference.
Keywords: psychodynamics of work; subjectivity; pleasure-suffering.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo reflejar la utilización de la metodología de investigación cualitativa en las clínicas del trabajo, más concretamente, el uso en la Psicodinámica del trabajo, de Christophe Dejours, y sus adaptaciones nos estudios realizados en Brasil. Para esto, trata de aclarar los principales conceptos de la teoria y su articulacion con la prática con el fin de entender la subjetividad y vivencias de placer-sufrimiento del sujeto en su ambiente de trabajo, así como las implicaciones para la dinámica de las relaciones sociales. Concluye con algunos autores que estudian la metodologia de la psicodinâmica del trabajo y con la presentación de três investigaciones que utilizan esta teoria como referencial.
Palabras clave: psicodinámica del trabajo; subjetividad; placer-sufrimiento.
1. Introdução
Dada a sua importância para as escolhas pessoais e profissionais, as quais, na maior parte do tempo, seguem carregadas de expectativas positivas quanto ao sucesso na carreira e na posição que cada indivíduo1 irá ocupar dentro da sociedade, o trabalho desempenha um papel fundamental na vida humana. Grande parte do tempo de cada um é gasto com o trabalho2, as relações que dele se estabelecem, os problemas e prazeres por ele acarretados. Trabalho não é somente fator de sobrevivência física, mas é eficaz à constituição do sujeito e do 'corpo' social. Nesse sentido, se o trabalho habita entre os diversos suportes da atividade humana, ele "condiciona a perenização de todos os outros ao assegurar ou não a sobrevivência de cada membro da espécie, mesmo ao preço das mais graves desilusões" (Clot, 2006, p. 90).
Bendassolli (2005) informa que existe um novo credo na cultura empresarial, na qual o indivíduo bem-sucedido é aquele que consegue construir uma identidade pessoal que não dependa de nenhuma outra coisa que não seja a sua própria ação, isto é, sua capacidade e eficiência no agir que funcionaria como garantia de "superação limites". Nesse "culto à performance", exigese cada vez mais do trabalhador uma postura de excelência, na qual ele é responsável integral por seus êxitos e fracassos. Em tal acepção, o que impera, na maioria das vezes, é um ambiente de trabalho repleto de tensão, cobrança, concorrência e desgaste, o qual pode contribuir para o adoecimento do trabalhador.
De acordo com Alves (2005), as condições e a organização do trabalho, além das vivências de dor, confrontam-se com as aspirações, motivações e desejos do sujeito, pois este passa a reavaliar os aspectos negativos do seu trabalho de maneira a caracterizá-lo, ou não, como penoso e de menos valia, o que pode gerar insatisfação na execução significativa de determinadas atividades.
A temática do trabalho constitui um imenso campo, portanto, demarcamos um recorte de abordagem: alguns efeitos subjetivos derivados da relação trabalho e subjetividade, analisados em alguns aportes teóricos que dão origem ao que a literatura da área nomeia "Clínicas do Trabalho", que constitui um conjunto de teorias cujo ponto central é o estudo do trabalho e da subjetividade, em uma busca pela articulação entre aspectos presentes no "mundo psíquico e no mundo social" dos indivíduos. Nas clínicas do trabalho, o foco de pesquisa é uma intervenção da realidade social vivida pelos sujeitos, suas experiências de trabalho. Dentre as citadas clínicas, destacamos a Psicodinâmica do Trabalho (PDT), criada por Christophe Dejours3, que procurava caracterizar a organização do trabalho enquanto fonte de desgaste e sofrimento, com ênfase nos processos criativos que mobilizam o sujeito de forma a resistir diante das dificuldades oriundas no real do trabalho4 (Bendassolli & Soboll, 2010).
As primeiras pesquisas de Dejours, realizadas na década de 1980 (oitenta), com a publicação de seu livro A Loucura do Trabalho, mostraram que o autor iniciou seus estudos orientado na lógica dos preceitos da Psicopatologia do Trabalho. Aos poucos, no entanto, começou a questionar a ideia da rigidez e inflexibilidade com que esta teoria abordava a relação dos sujeitos e o trabalho, isto porque se apoiava em um modelo de patologia profissional, na qual o trabalho era visto como causa de distúrbios psicopatológicos. Dejours questionou com potência essa relação (Dejours, 2011a).
Em sua origem, a Psicodinâmica do Trabalho inicia seus estudos através da investigação do sofrimento psíquico do sujeito na sua relação com o trabalho, levando em conta, principalmente, os processos defensivos, individuais e coletivos que os trabalhadores utilizam para transformar, de maneira criativa, sua relação com a organização do trabalho. Seu método era a escuta do sofrimento do trabalhador em "espaços de discussão" em grupo (Martins, 2009).
Ainda de acordo com a autora, tal teoria aponta para a mobilização do trabalhador frente à realidade da organização do trabalho. A distância entre o formal e o real é sempre fonte de desgaste e sofrimento. Nesse sentido, a experiência do trabalhador, ao oferecer sua subjetividade na ação, aparece enquanto força capaz de transformar sofrimento em prazer (Martins, 2009).
Para Heloani e Lancman, (2004), a PDT procura, através da escuta dos trabalhadores, de preferência em grupo, construir com os mesmos uma reflexão acerca de seu trabalho. A mobilização pela elaboração é o que proporcionaria as condições necessárias para que haja uma transformação no trabalho. É somente através da elaboração dos sentidos e da vivência que o trabalhador poderá perceber as dificuldades e sofrimentos nos quais está inserido e que suas defesas não permitem enxergar. Essa abertura possibilita aos sujeitos lutarem por sua emancipação. Onde existe a desconstrução das ideologias, abre-se o espaço para a construção de novos sentidos para o trabalho (Rossi, 2011).
A teoria criada por Dejours mostra uma dicotomia presente em toda relação de trabalho: O prazer-sofrimento. Tal descoberta, amparada em uma perspectiva interdisciplinar, o levou a caracterizar o trabalho enquanto o hiato que existe entre o prescrito pela organização e o impacto com a realidade, que mobilizaria as defesas dos trabalhadores na busca pela manutenção do equilíbrio da normalidade e fuga do sofrimento, algo sempre em constante movimento (Dejours, Abdoucheli, & Jayet, 2010).
Dejours (2011b) aponta, também, que trabalhar significa buscar reconhecimento. É uma atividade humana que está além do controle institucional e informa que o sentido do trabalho é construído a partir dessa valorização, dentro de uma identidade social, e esta expectativa de sucesso e gratidão, quando não acontecem, podem afetar a saúde mental do sujeito, pois uma vez estagnada essa dinâmica, não existe a possibilidade de transformar o sofrimento em prazer.
De acordo Bendassolli e Soboll (2011), os trabalhadores não estão passivos diante da organização do trabalho, mas conseguem resguardar sua saúde mental e encontrar saídas para se "adaptar às situações concretas" do trabalho. Os sujeitos constroem estratégias defensivas, individuais e coletivas, para encontrar um equilíbrio para o seu funcionamento psíquico. Aqui, percebemos que na psicodinâmica do trabalho o foco passou a ser a questão da "normalidade", como forma estratégica de mediar a relação sofrimento e defesas contra o sofrimento na perspectiva da dinâmica humana.
Ao deslocar o seu objeto de estudo, a supracitada teoria procura analisar o enigma da normalidade, isto é, o fato da organização do trabalho não afetar de maneira igual a saúde dos trabalhadores. O trabalho, então, não seria causador de patologias, mas apenas poderia favorecer o surgimento de algum transtorno mental (salvo em casos de síndromes subjetivas pós-traumáticas5). Assim, pode adoecer quem não consegue se defender das imposições organizacionais, o que leva a uma desorganização da dinâmica dos seus processos psíquicos, quando estes se confrontam com a realidade do trabalho (Seligman-Silva, 2011).
A metodologia original da PDT, como proposta por Dejours, constitui um esquema de orientações que inicia com a demanda dos trabalhadores, a partir da qual o/a pesquisador/a se organiza, podendo contar com ajuda de auxiliares de pesquisa, para encontrar, no local de trabalho, um espaço de discussão pública onde os trabalhadores pudessem falar, individualmente ou em grupo, sobre a organização do trabalho. Nessa perspectiva, é fundamental a escuta desse sofrimento para posterior elaboração e apropriação do trabalho por parte do trabalhador (Dejours, 1992; Mendes, 2007).
Dejoours, Abdoucheli e Jayet (2010) afirmam que a dinâmica do sofrimento psíquico caracteriza um "estado de luta" do sujeito contra as forças que o empurram para uma doença mental. O sofrimento implica em um bloqueio do sujeito quando em conflito com a organização do trabalho, isto é, no momento em que todas as suas possibilidades de adaptação e ajustamento já foram utilizadas e ocorre uma fadiga, resultante da impossibilidade de harmonia entre o profissional e seu trabalho. Com o aumento da tensão e do desprazer, o sofrimento começa, tornando o cansaço uma "testemunha não especificada da sobrecarga que pesa sobre um ou outro dos setores do organismo psíquico e somático".
Mendes (2007) informa que as defesas psíquicas possuem um importante papel para assegurar a saúde mental dos trabalhadores e trabalhadoras. Contudo, elas também podem funcionar como "armadilhas", na medida em que se transformam em ideologias defensivas, as quais podem gerar alienação. Tal alheamento mascara o sofrimento e atende à ideologia empresarial dominante, a qual abusa do uso das defesas psíquicas para manter o trabalhador produtivo e desconhecedor das causas de sua angustia. É a ambivalência do sofrimento que gera a exploração dos modos de subjetivação do trabalhador.
Ainda segundo a autora, ser saudável não implica em ausência de sofrimento, mas em transformação de sofrimento. Isto ocorre por meio da tomada de consciência das causas e conflitos, o que só é possível através da fala e da escuta dos trabalhadores em uma reflexão sobre o seu próprio fazer. Dessa maneira, o trabalhador poderá recuperar sua capacidade de pensar o trabalho, em uma desalienação, e transformar o sofrimento em algo criativo que sirva para "um aumento da resistência do sujeito ao risco de desestabilização psíquica" (Mendes, 2007, p. 35). Aqui, é possível observar mais claramente o papel da ambivalência do sofrimento, pois este pode atuar tanto no sentido de aumentar a probabilidade do profissional adoecer ou pode sinalizar um caminho de superação a ser enfrentado pelo trabalhador.
Dejours (2004) informa que são as surpresas das situações de trabalho que exigem dos profissionais uma reinvenção do seu cotidiano de trabalho. É na iminência de frustração que a afetividade é colocada em prática, uma vez que a possibilidade de errar conduz a sentimentos desagradáveis, mas também é o ponto culminante para que o corpo que "experimenta" o sofrimento possa transformá-lo em prazer.
De acordo com Gernet e Dejours (2011), as ferramentas necessárias para formular respostas nos confrontos com o trabalho levam tempo para se desenvolver no trabalhador. Exigem um arranjo a posteriori, fruto de uma relação do sujeito com a manipulação dos instrumentos necessários para executar as tarefas que lhe são apresentadas. A engenhosidade conduz a experiência de suplantar as diversas situações vividas, pois "são as mudanças sofridas pelo corpo que mobilizam a curiosidade e norteiam a procura de solução" (Gernet; Dejours, 2011, p. 62).
A chamada "inteligência inventiva" (ou "astuciosa", "não acadêmica"), é utilizada pelo trabalhador para responder aos aspectos do trabalho para o qual aquele não foi preparado. A Métis6 seria a habilidade utilizada como forma de trapaça à prescrição para a obtenção de resultados positivos. Aqui, o improviso viria para encaminhar a saídas triunfantes diante de situações desconhecidas, algo que cada profissional só poderia desenvolver no familiarizar-se cotidianamente com seu ofício (Dejours, 2012, p.42).
Segundo Barros e Barros (2007), para a PDT, o sujeito não é mera vítima de sua atividade, mas a ele é permitido criar novos processos de trabalho dos quais faz emergir, também, novas práticas que vão além do tripé dor-desprazer-trabalho e proporcionam um aumento da autonomia do pensar-fazer que envolve o processo de trabalhar. Contudo, para que tal inteligência astuciosa seja colocada em prática é necessário que a organização do trabalho forneça um ambiente propício para que cada sujeito tenha maior liberdade de atuação.
A PDT conceitua o trabalho de forma mais abrangente a partir do momento que leva em conta a subjetividade do trabalhador na construção de suas relações sociais, nas quais trabalhar consiste no engajamento total do corpo na realização de uma ação. Envolve criatividade, inteligência, subjetividade e intersubjetividade na busca por maneiras que consigam preencher o espaço que existe entre o que é prescrito pela organização de trabalho e o fazer. Assim, para o clínico, o assunto trabalho é o que o sujeito utiliza "de si mesmo" para enfrentar as diversas situações que lhe são designadas para o cumprimento de determinada tarefa (Dejours, 2004).
A teoria estabelecida por Dejours não se orienta exclusivamente como uma área de estudos voltada para o conhecimento científico, mas está diretamente ligada à ação. Partindo dessa lógica, sua metodologia pautase na idéia de que o trabalho não produz só o melhor e pior para o individuo, mas afeta o coletivo e, portanto, sua elaboração deveria partir, preferencialmente, em espaços de subjetividade para expressão do grupo. Esta inclinação, viável na teoria, na prática constitui-se um enorme desafio. (Dejours, 2011b).
A realidade de trabalho no mundo capitalista não se propõe a dar voz a esse trabalhador, o qual é disciplinado para desenvolver um comportamento em permanente conflito com seus colegas, cuja relação, em geral, é de competição e desconfiança, o que permite desagregar o conjunto de trabalhadores e uma possível união para reivindicações. Tal fato torna a articulação das escutas coletivas difíceis e demanda do/a pesquisador/a enriquecer sua pesquisa por meio da diversidade de conceitos possíveis de articular com a prática, aprimorando sua atuação "na tentativa de compreender seu objeto, que inexoravelmente remete a complexidade das relações saúde e trabalho". (Nogueira, 2011, p.134).
Szenewar, Uchuda e Lancman (2011) afirmam que, atualmente, a maioria das organizações têm se mobilizado de maneira mais sofisticada no intuito de minar a relação de colaboração entre os seus funcionários. A trilha atual constitui um caminho que leva a uma maior competição e individualismo, na qual o desempenho sobrepõe-se à solidariedade e leva a uma crescente dificuldade em encadear os grupos. A tendência de "trabalhar sozinho" propicia o isolamento e compromete a cooperação, o que pode gerar a "ruína da subjetividade" e um estímulo para vencer "a qualquer custo" (Dejours, 2004).
De acordo com Gernet e Dejours (2010), a prática de trabalho traz consigo a figura do outro para além da relação de simples conviver, mas o cuidar, interagir, confrontar, aprender, servir. Esta configuração mobiliza as defesas dos sujeitos em seu exercício cotidiano com o "vivo" do trabalho, isto é, a realidade a sua volta. Logo, quem resiste melhor à pressão e consegue criar novas formas de trabalhar caracteriza-se enquanto sujeito que coloca mais qualidade no fazer e atender às demandas da hierarquia institucional de trabalho. Além disso, transforma o fracasso em superação, na tentativa de evitar o sofrimento e o adoecer relacionado ao contexto organizacional. Minayo (2002) considera que o/a pesquisador/a, ao escolher a abordagem que utiliza para a pesquisa, pretende demarcar o tema que investiga. Não há valoração de melhor/pior, mas qual técnica viabilizaria, de maneira mais ampla, o acesso ao conhecimento em determinada situação. Aqui temos a base de sustentação do trabalho científico, pois é a orientação teórica e conceitual que indicará a metodologia a ser utilizada na pesquisa. Não é uma prisão, mas um caminho sem o qual o/a pesquisador/a poderia facilmente se perder. Segundo Seligman-Silva (2011) é somente através do estabelecimento de coerência entre teoria e problema de investigação é que se torna possível criar uma atividade científica capaz de se estabelecer no tempo e produzir um conhecimento articulado com a experiência significativa de cada sujeito, o que faria transparecer o compromisso e o respeito à condição humana de cada trabalhador.
Assim, ao abordar o sujeito dentro de uma perspectiva transformadora e dinâmica, Dejours traz à tona uma nova maneira de enxergar as relações de trabalho, pois não se restringe à simplicidade das relações de causa e efeito (doenças causadas pelo trabalho), mas sua pesquisa constitui-se, primordialmente, em uma prática de intervenção na qual, através da possibilidade da escuta dos trabalhadores e trabalhadoras, torna-se possível a apropriação dos mesmos sobre a ação que desenvolvem.
2. A metodologia em Psicodinâmica do Trabalho no Brasil: mudanças e contribuições
No Brasil, atualmente, muitas pesquisas estão sendo realizadas utilizando como base a psicodinâmica do trabalho. Alguns estudos, como por exemplo, os do Laboratório de Psicodinâmica e Clínica do Trabalho, da Universidade de Brasília (LPTC), são pioneiros nessa linha de pesquisa, com destaque para uma grande produção que utiliza na análise de seus dados adaptações do método original criado por Dejours.
Dentre as supracitadas pesquisas, destaco (3) três: o trabalho de Rossi, Siqueira e Araújo (2009), que trata um estudo de caso a respeito do adoecimento de uma bancária. Aqui, percebe-se que não houve uma escuta com o grupo, mas uma pesquisa de acordo com a demanda individual (afastamento da funcionária) que mobilizou os pesquisadores; Temos, também, o delineamento proposto por Antloga e Mendes (2009), com um grupo de vendedores de materiais de construção, com ênfase para a metodologia que baseou a análise de seus resultados de acordo com a análise de conteúdo, de Bardin, e a pesquisa feita por Machado e Merlo (2009), com um grupo de auxiliares e técnicos de enfermagem de uma unidade crítica de um hospital cardiológico, na qual, mais uma vez, chama atenção o fato dos pesquisadores utilizarem em sua prática de pesquisa, dentro do procedimento metodológico, a técnica de entrevistas individuais. Tais pesquisas têm em comum a procura por uma articulação teórica com a psicodinâmica do trabalho aliada a uma prática de procedimento de coleta e análise de resultados que se ampara em uma diversidade de métodos, o que visa adequálos à realidade dos estudos.
Mendes (2007) informa que para alocar o sujeito do trabalho em análise, a pesquisa em PDT privilegia um método científico particular cujo princípio é a escuta e interpretação da fala, para posterior explicação dos conteúdos numa tentativa de apreender as relações de vivencias de prazersofrimento no trabalho:
A fala permite resgatar a capacidade de pensar sobre o trabalho, é um modo de desalienação, bem como uma possibilidade de apropriação e dominação do trabalho pelos trabalhadores, sendo se um aspecto fundamental para dar início à construção do coletivo comm base na cooperação e nas mudanças na organização do trabalho (Mendes, 2007, p. 32).
Para a autora, de forma nenhuma somos "escravos do método", visto que ele permite adaptações, o que, não determina a diminuição do seu caráter científico, mas, mantendo-se os princípios fundamentais da teoria, as variações podem ampliar a visão sobre a complexidade do trabalho e possibilitar aos pesquisadores a oportunidade de aproximar o método à sua realidade, tal como visto na utilização da entrevista individual no lugar da clássica visão de entrevistas de grupos, ditas preferenciais para Dejours, substituição ocorrida em razão dessas, na prática, muitas vezes, tornarem-se inviáveis pelas condições de trabalho de determinadas organizações.
Seligman-Silva (2011), mostra a dificuldade em dar conta da distância entre teoria e realidade em PDT, em razão da grande variedade de determinantes dos processos que diferenciam o trabalho em seus contextos socioeconômicos e culturais. Cabe o repto ao pesquisador de fazer das dificuldades de campo respostas (ou novas perguntas?) ao seu trabalho, bem como ao meio acadêmico ao qual sua pesquisa está inserida e àqueles que cooperam com a mesma.
A teoria criada por Dejours aborda as transformações do mundo do trabalho e o mesmo é possível verificar em sua teoria, que não é rígida, mas pode ser campo de novas descobertas a cada inserção ou curiosidade em aprender. Logo, se as relações de trabalho mudam, assim como a sua organização, a forma de pesquisar também. Nas palavras de Merlo e Mendes (2009, p.152):
Acredita-se que todos os métodos devem ser vistos como instrumentos de trabalho para a pesquisa em permanente construção- e por isso dinâmicos-, que precisam ser adequados às realidades nas quais são utilizados e para seus horizontes de utilização, que podem e devem ser ampliados. Com a Psicodinâmica do Trabalho não ocorre diferente. (...). Nesse sentido, buscar seu uso como categoria teórico-metodológica é o cenário ideal que, muitas vezes, não corresponde ao real do campo de pesquisa, mas que precisa ser buscada, como possibilidade de assegurar a perspectiva transformadora desta abordagem.
Um estudo realizado por Mendes e Morrone (2010) mostrou como no Brasil já existe uma prática de pesquisa com base na supracitada teoria. Nessa pesquisa, os autores apontam que, desde 1996 até 2007, foram publicados 79 estudos a utilizando como referencial, embora, na grande maioria das vezes, seja um apoio teórico, posto que apenas cinco dos referidos trabalhos tenham seguido a metodologia original de escutas individuais e coletivas, tal como originalmente proposto.
Na região norte do país, alguns trabalhos já estão sendo desenvolvidos, de forma pioneira, sobre saúde mental e trabalho, envolvendo como perspectiva teórica a abordagem da PDT, embora seja um campo que ainda precisa ser mais fortalecido nesse território. Dentre os estudos realizados na Amazônia podemos destacar a pesquisa feita por Oliveira (1998), sobre a saúde dos trabalhadores de um hospital público; Moraes (2011), que abordou o prazer- sofrimento no trabalho com automação; e Nogueira (2011), em sua pesquisa sobre o sofrimento dos trabalhadores do Alumínio do Pará. Em todas as pesquisas, é possível observar uma tentativa de captação do objeto de pesquisa de forma à articular teoria e prática em uma tentativa de aproximar o/a pesquisador/a da realidade social onde está inserido.
3. Considerações finais
A Psicodinâmica do trabalho, enquanto nova forma de abordar a questão do trabalho baseia-se em uma perspectiva voltada para a compreensão das dimensões sofrimento e saúde (prazer) dentro de um cenário no qual o trabalho pode contribuir para a condução do trabalhador ao adoecimento ou à construção de um equilíbrio que o mantém saudável (Martins, 2009). Nas palavras de Lancman e Szenelwar:
Assim, se por um lado, o mundo do trabalho é gerador de sofrimento – na medida em que confronta as pessoas com imposições externas-, por outro, o trabalho é também a oportunidade central de crescimento e de desenvolvimento psíquico do adulto. Ou seja: Se trabalho leva ao sofrimento, este mesmo trabalho pode constituir-se em fonte de prazer e de desenvolvimento humano do sujeito tanto quanto do adoecimento (Lancmann & Szenelwar, 2011, p. 42).
Segundo Dejours (1992), a pesquisa é o momento de escuta do trabalhador que, através da fala, poderá reconhecer o seu trabalho e seus significados. Aqui, existe o privilégio pela escuta de grupos de trabalhadores. Entretanto, a prática, principalmente no Brasil, vem sendo caracterizada pela adaptação do método ao campo de realização das pesquisas.
Tais mudanças na maneira de pesquisar favorecem novas formas de conhecimento, pois caracterizam a dinâmica da pesquisa; uma vez que as relações de trabalho mudam, torna-se coerente que as formas de pesquisar também mudem. Dessa maneira, temos a psicodinâmica do trabalho enquanto uma proposição teórico-metodológica, cenário ideal para a pesquisa e intervenção no campo da construção do saber a respeito do trabalho, que não corresponde, geralmente, com a prática, por isso faz-se necessário a busca por uma investigação que caminhe em consonância com o caráter transformador dessa abordagem.
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Nota sobre os autores
Renata Sabrina Maciel Lobato Louzada:
Psicóloga, mestranda em Psicologia Clínica e Social pela Universidade Federal do Pará/2012, na linha de pesquisa: Psicologia, Saúde e Sociedade. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). e-mail: renatasabrina83@yahoo.com.br.
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira:
Psicólogo. Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP). Professor permanente do Programa de Pós- Graduação em Psicologia Clínica e Social da Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. e-mail: pttarso@gmail.com.
Recebido em: 05/02/2013
Aceito em: 30/06/2013
1.O termo foi aqui utilizado de acordo com a perspectiva do texto "Cultura da Performance" (Bendassolli, 2005).
2.Observamos que a abordagem neste texto diz respeito às relações entre capital e trabalho em uma perspectiva referente ao contrato entre um empregador e alguém que vende sua força de trabalho ao mercado.
3 "Christophe Dejours: Psiquiatra, Assistente de Medicina do Trabalho da Faculdade de Medicina de Paris, Membro da AOCIP – Associação para Abertura do Campo de Investigação Psicopatológica e do Laboratório de Psicologia do Trabalho do "Conservatório Nacional de Artes e Ofícios" de Paris", Psicanalista e fundador da Psicodinâmica do Trabalho. DEJOURS, C.; ABDOUCHELI, E.; JAYET, C.; 2010.
4 Trabalho Real: Consiste em "respostas as imposições determinadas externamente, que são, ao mesmo tempo, apreendidas e modificadas pelo próprio trabalhador para realizar o trabalho prescrito". Disponível em http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trarea.html
5 Dejours afirma que a "síndrome subjetiva póstraumática", atualmente conhecida como Estresse Pós traumático (F43.1-Manual de Doenças Relacionadas ao Trabalho, Ministério da Saúde, 2001,é uma "entidade psicopatológica" que o sujeito poderia desenvolver a partir de um "elemento desencadeador no ambiente de trabalho" (Dejours, 1992, p. 123) e constitui-se exceção por se desenvolver depois de acidentes no trabalho, e cujos sintomas só agravariam quando o sujeito voltasse para realização de suas tarefas, o que caracterizaria diretamente a ligação da psicopatologia ao trabalho.
6 Métis é uma deusa. Zeus apaixonou-se por ela que, em seguida ficou grávida, A preocupação de Zeus foi imediata. Receava que a criança acumulasse a inteligência do pai –que ultrapassava a de todos os demais deuses- e a inteligência do corpo, a inteligência astuciosa de Métis, a mãe. Preocupava-se com s riscos que ficaria submetido se um filho mais inteligente que ele decidisse tomar-lhe o lugar no Olimpo (...)Como solução decidiu engolir Métis e conservar para si a inteligência da deusa, bem guardada em seu ventre(...) Desta incorporação mágica, Atena- a filha de Zeus e Métis- veio à luz com armas em punho, partida da cabeça de Zeus" (Dejours, 2012, p.43).