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Trivium - Estudos Interdisciplinares
versão On-line ISSN 2176-4891
Trivium vol.12 no.1 Rio de Janeiro jan./un. 2020
https://doi.org/10.18379/2176-4891.2020v1p.29
ARTIGOS TEMÁTICOS
Breve nota sobre o masculino e o feminino em Alain Didier-Weill
Brief note on the masculine and feminine in Alain Didier-Weill
Brève note sur le masculin et le féminin chez Alain Didier-Weill
Betty Bernardo FuksI; Marco Antonio Coutinho JorgeII
IPsicanalista. Profa. do Programa de Pós-graduação stricto sensu em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida (RJ). Bolsista de produtividade do CNPq e da Funadesp. E-mail: betty.fuks@gmail.com
IIMédico. Psicanalista. Professor Associado e Procientista do Programa de Pós-graduação em Psicanálise. Instituto de Psicologia. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). E-mail: macjorge@corpofreudiano.com.br
RESUMO
Nesse breve ensaio faremos uma leitura sintética de determinada passagem do ensino de Alain Didier-Weill, acerca das categorias de feminino e masculino em psicanálise, não sem salientar minimamente alguns aspectos relevantes das obras de Freud e Lacan sobre o tema.
Palavras-chaves: SEXUALIDADE; OBJETO a; MASCULINO; FEMININO; DIDIER-WEILL.
ABSTRACT
In this brief essay, we will make a synthetic reading of a certain passage in the teaching of Alain Didier-Weill, about the categories of feminine and masculine in psychoanalysis, not without minimally highlighting some relevant aspects of Freud's and Lacan's on the theme.
Keywords: SEXUALITY; OBJECT a; MALE; FEMALE; DIDIER-WEIL.
RÉSUMÉ
Dans ce bref essai, nous ferons une lecture synthétique d'un certain passage dans l'enseignement d'Alain Didier-Weill, sur les catégories du féminin et du masculin en psychanalyse, non sans mettre en évidence certains aspects pertinents des travaux de Freud et Lacan sur le sujet.
Mots-clés: SEXUALITE; OBJET a; MALE; FEMELLE; DIDIER-WEIL.
Sigmund Freud
Começaremos recordando o escândalo que atinge o pensamento Ocidental no momento em que Freud desvela a existência da sexualidade infantil e introduz o conceito de pulsão em seus Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, obra que ele considerava, junto com o livro sobre A interpretação dos sonhos, como suas duas mais importantes obras. Em 1920, no Prefácio à quarta edição dos Três ensaios (1905[1901]/1966), Freud faz questão de ressaltar o impacto produzido por essa obra: "Muito do que este livro contém - sua insistência sobre a importância da sexualidade em todas as realizações humanas e a tentativa que faz para ampliar o conceito de sexualidade - forneceu, desde o início, os mais fortes pretextos da resistência contra a psicanálise" (Freud, 1905/1996, p. 121).
Se fosse possível definir a qualidade literária desse livro, sem dúvida escolheríamos destacar a sua exatidão, pelo projeto bem definido e pelo uso de uma linguagem extremamente clara e precisa. Soma-se a isso uma operação cirúrgica sem precedentes na história dos estudos sobre a sexualidade: Freud inventa a ordem da sexualidade alavancando, com isso, o discurso psicanalítico para além de uma mera oposição, então vigente, entre os registros do corpo e do psiquismo. Soma-se no texto a quebra da fronteira rígida entre o normal e o patológico, da qual era alvo aquilo que na época era chamado de inversão sexual. A exatidão da operação freudiana foi de tal ordem que terminou conduzindo sua disciplina a tomar um rumo definitivo na defesa de que o sexual não é um atributo biológico - instintual - e sim da ordem do pulsional, qual seja, uma força constante que se caracteriza pelo lugar que ocupa entre o somático e o psíquico. Ou, como explicitaria posteriormente Jacques Lacan com sua teorização do inconsciente-linguagem, como uma verdadeira ponte entre somático e psíquico erigida pela linguagem.
Em função da importância dessa teorização e da exatidão da escrita de Freud, os Três ensaios consistem numa brilhante refutação do imaginário social novecentista sobre a homossexualidade; o que nos autoriza ainda a qualificar o texto de subversivo e revolucionário. O desmonte dos trabalhos dos sexólogos do século XX em relação à homossexualidade promoveu, de imediato, a inserção dos sujeitos homossexuais no campo da normalidade. Graças à insistência de Freud em transmitir ao leitor os conceitos e noções básicas de sua teoria da sexualidade, o conceito de pulsão e a noção de sexualidade perverso-polimorfa se inscrevem na teoria do inconsciente como fontes do psiquismo e dão ao homoerotismo um lugar ao mesmo tempo inédito e primordial. Senão vejamos:
As ligações libidinais com pessoas do mesmo sexo desempenham papel tão importante como fatores na vida psíquica normal, e mais importante como causa da doença, quanto ligações idênticas com o sexo oposto. Ao contrário, a psicanálise considera que a escolha de um objeto, independentemente de seu sexo - que recai igualmente em objetos femininos e masculinos, tal como ocorre na infância, nos estágios primitivos da sociedade e nos primeiros períodos da história -, é a base original da qual, em consequência da restrição num ou noutro sentido, se desenvolvem tanto os tipos normais como os invertidos. (Freud, 1905/1996, p. 132)
Foi dentro desse encaminhamento teórico inédito e radical em relação aos saberes dominantes, que ele denominou de metapsicologia, que Freud definiu a pulsão e a libido como molas propulsoras da abertura do psiquismo ao múltiplo e ao singular. No próprio texto que estamos examinando, há uma passagem bastante esclarecedora em relação ao universo do masculino e ao universo feminino descritos como subsumidos à libido, a manifestação da pulsão sexual de natureza masculina, isto é, ativa. A libido é invariável e necessariamente de natureza masculina, "ocorra ela nos homens ou em mulheres e independente de ser seu objeto um homem ou uma mulher" (Freud, 1905/1996, p.200).
É nesse quadro que a noção de bissexualidade - a disponibilidade psíquica responsável pelas diferentes escolhas de objeto, homossexual e heterossexual - é evocada pelo autor, quase ao final dos Três ensaios, ao se deparar com a impossibilidade de chegar a uma compreensão das manifestações sexuais que pudessem efetivamente ser observadas em homens e mulheres. Adiantando-se aos estudos contemporâneos de gênero, Freud reconhece que todo sujeito, homem ou mulher, é portador de uma mistura de traços que pertencem a seu próprio sexo e ao sexo oposto.
Em que pese as significativas reconstruções posteriores do campo da sexualidade em psicanálise - a positivação da feminilidade associada à introdução da pulsão de morte e o excesso pulsional como fundador da experiência subjetiva -, nesse momento nosso interesse específico é, à guisa de estabelecer um link com as contribuições de Didier-Weill para a temática do masculino e do feminino, situar a obra de 1905, como herdeira do debate em torno da tradicional polaridade masculino-feminino estabelecida no século XVIII pela Revolução Francesa. Polarização que vinha sendo retomada num momento em que todos os aspectos da vida social, bem como do mundo das ideias, sofriam transformações - a modernidade. Movimento que chegava derrubando preconceitos e desconstruindo uma tradição de alguns séculos no campo da literatura e das artes.
De acordo com o crítico literário Jacques Le Rider (Le Rider, 2000), a modernidade vivia, na aurora do século XIX, uma crise generalizada de identidade e cujos efeitos marcaram profundamente muitos dos intelectuais e artistas vienenses. Na literatura, com Hugo von Hofmannsthal, Robert Musil e D.H. Lawrence, a crise de identidade é representada através da inquietação manifestada em relação à abolição das fronteiras entre feminino e masculino. Em certo sentido, as crises de identidade onipresentes na cultura europeia acabaram por determinar, por invocarem potentes reações ultraconservadoras, o colapso social que significou a emergência dos maiores males do século XX: o antissemitismo, o nacional-socialismo e um novo tipo de empuxo-à-identidade totalitária.
A temática da polaridade masculino-feminino comparece nos escritos antifeministas - e antissemitas - do filósofo Otto Weininger. Sexo e caráter (1903/1975), livro de sua autoria, pode ser entendido como uma convocação à reconstrução do gênio e da força atribuídos ao masculino, para deter a suposta degeneração da cultura do feminino. Após ter lido Sexo e Caráter, Freud considerou, em seu ensaio "Análise da fobia de uma criança de cinco anos", que Weininger havia sido inteiramente dominado pelo complexo de castração e, em função disso, desenvolvera um forte sentimento de superioridade sobre as mulheres (Freud, 1909/1966 p. 111). Sentimento que espelhava sua rejeição angustiada da feminilidade em tempos de crises de identidade.
O delírio de feminização do juiz Daniel-Paul Schreber, ao qual Freud dedicou uma de suas obras mais importantes - "Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranoia" (1911[19010]/1996) -, coroa igualmente, com a escrita de suas memórias, a quebra da convicção da virilidade sem falta. Schreber soube, como ninguém, escrever sobre a paranoia em relação ao processo de feminização da cultura. Sua obra, Memórias de um doente dos nervos (1984) não deixa de ser um relato subversivo sobre a falência da hegemonia do masculino e positivação do feminino na modernidade (Neri, 2002, 13-18). Na interpretação do crítico Eric Santner, o livro do juiz testemunha a tentação totalitária que começava a se abater sobre a Alemanha - e à qual tantos alemães foram incapazes de resistir (Santner,1997, p. 144-147).
Na Viena de Freud, a consagração do feminino em meio às crises de identidade é extremamente bem figurada na pintura de Gustav Klimt. Em 1908, portanto apenas três anos após a publicação dos Três ensaios, Klimt apresenta o famoso quadro O beijo (1907-8), obra que retrata um casal abraçado, no qual somente a mulher é vista de frente, além de outras pinturas figurativas que denunciam a onipresença da polaridade masculino e feminino na cultura e as interrogações que despertavam. Como relembra Susanna Partsch citando um periódico da época, "Klimt descobriu ou inventou a nova mulher vienense - um tipo muito particular de nova mulher vienense, cujas avós são Judite e Salomé. Ela é sedutoramente imoral, deliciosamente pecadora, encantadoramente perversa" (Partsch, 2018, p.334).
Não será em outros termos que Jacques Le Rider defenderá a ideia de que, na redistribuição operada no século XX dos papéis culturais masculinos e femininos, o discurso freudiano revirou pelo avesso as concepções psicológicas, filosóficas e biológicas, ao enunciar que a sexualidade é marcada por uma experiência intersubjetiva singular, que envolve os destinos das pulsões e seus próprios traços identificatórios: "A psicanálise freudiana é uma das teorias que dão conta da condição humana, na época da crise crônica da identidade" (Le Rider, 1999, p.17).
Para tanto, Freud circunscreveu aquilo que artistas, poetas e escritores de sua época adiantaram sem sabê-lo, alocando o tema das identificações no centro da teoria do inconsciente. Assim, ao introduzir em uma linguagem específica o conceito de identificação, a partir do questionamento das noções de permanência, continuidade e coesão tradicionalmente ligadas à categoria filosófica de identidade, a psicanálise revelou o caráter ilusório da mesma. A rigor, desde sempre contrário ao privilégio dado pela ciência positivista à coerência e à identidade como formas de verdade, Freud descreveu o fato da identificação como uma multiplicidade de pessoas psíquicas que constituem o eu. Desde então, o múltiplo ganha um lugar especial no centro da teoria psicanalítica e a identidade, categoria que confere a alguém uma essência ou que permite afirmar duas pessoas ou coisas como iguais, passa a ser problematizada. O conceito de identificação pressupõe a impossibilidade de realização de qualquer identidade fixa e imutável, o que corresponde no fundo à ideia de que o sujeito é constituído pelo Outro e marcado pelo heterógeno em relação a si mesmo (Fuks, 2014, p.77-78).
Jacques Lacan
Isso é o que Lacan enfatiza, quando sustenta que o sujeito se identifica com o Outro, mas o Outro barrado, incapaz de oferecer uma identidade estável e, portanto, incapaz, por si mesmo, de sustentar o desejo de identificação, um desejo que depende da falta constitutiva e igualmente da urgência de não suturar essa falta. Somos obrigados aqui a considerar que a fantasia é, mais essencialmente, fantasia de completude, ou seja, fantasia de relação sexual possível, que estimula o desejo justamente porque promete recobrir, através do objeto a, a falta no Outro, S(Ⱥ) - falta instaurada pela perda de gozo (jouissance) na própria constituição do sujeito. Trata-se aqui da fantasia fundamental, que se instaura para a criança como uma verdadeira contrapartida ao gozo que ela perdeu, conforme se pode ler nas fórmulas quânticas da sexuação de Lacan.
O quadro das fórmulas mostra do lado do masculino o $, e do lado do feminino o objeto a. O vetor que parte de $ na direção de a não é outra coisa senão a fórmula da fantasia: $◊a. Lacan coloca que, ao sujeito, que "só tem a ver, enquanto parceiro, com o objeto a inscrito do outro lado da barra, só lhe é dado atingir seu parceiro sexual, que é o Outro, por intermédio disto, de ele ser a causa de seu desejo". (Lacan, 1973/1982, p.108) Indicando que a relação sexual não passa, no fundo, de uma fantasia, acrescenta ainda que "o que se viu, mas apenas do lado do homem, foi que aquilo com o que ele tem a ver é com o objeto a, e que toda a sua realização quanto à relação sexual termina em fantasia". (Lacan, 1973/1982, p.116) Assim, a fantasia é, essencialmente, fantasia de completude. Ela é a tentativa de resgate da completude perdida desde sempre pelo sujeito em sua constituição.
Com as fórmulas da sexuação, toda a questão em torno da polaridade masculino-feminino, presente desde os primórdios da psicanálise, é redimensionada por Lacan, que desvincula a sexualidade de qualquer sombra do naturalismo e introduz o conceito de objeto a, objeto causa de desejo, como ponto de inflexão de sua hipótese de que esse objeto não existe.
Do ponto de vista da fantasia, as diferentes escolhas imaginárias do objeto a que não existe, tematizadas por Freud, foram reduzidas por Lacan à lógica do real inerente à falta de objeto (Coutinho Jorge, 2011 p.67). Esse aporte lacaniano à teoria freudiana encontra respaldo numa das últimas seções dos Três ensaios, no ponto em que se encontra um dos principais aforismos freudianos: "O encontro de um objeto é na realidade um reencontro dele" (Freud, 1905/1966:203). O seio como objeto perdido no desmame é prototípico do objeto a, pois o Outro que erogeneiza o corpo da criança e a protege das vicissitudes do mundo interno e do mundo externo encontra-se, desde sempre, perdido.
O conceito de objeto a, atrelado à concepção de uma sexualidade desnaturalizada, é de significativa importância à apreensão da distinção entre o masculino e o feminino. É o que trataremos de mostrar daqui em diante.
Alain Didier-Weill
É bastante significativa a formulação de Alain Didier-Weill segundo a qual o jogo de tênis é a misteriosa produção da invisibilidade, do desaparecimento instantâneo do objeto bola. Ele se pergunta se o esporte, assim como a arte, não pode ser considerado em geral como a possibilidade de restituir aos sujeitos uma parcela de espanto que lhes é negada na vida diária.
Tudo indica que o homem comum necessita igualmente de se espantar e é isso o que certas formas de sublimação cultural parecem lhe oferecer. Através dos jogos de futebol e de tênis, por exemplo, milhares de homens se reúnem para presenciar o espantoso desaparecimento de uma bola! O objeto bola sofre nesse caso uma autêntica transformação, segundo a qual é retirado do regime da troca especular para se metamorfosear num objeto perdido, não especular, "ao qual podemos denominar, tal como foi batizado por Lacan: objeto a"(Didier-Weill, 1998, p.18-9). Numa intervenção que realizou no seminário de Lacan, Didier-Weill retornou à noção de objeto perdido através da música para situar nela a capacidade de transmutar a tristeza em nostalgia, de tal modo que o gozo musical se define por "ser dotado do poder de evaporar o objeto" (Didier-Weill, 2014, p.63).
Cabe relembrar ainda a exemplar distinção para Lacan entre o masculino e o feminino que Didier-Weill ilustra com a diferença entre o objeto e a Coisa, através da disparidade dos jogos precoces do menino e da menina. Como o Outro, diz ele, não é sexuado, a relação do sujeito com a palavra inicialmente não tem o caráter do sexo. Apenas "a partir do trauma e do recalque originário, tendo-se constituído um corpo como sexuado, uma parte da palavra será submetida ao determinismo sexual, enquanto outra permanecerá virgem, indeterminada" (Didier-Weill, 2012, p.31). O corpo surge, então, como o vaso com seu gargalo - que representa o furo no corpo deixado pela castração no recalque originário - isto é, o eu (imagem inconsciente do corpo) e o objeto do desejo.
A diferença reside no modo pelo qual o furo comparece no masculino e no feminino: no lado do homem, a castração faz um furo simbólico por meio do significante fálico, através do qual o homem se relaciona com o objeto do desejo. Assim, o menino muito cedo chuta a bola e a constitui como objeto perdido atrás do qual, mais tarde, o homem correrá toda a sua vida. Objeto claramente agalmático, a bola - do latim bulla - tem sinônimos que revelam inegavelmente sua condição erótica: couro, pelota, menina, gorduchinha. O locutor de futebol Osmar Santos criou uma palavra de ordem igualmente reveladora: "Ripa na chulipa e pimba na gorduchinha" (Silva, 2014, p.67).
O chute ou também a raquete de tênis são, para Didier-Weill, símbolos do falo, que tocam na bola, mas, se o fazem, é para se separar dela. O investimento que a bola desperta no menino e no homem surge claramente ligado à separação e à perda, pois "a bola não tem interesse algum quando a prendemos nas mãos, ela só interessa quando nos separamos dela". (Didier-Weill, 2012, p.32) Sabemos inclusive que, em certos jogos, manter a bola nas mãos durante um tempo longo pode ser considerado como uma falta, por exemplo, no jogo de basquete. No futebol, a vaia virá indefectivelmente se o time vitorioso começar a se exibir narcisicamente, ao segurar a bola e não tocar o jogo para a frente. O corpo do homem adquire consistência na posição ereta através do movimento de corrida atrás do objeto-bola. Curiosamente, se o menino não gosta de jogar bola, seus amiguinhos são os primeiros a dizer que ele é "boiola", o que significa que ele está do lado do feminino.
Com a operação do recalque originário e a instauração da fantasia fundamental - $◊a - o homem substitui a Coisa pelo objeto a, ele substitui o ilimitado da Coisa pela significação de um objeto limitado, simbolizado por ele: "Lá onde havia o ilimitado, ele o substitui por um lugar-tenente do Outro, que é o objeto. Este homem opera, poderíamos dizer, um deslocamento da questão, ele recebe a questão do real em sua dimensão de ilimitado ou de infinito, e responde dizendo que há um objeto finito que adquire uma significação sexual" (Didier-Weill, 2012, p.34).
A relação da mulher com o furo não possui a mesma estrutura, pois no seu caso o furo é real e não simbólico, o que faz com que o falo não baste para simbolizar esse furo. Como o falo não dá conta do real, Lacan enuncia que a mulher está não-toda na ordem do falo: resta uma parte do real que não é subsumida pelo sexual e faz apelo a outra coisa para ser simbolizada. Didier-Weill interpreta a brincadeira da menina de pular corda como significando que ela se lança no ar ao invés de lançar no ar a bola como o menino. No caso da menina, não se trata da separação do objeto, mas do alívio que ela produz no próprio corpo, tornando-o leve e retirando-lhe o peso.
Didier-Weill conclui ainda que o destino do masculino é o jogo do sentido e o destino do feminino é o jogo da existência. A origem do sentido reside na busca do objeto e o pensamento dito objetivo do homem, traduzível no pensamento científico, parece se originar aí. A inconsistência do corpo da mulher relativa a essa parte do real que não é subsumida pelo sexual, "lhe traz uma dúvida sobre sua existência, que dá a seu destino um outro delineamento, fazendo-o passar por caminhos de realização diferentes dos do homem" (Didier-Weill, 2012, p.36).
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Recebido em: 05/01/2020
Aprovado em: 12/05/2020