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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.4 no.2 Brasília  2013

 

ARTIGOS

 

Reflexões com base em mapeamento temático de uma comunidade virtual sobre Psicologia

 

Reflections on a thematic mapping of a virtual community of Psychology

 

 

Fabiana Tavolaro Maiorino

Universidade Paulista. Doutoranda do Programa de Filosofia da Educação (USP). fmaiorino@uol.com.br

 

 


RESUMO

Este artigo reflete sobre os temas da psicologia abordados dentro de uma comunidade virtual - a rede social Orkut - no período de 2004 a 2011. O acompanhamento e mapeamento dos temas mais comentados e postados durante esse período mostram como os técnicos da área da psicologia e os participantes leigos elegem assuntos pertinentes à sociedade. Os temas foram mapeados em categorias. Notou-se a predominância de temas sociais e éticos, a ampliação das especialidades/serviços da Psicologia, a inundação de questões privadas em busca da "ajuda" psicológica, a relação problemática entre pesquisa e prática, entre outros. A comunidade virtual serviu como um espaço de pertencimento, de queixa social e de um olhar crítico existencial por parte dos sujeitos que a construíram cotidianamente.

Palavras-chave: Psicologia; Compromisso Social; Rede Social; Temas Emergentes.


ABSTRACT

This article reflects on the psychology themes addressed in a virtual community - social networking site Orkut - during 2004 to 2011. In the social networking site Orkut widely used from 2004 to 2011. The monitoring and mapping of the topics most discussed and posted during that period shows how professionals working in the field of psychology and interested laymen and women favored themes pertaining to Brazilian society. Themes were mapped and aggregated in categories. Social and ethical issues predominated including the expansion of Psychology services/specializations, private problems seeking "psychological" assistance, and the relationship between research and praxis. Thus, the virtual community served as a place of belonging, for social complaint and for the expression of existential critiques on the part of those that constituted the network on a daily basis.

Keywords: Psychology, Social Commitment, Social Networking, Emerging Issues.


 

 

INTRODUÇÃO

A reflexão sobre as temáticas psicológicas apresentadas numa comunidade virtual ocorreu a partir da consolidação da cibercultura, na década de 90, em que "a cultura contemporânea, associada às tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processos de virtualização etc.) vai criar uma nova relação entre técnica e a vida social que chamaremos de cibercultura" (LEMOS, 2004, p. 15). Para a Psicologia, refletir sobre temas emergentes em um espaço virtual é pertinente, pois lida com grande número de pessoas convivendo em solo virtual, e, assim, consegue se comunicar com a sociedade, esclarecendo, de modo ético, o alcance das práticas psicológicas e suas questões relevantes.

Dentro do cenário da cibercultura, identificamos as comunidades virtuais de relacionamento, como o Orkut e o Facebook, de amplo alcance e popularidade. O Orkut, segundo Thibes (2009), é uma comunidade em que as pessoas, ao criarem seus perfis com dados pessoais e profissionais, conectam-se com amigos e familiares através de mensagens e de comunidades. O nome "Orkut" se deve ao criador da comunidade, Orkut Buyukkokten, e inspirou uma geração à comunicação colaborativa, abrindo espaço para o Facebook na atualidade.

Para Lipovetsky (2005), esse novo momento cultural e social se caracteriza como a Era do Vazio, em que grandes projetos éticos e morais entram em profusão e o sujeito pós- moderno tem que lidar com a sensação de um vazio. Com isso, esse sujeito é chamado a construir seus próprios referenciais éticos e morais. Tal cultura é marcada por detalhes psicossociais: a busca desenfreada pela qualidade de vida, a paixão pela categoria da personalidade, a busca por uma sensibilidade ecológica, o enfraquecimento dos grandes sistemas de sentido, o culto à participação e a expressão sensível, a valorização da moda, a reabilitação do local em contraponto ao global. Como pontos negativos, Lipovetsky (2005) aponta a superficialidade das relações interpessoais desenvolvidas em campo virtual, além da facilidade em se desconectar uns dos outros; como pontos positivos: incentivo ao diálogo, instituições de novos códigos éticos e morais desenvolvidos em solo virtual e a possibilidade de uma tecnodemocracia.

Com esse cenário virtual da cibercultura, realizou-se este estudo, que registrou experiência docente1 realizada a partir de outubro de 2004 com a implementação da comunidade virtual - Temas Emergentes na Psicologia – no Orkut2, com a seguinte apresentação:

Comunidade de Psicólogos que discutem os temas emergentes da Psicologia Brasileira, como as novas resoluções éticas, as polêmicas, casos críticos. É um espaço de discussão criativo e participativo. Faça parte dessa construção. Espaço de discussão social, sobre novos dilemas éticos da nossa sociedade brasileira. (ORKUT)

Não houve projeto interventivo nesse espaço. A intenção era promover um espaço dialógico e de troca de informações sobre as práticas psicológicas e seus dilemas atuais, reforçando uma identidade mais ampla da Psicologia, e não somente aquela fechada no âmbito clínico tradicional. A descrição da comunidade apontava a Psicologia como tema, mas não foi vetada a participação de quaisquer pessoas. Desse modo, no período apurado, de 2004 a 2011, tivemos 6220 participantes na comunidade. Este estudo realizou um mapeamento temático da comunidade virtual para explicitar à Psicologia Brasileira os temas mais citados pelos participantes, demarcando assuntos pertinentes ao universo psicológico. Este tipo de estudo se faz pertinente porque apresenta como a Psicologia tem sido debatida e representada pelos sujeitos que dela fazem parte, ativamente ou não.

Outro ponto de destaque é a importância das comunidades virtuais no espaço dialógico das sociedades de informação. Atualmente, percebe-se o espaço privilegiado que as redes sociais e as comunidades virtuais ocupam na vida cotidiana da maioria das pessoas das cidades brasileiras. Isso legitima a comunidade virtual como espaço de diálogo e de informação, que pode e que deve ser compreendido pelas ciências humanas nos seus processos de comunicação e de subjetivação humana.

Neste estudo, a preocupação não foi realizar um levantamento estatístico dos temas, mas sim uma análise qualitativa dos temas citados na comunidade, avaliando os principais assuntos e comentários. Dessa maneira, podemos situar esse estudo na pesquisa qualitativa, que busca a compreensão dos temas no contexto da produção de conhecimento e das práticas da Psicologia na atualidade.

Os temas foram categorizados em eixos temáticos, mediante análise dos tópicos listados na comunidade nesses oito anos. Posteriormente, foram descritas as principais discussões e pronunciamentos que caracterizaram cada eixo sugerido, demonstrando as queixas, dúvidas e discussões dos usuários da comunidade. Certos temas serviram para ilustrar discussões em sala de aula, no curso de graduação de Psicologia de uma universidade particular de São Paulo.

Os eixos temáticos construídos nessa análise foram:

1) Preocupação com a identidade do psicólogo brasileiro: neste eixo, estão alocados os tópicos sobre o ser e o fazer do psicólogo na atualidade. São exemplos de tópicos que ilustraram essa preocupação: Ser psicólogo é ser perfeito?/ Psicóloga é gente!/ Psicologia no século XXI/ Que filmes o Psi3 assiste?/ Melhorias para a categoria dos Psis/ Projeto psicologado-rede social para psicólogos/ Não ao ato médico!/ Em que aspecto a Psicologia te ajudou?/ Nova série da FOX para psicólogos/ E se a Psicologia sumir da face da Terra?/ Eu já fui um psicoterapeuta e achei..../ Cinema e filosofia em debate para Psis/ Religião na vida profissional/ Revista de PSi que mais gosta de ler/ A psicóloga fala por ela própria/ Feliz dia dos psicólogos/ É possível um neurótico se tornar psicólogo?/ Imagem da Psicologia: negativa ou não?

2) Compromisso social, preocupação com Direitos Humanos, Ética/Política e Cidadania: enfoca-se em da cultura dos direitos humanos e cidadania. Nesse eixo, incluem-se os seguintes tópicos: Homofobia/ Maioridade Penal?/ Pedofilia e Igreja/ Repensar o ECA4/ Assédio moral e servidão no trabalho/ Pensando na Sociedade de Consumo/ Folha divulga: jovens proibidos de consumir?/ Pílula do amor/ Caso Isabella/ Política e a Psicologia?/ Os 10 mandamentos da ética/ Transexualismo/ Homossexualidade é genética?/ STF5 mantém pesquisas com embriões/ Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) na atualidade/ Ética pós-moderna/ Como seria morar num manicômio/ Movimento pela psicologia em ensino médio/ Adoecimento nas organizações?/ Psicólogo na Educação Básica/ Caminhos para inclusão social/ Manifesto contra a tortura, pela cidadania/ Filme A ILHA - uma reflexão bioética/ Geração ORKUT e novas subjetividades/ Ética utilitarista na Psicologia/ Relação ética com Aristóteles/ Ética aplicada na saúde: pensem!/ Violência em SP/ Relacionamentos em crise/ Discurso religioso e a Igreja Universal/ Neutralidade?/ Comunidade homofóbica: ajudem a denunciar/ Luta Antimanicomial/ Psicologia e Políticas Públicas/ Violência e apoio psicológico/ Não a novos cursos de psicologia/ Lei anti palmada/ Psicologia do século XXI/ O que você acha do homossexualismo?/ Pedofilia no ORKUT/ Referendo sobre o desarmamento: sim ou não?/ As psicopatologias do século XXI/ Compromisso social e subjetivo?/ Psicologia em populações pobres/ Minuta do código de ética.

3) Caracterização e divulgação das teorias, métodos e áreas/especialidade da Psicologia: preocupação com as diferentes áreas da psicologia na atualidade, com enfoque teórico, ético e prático, tais como formação em avaliação psicológica/ aos psicólogos da cirurgia bariátrica/ Encontro Nacional da Associação Brasileira do Ensino de Psicologia (ABEP)/ Psicologia dos desastres/ psicodrama/ psi comunitária/ Transpessoal: isso é um praga!/ O grande momento da inserção do psicólogo no SUS/ Dificuldades de Aprendizagem/ Psicologia em Olimpíadas/ Psicanálise: método, teoria ou processo?/ Vídeos de Skinner e definição de Behaviorismo/ Representações Sociais ou cotidianas?/ Em homenagem às mães: Instinto materno?/ Comente esse autor/pensador em psicologia/ Psicologia e Ciência/ Psicanálise não é psicoterapia?/ Psicologia Online/ Especialização em Psicologia Social/ III de Psicologia e Informática (PSICOINFO)/ Relações de secância entre ética e psicanálise?/ Psicologia no trabalho/ Psicologia, cores e atividades lúdicas/ Freud: um judeu sem Deus/ A existência do inconsciente/ Jung e a publicidade/ Acompanhante terapêutico/ Acupuntura e Psicologia/ Tratamento com eletrochoque/ Abuso sexual na infância/ Atendimento home care/ Psicologia e os desastres em massa/ Simplicidade lacaniana?/ Como anda a psicologia do trânsito?/ Sigilo, até onde ir?/ Tema das especialidades da Psicologia/ Psicanálise derrotada/ Avaliação e laudos psicológicos/ Psicologia e informática: um casamento possível?/ Reabilitação social.

4) Divulgação de pesquisas e atividades acadêmicas: tais como: Pesquisa sobre condutas humanas/ Periódicos em Psi/ Pesquisa sobre Internet e subjetividade/ V Conselho Nacional de Psicologia/ Banco de Dados em psicologia/ Formação em Análise Comportamental Clínica/ Workshop: aprender a morrer/ Religião e Psicologia/ III PSICOINFO/ Seminário da Psicologia das Emergências/ Centro de Referência de Políticas Públicas (CREPOP) 11 regional/ Curso de Teoria Psicanalítica/ Comunidade Ana Bock/ Banco Social em Psicologia.

5) Questões psicologizantes e autoconhecimento: referentes à vida íntima dos usuários, são tópicos com dúvidas e/ou queixas pessoais, geralmente de pessoas leigas que procuravam orientação. Eram comuns tópicos como: Felicidade e livros de auto ajuda?/ Escolha Sexual/ Anorexia/ Dilema no trabalho/ Respondam o meu dilema, por favor?/ Por favor, gostaria de uma informação?/ Me sinto sempre zangada/ O que se passa comigo?/ Como lidar com sentimentos de culpa?/ Como lidar com o ser bissexual?/ Vocês também são assim?/ Mais uma pergunta sobre psicólogo/ Como tolerar as pessoas com maior facilidade?/ Ele disse que sou neurótica.../ Problemas com uma amiga, me ajudem!/ Compulsão alimentar/ Por que o Silêncio?/ Existe dupla personalidade?/ Sigmund Freud: me ajudem!?/HELP ME, preciso de um plano de ensino/ Hora de ajudar: podemos salvar vidas/ Gastrite nervosa.

Percebem-se muitos tópicos sobre o eixo do Compromisso Social da Psicologia, sobre a caracterização e a divulgação das novas áreas psicológicas, e sobre os dilemas teóricos que envolvem a Psicologia na atualidade. Isso explicitou uma mudança significativa das demandas à Psicologia nos últimos anos.

Como exemplo, destacamos um comentário do tópico As Psicopatologias do século XXI, feito por usuário anônimo:

Em alguns tópicos percebemos que sempre passávamos pela discussão das psicopatologias dos nossos tempos, se na época de Freud tínhamos as histerias e as neuroses como sinalizadores patológicos subjetivos, atualmente, devido as mudanças socio culturais, existem outros sofrimentos sendo gerados e logo rotulados e estudados, pergunto a vocês e a mim mesma, quais serão eles? Como esse homem que vivencia a era digital e das novas tecnologias vai adoecer? E por que? E como a Psicologia lidará com isso? É um tópico interessante, acho que precisamos discutir isso a fundo...(ANÔNIMO, 20/1/2011).

O que as vítimas das enchentes estão passando é algo doloroso e comovente, e, que gera forte angústia. Sendo assim, o trabalho da psicóloga é louvável e preciso, e que abre um novo espaço de atuação para o psicólogo de acordo com a sua disponibilidade (ANÔNIMO, 21/1/2011).

Gostaria de saber dos colegas que trabalham no sistema único de saúde (e também os que não trabalham) se vocês estão sentindo que esse é o grande momento da Psicologia no campo da saúde pública. Nunca se falou tanto em valorização do sujeito, promoção de autonomia e protagonismo, falo aqui da Politica Nacional de Humanização (PNH). A pergunta é: será que saberemos agarrar essa oportunidade como deveriamos? Ou será que será mais uma vez a Psicologia, omissa? (ANÔNIMO, 30/01/2010).

Desse modo, percebemos que os usuários anunciam uma nova visão da Psicologia, propondo questões em lugares não tradicionais do fazer psicológico, como o âmbito da saúde e dos desastres. Existe uma área ainda pouco conhecida na Psicologia, denominada Psicologia das Emergências, na qual se incluem temas como os desastres, com populações vulneráveis que demandam a atuação do psicólogo.

Bernardes (2007, p. 44) afirma:

Há uma nova imagem da psicologia, resultante do trabalho dos psicólogos nos trabalhos de saúde pública e da sua participação nos debates para a elaboração de políticas nessa área. Práticas alternativas e críticas à psicologia tradicional ampliam o acesso da população carente aos serviços da psicologia e ao compromisso social. (BERNARDES, 2007, p.44)

Houve também uma preocupação crítica com a ampliação das áreas de especialidades da Psicologia. Podemos visualizar essa questão com os depoimentos abaixo:

Há algum tempo o Conselho Federal de Psicologia (CFP) instituiu a comprovação de especialidades para os psicólogos, o que você acha sobre isso, sobre os prós e contras? (ANÔNIMO, 03/09/2004).

Colocando sal na discussão: Para iniciar a discussão... as especialidades, segundo o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem somente formalizar um movimento natural do percurso profissional dos psicólogos....mas podemos pensar....se criando essa obrigatoriedade, não estamos somente jogando para frente um problema de má formação da graduação...enfim, colaborem na discussão (ANÔNIMO, 03/09/2004).

Na comunidade, muitos comentários são interrogativos e reflexivos, baseados em novas práticas psicológicas; por exemplo, as comunidades carentes das cidades brasileiras. Como podemos visualizar nestes comentários sobre a intervenção de psicólogos no âmbito comunitário:

Aproveitando o clima pró Rio de Janeiro, como poderíamos pensar em projetos de promoção de saúde em comunidades como o complexo do alemão...? Como a psicologia poderia estar presente em lugares marcados pela vulnerabilidade social? (ANÔNIMO, 17/12/2010)

Sua ideia é interessante, mas acontece que os moradores dessas áreas em sua maioria, não acreditam ou não conhecem o trabalho do psicólogo, o que dificulta sua atuação. O que pode ser feito, assim penso, é o psicólogo atuando em conjunto com o assistente social, este o assistente, ao perceber a necessidade da intervenção Psi estaria explicando e encaminhando o morador ao psicólogo. Em primeiro lugar logico o trabalho multi e interdisciplinar e em segundo lugar o abandono da postura de detentores do saber, da ideia de querer adaptar determinada comunidade aos parâmetros da sociedade fora delas. Não o contrario (ANÔNIMO, 19/12/2010).

A comunidade traz à Psicologia outros lugares de pertencimento do trabalho psicológico, lugares menos clássicos e mais focados no compromisso social. O depoimento acima ilustra essa tentativa, ao registrar uma inquietação do âmbito comunitário, relativa à mudança da qualidade na intervenção psicológica: do viés assistencialista-adaptativo para uma atuação promotora de saúde, que Bleger (1984) nomina como momento inovador das práticas institucionais:

A promoção de saúde (dentro do campo da saúde pública e da higiene mental), tanto como a profilaxia e a psico-higiene, tem sua esfera na atuação no seio da própria comunidade, sobre todos os aspectos das condições de vida e do tipo de vida que se desenvolve na comunidade. Trata-se de intervir sobre uma estrutura tão complexa que se constitui uma verdadeira constelação multifatorial integrada por todas as atividades institucionais, normas e interações que se dão numa comunidade (BLEGER, 1984, p. 78).

Lane (1996) refletiu sobre o histórico e os fundamentos da Psicologia Comunitária, afirmando que, no primeiro momento, na década de 60, profissionais de psicologia atuaram com populações carentes sob um enfoque assistencialista, em plena ditadura brasileira. Apenas a partir da década de 70, a educação popular e a conscientização dos sujeitos foram consideradas, com atividades voltadas à cidadania e à promoção de saúde. Percebemos, em nossa comunidade virtual, a consciência do psicólogo em direção a esse novo espectro da visão comunitária, como podemos exemplificar com este comentário anônimo: Para intervir em comunidades, é preciso em primeiro lugar respeita-las com suas culturas proprias e propor apenas qualidade de vida dentro de seus próprios preceitos. Eles que mandam no trabalho que faremos (ANÔNIMO, 20/12/2010).

Essas reflexões presentes na Comunidade Temas Emergentes demonstram uma possível mudança na Psicologia Brasileira, prestes a uma reinvenção do "seu fazer", principalmente com mudança de visão no campo institucional, como o Conselho Federal de Psicologia (1994) explicita:

Além da compreensão do contexto geral da saúde pública, é preciso conhecer a instituição em que se presta o serviço, no que se refere aos seus objetivos, a que instâncias se encontra ligada, em que medida encontra-se voltada para atender as necessidades da população (Conselho Federal de Psicologia, 1994, p 56).

Ferreira Neto (2004) relata que as novas Diretrizes Curriculares da Psicologia, de 1999, marcam uma nova direção ao desenvolvimento científico da Psicologia e ao reconhecimento da diversidade de campos de atuação, superando o caráter conteudista dos currículos profissionais, fazendo da formação do psicólogo um processo cidadão e transformador.

Destaca-se ainda um interesse crescente dos usuários por questões éticas, que se colocam dilemas morais e políticos do Brasil, e indagam o posicionamento da Psicologia, como se percebe neste comentário: Maioridade Penal? O conselho federal de Psicologia tem discutido esse tema ativamente.....e tem se colocado contra esse tipo de lei ....e vcs o que acham?? (ANÔNIMO, 29/09/2006).

Sobre o Desamamento: sim ou não? Contrapondo à outra opinião, acho que quando você tem uma arma em sua casa, há uma potencialização, uma maior probabilidade de ocorrer algum sinistro do que se não a tivesse. Concordo com ela quando ela diz que o importante é saber ter responsabilidade sobre o que se tem em casa, pois qualquer coisa pode virar uma arma. Mas acontece que com uma faca, um canivete, um martelo, a eletricidade, nós não podemos dar-nos "ao luxo" de deixar de tê-los, pois são utensílios importantes em nossa casa, podendo ser utilizados para outros fins. Mas um revolver, uma arma, qual a função de uma arma a não ser matar? Para que serve uma pistola, uma espingarda ou qualquer arma a não ser ferir, provocar acidente, tragédia? De uma faca, de um martelo, da energia elétrica você não tem como se livrar, mas de uma arma, sim; e este é o primeiro passo para desarmar não só as nossas casas, mas também, os nossos ânimos (ANÔNIMO, 13/10/2005).

Esse interesse por dilemas éticos condiz com a história da psicologia e com seus novos fazeres, que o Conselho Federal de Psicologia (1994) denomina práticas emergentes. Esse dado também aparece na pesquisa de doutorado de Buettner (2000), que, ao analisar propostas de mudança das diretrizes básicas, organizadas pelos psicólogos e seu Conselho Federal, indicou que 87% das propostas diziam respeito à formação crítica, pluralista e ética do psicólogo.

Witter e Ferreira (2005) também mostram preocupação com o olhar crítico e ético da formação do psicólogo, indicando-a como essencial para ao desenvolvimento de uma Psicologia mais aberta às questões do seu tempo e às demandas psicossociais:

Eu vejo que estas novas subjetividades já estão aí há um bom tempo... a vida dentro da tecnologia de ponta já é uma realidade instalada. Trabalhei um bom tempo em indústria de grande porte e, por isso, pude perceber como o embate empresa x individualidade (e ter Tempo para essa individualidade) afeta profundamente as pessoas. O que percebo também, é que os psicólogos (em sua maioria) estão começando a perceber isso agora e ainda mantém uma certa restrição à tecnologia. Na verdade, todo esse movimento (que já não é novo) precisa ser encarado como uma gama de novas possibilidades de trabalho muito interessantes, e não só como uma mera adaptação para conseguir se manter no mercado. Por que não ter um computador dentro do consultório até como uma ferramenta de trabalho? (ANÔNIMO, 12/11/2006)

Dentro da categoria temática da Caracterização e divulgação das teorias, métodos e áreas/especialidade da Psicologia, foi comum a citação de questionamentos teóricos sobre abordagens e atuações da Psicologia no Brasil, como podemos ler nessas citações em que se anuncia uma crise epistêmica na psicanálise:

A Psicanálise está em crise. Está DERROTADA porque está FORA DE ROTA e está fora de rota porque está SEM BÚSSOLA. Perdeu essa bússola quando, após a morte de Freud, seus acólitos resolveram negar o que ele havia cansativamente repetido durante toda sua vida: que ela é uma 'ciência natural', não uma "ciência do espírito", hoje chamadas sociais, ou humanas. Ora, as 'ciências naturais' TÊM BÚSSOLA, o 'método científico' – uma lógica de validação de suas hipóteses. As ciências humanas NÃO TÊM ESSA BÚSSOLA! Propuseram, ridiculamente, substituí-la por uma tal de 'compreensão' ('Verstehen'), que, obviamente é uma "técnica" de produzir hipóteses, não um "método" de as validar (ANÔNIMO,16/10/2005).

Witter e Ferreira (2005) afirmam que, no quadro de desenvolvimento da Psicologia como ciência e profissão, há variáveis no aparecimento ou não de áreas, procedimentos e práticas empregadas. Além dessa complexidade contextual, a psicologia é uma profissão relativamente nova e, como tal, "muito de seu saber ainda está se consolidando no nível da ciência e isto influi no seu fazer" (WITTER; FERREIRA, 2005, p. 237). Afirmam ainda, a importância de se adaptar às mudanças, investindo em conhecimento acadêmico científico, ou seja, na relação profícua entre pesquisa e prática psicológica, eixo que abordaremos em seguida (WITTER; FERREIRA, 2005).

No item Divulgação de Pesquisas ou atividades acadêmicas, encontramos muitos eventos divulgados, concernentes, inclusive, à diversidade do campo psicológico, porém chamou atenção a predominância de eventos psicossociais, com destaques para os que envolviam a psicologia social e áreas emergentes: Seminário da Psicologia das Emergências e do Centro de Referência de Políticas Públicas 11 regional.

Francisco e Bastos (2010) afirmam que a produção de conhecimento científico precisa ser incrementada para gerar modelos mais abrangentes, proporcionando maior diálogo entre pesquisadores e psicólogos profissionais. Um dos comentários reforça essa ideia:

Onde se vê dificuldades eu enxergo possibilidades. A profissão de psicólogo no Brasil ainda precisar crescer MUITO. A categoria tem que se unir, veja o Conselho Federal de Medicina e os Conselho Regional de Medicina, a união corporativa faz a força e consegue segurar 16 conselhos contra. O problema é a falta de especialização e produção científica dos psicólogos. É muito importante a produção, sem ela a profissão que já tem uma história elitista, vira o barco e vai para uma história "precarista" (ANÔNIMO, 27/11/2006).

Gomes (2003) enfoca a relação entre a pesquisa e prática em Psicologia no Brasil, polemizando-a como uma relação histórica problemática, descompensada entre a Psicologia pura de Wundt (fundador do primeiro laboratório de Psicologia Experimental) e uma hipervalorização das psicologias funcionalistas, marcada pelo utilitarismo nos contextos urbanos e industriais do século XIX.

Em seu artigo científico, Gomes (2003) afirma que, entre 1932 e 1962, no Brasil, associou-se a pesquisa com a prática, principalmente em três interfaces com a Psicologia: Medicina, Educação e Área Organizacional, nas quais "a pesquisa dará apoio para a prática de grupos voltada a problemas educacionais e de aprendizagem, ao oferecimento de atendimento clínico, e ao campo da indústria, do trabalho, da organização e seleção de pessoal" (GOMES, 2003, p. 39).

Gomes (2003) relata que, numa fase posterior, de acordo com pesquisas e artigos redigidos entre 1962 e 1971, aproximadamente 70% dos artigos tratavam de questões psicológicas aplicadas ou instrumentais. Esse cenário demarcaria uma fase importante da história da Psicologia brasileira, formando uma geração focada na Psicologia Aplicada com inclinação clínica.

Houve ligação íntima entre a pesquisa voltada para a prática a partir da década de 70, quando a Psicologia se voltou para demandas que exigiam testes, instrumentos e técnicas de medição de características da personalidade. Gomes (2003) indicou essa fase como "a perda do senso de pesquisa", apontando vários motivos e contextos que desfavoreceram a pesquisa psicológica, como falta de qualificação docente, currículos inadequados às novas demandas psicossociais, hipervalorização do campo clínico etc.

Somente no final da década de 80 retomou-se a pesquisa, principalmente em cursos de pós-graduação mais bem estruturados e em avaliações rigorosas de entidades públicas como Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (GOMES, 2003).

Dessa forma, reitera-se a importância de desenvolver a pesquisa como: "[..] a atividade básica de geração e avaliação dos nossos conhecimentos. A pesquisa deve sustentar cada informação transmitida em uma aula de graduação ou servir de pano de fundo para qualquer prática psicológica (GOMES, 2003, p. 52)."

A última categoria temática diz respeito à busca de autoconhecimento, ensaiando a preocupação com questões referentes à vida íntima dos usuários. São tópicos que expõem dúvidas e/ou queixas pessoais, geralmente de pessoas leigas que procuravam a comunidade em busca de orientação. Para exemplificar, podemos citar os seguintes tópicos6 comentados: o que acontece comigo?/ Me sinto sempre zangada com tudo?/ Como lidar com meu sentimento de culpa?/ Me sinto sempre zangada!!/ A psicóloga fala sobre ela própria/ entre outros.

Ficou evidente a preocupação com as questões íntimas compartilhadas no espaço público, corroborando um fenômeno anunciado por estudiosos das ciências humanas: a desertificação do espaço público e a tirania crescente do espaço privado. Sennett (1998) afirma que vivemos numa sociedade com um problema de dupla face: o comportamento e as soluções cotidianas públicas são tratados de modo impessoal e apático, e, ao mesmo tempo, quando são assumidos como questões íntimas, suscitam enorme vinculação. Essa ambiguidade cria um problema na relação da vida privada-pública, como se depreende do trecho que segue:

O mundo dos sentimentos íntimos perde suas fronteiras; não se acha mais refreado por um mundo público onde as pessoas fazem um investimento alternativo e balanceado de si mesmas. A erosão de uma vida pública forte deforma, assim as relações íntimas que prendem o interesse das pessoas (SENNETT, 1998, p. 19).

O universo das redes sociais tem sido o palco dessa modificação dos planos público e privado na contemporaneidade. Percebemos uma inundação de temas privados em meio a tópicos políticos, o que mostra essa ambivalência de um espaço público (as redes sociais na Internet) que valoriza e debate temas íntimos.

Esse dilema atual requer um novo modo de conviver em espaços públicos em que predominam conteúdos privados. Psicólogos devem contribuir para essa discussão, assumindo posição em favor do fortalecimento do convívio nos espaços públicos, combatendo esse assombroso movimento de erosão e banalização do público em prol do intimismo desenfreado. Essa inquietação também apareceu na comunidade, como podemos ler na mensagem abaixo sobre violência no Brasil:

Penso que atravessamos um tempo bastante difícil de questionamento de valores fundamentais de nossa cultura. Em meio a tudo, a violência tem sido o sintoma prevalente. Penso que não podemos simplesmente culpar a miséria, a desigualdade social, o traficante, o policial, seja lá quem for por toda essa onda emergente de violência. Todo o tecido social está comprometido com o que vem ocorrendo. Todos nós temos uma parcela de responsabilidade, por ação ou omissão. Soluções... Desconheço. Só acho que a passividade e a alienação não solucionaram nada. Pouca eficácia também possuem ações assistencialistas - e haja paciência com esse discurso! Enfim, novas modulações para o mesmo mal-estar da civilização (ANÔNIMO, 27/06/2011).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nossa comunidade virtual - Temas Emergentes na Psicologia – nos aproximou do diversificado público das redes sociais. Nela, apreendemos os temas trazidos pelos usuários, que enunciavam com frequência suas dúvidas, reflexões e inquietações. Disso, surgiu a oportunidade de um mapeamento temático, que nos levou a reflexões éticas e profissionais sobre o saber/fazer da Psicologia do século XXI no Brasil, tratando de assuntos como: maior atenção a temas sociais e éticos, ampliação do escopo de atendimento dos serviços psicológicos, ampliação das especialidades da Psicologia, a relação problemática entre pesquisa e prática.

Com essa vivência múltipla e rica, a comunidade virtual se revelou um espaço dialógico e político, em que profissionais e leigos explicitaram questões pertinentes ao cenário da Psicologia Brasileira, mostrando-se como um lugar de pertencimento coexistencial, com possibilidade de críticas e de desabafo social.

Esses espaços virtuais, assim como os espaços acadêmicos e os lugares da psicologia cotidiana, devem ser amparados por compromissos éticos. Acima de tudo, a capacidade de inovação e criatividade de uma geração que herdará uma Psicologia nova e vivaz requer sujeitos comprometidos com seu tempo e com demandas psicossociais.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 08/10/2012
Aceito em: 16/02/2014

 

 

1 Experiência docente motivada pelo cotidiano em sala de aula do curso de Psicologia em universidade privada da cidade de São Paulo, no qual os alunos recorrentemente citavam temas polêmicos da psicologia que precisavam ser acompanhados e discutidos. Com isso e com a proximidade da docente com o universo da psicologia e da informática, a docente organizou de modo extracurricular o espaço da comunidade virtual no Orkut, para dispor de um espaço para discussão de temas emergentes na Psicologia.
2 Comunidade virtual disponível no link http://www.orkut.com.br/Main#Community?cmm=301538.
3 A abreviatura Psi comumente usada pelos usuários, geralmente refere-se à psicologia ou ao psicólogo.
4 ECA- abreviatura do Estatuto da Criança e do Adolescente.
5 STF- abreviatura de Supremo Tribunal Federal.
6 Não expusemos o conteúdo detalhado para não constranger os participantes da comunidade, mas notou-se que foi muito comum a presença desses chamados na comunidade. A conduta foi comumente a seguinte: assim que apareciam mensagens de caráter privativo no fórum, o participante era notificado que esse não era um espaço de orientação psicológica, e logo o tópico era vetado pela mediadora do grupo.

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