Introdução
A pandemia e as medidas de mitigação do SARS-CoV-2 trouxeram consequências sanitárias, sociais e econômicas. A saúde mental também merece atenção, pois o longo período de confinamento foi associado a sintomas depressivos, ansiedade, irritabilidade, estresse, tristeza e distúrbios do sono (Brooks et al., 2020; Chen et al., 2021).
Em 2020, houve diminuição de 1.000 passos por dia em duas semanas de confinamento, sugerindo que as pessoas se tornaram menos ativas fisicamente (Lakicevic et al., 2020). A inatividade física e a consequente diminuição da mobilidade podem ter provocado impactos negativos na saúde das pessoas idosas, repercutindo no funcionamento dos sistemas orgânicos e no enfrentamento de agentes infecciosos (Pinheiro et al., 2020).
O exercício físico é fundamental para o envelhecimento saudável, pois promove bem-estar psicológico (Rodríguez et al., 2020), qualidade de vida (Andreotti et al., 2013), autoestima e autoconfiança, auxiliando os idosos a realizarem suas atividades da vida diária com independência e integração à comunidade (Tortosa-Martínez et al., 2020). A prática regular de exercícios físicos também auxilia no tratamento de sintomas depressivos (Kvam et al., 2016), ajuda a estabelecer redes de apoio social e diminui a percepção de solidão na velhice (Oliveira et al., 2019). Não por acaso, em idosos, as principais motivações para a prática de exercícios físicos são a socialização e o prazer (Da Silva et al., 2016).
Se, por um lado, o exercício físico promove uma série de benefícios, por outro, o distanciamento social e a inatividade física podem ter acarretado desdobramentos negativos à esfera psicossocial dos idosos (Chen et al., 2021). A justificativa é de que a mudança na rotina, a redução de papéis sociais e o afastamento das redes de apoio social podem ter impactado negativamente no estado emocional durante a pandemia (Armitage & Nellums, 2020). No entanto, vale ressaltar que os impactos da covid-19 foram bastante distintos, de modo que os idosos mais resilientes e que conseguiram manter relações sociais de qualidade parecem ter passado pelo período de isolamento sem maiores prejuízos à saúde mental (Vahia et al., 2020).
Apesar de as autoridades de saúde pública recomendarem o distanciamento social, a aceitação não foi homogênea no território nacional. Isso se deve às disparidades socioeconômicas, comunicação inadequada e, também, ao prolongamento das medidas de contenção do coronavírus, que fizeram com que a adesão às políticas públicas diminuísse ao longo do tempo (Zhang et al., 2022). Como hipótese, imaginamos que a falta de controle epidemiológica e a adoção prolongada das medidas de mitigação do SARS-CoV-2 podem ter aumentado a prevalência de emoções negativas, ao passo que idosos mais ativos podem ter passado pela pandemia com níveis mais baixos de sofrimento emocional.
Na pandemia, a rotina do idoso e suas repercussões emocionais foram pouco exploradas pela comunidade científica. Acreditamos tratar-se de um tema de amplo interesse social, pois aborda os desfechos provocados pela restrição de mobilidade, bem como possibilita inferir possíveis atenuantes do sofrimento emocional em um subgrupo bastante acometido pela covid-19. Diante disso, investigamos a associação entre atividade física e aspectos emocionais de idosos durante a pandemia.
Método
Participaram do estudo 101 pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, de ambos os sexos, alfabetizadas, residentes em qualquer região do território nacional e com computador ou smartphone com acesso à internet. Foram excluídos residentes em instituições de longa permanência ou com grande comprometimento da mobilidade (autorrelato).
Instrumentos
O instrumento foi um questionário elaborado pelos pesquisadores por meio da plataforma Google Forms, composto por 35 itens, subdivididos em quatro blocos:
Caracterização dos participantes: seis itens, envolvendo nome, sexo, idade, escolaridade, moradia e arranjo familiar;
Coronavírus: seis perguntas que deveriam ser respondidas com “sim” ou “não” - “Você teve coronavírus?”; “Tem medo de ser infectado/a pelo coronavírus?”; “Conhece alguém que se infectou pelo coronavírus?”; “Conhece alguém que faleceu por causa do coronavírus?”; “Você praticou distanciamento social durante a pandemia?”; “Você acha necessário proteger-se contra o coronavírus?”.
Atividade física e uso de redes sociais: sete itens categóricos - “Você se manteve fisicamente ativo/a durante a pandemia?” (sim ou não); “Tirando as atividades do dia a dia, quantas vezes na semana você se exercitava durante a pandemia?” (escala de 0 a 7); “Selecione as modalidades de exercício físico que você praticava durante a pandemia” (lista contendo sete modalidades e um campo inserção de outras modalidades); “Você acha que o seu desempenho físico melhorou, piorou ou manteve-se igual?”; “Marque as atividades que você realizava durante a pandemia” (lista contendo 10 atividades); “Em relação aos cuidados com o lar, marque as tarefas que você realizava durante a pandemia” (lista contendo 11 tarefas); “Você usava redes sociais (WhatsApp, Facebook, Instagram) para conversar com familiares e/ou amigos?” (sim ou não).
Aspectos psicológicos: dezesseis perguntas a serem respondidas com “raramente” (nenhum ponto), “às vezes” (1 ponto) ou “sempre” (2 pontos) - “Durante a pandemia, você teve dificuldade para dormir?”; “Você se sentia ansioso/a?”; “Você tinha pensamentos negativos?”; “Você se sentia exausto/a?”; “Você ficava sem vontade de fazer as coisas?”; “Você ficava triste?”; “Você sentia vontade de chorar?”; “Você se sentia sozinho/a?”; “Você se sentia agitado/a?”; “Você ficava com raiva?”; “Você era agressivo/a com seus amigos ou familiares?”; “Você sentia medo em relação ao futuro?”; “Pequenas coisas te deixavam aborrecido/a?”; “Você se sentia insatisfeito/a com a vida?”; “Você sentia seu coração acelerado?”; “Você sentia dificuldade em concentrar-se?”. A pontuação de cada item foi somada, gerando um escore de 0 a 32, sendo o sofrimento emocional diretamente proporcional ao escore.
Procedimentos de coleta e análise dos dados
Este é um estudo transversal, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), CAAE: 42751121.6.0000.5404, processo n. 4.828.967, em conformidade com as recomendações e os requisitos da Resolução n. 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e suas complementares. A divulgação foi realizada por meio de um convite, em formato de imagem com um link de acesso para o questionário, nos grupos de pesquisa da UNICAMP e em redes sociais como Instagram, Facebook e WhatsApp. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) continha orientações sobre os objetivos da pesquisa, a possibilidade de desistência a qualquer momento, a garantia de sigilo e questões éticas, bem como a possibilidade de entrar em contato direto com os pesquisadores em caso de dúvida. O tempo de resposta foi de aproximadamente 10 minutos. A coleta de dados ocorreu entre julho e setembro de 2021.
Procedimentos de análise
Descrevemos as variáveis do estudo por meio da média, desvio-padrão e frequência. A ANOVA de uma via foi usada para comparar a percepção do desempenho físico (variável categórica) em função da frequência semanal de exercícios físicos (variável discreta), na qual o teste de Levenne foi usado para identificar a homogeneidade, o post hoc Tukey foi usado para comparações múltiplas e o Cohen d foi usado para estimar o tamanho do efeito. O teste Qui-Quadrado foi usado para verificar associação entre variáveis categóricas. Para identificar fatores associados ao sofrimento emocional (variável dependente discreta), consideramos como variáveis independentes a percepção do desempenho físico (variável categórica), a mobilidade nos espaços da vida diária (variável discreta) e a quantidade de tarefas domésticas realizadas na pandemia (variável discreta). Inicialmente, analisamos a distribuição da variável dependente para determinar a técnica estatística mais apropriada. Percebemos que o sofrimento emocional apresentou distribuição assimétrica, o que nos fez optar pela distribuição gama. Em seguida, realizamos um Modelo Linear Generalizado com função de ligação identidade e AIC como critério de aderência. As variáveis candidatas a fatores de confusão foram idade, sexo, escolaridade e medo de ser infectado. O modelo final foi determinado pelo menor valor de AIC. O nível de significância estatística adotado foi de 5% e todas as análises foram realizadas no Jamovi, versão 2.3.16.0.
Resultados
A pesquisa contou com 101 pessoas idosas, de ambos os sexos. A distribuição por sexo foi equivalente, existindo predomínio de idosos com ensino superior completo e vivendo com o companheiro. A Tabela 1 descreve as frequências absoluta e relativa das variáveis demográficas.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Sexo | ||
Feminino | 53 | 52,5 |
Masculino | 48 | 47,5 |
Idade (média, DP) | 69,4 | 7,2 |
Escolaridade | ||
Ensino fundamental incompleto | 14 | 13,9 |
Ensino fundamental completo | 2 | 2,0 |
Ensino médio completo | 9 | 8,9 |
Ensino superior incompleto | 8 | 7,9 |
Ensino superior completo | 68 | 67,3 |
Vive com | ||
Companheiro(a) | 45 | 44,6 |
Familiares | 27 | 26,7 |
Sozinho(a) | 29 | 28,7 |
N=Frequência absoluta; %=Frequência relativa; DP=desvio-padrão.
As percepções dos participantes em relação à pandemia da covid-19 estão na Tabela 2. De maneira geral, a maioria teve medo de ser infectada, aproximadamente 15% se infectaram e houve alta adesão ao distanciamento social.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Tem medo de ser infectado(a)? | ||
Sim | 70 | 69,3 |
Teve coronavírus? | ||
Sim | 15 | 14,9 |
Conhece alguém que se infectou? | ||
Sim | 92 | 91,1 |
Conhece alguém que faleceu por causa da covid-19? | ||
Sim | 75 | 74,3 |
Praticou distanciamento social? | ||
Sim | 97 | 96,0 |
Acha necessário se proteger? | ||
Sim | 99 | 98,0 |
Sofrimento emocional (média, DP) | 9,3 | 6,1 |
N=Frequência absoluta; %=Frequência relativa; DP=desvio-padrão.
A maioria dos participantes usou as redes sociais para conversar com amigos/familiares (88,1%) durante a pandemia. No que tange à prática de atividades físicas, a maioria dos voluntários manteve-se ativa fisicamente, com prática semanal média de duas vezes. Contudo, a maioria relatou piora do desempenho físico naquele período. Os resultados referentes à média semanal de prática, percepção do desempenho físico e modalidades praticadas estão na Tabela 3.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Manteve-se fisicamente ativo(a) na pandemia? | ||
Sim | 80 | 79,2 |
Quantas vezes por semana você se exercitava? (média, DP) | 2,9 | 2,1 |
Seu desempenho físico durante a pandemia | ||
Piorou | 46 | 45,5 |
Manteve-se igual | 40 | 39,4 |
Melhorou | 11 | 10,9 |
Modalidades praticadas | ||
Musculação | 22 | 21,8 |
Caminhada | 55 | 54,5 |
Corrida | 2 | 2,0 |
Ciclismo | 3 | 3,0 |
Hidroginástica | 6 | 5,9 |
Natação | 2 | 2,0 |
Pilates | 7 | 6,9 |
Outras | 12 | 11,9 |
N=Frequência absoluta; %=Frequência relativa; DP=desvio-padrão.
A ANOVA de uma via encontrou efeito estatisticamente significativo da frequência semanal de exercícios físicos na percepção do desempenho físico (F [2, 94]=5,75; p=0,004). O post hoc Tukey mostrou que os idosos que melhoraram o desempenho praticaram exercícios físicos mais vezes na semana (média: 3,91±2,02) em comparação aos que pioraram a aptidão física (média: 2,17±1,80), com p=0,029 e tamanho de efeito grande (Cohen d=0,873). Quem se manteve igual também praticou exercícios físicos mais vezes na semana (média: 3,40±2,17) em comparação a quem piorou, com p=0,015 e tamanho de efeito médio (Cohen d=0,617). Entre quem melhorou e quem se manteve igual, não houve diferença significativa (p=0,733). O teste Qui-Quadrado mostrou que o grupo que melhorou o desempenho físico praticou predominantemente musculação (72,8%), que foi menos frequente no grupo que se manteve igual (20%) e no grupo que piorou o desempenho físico (8,7%), com p<0,001. Não houve diferença estatisticamente significativa (p>0,05) na proporção das demais modalidades entre os grupos.
Em relação à mobilidade nos espaços da vida diária, as atividades mais realizadas foram ir ao mercado, caminhar na vizinhança e sair para tomar sol (Tabela 4). A Tabela 5 apresenta diferentes tarefas domésticas voltadas ao cuidado do lar. As atividades mais frequentes foram preparo das refeições e limpeza das roupas e da casa.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Visitou familiares durante a pandemia? | ||
Sim | 41 | 40,6 |
Foi ao mercado? | ||
Sim | 77 | 76,2 |
Foi ao shopping? | ||
Sim | 19 | 18,8 |
Foi ao restaurante? | ||
Sim | 24 | 23,8 |
Frequentou parques naturais? | ||
Sim | 22 | 21,8 |
Frequentou festas ou eventos? | ||
Sim | 2 | 2,0 |
Saiu para tomar sol? | ||
Sim | 62 | 61,4 |
Conversou com os vizinhos? | ||
Sim | 46 | 45,5 |
Caminhou na vizinhança? | ||
Sim | 65 | 64,4 |
Mobilidade nos espaços da vida diária (média, DP) | 3,7 | 1,9 |
N=Frequência absoluta; %=Frequência relativa; DP=desvio-padrão.
Variáveis | N | % |
---|---|---|
Limpou a casa? | ||
Sim | 60 | 59,4 |
Preparou refeições? | ||
Sim | 74 | 73,3 |
Lavou roupa? | ||
Sim | 66 | 65,3 |
Arrastou móveis de lugar? | ||
Sim | 32 | 31,7 |
Cuidou do quintal? | ||
Sim | 46 | 45,5 |
Varreu a calçada? | ||
Sim | 26 | 25,7 |
Subiu escadas? | ||
Sim | 60 | 59,4 |
Limpou a caixa d'agua? | ||
Sim | 5 | 5,0 |
Limpou a calha? | ||
Sim | 4 | 4,0 |
Fez manutenção ou pequenos reparos? | ||
Sim | 35 | 34,7 |
Atividades domésticas (média, DP) | 4,0 | 2,1 |
N=Frequência absoluta; %=Frequência relativa; DP=desvio-padrão.
O Modelo Linear Generalizado encontrou associação estatisticamente significativa entre a percepção do desempenho físico e o sofrimento emocional durante a pandemia da covid-19 (Tabela 6). A média do sofrimento emocional foi cerca de quatro pontos mais alta no grupo que piorou em relação ao grupo que melhorou o desempenho físico. Os demais preditores do modelo não foram estatisticamente significativos. Idade, sexo, escolaridade e medo de ser infectado não foram associados ao sofrimento emocional (p>0,05), por isso não foram incluídos como fatores de confusão.
Variáveis independentes | B | IC 95% | p | |
---|---|---|---|---|
Inferior | Superior | |||
Número de atividades domésticas | 0,46 | -0,04 | 0,93 | 0,085 |
Mobilidade nos espaços da vida diária | 0,14 | -0,50 | 0,79 | 0,645 |
Percepção do desempenho físico: | ||||
Igual - Piorou | -0,95 | -3,56 | 1,66 | 0,441 |
Melhorou - Piorou | -4,35 | -7,11 | -1,13 | 0,003 |
IC=Intervalo de Confiança.
Discussão
No presente estudo, verificamos a associação entre atividade física e aspectos emocionais de pessoas idosas durante a pandemia da covid-19, em que observamos que a piora do desempenho físico foi associada aos níveis mais altos de sofrimento emocional. Além disso, caracterizamos a rotina dos idosos em diferentes aspectos da vida diária, permitindo-nos identificar que os exercícios físicos mais praticados foram caminhada e musculação; as tarefas domésticas mais frequentes foram relacionadas ao autocuidado, como preparo das refeições e limpeza das roupas; e os deslocamentos para fora de casa também estavam relacionados ao autocuidado e ao suprimento de necessidades básicas, como ir ao mercado, caminhar na vizinhança e sair para tomar sol.
A pandemia da covid-19 teve impacto significativo na vida de toda a população, não apenas pela exposição ao coronavírus, mas também em decorrência das medidas de distanciamento social (De Oliveira et al., 2021). Embora fosse um problema de saúde pública, a gravidade da covid-19 mostrou-se heterogênea na sociedade, de modo que as repercussões mais deletérias foram observadas principalmente na população idosa (Ornell et al., 2020; Wu, 2020). A justificativa é de que o processo de envelhecimento pode acarretar um declínio no funcionamento dos sistemas orgânicos, reduzindo a capacidade de enfrentamento aos agentes infecciosos, tornando os idosos mais suscetíveis ao atendimento médico de urgência, hospitalização e morte (Hammerschmidt & Santana, 2020). Não por acaso, a maior concentração de hospitalização por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) ocorreu na faixa etária dos 60 aos 69 anos, e o maior risco de mortalidade na faixa dos 70 aos 79 anos (Ministério da Saúde, 2020).
O medo de se infectar não foi o único responsável por evitar que as pessoas adotassem comportamentos de risco. Ainda que com alguma dificuldade, foram implementadas medidas de mitigação do coronavírus, como o distanciamento físico e social, as quais colocaram a saúde mental no centro das discussões públicas, especialmente em relação às pessoas idosas (Wong et al., 2020). Nesse sentido, Barros et al. (2020) observaram que 40% dos adultos se sentiram mais tristes ou deprimidos, 54% ficavam frequentemente ansiosos ou nervosos e 43% tiveram alterações no sono durante a pandemia. No estudo de Pereira et al. (2021), 29% dos idosos relataram sentir pouca vontade de realizar as atividades do cotidiano, 33% se sentiram deprimidos, 36,5% apresentaram dificuldades para dormir e 36% sentiram-se com pouca energia. Pacheco (2021), por sua vez, encontrou que a prevalência de percepção de solidão foi de 44%, de ansiedade foi de 57%, e que os sintomas depressivos aumentaram em 15%.
Outro aspecto afetado pela pandemia foi a prática de atividades físicas. O estudo de Crochemore-Silva et al. (2020) mostrou que ¼ dos entrevistados praticaram atividade física neste período, dentre os quais apenas 7% alcançaram os 150 minutos semanais, conforme recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS). Uma pesquisa realizada no Rio Grande do Sul (Costa et al., 2020) relatou diminuição do nível de atividade física após as medidas de restrição social, permitindo-nos inferir que a prevalência de comportamento sedentário aumentou durante a pandemia da covid-19.
A associação entre melhora do desempenho físico e níveis mais baixos de sofrimento emocional foi possivelmente mediada pela prática de exercícios físicos durante a pandemia. Essa prática pode ter atenuado emoções negativas, já que estudos anteriores demonstraram que idosos ativos são menos suscetíveis a sintomas depressivos (Benedetti et al., 2008) e que a prática de exercícios físicos proporciona bem-estar físico e psicológico, reduzindo sintomas de ansiedade e estresse (Oliveira et al., 2011). Além disso, imaginamos que a ocupação de ambientes externos, como praças, parques naturais e vizinhança, pode ter representado um alento durante a pandemia. Outra possibilidade é a socialização, já que o exercício físico geralmente é praticado em pequenos grupos de pessoas. Essa interação pode ter sido importante para a manutenção de relações sociais de qualidade, abrandando os efeitos negativos da pandemia. Nossas interpretações apoiam-se em Ribeiro et al. (2020), que ressaltaram que aproveitar a companhia de amigos e familiares e socializar no tempo livre são atividades benéficas aos aspectos emocionais. Diante disso, nossas evidências sugerem que os exercícios no período de pandemia, especialmente treinamento de força, podem ter atenuado sintomas de ansiedade, estresse, tristeza, percepção de solidão, entre outros.
É inegável que a pandemia afetou o cotidiano de todos, fazendo com que as atividades de lazer e os exercícios físicos fossem praticados dentro de casa ou em ambientes sem aglomeração. Segundo Pereira (2021), a pandemia afetou a esfera biopsicossocial dos idosos, os quais readaptaram suas atividades ou possivelmente deixaram de realizá-las. Com a restrição da mobilidade urbana, muitos idosos limitaram-se às tarefas domésticas, reduzindo as opções para a ocupação do tempo livre. De acordo com Adjei e Brand (2018), dedicar muito tempo em tarefas domésticas pode diminuir o tempo de sono e de lazer, atividades importantes para o bem-estar físico e psicológico. Os autores também mencionaram que as mulheres têm chances mais acentuadas de relatarem problemas com a saúde quando expostas ao trabalho doméstico excessivo, suscitando reflexões acerca dos papéis sociais e das questões de gênero. No presente estudo, não encontramos associação entre tarefas domésticas e sofrimento emocional.
Como limitações, destacamos a baixa representatividade de idosos que melhoraram o condicionamento físico, refletindo uma característica da pandemia na qual o comportamento sedentário se tornou mais prevalente. Em relação ao instrumento de coleta de dados, preferimos não usar questionários difundidos pela comunidade científica, pois se limitavam ao contexto em que foram criados/validados, de modo que não alcançariam os efeitos da covid-19. Por isso, após um estudo teórico aprofundado, definimos uma série de perguntas a fim de identificar aspectos emocionais de idosos durante a pandemia. Outro aspecto importante é que a coleta de dados ocorreu em um momento de flexibilização das medidas de distanciamento social (julho e setembro de 2021), o que pode ter afetado a capacidade de o participante lembrar suas emoções na época em que as medidas sanitárias eram mais restritivas. Ademais, a população investigada se difere da comunidade, pois a amostra foi formada majoritariamente por idosos altamente escolarizados, tornando os resultados pouco generalizáveis à população geral.
Considerações Finais
Nossas evidências sugerem que idosos mais ativos apresentaram níveis reduzidos de sofrimento emocional durante a pandemia da covid-19. Esse resultado suscita reflexões em saúde pública, pois as pessoas que melhoraram o condicionamento físico provavelmente foram as que mais se expuseram ao coronavírus. De maneira estocástica, o aumento da exposição faz com que aumente o risco de infecção, reverberando em uma série de desfechos deletérios, como SRAG, hospitalização e morte. Por isso, na presença de um vírus altamente contagioso, gestores públicos precisam sopesar riscos e benefícios relacionados à prática de exercícios físicos em ambientes fechados, incentivando práticas individualizadas e ao ar livre.
Considerando o que foi discutido, o profissional de Educação Física provavelmente encontrará idosos fragilizados em termos emocionais, por causa de um efeito residual da pandemia. Por isso, é necessário compreender as repercussões do longo período de confinamento, enfatizando não apenas as capacidades físicas, mas também os aspectos psicossociais, que tendem a ser beneficiados pela prática regular de exercícios físicos.