Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Revista do NUFEN
versão On-line ISSN 2175-2591
Rev. NUFEN vol.9 no.2 Belém 2017
Editorial
Este número da Revista do NUFEN apresenta o dossiê sobre a Fenomenologia das paisagens e lugares. Essas são "fenomenologias” que surgiram nas diversas áreas do conhecimento, tais como na geografia humanística cultural, na arquitetura, na arte e na psicologia visual e ambiental.
A denominada "Geografia humanista cultural" apareceu nos Estados Unidos e Canadá entre os anos de 1960 e 1970 como um movimento que tinha como motivação ser uma reação contra cultural à geografia científica e positivista. Teve como primeiros precursores dessa "nova geografia" os geógrafos David Lowenthal e Yi-Fu Tuan, que estabeleceram como centro de suas análises os humanos e as suas interações com a natureza e o ambiente em uma aproximação mais humana que natural. Há também outras importantes contribuições, porém outros dois mais conhecidos foram: o geógrafo francês Eric Dardel com a obra "O homem e a terra: natureza da realidade geográfica", publicada em 1952; e o geógrafo Edward Relph que, em meados dos anos 70, escreveu um artigo importante "An inquiry into the relations between phenomenology and geography”, que postulava as possibilidades da Fenomenologia ser o autêntico fundamento epistemológico e metodológico da geografia humanística. É possível afirmar que nesses autores encontramos as influências advindas das filosofias fenomenológicas de Edmund Husserl, Martin Heidegger, Jan Patočka e Maurice Merleau-Ponty.
Na área da Arquitetura a Fenomenologia teve também sua inserção, principalmente pela possibilidade de compreensão das relações entre sujeito e que essa filosofia oferece. O principal precursor foi o arquiteto norueguês Christian Norberg-Schulz com a obra "Architeture: Meaning and Place”, publicada em 1960. Norberg-Schulz pensou ser o método fenomenológico o método mais eficiente para a arquitetura, uma vez que com o "voltar às coisas mesmas”, poderse- ia ir além das teorias abstratas e especulações teóricas presentes no fazer arquitetônico, especialmente o pensar técnico, para chegar ao elemento fundamental: a capacidade de dar significado ao ambiente mediante a criação de lugares. Todavia, são também duas outras importantes contribuições nesse campo da arquitetura e fenomenologia os arquitetos Juhani Pallasmaa e Steven Holl.
Pallasmaa, arquiteto finlandês, com a obra "Die Augen der Haut: Architektur und die Sinne” trata em especial das relações entre a Arquitetura e os sentidos humanos, evidenciando como a análise fenomenológica, inspirada em Merleau-Ponty, pode chegar ao significado do sentido táctil para nossa experiência e compreensão do mundo. Essa concepção altera a visão predominante e tradicional naturalista e até mesmo psicologista da arquitetura que concebe a criação dos meros objetos a partir da sensação visual. De modo contrário, Pallasmaa diz que a Arquitetura deve, antes de qualquer coisa, trabalhar com os significados humanos; significados que são vivenciados por nós mesmos como seres humanos e espirituais.
O arquiteto Steven Holl tem sido reconhecido como um dos arquitetos de maior prestígio no mundo e recebido diversos prêmios por suas contribuições. Suas obras são conhecidas como fenomenológicas, porque seus projetos estão além da experiência natural, ou seja, de projetos elaborados no lugar onde estão inseridos e de especificidade natural e programática. Para o arquiteto os "fenômenos do espaço de um ambiente, a luz do sol que entra por uma janela, e a cor do reflexo dosmateriais na parede e no chão estão, todos, em uma relação integral". Isso porque o arquiteto deve abrir intuitiva e metodologicamente à percepção não só das "coisas que há que fazer”, mas primordialmente a percepção de sua vida interior, lugar que revela a intensidade luminosa do mundo. Na obra teórica "Questions of Perception: phenomenology of architecture”, com colaboração de Pallasmaa e Pérez-Gómez, Holl indica importantes referências para uma arquitetura de inspiração fenomenológica.
No Brasil essas áreas e temas têm sido estudados e pesquisados pelo "Grupo de Pesquisa Geografia Humanista Cultural (GHUM)”, fundado em 2008 e coordenado pelo professor Werther Holzer e sediado na Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense. O grupo também mantém diálogos com outros grupos de pesquisas de outras universidades que tem como objetivo pesquisar os aportes teórico-conceituais da geografia com ênfase na Fenomenologia. O grupo de pesquisa aborda "diferentes temas de investigação, desde as relações com as artes, filosofia, ciências humanas e sociais, dimensões simbólicas e culturais da experiência cotidiana, até o sentido de lugares, paisagens e territórios, tendo em vista a pesquisa, mas também a ação nos campos do planejamento e políticas públicas, da academia e da educação”.
Nesse dossiê trazemos artigos, relato de experiências e resenhas apresentados e discutidos no VII Seminário Nacional sobre Fenomenologia e Geografia (SEGHUM) que aconteceu na Faculdade de Ciências Aplicadas (FCA/Unicamp), na cidade de Limeira, no interior de São Paulo, nos dias 25 e 26 de outubro de 2016. Os artigos tratam de assuntos geográficos, arquitetônicos, como natureza, paisagem, ecologia; mas também de fenômenos específicos como desastres geográficos; experiências didáticas pessoais e artísticas em campos diversos de experimentação. E, para contribuir de maneira decisiva com a temática do dossiê, apresentam-se também duas traduções de relevância nessa interlocução da fenomenologia. O texto traduzido "Lugarização vivida e a localidade do ser: um retorno à geografia humanística?” é de autoria de David Seamon, renomado professor de arquitetura da Kansas State University em Manhattan, Kansas. Seamon é responsável por pesquisas geográficas e de comportamento ambiental e tem publicado vários artigos na abordagem fenomenológica do Lugar e da arquitetura. A outra tradução é do quarto item do artigo clássico "O que é Fenomenologia?” do filósofo Pierre Thévenaz (1913-1955), que expõe de maneira sintética, porém brilhante, o pensamento fenomenológico de Maurice Merleau-Ponty.
Por fim, têm-se aqui várias contribuições teóricas, interdisciplinares da Fenomenologia, Geografia, Artes e Psicologia. Espera-se que os leitores apreciem o resultado das experiências e reflexões dos autores.
Adelma Pimentel, Kamilly Vale, Lucivaldo Araújo, Tommy Akira Goto & Marciana Farinha
Editora geral.