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TransFormações em Psicologia (Online)
versão On-line ISSN 2176-106X
TransForm. Psicol. (Online) vol.3 no.2 São Paulo 2010
Traduções
Do corpo… ao discursoi
Traduzido por Luiz Eduardo de Vasconcelos Moreira e Pedro Eduardo da Silva Ambra
Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo
Du corps... au discours
Sidi Askofaréii
Eis que me encontro encurralado para dar a esse título o quê? Um corpo, justamente! Para fazê-lo, foi preciso que me detivesse aqui um pouco mais. Dei-me conta, logo de início, do quanto a questão do corpo divide a comunidade dos psicólogos e dos psicanalistas. Que se recomende o abandono puro e simples da noção de corpo em benefício daquela de corporal o adjetivo substantivado, portanto faz-se por si só sintoma e deveria, consequentemente, incitar-nos a refletir sobre o uso e os desafios dos conceitos que empregamos. A orientação lacaniana em psicanálise impõe, ao contrário, não somente pensar o corpo mas colocá-lo no coração, no centro mesmo da psicanálise enquanto prática e discurso. Desde 1960, Lacan insistia: "Pois a psicanálise implica, é claro, o real do corpo e o imaginário de seu esquema mental"1.
Esta posição só pode sustentar-se, contudo, com a condição de considerar que a psicanálise promoveu uma concepção não trivial do corpo, que lhe é tão essencial quanto a teoria do significante. Eu decomporia voluntariamente esta contribuição específica trazida pela psicanálise à questão do corpo, via ensino de Lacan, em três temáticas ao mesmo tempo distintas e articuladas, amarradas mesmo.
A primeira relaciona-se à evidenciação das relações entre o corpo e a linguagem e mesmo à determinação linguageira do corpo. Ou seja, isto que nas elaborações de Lacan conduz, por um lado, à distinção entre organismo e corpo e, por outro, ao estatuto do corpo como lugar e mesmo como "leito do Outro".
A segunda é relativa ao gozo e, mais particularmente, à pulsão como "eco no corpo, dado que há um dizer", ou seja, o sintoma como "acontecimento de corpo".
A terceira, enfim, relaciona-se à promoção do corpo como "consistência imaginária" no nó borromeano. O que Lacan enfatiza, desde então, não é simplesmente que o corpo seja imaginário é este o estatuto que se deduz do estádio do espelho , é que "o imaginário é o corpo".
Três pontos de vista, portanto, três perspectivas que desvelam e insistem alternadamente sobre os estatutos simbólico, real e imaginário do corpo. Para hoje, acrescentaria simplesmente isto: todas estas elaborações dizem respeito, por assim dizer, ao corpo como participante da estrutura e muito precisamente da estrutura do falasser, enquanto não redutível ao sujeito do significante. Sem dúvida, a contribuição e o ganho, tanto clínicos quanto epistêmicos, destas elaborações estão longe de serem insignificantes ou negligenciáveis. Não obstante, nenhuma delas diz algo decisivo sobre o corpo na modernidade e na pós-modernidade, sobre o corpo "historizado", ou seja, tomado entre estrutura e história. De onde me veio a idéia, muito tempo depois o título, de interrogar o corpo a partir da perspectiva lacaniana mais afinada com a história e as variações "culturais": a categoria de discurso.
Falei, acima, de uma concepção não trivial do corpo em Lacan. Evocando-a, não pensava nem no corpo do estádio do espelho nem no corpo no qual Lacan identificou o anel imaginário do nó borromeano. Pensava muito precisamente na doutrina sobre o corpo proposta por Lacan em 1970, em sua "Radiofonia", texto contemporâneo de O avesso da psicanálise. Por si só, esta contemporaneidade da doutrina de Lacan sobre o corpo e da construção de sua teoria do laço social, sua doutrina dos quatro discursos, convida-nos a determo-nos um pouco sobre o conceito de corpo que Lacan forja para a psicanálise.
Em 1970, apesar dos gigantescos esforços empreendidos, notadamente desde seu seminário X, A angústia, o ensino de Lacan foi reduzido, por sua recepção e por sua percepção exterior, a A instância da letra no inconsciente ou a razão após Freud, ou seja, à estrutura da linguagem do inconsciente e às leis de substituição e conexão significantes: metáfora e metonímia. Deduzia-se daí uma concepção da psicanálise que parece considerar o corpo como completamente perdido, chegando até mesmo a ignorar os afetos. Em todo caso, é isto que gostariam de crer alguns, essencialmente André Green (cf. Le discours vivant). Daí a intervenção de Lacan em 1970. Para enfatizar o quê? Que nenhum avanço feito por ele sobre a linguagem e seus efeitos poderia ser concebido sem o corpo, sem o suporte do corpo como lugar da voz, da memória, dos efeitos significantes e dos efeitos de gozo: prazer, desprazer, satisfação, sofrimento, dor.
Com efeito, basta considerar as coisas a partir do ângulo da fenomenologia da experiência para convencer-se. O desejo de conhecer-se melhor raramente, para não dizer jamais, leva um sujeito a consultar-se com um psicanalista. Mais frequentemente, para não dizer sempre, é um desarranjo, uma ruptura da homeostase subjetivante, falhas na economia de seu gozo: repetições dolorosas, compulsões e impulsos incontroláveis, sentimento de insatisfação ou impotência, fenômenos corporais ou mentais paradoxais, absurdos ou subjetivamente opacos. Estas manifestações diversas ordenam-se facilmente a partir da tríade com a qual Freud intitulou uma de suas obras: inibição, sintoma e angústia.
Pode-se certamente intelectualizar profusamente e articular a inibição, o sintoma e a angústia com as três grandes questões kantianas: o que posso saber? O que devo fazer? O que me é permitido esperar? Nesta perspectiva, vê-se bem que o sintoma enquanto "retorno do recalcado" tem a ver com o saber, com o "não quero saber de nada disso", em que consiste o recalcamento. Da mesma forma a inibição, enquanto "limitação funcional do eu [Moi]" é do domínio do fazer, do ponto de vista do negativo eu não posso..., "eu não consigo" com a renúncia que inscreve sua marca. Por fim, a angústia, enquanto espera ansiosa pelo acontecimento, introduz o falante na dimensão do tempo, a seus efeitos e in fine à morte. Mas o que nenhuma filosofia saberia apagar mesmo se pudesse evitá-la, contorná-la ou ignorá-la é a implicação fundamental do corpo em cada uma dessas manifestações. A ponto de que o sintagma forjado por Lacan para o único sintoma, parece-me, pode estender-se incontestavelmente aos dois outros: "acontecimentos de corpo". Se tudo isto que acabo de retomar ou de propor for correto, concordaríamos que é justificado que Lacan retome a questão. Tudo isso para demonstrar que ele não ignora nem desconhece o corpo. Muito pelo contrário.
É com isso que ele rompe, com uma certa idéia de corpo e com a concepção espontânea e ingênua que considera o corpo como um dado bruto e imediato. Esta concepção seria antes a da psicologia que confunde corpo e organismo.
Lacan procede de forma diferente. Ele parte da hipótese, verificada pela clínica, de que o corpo, no ser falante, seria antes um efeito. Mais precisamente, o corpo seria o produto de um processo de simbolização e de investimento libidinal do organismo. Desde então, a psicanálise está em condições de formular questões nunca postas pela psicologia:
- O que é um corpo?
- Como ele se constitui?
- Em quais registros do ser e da experiência humana (S, R ou I) ele se inscreve?
Estas questões, como todas aquelas que são determinantes em psicanálise, são correlatas a do Outro e a do gozo. As categorias de Outro, de simbólico, de linguagem, de gozo e de objeto constituem os operadores essenciais desta elaboração.
Chego então às teses as mais inovadoras de Lacan em Radiofonia, que considero seu texto de referência sobre o corpo. Pode-se decompor sua densa articulação em duas proposições:
- Para todo falasser, o verdadeiro corpo, o primeiro corpo, é o corpo dos significantes, o corpo do simbólico, isto é, a linguagem.
- A linguagem é corpo que dá corpo; e este não é um mero jogo de palavras. Isso quer dizer muito precisamente que o verdadeiro corpo humano (versus organismo), o corpo capaz de gozo, o corpo apto ao amor e ao desejo é uma atribuição linguageira, isto é, o extremo oposto de um dado natural imediato.
A tese mais radical que a psicanálise autorizou-se a formular sobre o corpo, então, enuncia-se: é o corpo do simbólico que faz o corpo "entendido no senso ingênuo". Incorporação é o nome da operação pela qual se realiza, efetua-se o corpo do falasser na medida em que esta operação assegura a passagem do simbólico no organismo que ele converteu em corpo. Em conseqüência do quê, uma vez incorporado, o corpo do simbólico torna-se incorporal, atestando assim que o simbólico tem como causa o corpo, que o simbólico é corpo de ser agrupamento e articulação. Se, incorporal, o simbólico faz a realidade, é como "incorporada que a estrutura faz o afeto", ou seja, o efeito sobre o corpo de um dizer. Portanto, o afeto não é, nesta perspectiva sem ofensa a A. Green um fenômeno energético ou infra-linguístico. Ele resulta de que incorporado à estrutura (a linguagem), afeta o corpo. Desta subordinação do corpo à estrutura de linguagem, Lacan conclui que "do corpo, é secundário que ele esteja morto ou vivo". Uma tal afirmação não deixa de surpreender, sobretudo se ela é entendida como: para um determinado sujeito, é secundário que seu corpo esteja morto ou vivo. Mas seria um grande contra-senso entendê-la assim. Este enunciado só se esclarece, com efeito, quando é relacionado às considerações desenvolvidas sobre a sepultura: "Quem não coonhece o ponto crítico pelo qual datamos, no homem, o ser falante? - a sepultura, ou seja, o lugar onde se afirma de uma espécie que, ao contrário de qualquer outra, o cadáver preserva o que dava ao vivente o caráter: corpo. Permanece como corpse, não se transforma em carniça, o corpo que era habitado pela fala, que a linguagem corpsificava"2.
Do corpo de um ser falante, do corpo Um que habitava a palavra, a morte só tira a vida, isto é, sua aptidão ao gozo. A morte não pode retirar do corpo nenhum outro dos atributos que ele detém da linguagem e do discurso. Tudo o que em um tal corpo resulta de sua corpsificação pela linguagem perdura para além da morte, ou mesmo aumenta. Daí se deduz que o corpo não é nem identificável, nem redutível ao vivo a partir do qual ele se efetua, pois mesmo morto resta um corpo, um corpo de falasser. Esta distância colocada entre o suporte real, o vivo e o corpo corpsificado pela incorporação do corpo do simbólico conduzirá Lacan a definir o corpo principalmente a partir de sua determinação simbólica: "o corpo, a levá-lo a sério, é, para começar, aquilo que pode portar a marca adequada para situá-lo numa sequência de significantes. A partir desta marca, ele é o suporte da relação, não eventual, mas necessária, pois subtrair-se dela continua a sustentá-la"3.
Assim, para a psicanálise o corpo é primeiro superfície de inscrição. Enquanto tal, recebe uma marca traço unário que o eleva a uma função significante que transcende seu ser vivente. A partir da inscrição desta marca sobre o corpo, esta última acede a seu estatuto de suporte da relação do sujeito a si mesmo à sua imagem, ao seu nome, ao seu gozo e do sujeito ao outro, aos outros. É esta implicação necessária, não contingente ao corpo como "suporte da relação" que faz, entre outros, o valor das categorias de gozo e de discurso (ou laço social) e, conseqüentemente, de sintoma.
Suportar a relação não quer dizer, de forma alguma, suportá-la exclusivamente pela presença, dado que também se pode suportá-la subtraindo-se dela. A histérica pode, aqui, dar testemunho de saber que este é um laço que se sustenta sobre o fato dela furtar-se como objeto! Esta subtração permite introduzir um modo de eficácia do corpo como faltante, retirado, velado ou recusado, mas não obstante suporte de um laço. É esta noção de subtração que constitui a chave da passagem do corpo como significante, como contabilizável e como superfície de inscrição, ao corpo como Outro e como (-1). "Desde tempos imemoriais, Menos-Um designa o lugar que é dito do Outro (com a inicial maiúscula) por Lacan. Pelo Um-a-Menos faz-se a cama para a intrusão que avança a partir da extrusão: é o próprio significante."4
Mantemos aqui o estatuto do corpo em sua relação com o saber e com o gozo junto a uma definição do Outro. Esta localização do corpo é completamente congruente com o que Lacan dizia sobre o corpo em 1967: "Com terceiro ‘mais além’ em sua relação com o gozo e com o saber, o corpo faz leito para advento do Outro pela operação do significante. Mas, com esse efeito, o que resta dele? Insensível pedaço a derivar dali como voz e olhar, carne devorável, ou então seu excremento, eis o que dele vem a causar o desejo, que é nosso ser sem essência."5 No fundo, o processo continua, portanto, o mesmo. Pela incorporação do corpo do simbólico, o organismo corpsifica-se. Desta operação constitutiva do corpo, não somente este se encontra marcado (marca de pertencimento e/ou marca erótica), mas igualmente vem fazer o leito do Outro, este leito pelo qual se opera a metáfora do Outro, a substituição do Outro pela coisa. O efeito desta operação é de fragmentação do corpo e de seu gozo que, falando de maneira precisa, o deserta para se refugiar e condensar-se em suas quedas contingências corporais que são as diferentes figuras do objeto a (seio, excremento, voz, olhar).
Chego agora a meu segundo desenvolvimento, do qual o precedente constituía um requisito. Trata-se de examinar o que é um corpo quando se passa de sua constituição e de sua estrutura à sua função, notadamente no laço social. Para ser breve, eu diria que se trata de fazer o salto necessário da passagem do saber (igualmente inconsciente) como laço entre os significantes ao discurso, que é por sua vez laço entre os corpos. Definição para ser retida, que completa e empresta toda sua força àquela mais comum, de que o laço social é fundado pela linguagem. E é a psicanálise que o demonstra. Com efeito, a análise não seria a experiência freudiana que é isto é, uma experiência do inconsciente, mas considerando que sua realidade é sexual se a função significante do corpo que Freud estabelecia já a partir da clínica da conversão histérica , se seu estatuto de Outro notadamente de superfície de inscrição esgotasse aí seu sentido e sua significação.
Que nos coloquemos do ponto de vista da experiência analítica, do discurso analítico ou do processo de subjetivação, a alteridade do corpo não se traduz exclusivamente em termos do corpo do sujeito. É que, considerado como suporte da relação, o corpo do sujeito diz respeito ao corpo do Outro; dito de outra forma, que o corpo seja Outro para o sujeito não apaga a questão do que é o corpo do Outro e do gozo real ou suposto deste corpo. É neste ponto que se situa, em psicanálise, o enigma fundamental ligado a seu real próprio, aquele da inexistência da relação sexual. Não é também o ponto de onde surge a interrogação relativa ao desejo que conduz os sujeitos a dedicar sua vida de trabalho a se deitar de modo que surja uma história que valha a pena? Mas isso nos levaria para longe demais. Tentemos dar um passo a mais.
Eu já o evoquei: a amarração do corpo e do discurso é o ponto de partida. Com efeito, o que Lacan chamou de discurso não é nem um laço natural nem um laço gregário. Se ele o definiu como um laço e não como uma relação, é justamente porque o laço é o que assegura a coexistência sincrônica de dois ou mais termos. E se ele o chama de "laço social", e não simplesmente de "laço de linguagem", é porquanto os termos cuja coexistência sincrônica ele assegura não são puros significantes mas sim corpos. Dito de outra forma, o agente (o semblante) e o outro de cada um dos discursos fundamentais de Lacan são sempre suportados pelos corpos. E quando este não é o caso, como no discurso da ciência ou no discurso do capitalista, bem, temos "discursos" que não fundam laço social! Minha tese, portanto, torna-se precisa. A questão do corpo no discurso é, de início e antes de mais nada, a questão da presença corporal, a questão da pulsão e a questão dos gozos.
Concordaríamos facilmente em reconhecer que os discursos fundamentais isolados por Lacan se ocuparam corretamente dessas questões, e mesmo constituindo modos apropriados de tratamento. Desde então, não são esses discursos fundamentais os que provavelmente mais nos ajudam a apreender aquilo que diz respeito ao corpo na modernidade/pós-modernidade, cuja determinação discursiva deve-se pesquisar mais do lado do discurso da ciência e do discurso capitalista. Para apreender este deslocamento operado ou, em todo caso, a ponto de sê-lo, basta recordar o que foi essencialmente esta presença corporal:
- presença do corpo na e pela palavra, na relação;
- presença do corpo no sexual, o encontro do Outro sexo, no amor;
- presença do corpo no e pelo trabalho, os laços de trabalho, a economia.
Estas presenças, deve-se lembrar, eram sustentadas por um Outro muito consistente que não se faz mais presente hoje. Se considerarmos, de acordo com Lacan, que a dominação do discurso da ciência e do discurso capitalista está no fundamento desta ruína do Outro, não é surpreendente que a pós-modernidade conceito que deve aqui substituir o de modernidade, apoiando-se sobre o que nos ensinou Jean-Françoise Lyotard6 , tal como se dá para nós, apresenta-se como um processo, um movimento indo no sentido da retirada, do apagamento, da subtração progressiva do corpo por uma tripla recusa, rejeição ou mesmo retraimento:
- recusa, rejeição ou retraimento da palavra, portanto da narração, do contar, por conseguinte da historização da verdade: foraclusão da verdade (cuja estrutura é, não nos esqueçamos, de ficção) como causa;
- recusa, rejeição ou retraimento das "coisas do amor", tão bem denunciados por Lacan como sendo o fundamento do discurso capitalista;
- recusa, rejeição ou retraimento do corpo produtor em uma economia tendenciosamente automatizada, robotizada e financiarizada. A partir desse momento, os modos de retorno deste corpo são violentos e eruptivos, e são de fato clinicamente perceptíveis:
- Promoção narcísica, ou seja, fetichização do corpo através de diferentes usos e práticas: certas formas de práticas esportivas em voga,
- Submissão e redução do corpo a uma função de puro suporte de sintoma separado do Outro e tomado na deriva metonímica de um gozo sem freio: bulimia, anorexia etc.
- Disponibilização do corpo para proveito de ideologias que o fazem servir como objeto de violência ou sacrifício,
- Manifestação no real sob a forma de objetos corporais dissociados, separados, ou mesmo virtuais: voz, olhar. Não nos encontramos mais, deixamos mensagens de áudio, enviamos SMSs, e-mails ou vídeos!
Sem dúvida, seria difícil reduzir a psicanálise a uma prática ou a um simples uso dos corpos. Além disso, não é desejável que ela o seja. Não obstante, enquanto prática e discurso e mesmo quando Freud encarava-a somente como talking cure e Lacan como prática e função da palavra no campo da linguagem , a psicanálise é fundamentalmente enraizada no corpo, requer o encontro dos corpos e opera pelo seu modo de eficácia própria sobre estes. Resta que e o diagnóstico é unânime o discurso da ciência e o discurso capitalista vão cada vez mais, em razão de sua dinâmica própria e da virtualização do mundo que eles instauram, no sentido de uma redução extrema da presença e de um maior alcance do "elástico pulsional" (C. Soler), ou seja, a curva que vai inserir os objetos. É, parece-me, ao nível das incidências destas mutações sobre o laço social, e em particular sobre a função sintoma do corpo do Outro, do Outro como parceiro do sujeito função que eventualmente o analista pode saturar/encarnar, que a questão deve ser retomada e as pesquisas, feitas.
iPublicado originalmente com o título "Du corps... au discours", em Gaspard, J.-L. e Doucet, C. (org.), Pratiques et usages du corps dans la modernité (pp. 59-66). Éditions érès: Toulouse, 2009. Taduzido por Luiz Eduardo de Vasconcelos Moreira e Pedro Eduardo da Silva Ambra. Revisão de Nelson da Silva Jr.
iiMaiîre de conférences, Docteur d’État, psicanalista, Equipe de pesquisas clínicas, EA 3278, Universidade de Toulouse Il-Le Mirail.
1J. Lacan, 1960, "Subversion du sujet et dialectique du désir dans l’inconscient freudien", em Écrits, Paris, Le Seuil, 1966, p. 804. (Nota do Tradutor: Edição brasileira: "Subversão do sujeito e dialética do desejo no inconsciente freudiano", em Escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 1998, p. 818.)
2J. Lacan, 1970, "Radiophonie", em Autres écrits, Paris, Le Seuil, 2001, p. 409. (Nota do Tradutor: Edição brasileira: "Radiofionia", em Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p. 407.)
3Ibid., p. 409.
4Ibid.
5J. Lacan, 1968, "De la psychanalyse dans ses rapports avec la realité", em Autres écrits, Paris, Le Seuil, 2001, p. 357-358. (Nota do Tradutor: Edição brasileira: "Da psicanálise em suas relações com a realidade", em Outros escritos, Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2003, p. 357.)
6J.-F. Lyotard, La condition postmoderne, Paris, Les Édtitions de Minuit, 1979.