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TransFormações em Psicologia (Online)
versão On-line ISSN 2176-106X
TransForm. Psicol. (Online) vol.3 no.1 São Paulo 2010
Editorial
O presente número da revista TansFormações em Psicologia carrega uma novidade: sua presença no portal de Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC), uma das fontes da Biblioteca Virtual em Saúde – Psicologia da União Latino-Americana de Entidades de Psicologia (BVS-Psi ULAPSI). Como qualquer mudança, essa inclusão traz consigo uma tensão que nos obriga à reflexão e à tomada de posição. Retomando nossa linha editorial, sempre nos propusemos a ter um posicionamento crítico frente ao produtivismo acadêmico desenfreado que desvincula a pesquisa da formação. Desde que a Profa. Ana Loffredo, em um evento organizado por nós, incitou uma definição de nossa parte com relação às exigências que um periódico científico enfrenta, mantivemos essa postura crítica ao mesmo tempo em que colocávamos a indexação como nosso horizonte de médio prazo.
A entrada na cadeia produtiva do conhecimento – como a retrata o Prof. Pablo Ortelado, na entrevista deste número – já estava dada a partir do momento em que, acreditando que a produção acadêmica de estudantes possui valor científico, decidimos organizar a TransFormações como um periódico científico formado por estudantes em todos os seus níveis: Comissão Executiva, Conselho Editorial e Editores. Se, ao fazê-lo, não abandonamos uma certa maneira de produzir e publicar conhecimento – a submissão do manuscrito, uma avaliação editorial, avaliação por pares etc. – também propusemos algo diferente, já que todo o processo, desde a escrita do artigo até seu parecer final, é realizado por estudantes.
Acreditamos na produção de conhecimento em contraposição ao produtivismo que predomina nas instituições acadêmicas. A partir disso, a questão que se nos coloca é: tão importante quanto produzir é possibilitar que esse conhecimento possa ser acessado. Desde já, isso implica adequações e concessões ao modelo mencionado: a definição de uma linha editorial, a adoção de normas editorais, prazos e periodicidade, número de artigos por edição, registro no ISSN etc.
O simples fato de organizarmos uma revista significa que já entramos nesse círculo. Somente publicando, todavia, podemos ao menos informar o leitor sobre esses assuntos. O simples fato de organizarmos uma revista significa que aumentamos nossas possibilidades de formação de uma consciência crítica em relação à forma de produção de conhecimento atual e à mudança nesse círculo, por exemplo, aceitando apenas artigos com estudante-autor como primeiro autor.
Quando mencionamos "produtivismo", referimo-nos a uma certa maneira de valoração e hierarquização da produção acadêmica, por meio da qual esta é dotada de sentido. Tal maneira opera por meio da equivalência de qualidade à quantidade, a posições em rankings, a fatores de impacto, a números de citações etc. O conteúdo da produção não é avaliado a não ser de maneira indireta: um bom conteúdo automaticamente gera citações, um alto fator de impacto, boas posições... Em suma, o conteúdo é deixado de lado e a qualidade da produção passa a ser medida a partir de abstrações numéricas.
Essas abstrações numéricas, por sua vez, parecem estar cada vez mais na base de sustentação de um rico mercado editorial de periódicos científicos e bases de dados. Publicar conhecimento atualmente se tornou um negócio, e um bom negócio visa ao lucro. Vige, portanto, a lógica do capital, que nos parece ser uma lógica estranha à da produção de conhecimento em sua natureza crítico, não obstante ter se transformado na via hegemônica por meio da qual a produção acadêmica é dotada de sentido e valor. Pensemos, de maneira simples, nos custos envolvidos hoje na produção de um artigo que seja aceito para publicação em uma revista indexada, o topo da produção acadêmica: em primeiro lugar, há o custo dos salários, laboratórios e bolsas, muitas vezes divididos entre as instituições acadêmicas e agências de fomento; uma vez aceito, paga-se para a publicação – por exemplo, aceitando comprar um número mínimo de reprints do artigo; por fim, paga-se pelo acesso à base de dados ou portal que administra o conteúdo publicado pelo periódico.
Nas universidades estaduais paulistas, o modelo de atividade acadêmica organiza-se em um tripé – pesquisa, ensino e extensão. A rigor, as três atividades a serem realizadas pelos docentes-pesquisadores não possuem uma hierarquia entre si. A partir do momento, entretanto, em que a avaliação da atividade docente pauta-se apenas por um desses três eixos – a pesquisa – e, além disso, em apenas um de seus resultados – a transformação das conclusões em um artigo publicado – procede-se a uma hierarquização involuntária, mas não menos nociva. Se, como dissemos, apenas um dos resultados da pesquisa é contemplado nesse modelo, muito mais fica de fora, ou recebe um sentido ou valor menor: preparação de aulas e dedicação à sala de aula, orientações, organização de projetos de extensão, elaboração de dissertação ou tese etc.
Observa-se, portanto, que um dos frutos dessa lógica de produtivismo é a formação de uma complexa estrutura burocrática, por definição, estatística, neutra e fria. Nesse contexto, o caráter verdadeiramente acadêmico de determinada produção é o menos avaliado por formulários e instâncias de fomento à pesquisa. Produzir conhecimento dentro dessa lógica é aceitar certas normas e características de um certo tipo de pesquisa positiva que prima pelos números e verdeja em áreas de "ciência dura". Como fazer com que as ciências humanas e as humanidades conformem-se a esse modelo? Como fica, então, a Psicologia, cuja definição de método e objeto está longe de ser consensual entre os próprios integrantes da área? Como fica, ainda, a formação do estudante, atacada cada vez mais cedo pelas pressões de uma especialização do conhecimento e da premência em publicar?
Uma forma privilegiada de responder a esta última questão pode estar no círculo das revistas científicas especializados na publicação de estudantes: os periódicos estudantis. Em um levantamento das revistas científicas estudantis brasileiras – realizado por ocasião do lançamento do número anterior da Transformações – foram encontrados 17 registros. O levantamento foi feito exclusivamente por meio da Internet, e focalizou os periódicos dedicados à publicação de artigos científicos cujos autores fossem estudantes, excluindo boletins, diários não-científicos ou revistas de divulgação científica. Das 17 revistas encontradas, 10 delas são editadas por institutos ou departamentos da Universidade de São Paulo e o restante se distribui por universidades e centros de pesquisa por todo o Brasil.
Encontramos entre as revistas registradas uma pluralidade de formas de organização, todas elas com estudantes no corpo (comissão executiva e/ou editores-executivos). A maior parte – como é o caso da TransFormações – possui uma história recente, com a exceção dos Cadernos de Campo de Antropologia (USP), publicados desde 1991. Entre as revistas da Universidade de São Paulo, 6 são avaliadas pelo Qualis, enquanto 3 das revistas restantes receberam essa avaliação. Cabe notar que todas as avaliações se encontram no registros C e B (B3, B4 e B5).
Um fato que chama a atenção neste levantamento é que nenhuma das revistaestudantis editadas pela Universidade de São Paulo participa do Portal de Revistas da USP, biblioteca eletrônica destinada à publicação on-line das revistas produzidas pela Universidade e credenciadas pelo Programa de Apoio às Publicações Científicas Periódicas da USP. Esse Programa, ao ajustar-se ao contexto de internacionalização e às exigências de modernização dos veículos de divulgação científica, estabeleceu uma política de avaliação que exclui as iniciativas de estudantes e não reconhece suas publicações, ainda que sejam elas realizadas no interior da Universidade. Exige, por exemplo, a presença de um editor responsável que pertença ao quadro funcional da Universidade, fator que restringe a participação da revista TransFormações por sua política de gestão editorial formada exclusivamente por estudantes. Da mesma forma, outras revistas estudantis enfrentam outros problemas nessa avaliação, o que indica a necessidade de revisão do estatuto do Programa, para que a adequação às políticas alheias à Universidade não signifique o não-reconhecimento pela mesma de uma parcela de sua produção.
Claro está que produzir conhecimento é estar em uma relação de poder. A formação não deve estar alheia a isso: o contato com as normas, o rigor na avaliação, a formação da comissão executiva, de pareceristas, de autores e de público são parte integrante desse processo e mesmo uma etapa necessária para fazer parte do mundo acadêmico. Ela só estará completa, no entanto, quanto deixar aberto o espaço da crítica e da contestação.