EDITORIAL

 

Ensino de psicologia: debate sobre a formação do professor de psicologia.

 

 

Apresentação

Lançar um número especial da revista Psicologia Ensino & Formação editada pela Associação Brasileira de Ensino de Psicologia (ABEP) com foco no ensino e na formação do professor de psicologia foi uma tarefa ao mesmo tempo instigante e complexa. Olhar a formação do professor de psicologia, suas especificidades e seus desafios implicou ter em conta que a psicologia não é única, mas multifacetada. Diferentes dimensões de análise e reflexões se fazem presentes quando se toma a psicologia e a formação do professor de psicologia como objeto de análise.

Na formação do professor de psicologia estão presentes diferentes aportes teóricos, confrontados - reafirmados ou contestados - no dia-a-dia das práticas individuais e cotidianas no âmbito escolar. Nessa atuação, compromissos políticos são assumidos, e concepções de psicologia, sujeitos psicológicos e subjetividades se tensionam.

O artigo de Julio Groppa Aquino, O controverso lugar da psicologia na educação: aportes para a crítica da noção de sujeito psicopedagógico, problematiza os efeitos psicologizantes que a psicologia pode suscitar no campo educacional. Reflete sobre a desconstrução crítica da noção de sujeito psicopedagógico, estruturada de acordo com o desenvolvimento psicológico dos indivíduos. O autor nos leva a pensar sobre o significado de "uma reapropriação analítica do encontro entre as práticas educacionais, seu lastro psicologizante e a racionalidade neoliberal, responsável pela difusão da crença na educabilidade vitalícia dos cidadãos a vetorizar os jogos cruzados entre cidadania, educação e verdade de si".

Embora a representação de sujeito psicológico, preso à subjetividade construída separadamente da sociedade, permaneça como núcleo das representações formadas pela difusão dos saberes "psi" na sociedade nas últimas décadas, como mostra o artigo de Flávia Asbahr, a autora, no artigo Notas sobre o ensino de psicologia escolar em uma concepção crítica, evidencia que, na atuação profissional em psicologia escolar/educacional, a despeito dos avanços nas atividades e nos discursos dos psicólogos mais críticos aos processos de escolarização, predominam o psicodiagnóstico, os testes psicológicos e o atendimento a crianças com distúrbios de aprendizagem.

A psicologia se revisou enquanto ciência procurando construir concepções críticas tanto sobre a formação dos profissionais da área como sobre a atuação profissional no campo da educação. Como aponta a autora, as atuações psicologizante e patologizante predominam. Mas a formação do professor de psicologia tem por alicerce um campo de saber multifacetado e fragmentado eivado por uma pluralidade teórico-metodológica. A impressão é que, muitas vezes, existem psicologias independentes, como se as teorias e as práticas não pertencessem a um mesmo campo de conhecimento.

Uma psicologia ou várias psicologias? Onde se ancorar para pensar o ensino de psicologia e a formação do professor, formado por diferentes aportes teóricos que se traduziram em múltiplas práticas? Como definir, com essa fragmentação, objetos e objetivos? Combinar, tentar somar diferentes concepções e fundamentos que permeiam a área não parece ser solução. A psicologia e, conseqüentemente, a formação do professor de psicologia mostram-se incertas, questão abordada no artigo O professor de psicologia diante da multiplicidade e diversidade teórica da psicologia: lugar de incertezas e de desafios.

Neste artigo, Norma Ferrarini e Denise de Camargo refletem sobre a multiplicidade e diversidade teórica da psicologia. Pensam a relação teoria e prática na formação do psicólogo, indicando que a falta de unidade da ciência e da profissão e o distanciamento entre a teoria e a prática são problemas centrais na área e até mesmo nos discursos dos alunos que apontam "lacuna na formação". Parece que a formação não dá "conta da transposição dos conceitos teóricos para a prática profissional".

A dicotomia práticas-saberes surge, então, como ponto a ser investigado, pois está presente nas percepções e nos discurso dos professores de psicologia e psicólogos que atuam nas escolas. Essa dicotomia tende a se manifestar pelos sentimentos de incerteza e de insegurança, pela sensação de incapacidade e de fragilidade por não saber o que fazer ou onde encontrar respostas. O que fazer? Articular teoria e prática tendo como eixo de sustentação a realidade das escolas e dos professores, ou seja, o lugar de atuação? Será que a prática pode ser o eixo estruturante da formação?

Assim, dois artigos tratam mais especificamente da formação do professor de psicologia. González Rey, no artigo Educação, subjetividade e a formação do professor de psicologia, discute a formação dos professores de psicologia analisando "as razões que estão na base da pouca atenção dada ao processo educativo no ensino da psicologia". O autor problematiza a formação dos professores de psicologia sugerindo elementos essenciais nessa formação. Vera Lucia Trevisan de Souza, no artigo A constituição identitária do professor de psicologia: quem forma o formador?, reflete sobre os "condicionantes que estão na base da constituição identitária da profissão de professor". Fundamenta sua análise tanto na docência como na profissão, na pesquisa sobre a docência em cursos de psicologia e na formação para a docência. O contexto de atuação dos psicólogos-professores é analisado frente à problemática da identidade docente.

Os desafios, como apontam os artigos acima em suas diferentes perspectivas e pontos abordados, são consideráveis quando se busca compreender o lugar da psicologia na trama das relações escolares, no ensinar, no aprender e na heterogeneidade de tais relações. Soma-se a isso a questão sobre a possibilidade de uma perspectiva profissional atrelada a um compromisso social de melhoria da vida. Essas questões são enfocadas nos artigos de Sergio Leite e Ana Bock.

No artigo Psicologia e Política: reflexões sobre a formação docente, Sérgio Leite defende a idéia de que a formação política é uma dimensão fundamental para que o futuro psicólogo desenvolva práticas profissionais na perspectiva da mudança social, visando à construção de uma sociedade mais justa. Corroborando com a discussão sobre a formação e atuação profissional voltadas a um compromisso político e social, Ana Bock, no artigo Educação, Direitos Humanos e Compromisso Social: interlocuções com a formação do professor de Psicologia, relaciona educação, direitos humanos e compromisso social numa formação crítica em psicologia. A autora discute a inserção na realidade "de modo a configurar epistemologias e metodologias que sejam marcadas pela relação entre a subjetividade e constituição do sujeito e o movimento de transformação da realidade".

As reflexões dos artigos evidenciam, assim, a multiplicidade e diversidade da psicologia reafirmando a complexidade deste campo de saber e advertindo para a necessidade de pensar a formação do professor e o ensino da psicóloga neste contexto. Longe está a época em que as discussões sobre a psicologia na escola se reduziam a queixas escolares ou a patologias.

Enfim, espera-se que a leitura destes artigos incentive ainda mais tais debates e provoque questionamentos e indagações no leitor.

A revista Psicologia Ensino & Formação agradece pela colaboração dos autores que contribuíram, com suas pesquisas, reflexões e estudos, para este número, e deseja aos leitores uma boa leitura.

Leila Maria Ferreira Salles¹
Editora Associada

 

 

¹ A Professora Doutora Leila Maria Ferreira Salles é livre docente da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Silva – UNESP/campus de Rio Claro -, e tem vasta experiência na área de educação e psicologia, com ênfase em psicologia social. Suas atividades como pesquisadora, investigando os processos educativos na sociedade contemporânea, em particular no contexto das periferias urbanas, têm-nos permitido refletir sobre a educação e a inserção social de jovens na comunidade, e compreender como a violência toma parte em tais processos. Sem dúvida, credenciam-na também para lançar luz sobre as indagações que atravessam o ensino de psicologia e a formação do professor de psicologia na contemporaneidade, as quais dão corpo à presente edição da Revista Psicologia: Ensino & Formação (PEF). Que desafios se apresentam? Que alianças teóricas ou políticas explicitam? Com que concepções de sujeito se comprometem? A ABEP agradece a inestimável contribuição da Professora Leila que, na condição de Editora Associada, esteve à frente da organização deste número especial da PEF.