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Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.5 no.2 São Paulo 2013
Artigo
Qual a relação entre a saúde e a doença?
What is the relation between health and disease?
Cual la relación entre la salud y la enfermed?
Darlen Neves Silva Dias; Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira
Universidade Federal do Pará
RESUMO
O presente artigo constitui um breve apontamento teórico acerca da compreensão sobre os termos Saúde/Doença vigentes na sociedade, e objetiva discutir, em particular, a relação existente entre os dois termos. Neste sentido o artigo se propõe a refletir sobre o conceito de Saúde/ Doença, considerando a forma como ele é compreendido pela medicina, posto que prevalece o exercício hegemônico de um modelo centrado no ato preescritivo e na produção de procedimentos, na individualização do normal e do patológico ao nível do corpo do homem-biológico, levando a uma ruptura com as questões sociais, desse e dele consigo mesmo, uma concepção de saúde contida nos limites físicos, biológicos do corpo humano, assumindo em relação a este objeto, uma postura racional. Concluímos que, se faz necessário buscar o sentido de saúde/doença, através um olhar direcionado às relações interpessoais, que se estabelecem no encontro entre pessoas, no reconhecimento do outro como legítimo em suas singularidades e diferenças. Vislumbrar a possibilidade de um cuidar associando vários saberes e compreendendo o sentido de saúde como a capacidade de instruir novas normas em vários tipos de situações
Palavras-chave: Saúde, Doença, cuidado
ABSTRACT
This article is a brief note on the theoretical understanding of the terms Health / Disease prevailing in society, and aims to discuss, in particular, the relationship between the two terms. In this sense, the article aims to reflect on the concept of health / disease , considering how it is understood by medicine, since the prevailing hegemonic exercise centered on a prescriptive act and in production procedures, the individualization of the normal model and the pathological to the body of man - biological level, leading to a break with social issues, and that himself, with a concept contained in the health, biological, physical limits of the human body, taking in relation to this object, a rational approach . We can conclude that it is necessary to search for the meaning of health / disease by a directed interpersonal relationships that are established between people at the meeting, in recognition of the other as legitimate in their uniqueness and differences. Envisage the possibility of a caring associating at various knowledge and understanding the meaning of health as the ability to instruct new standards in different situations
Keywords: Health, Disease, Care.
RESUMEN
Este artículo es una breve nota en la comprensión teórica de los términos de la Salud / Enfermedades prevalentes en la sociedad, y tiene como objetivo discutir, en particular, la relación entre los dos términos. En este sentido, el artículo pretende reflexionar sobre el concepto de salud / enfermedad, teniendo en cuenta lo que se entiende por la medicina, ya que el ejercicio hegemónico imperante centrado en un preceptivos procedimientos y de producción, en la individualización del modelo normal y lo patológico al cuerpo de nivel - hombre biológico, lo que lleva a una ruptura con los problemas sociales, y que él mismo, con un concepto que figura en la salud, los límites biológicos , físicos del cuerpo humano , teniendo en relación con este objetivo, un enfoque racional . Llegamos a la conclusión de que es necesario para buscar el significado de la salud / enfermedad buscar por relaciones interpersonales que se establecen entre las personas en la reunión, en el reconocimiento del otro como egítimo en su singularidad y diferencias. Contemplar la posibilidad de un cuidado asociando diferentes conocimientos y la comprensión del significado de la salud como la capacidad para instruir a las nuevas normas en diferentes situaciones.
Palabras-clave: salud, enfermedad, cuidado.
Introdução
A noção de saúde/doença vigentes está essencialmente pautada no modelo biomédico, que traz em seu interior, o entendimento de saúde, como ausência de doença, excluindo a dinâmica social e subjetiva do sujeito, o que culmina em um reducionismo biológico. "Essa redução exclui do escopo de considerações sobre o processo saúde/doença, fatores sociais ou individuais, ditos "subjetivos", com implicações para todas as intervenções da saúde" (CAMARGO JR., 2007, P.69).
Observa-se o exercício hegemônico de um modelo centrado no ato prescritivo e na produção de procedimento, desconhecendo o sujeito pleno, que carrega consigo informações relevantes e determinantes do seu processo de saúde e doença.
O modelo que se tem, portanto, é uma concepção limitada da doença do sujeito, fundamentada na ótica especifica da ciência anátomo-fisiológica, em relação à totalidade de um campo complexo. Com esta limitação da concepção da doença, o autor Camargo Jr. (2007), pontua que a doença passa a ser percebida como, "doença-coisa", deslocando o indivíduo doente do foco do olhar médico.
A doença-coisa, realidade última no plano biológico, entidade "natural" que dispensa articulação teórica, restringe ao mesmo tempo, o escopo das concepções sobre o processo de saúde-doença e as possíveis soluções para os problemas decorrentes do mesmo (...), as doenças são coisas, de existência concreta, fixa e imutável, de lugar para lugar, de pessoa para pessoa; as doenças se expressam por um conjunto de sinais e sintomas, que são manifestações de lesões, que devem ser buscadas, por sua vez, no âmago do organismo e corrigidas por algum tipo de intervenção concreta. (CAMARGO JR, 2007, P.68).
Diante deste modelo, Foucault (1979) procura analisar como se caracteriza a transformação ocorrida na organização do conhecimento e na prática médica no inicio do século XIX, momento em que a medicina se apresenta como medicina científica, demonstrando que a ruptura que se processou no saber médico, se deu em função de uma mudança ao nível de seus objetos, conceitos e métodos.
COMPREENSÃO DE SAÚDE E DOENÇA: UM OLHAR A SER MODIFICADO
O novo tipo de configuração que caracteriza a medicina moderna implica o surgimento de novas formas de conhecimento e novas práticas institucionais. Ferla, Oliveira e Lemos (2011), consideram que, com essa mudança na forma de olhar o doente e seu corpo, a possibilidade de cuidar levando em consideração a totalidade do sujeito se desfaz, além disso:
A integralidade do corpo se desfez, transformada pelo olhar clínico que desvela, particulariza e nomeia uma infinidade de tecidos, órgãos e mecanismos de interrelação entre eles, inaugurando uma paradoxal "superfície interna" do organismo, perceptível por códigos e signos específicos. [...] A emergência desta reorganização epistemologia da doença, implicou no reordenamento do espaço hospitalar, do estatuto do doente, da relação entre assistência e a experiência. (FERLA, OLIVEIRA E LEMOS, 2011, P. 492).
É com essa série de reorganizações que se identifica o nascimento histórico da clínica, o que é muito bem colocado por Foucault (1963), em sua obra "O Nascimento da Clínica", atentando para um período significativo na historia da medicina, quando se reorganiza a maneira de olhar e tratar o doente, desenvolvendo um discurso médico, direcionado a compreender o surgimento da doença, a partir da lógica da observação anátomo-patológico, por meio de um olhar classificatório, que fragmenta e especifica para chegar à ordem racional da doença. O diagnóstico passa a ser feito com base em um sistema classificatório de doenças, limitando-se a perguntar onde dói, já que a doença passa a ter sede em um órgão e a intervenção médica se faz baseada em normas e padrões fixos, que definirão o objetivo e o curso do tratamento.
O conhecimento das doenças é a bússola do médico; o sucesso da cura depende de um exato conhecimento da doença; o olhar do médico não se dirige inicialmente ao corpo concreto, ao conjunto visível, á plenitude positiva que está diante dele- o doente-, mas a intervalos de natureza, a lacunas e a distância em que aparecem como em negativo, os signos que diferenciam uma doença de outra, a verdadeira da falsa, a legítima da bastarda, a maligna da benigna. (FOUCAULT, 1963, P.47).
Ainda, de acordo com Foucault (1963), a medicina classificatória precisa estar estritamente submetida à ordenação ideal da nosologia, por ser o corpo que dá as informações necessárias para compreender a doença e não o doente, este passa a ser ocultado, pois para conhecer a verdade do fato patológico, o médico deve abstrair o doente:
É preciso que, quem descreva uma doença tenha o cuidado de distribuir os sintomas que a acompanham necessariamente e que lhe são próprias, dos que são apenas acidentes e fortuitos, como os que dependem do temperamento e da idade do doente..., o paciente é apenas um fato exterior em relação aquilo de que sofre; a leitura médica só deve tomá-lo em consideração para colocá-lo entre parênteses. (FOUCAULT, 1963, P.50).
Essa perspectiva de saúde/doença em que a participação do doente no seu processo de adoecimento é vista como secundária, pode ser compreendida a partir do reconhecimento do objeto de trabalho médico, no caso, o corpo humano. Gonçalves (1994) aponta que: "a forma intuitivamente mais imediata de pensar o corpo humano será a constituída de constantes morfológicas e funcionais, definidas a partir das ciências da anatomia e da fisiologia" (GONÇALVES, 1994, p.61). Sendo assim, esse corpo é mais facilmente assimilável à ideia de objeto-coisa. Vê-se, portanto, que o método anátomo-clínico, que se desenvolvia nessa época, marca uma condição histórica para a experiência clínica e, com a anatomo-clínica, a doença se desprende da metafísica, "aloja-se no corpo vivo dos indivíduos e assume uma forma positiva de morte, integrando-se epistemologicamente à experiência médica". (FERLA, OLIVEIRA E LEMOS 2011, P. 492).
Gonçalves (1994) aponta para uma medicina que, ao se apropriar do corpo anátomo-fisiológico como seu objeto, passa a entender que o trabalho médico não se dirige precipuamente para o desvendamento das regularidades elaboradas ao nível da ciência biológica, e sim para a obtenção de efeitos específicos, orientados para uma concepção do que é normal ou patológico para o corpo.
À medida que a medicina se estruturou sobre bases da ciência positivista, seu objeto de trabalho passa a não ser mais técnico e sim cientifico. Uma das características mais importantes da concepção do objeto de trabalho elaborada pela profissão médica é a individualização do normal e do patológico ao nível do corpo do homem-biológico, levando a uma ruptura com as questões sociais, desse e dele consigo mesmo, uma concepção de saúde contida nos limites físicos, biológicos do corpo humano, assumindo em relação a este objeto, uma postura racional. (GONÇALVES, 1994, P. 67).
O autor desvela uma maneira de como se possa ver no intelecto a capacidade de sair de si mesmo, anular toda a subjetividade e poder reproduzi-lo integramente, tal como se supõe que seja dado, antes e fora da ação cognitiva. Assim, o corpo anátomo-fisiológico tornou-se um campo, onde é possível explicar a ocorrência da normalidade e da patologia. Desta forma, o objeto apreendido pelas ciências básicas, passa a ser o verdadeiro e o único objeto. A apreensão do objeto que a medicina elaborou corresponde, portanto, não apenas a captação de características biológicas do corpo, mas de forma exclusiva, o que equivale a uma captação por desqualificação das demais características do mesmo corpo.
O pensamento de Foucault (1979) demonstra como esses saberes, inicialmente a medicina, e depois as ciências humanas, passam a ter um lugar significativo na expressão do poder. Para Foucault (1979), o cuidado com a saúde da coletividade, a partir de determinado momento na história, passou a ser exercido como uma forma de poder, a partir do qual os governos visam preservar a força militar e a força de trabalho de suas populações.
Segundo Foucault (1979), a medicina moderna, científica, que nasceu em fins do século XVIII, é uma medicina social, que produzia certa tecnologia do corpo social:
Com o capitalismo, não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário. O capitalismo, desenvolvendo-se em fins do século XVIII e inicio do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos, não se oporá simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal, que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio-política. A medicina é uma estratégia bio-política. (FOUCAULT, 1979, P.80).
Foucault esclarece que, apesar de o corpo ter sido investido política e socialmente como força de trabalho, o que parece característico da evolução da medicina social, ou seja, da própria medicina no Ocidente, é que não foi a princípio, como força de produção, que o corpo foi atingido pelo poder médico. Foi, somente em último lugar, que se colocou o problema do corpo, da saúde e do nível da força reprodutiva dos indivíduos. Antes da medicina, que ele denominou de "medicina da força de trabalho", houve duas etapas: a da medicina de estado e da medicina urbana (FOUCAULT, 1979, P.80).
Contemporaneamente, as práticas de cuidado médico ganham em graus de importância, para o que é de domínio privado e o que é do domínio coletivo.
É posto uma nova preocupação com o tema da doença, que explicita, na discursividade e nas tecnologias do cuidado, regras de controle da população e de cuidado com os indivíduos. Tais práticas de poder, que, como assinalou Foucault, são distribuídas em todo corpo social, sem nenhum lugar privilegiado de emergência, mantêm com o Estado moderno, uma relação particular, colocando-o como gestor da saúde da população. (BENEVIDES E PASSOS, 2005, P.566).
Em outra perspectiva, Canguilhem (1943[2006]), nos conduz à compreensão do que entende sobre o homem saudável ou o homem adoecido que, em sua visão:
O homem normal, saudável, teria que se sentir capaz de adoecer e de afastar a doença. Se a possibilidade de testar a saúde através da doença, lhe fosse eliminada, o ser humano não teria mais a segurança de ser normal, de poder enfrentar qualquer doença que por ventura viesse a surgir (...). A saúde constitui certo jogo de normas de vida e de comportamento, que se caracteriza pela capacidade de tolerar as variações das normas, quando é mais do que normal. A saúde constitui certa capacidade de ultrapassar as crises orgânicas, para instalar uma nova ordem fisiológica. Biologicamente assegurada pela vida, à saúde significa: o luxo de se cair doente e se restabelecer. (CANGUILHEM (1943[2006]), P.28).
UM OLHAR DIFERENCIADO SOBRE A SAÚDE E A DOENÇA
Seguindo esta denominação de saúde e doença descrita por Canguilhem (1943[2006]), entende-se que, estar saudável seria poder desobedecer, produzir ou acompanhar uma transformação, adoecer e poder sair do estado patológico, mas, isso estaria implicado diretamente com a forma pela qual o indivíduo interage com a vida. Essa interação se dá desde a infância, e para uma compreensão mais ampliada do indivíduo, às questões culturais e socioeconômicas devem ser levadas em consideração, pois a influência desses contextos implicará diretamente na compreensão do processo de adoecimento que o indivíduo venha a sofrer, já que o limiar entre saúde e doença é algo singular. O autor Canguilhem (1943[2006]) defende a ideia de que:
Deve-se recorrer aos "modos de vida", como critério para a normatividade. Equivale também a ultrapassar a concepção do corpo anátomo-fisiológico como objeto ingênuo da prática médica, principiando a identificar nesse corpo outras ordens de determinações. Não se trata, entretanto, de entender que esse corpo deve ser compreendido mediante sua rede de relações sociais, que são trabalhadas a priori como externas, justapostas ao objeto de trabalho propriamente dito. O que se vêm defender é outra coisa: trata-se do fato de que, o corpo anátomo-fisiológico não se define como normal ou patológico senão tomando já como referência, essas estruturas de normatividade extra biológica, e que, por consequência, a normatividade está imediatamente contida no objeto de trabalho médico, lá naquilo que ele designa doença, e não apenas nas características atribuídas de caráter social, ou psicológico, onde ele á vê. As características de saúde e enfermidade são biologicamente técnicas e subjetivas e não biologicamente cientificas e objetivas. (CANGUILHEM, (1943[2006]), P.27).
Canguilhem (1943[2006]) demonstra que, entre o estado normal e patológico há diferenças qualitativas, que não podem ser traduzidas apenas em diferenças quantitativas, defendendo a tese de que, o estado patológico não é um simples prolongamento quantitativamente variado do estado fisiológico, é totalmente diferente. A necessidade de restabelecer a continuidade entre a saúde e a doença é tal, que, no limite, a noção de doença se esvaneceria. É a partir do patológico que se decifra o ensinamento da saúde. Com o advento da fisiologia, a doença deixou de ser objeto de angústia para o homem são e tornou-se objeto de estudo para o teórico da saúde.
Ser doente é, realmente, para o homem, viver uma vida diferente, mesmo no sentido biológico da palavra. A doença é uma forma diferente de vida.
É de um modo bastante artificial, parece que dispersamos a doença em sintomas ou a abstraímos de suas complicações. O que é um sintoma, sem contexto, sem pano de fundo? O que é uma complicação, separada daquilo que a complica? Quando classificamos como patológica é a sua relação de inserção na totalidade indivisível de um comportamento individual. De tal modo que, a análise fisiológica de suas funções separadas, só sabe que está diante de fatos patológicos, devido a uma informação clínica prévia; pois a clínica coloca o médico em contato com indivíduos completos e concretos e não com seus órgãos ou suas funções. A patologia quer seja anatômica ou fisiológica, analisa para melhor conhecer, mas, ela só pode saber que é uma patologia, isto é:o estudo dos mecanismos da doença, porque recebe da clínica essa noção de doença, cuja origem deve ser buscada na experiência que os homens têm de suas relações de conjunto com o meio. (CANGUILHEM, (1943[2006]), P. 39).
Para Canguilhem (1943[2006]), mesmo nos casos atuais, em que as doenças podem ser detectadas antes de qualquer sintoma apresentado pelo doente, o diagnóstico só foi possível, a partir da manifestação dos sintomas apresentados na clínica. Quem determina o valor da doença é o doente. É a vida em si mesma e não a apreciação médica, que faz do normal biológico um conceito de valor. Ainda segundo o autor, o conceito de normal que a medicina e a fisiologia estariam usando, seria um julgamento de valor e não um julgamento de realidade.
Assim, Canguilhem (1943[2006]) refere que o papel da fisiologia será então, o de detectar os conteúdos das normas, dentro da qual a vida conseguiu se estabilizar. A fisiologia é a ciência das condições de saúde ou a ciência dos ritmos estabilizados da vida. A saúde seria a indeterminação inicial, da capacidade de instituição de novas normas biológicas. Ser sadio significa, não apenas ser normal em uma situação determinada, mas ser normativo. A saúde é uma margem de tolerância em relação à infidelidade do meio.
A perspectiva desenhada por Canguilhem (1943[2006]) abre então, uma distância entre a doença, tal como é vivida pelo doente, e sua explicação fisiológica. Canguilhem (1943[2006]) refere que o fato patológico só pode ser compreendido como tal, ao nível da totalidade orgânica e da experiência que os homens têm de suas relações de conjunto com o meio. Assim, entendo que, a definição última do que é doença ou do que é saúde, estaria diretamente relacionada à perspectiva de cada sujeito, ou de grupos de sujeitos submetidos ao mesmo meio.
Mas, sob esse olhar, corre-se o risco de deixar apenas para a sociedade, determinar o que é doença ou não. Vale ressaltar que, embora Canguilhem (1943[2006]) reconheça o peso das normas sociais nas questões ligadas à saúde, não reduz o biológico ao social, defendendo a anterioridade das exigências da vida em relação às da sociedade.
É então na vida, que o autor vai buscar a origem da normatividade inerente ao vivente, e, a partir desta, o ideal de saúde a ser atingindo. O vivente humano prolonga de modo mais ou menos lúcido, um efeito espontâneo, próprio da vida, para lutar contra aquilo que constitui um obstáculo a sua manutenção e ao seu desenvolvimento, tomado como norma. Portanto, entende-se que é o vivente humano que vai dizer à medicina o que seria normal ou não para ele, e qual o ideal de saúde que ele quer atingir.
Mesmo diante dessa discussão, observo que nas práticas cotidianas da produção de saúde, permanece a noção biológica que captura e normaliza o corpo, mantendo o sentido da patologia do que é individual e coletivo. A partir do exposto, se faz interessante procurar um olhar direcionado às relações interpessoais, que se estabelecem no encontro entre pessoas, no reconhecimento do outro como legítimo em suas singularidades e diferenças. Vislumbrar a possibilidade de um cuidar associando vários saberes e compreendendo o sentido de saúde como a capacidade de instruir novas normas em vários tipos de situações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conceito de saúde tem mudado radicalmente nos últimos anos. Antigamente, saúde significava apenas a ausência de doença, mas logo se percebeu que não apresentar nenhuma doença física aparente, não significava ter saúde. Gradativamente, esse conceito foi se expandindo e incorporando as dimensões: física, emocional, mental, social e espiritual do ser humano. Hoje a definição de saúde presente na Lei Orgânica de Saúde (LOS), n.° 8.080, de 19 de setembro de 1990, procura ir além da apresentada pela OMS, ao se mostrar mais ampla, pela explicitação dos fatores determinantes e condicionantes do processo saúde-doença. Esta lei regulamenta o Sistema Único de Saúde, e é complementada pela Lei n.°8142, de dezembro de 1990.
O que consta na LOS é que: a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer, o acesso a bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do país. (BRASIL, 2004, ART. 3) A concepção ampliada de saúde e a compreensão de que, ações realizadas por outros setores têm efeito sobre a saúde individual e coletiva deram origem a outras perspectivas de promoção e cuidado à saúde. De fato, ao considerarmos o Sistema Único de Saúde - SUS foi possível verificar que: as ações voltadas para o diagnóstico e tratamento das doenças são apenas duas das suas atividades. Inclusão social, promoção de equidade ou de visibilidade e cidadania também são consideradas ações de saúde. O entendimento da saúde, como um dispositivo social relativamente autônomo em relação à idéia de doença, e as repercussões que este novo entendimento traz para a vida social e para as práticas cotidianas em geral, assim como para os serviços de saúde em particular, abre novas possibilidades na concepção do processo saúde e doença.
Nesse sentido, promover a saúde é atuar para mudar positivamente os elementos considerados determinantes da situação de saúde/doença. Essas definições mais flexíveis sejam sobre a saúde, sejam sobre a doença, consideram os múltiplos aspectos causais da doença e da manutenção da saúde, tais como: fatores psicológicos, sociais e biológicos. Contudo, apesar dos esforços para caracterizar estes conceitos, não existem definições universais. Isto é, a presença ou ausência de doença é um problema pessoal e social. É pessoal, porque a capacidade individual para trabalhar, ser produtivo, amar e divertir-se está relacionada com a saúde física e mental da pessoa. É social, pois a doença de uma pessoa pode afetar outras pessoas significativas, que fazem parte das relações com a família, com os amigos, com os colegas etc. Creio que saúde e doença não são conceitos definitivos, tampouco são opostos. São conceitos que dependem de onde você está, dos tempos, dos contextos e das tensões em que cada um está inserido. A saúde e a doença constituem experiências singulares de cada um e, portanto, fazem parte da dimensão subjetiva da existência. A dimensão subjetiva não é aquela que se opõe ou se diferencia da objetividade, mas é a dimensão dos afetos, dos desejos e de outras intencionalidades que promova uma maior qualidade de vida.
A representação do conceito de saúde exige certo grau de abstração, que não parece relevante quando a questão se refere apenas à descrição de condições presentes, atuais. Está muito mais vinculada a uma concepção de vir a ser, de objetivos a serem alcançados, de um projeto de saúde, seja em uma perspectiva individual ou social. Já a idéia de doença é mais imediatista, sempre impondo ao mesmo tempo, certas competências operacionais e algum tipo de explicação.
A saúde seria um estar dinâmico na vida, sempre singular, um estado que não corresponde a ausência de doença. Ao contrário, nessa perspectiva, relaciona-se com a capacidade de enfrentar a doença e de expandir as condições de vida, processo que se dá mediante a interação, quando o homem e o meio se transformam simultaneamente, num processo de coengendramento.
Entendo assim, que a saúde é produzida no próprio viver, seria o resultado de um processo de construção de si no mundo, como referem Barros e Gomes (2011), "é estar na vida com o outro, construída na alteridade. Alteridade como experiência da existência do outro, não como objeto, mas como outro sujeito, co-presente no mundo das relações intersubjetivas". A concepção de saúde tem que levar em consideração a variabilidade inerente ao ser humano, tem que levar em consideração a diversidade dos humanos. (BARROS E GOMES (2011, P.644).
A crescente complexidade do processo saúde-doença e a necessidade de um olhar abrangente dos fenômenos humanos e de uma atenção mais complexa e sensível exigem integrar: a técnica, a Filosofia, a Ética, a Política e as disciplinas sociais nas ações do cuidado em saúde. Trata-se de compreender a dinâmica da relação do par social, acrescida da tecnociência, como indissociáveis na produção da saúde, por interdeterminação e interdependência, permutando os grandes poderes de cada um entre os dois elementos da relação.
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Notas sobre os autores
Darlen Neves Silva Dias.
Psicóloga, mestre em Psicologia Clínica e Social
pela Universidade Federal do Pará/2013, na linha de pesquisa:
Psicologia, Saúde e Sociedade. E-mail: darlen.neves@gmail.com
Paulo de Tarso Ribeiro de Oliveira. Psicólogo.
Doutor em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP).
Professor permanente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Clínica e Social da
Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. E-mail: pttarso@gmail.com.
Recebido em junho de 2013
Aceito em julho de 2014
1 Acessada em maio de 2013 pelo link http://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l 8080.htm