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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061

Psicol. Ensino & Form. vol.5 no.2 Brasília  2014

 

ARTIGOS

 

Como futuros professores vislumbram o ensino?

 

How future teachers view education?

 

 

Ana Paula BasqueiraI; Roberta Gurgel AzziII

IUniversidade Estadual de Campinas. Doutoranda em Educação (UNICAMP).
II
Universidade Estadual de Campinas. Pós-doutora em Psicologia (UFSCar). azzi@unicamp.br

 

 


RESUMO

O presente estudo objetivou identificar quais habilidades os futuros docentes consideram necessárias à atuação docente, quais as dificuldades a serem enfrentadas e que experiências poderiam prepará-los para o enfrentamento dos problemas. Participaram do estudo 61 alunos de cursos de licenciatura de uma universidade pública. Os resultados indicaram como habilidades necessárias para a docência o domínio teórico, a didática e o controle emocional. A maioria dos respondentes indicou possuir essas características. As dificuldades constituíram-se em mediar conflitos em sala de aula, despertar o interesse dos alunos, falta de infraestrutura, relacionamento interpessoal e desvalorização da educação. Os licenciandos identificaram vários aspectos importantes para o desenvolvimento profissional, como as disciplinas específicas da licenciatura, programas de estágio e contato com docentes experientes; entretanto, ficou evidente a crítica à estrutura das licenciaturas, principalmente quanto à falta de espaço para preparação do futuro docente para a prática do ensino.

Palavras-chave: formação docente; ensino; licenciatura; ensino médio.


ABSTRACT

This study aimed to identify the skills future teachers think they need to possess, as well as the difficulties they will face as professionals. It also aimed to identify what kind of experience they consider useful to prepare themselves in dealing with professional problems. 61 students taking undergraduate courses at a public university participated in the study. Results indicated that necessary skills in teaching were theoretical and didactic knowledge, and emotional control. Most respondents reported owning these characteristics. Possible difficulties to be faced by future teachers included conflict mediation in the classroom, inability to engage student interest, lack of infrastructure, difficulties building and managing relationships, and the devaluation of education. The future teachers identified several important aspects for professional development, including the specific disciplines for the degree, internship programs, and contact with experienced teachers; however, it became evident that the process of obtaining a teaching degree was criticized mainly due to the lack of opportunities for these students to practice their craft.

Keywords: Teacher training, Education, Licentiate degree course; Secondary school.


 

 

INTRODUÇÃO

Formar professores não é tarefa fácil, e a discussão sobre a formação de docentes não é nova. Segundo Pereira, Almeida e Azzi (2002), as pesquisas e reflexões sobre o futuro das licenciaturas sinalizam que há muitas perguntas a serem respondidas, entre as quais a reflexão sobre a desarticulação entre a formação acadêmica e a realidade prática.

Segundo Marcelo (1998), as pesquisas têm demonstrado que o período de iniciação ao ensino, que abrange os primeiros anos de docência - nos quais os professores deverão realizar a transição de estudantes para professores - é marcado por tensões e intensivas aprendizagens, que ocorrem geralmente em contextos desconhecidos. Durante esse período os professores adquirem conhecimento profissional e devem conseguir manter certo equilíbrio pessoal. Os primeiros anos de docência são especialmente importantes devido à passagem da condição de estudante para a de professor, processo marcado por dúvidas e tensões e pela necessidade de adquirir, em um breve tempo, conhecimento e competência profissional. Com o passar do tempo os professores passam a adquirir mais confiança em si mesmos e a desenvolver um maior domínio da profissão. Assim, a evolução na carreira é acompanhada de um bem-estar pessoal e de um maior domínio do trabalho. Não obstante, Mariano (2013) ressalta que essas características mencionadas pela literatura não podem ser consideradas estanques, ou seja, os aspectos relacionados podem surgir em outros contextos, como a mudança de escola ou de nível de ensino, e podem não atingir a todos os professores iniciantes com a mesma intensidade.

Para Mariano (2013), o processo de aprendizagem da docência é visto pela literatura como um processo contínuo, formado por diferentes etapas, a saber: pré-formação, formação inicial, iniciação na docência e formação permanente. O autor, a partir da análise do universo de quatorze pesquisas realizadas por profissionais brasileiros, em um intervalo de mais de duas décadas (entre a realização da primeira e da última pesquisa), considerando que estes estudos tiveram como participantes cinco futuros professores, 70 professores em iniciantes e seis em final de carreira, em sua maioria atuantes no ensino infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, identificou que as principais dificuldades encontradas pelos professores foram: 1- rigidez no planejamento a ser seguido; 2- ausência de relação entre teoria e prática; 3- sentimentos de solidão e isolamento; 4- medo, insegurança e ansiedade, responsáveis pela sensação de desespero inicial e de impotência diante das adversidades cotidianas, e por não saber como agir e/ou fazer.

Além desses quatro aspectos, as pesquisas também indicaram, de forma veemente, que o início de carreira é um período marcado por dificuldades com o domínio do conteúdo, condições de trabalho, desconhecimento do ambiente escolar, falta de motivação do aluno, avaliação da aprendizagem, indisciplina do aluno, dentre outros fatores. Assim, para o autor, os professores iniciantes possuem necessidades especiais, distintas tanto daqueles que ainda se encontram na formação inicial como dos que já estão atuando há algum tempo. Neste períd;, o processo de aprendizagem da docência desses professores é marcado por sentimentos de incerteza, abandono e solidão, alternados com momentos de descobertas e realizações, indicando que existem problemas que precisam ser solucionados com políticas específicas de formação.

Dando continuidade à identificação das dificuldades enfrentadas por professores iniciantes, Ilha e Krug (2012) realizaram uma pesquisa com dez professores de Educação Física atuantes nas redes de ensino municipal, estadual e privada, da cidade de Santa Maria (RS), todos em início de carreira (até três anos de docência), com o objetivo de identificar quais os dilemas enfrentados pelos professores de Educação Física em suas aulas. Os autores identificaram que, além do denominado "choque com a realidade" – evidenciado pela confrontação inicial dos professores com a situação da atuação profissional, a distância entre a realidade e os ideais e a dificuldade de trabalhar com os alunos, os professores enfrentam outros nove dilemas, a saber: as condições de trabalho difíceis; a falta de um planejamento curricular para a disciplina; o número elevado de alunos por turma; a falta de interesse dos alunos pelas atividades; a falta de apoio da comunidade, pais e alunos; a indisciplina; turmas sem separação por sexo; turmas heretogêneas quanto à idade e, por último, aspectos relacionados ao clima.

Liston, Whitcomb, Borko (2006) procuraram discutir de que modo a formação de professores pode responder aos desafios dos primeiros anos de ensino. Para isso, identificaram os três maiores problemas enfrentados pelos docentes nos anos iniciais, a saber: 1- a formação teórica dada aos professores não é suficiente para enfrentar as exigências do cotidiano em sala de aula; 2- a intensidade emocional e o estresse vivenciados - decorrentes tanto das atividades de ensino que devem desenvolver quanto da grande carga de trabalho; 3) os professores nos anos iniciais são geralmente alocados em locais de trabalho que não dão um suporte adequado à aprendizagem e desenvolvimento do docente.

A partir desses três fatores, os autores apresentam três propostas de formação de professores que podem atendê-los nos anos iniciais. A primeira proposta é que os formadores conversem com os futuros docentes, discutindo a realidade vivenciada e ampliando a formação, seja através da participação de gestores, de professores egressos da formação ou de críticos educacionais. A segunda proposta diz respeito à necessidade de a formação atentar para os aspectos emocionais envolvidos na aprendizagem, mais especificamente, no "aprender a ensinar" vivenciado pelo professor. Por último, a formação deve criar ligações entre os diferentes contextos para aprender a ensinar, possibilitando a troca de experiências de sucesso entre os docentes.

Para Papi (2014), a formação do professor objetiva prepará-lo para o exercício docente e envolve um processo ativo que é efetivado por uma instituição e mediado pelo formador. Segundo a autora, a formação é "um dos elementos que contribui para o desenvolvimento profissional do professor ou para o seu processo de melhoria no ensino." (p. 201)

Além da formação docente, um dos elementos que devem ser considerados para o desenvolvimento profissional do professor é a realização de um bom planejamento de ensino. Leite e Tassoni (2002), ao discutirem a afetividade em sala de aula, abordam tanto as condições de ensino como a mediação que é feita pelo professor. Os autores afirmam que o professor, independentemente do nível de ensino em que atue, precisa assumir cinco decisões no planejamento e desenvolvimento do curso que está lecionando, a saber: "para onde ir", "de onde partir", "como caminhar", "como ensinar" e "como avaliar".

"Para onde ir" refere-se à escolha dos objetivos de ensino. Tal decisão reflete os valores, crenças e concepções pessoais do professor, e, ao tomá-la, é fundamental que o professor escolha objetivos que sejam relevantes para seus alunos, que estejam diretamente relacionados à realidade, possibilitando o estabelecimento de vínculos afetivos entre o sujeito e o objeto do conhecimento.

"De onde partir" significa tomar o aluno como referência. Neste sentido, é fundamental identificar os conhecimentos prévios dos estudantes para organizar e planejar o ensino, pois isto reduz as possibilidades tanto de insucesso no início do processo como de deterioração prematura das relações afetivas entre sujeito e objeto (LEITE e TASSONI, 2002).

"Como caminhar" está relacionado ao modo como o conteúdo é organizado. Afirmam Leite e Tassoni (2002): "(...) quando os conteúdos são organizados de forma aleatória, não se respeitando a lógica da organização do conhecimento na área, dificulta-se sobremaneira o processo de apropriação do referido conhecimento por parte do aluno". (p. 133). Além disso, a ausência de uma organização lógica pode aumentar as possibilidades de fracasso do aluno e, consequentemente, deteriorar a relação afetiva. "Como ensinar" refere-se à escolha dos procedimentos e atividades de ensino. Ao fazer tais escolhas, é necessário considerar a adequação/inadequação de uma atividade em função do objetivo que se tem. Aspectos como a falta de instruções claras, de intervenções adequadas do professor e de feedback, ocorrendo em alta frequência, levam os alunos a desenvolverem uma relação negativa com o estudo e um padrão de esquiva destas situações avaliadas como aversivas.

Por último, "como avaliar" envolve a tomada de decisão do professor, que pode ser tanto contra como a favor do aluno. Para os autores, a avaliação deve ser planejada e desenvolvida como um instrumento que beneficie o processo de apropriação do conhecimento e que seja sempre a favor do aluno (LEITE e TASSONI, 2002).

Como afirmam Leite e Tassoni (2002, pp. 137-138), estes aspectos referentes ao planejamento indicam que

A atuação pedagógica, necessariamente, precisa ser planejada, organizada e transformada em objeto de reflexão, no sentido de buscar não só o avanço cognitivo dos alunos, mas propiciar as condições afetivas que contribuam para o estabelecimento de vínculos positivos entre os alunos e os conteúdos escolares.

Segundo Pereira, Almeida e Azzi (2002), entre os aspectos que mais são destacados na formação do professor está a desarticulação entre a teoria e a prática nos cursos de licenciatura. Isso indica falta de correspondência entre a formação do licenciando e a realidade escolar. Assim, as autoras pontuam que os licenciandos aprendem a teoria sistematizada, mas ao aplicá-la já em caráter profissional, deparam-se com outra realidade.

Como, então, formar o licenciando de modo a garantir que ele se sinta preparado para "enfrentar" a realidade? De que forma trabalhar as questões de planejamento de ensino de modo a possibilitar que os licenciandos considerem seus futuros alunos no processo? Quais são as percepções que estes alunos de licenciatura têm sobre a prática docente, incluindo suas dificuldades e as habilidades que um professor precisa possuir para superá-las? O presente estudo buscou identificar estes aspectos, objetivando responder a alguns destes questionamentos, com ênfase nas respostas de licenciandos interessados em atuar no Ensino Médio.

 

MÉTODO

Participantes

Foram sujeitos do presente estudo 61 alunos matriculados em uma disciplina de Psicologia contida no currículo dos cursos de licenciatura de uma universidade pública do Interior do Estado de São Paulo. Os participantes estavam distribuídos em três turmas da mesma disciplina, que era ofertada em horários distintos e ministrada por três professores diferentes.

Materiais

Aos alunos que manifestaram interesse em participar da pesquisa foram entregues o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a Escala de Crença de Autoeficácia Docente e um questionário sobre os "Desafios da Docência". No presente artigo serão apresentados os resultados obtidos no referido questionário.

O questionário sobre os desafios da docência engloba questões pessoais como o curso e semestre em que o aluno está matriculado, idade e sexo. As demais questões, nove ao todo, envolvem perguntas relacionadas à experiência prévia de ensino, seu interesse em curto prazo pela docência, o nível de ensino de seu interesse, as habilidades consideradas importantes para um professor, as habilidades que o aluno respondente avalia possuir, as dificuldades que ele julga que irá enfrentar, além de situações e disciplinas do curso que ele percebe terem-no preparado para a docência e quais os aspectos que ele avalia como facilitadores para o enfrentamento das dificuldades.

Procedimento

Os alunos foram convidados a participar da pesquisa, que consistiu no preenchimento de uma escala de Crenças de Autoeficácia Docente e de um questionário sobre os desafios da docência, descritos anteriormente. Os alunos foram abordados na aula da disciplina de Psicologia presente no currículo das licenciaturas, no início do semestre letivo, e foram-lhes entregues o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a Escala de Crenças Docentes e o questionário sobre os "Desafios da Docência". Não foi estipulado tempo para preenchimento dos documentos, nem especificada ordem de realização da tarefa.

Resultados

No presente trabalho serão apresentados os resultados referentes à caracterização dos participantes e suas percepções sobre os desafios da docência, não sendo considerados os dados sobre as crenças de autoeficácia docente dos participantes.

  • Caracterização dos participantes

Dos 61 sujeitos da pesquisa, a maioria (32) era do sexo feminino. Quanto ao semestre do curso, quase metade dos sujeitos cursava o 3º semestre, vindo a seguir alunos do 5º semestre e do 9º semestre.

 

 

Quanto aos cursos em que estes alunos estavam matriculados, os cursos de Educação Física e Ciências Biológicas foram os dois com maior número de alunos que cursavam a disciplina de Psicologia, cada um com nove alunos. Vários cursos apresentaram um número equilibrado de alunos, como Ciências Sociais (cinco), Dança (cinco), Geografia (cinco), Licenciatura em Matemática (cinco), Licenciatura em Física (cinco). A figura a seguir apresenta a distribuição dos alunos por curso.

 

 

No tocante à idade dos alunos, a maioria dos participantes tem idade entre 18 e 23 anos (50 sujeitos), vindo a seguir sete sujeitos com idade entre 24 e 26 anos e dois com idade entre 27 e 29 anos. Dos 61 sujeitos, apenas dois estão na faixa etária acima dos 50 anos.

  • Experiência docente

Dos 61 participantes da pesquisa, 27 sujeitos responderam que não tinham experiência em ensino, e destes, dez afirmaram não ter interesse, naquele momento, pela carreira docente. Ao serem questionados sobre seus interesses, três participantes não responderam quais seriam seus interesses em curto prazo.

As atividades de ensino realizadas pelos alunos que afirmaram ter algum tipo de experiência englobaram:

➢ estágios obrigatórios e outras atividades do curso;
➢ programas de estágio como auxiliar docente;
➢ bolsa-trabalho;
➢ aulas particulares;
➢ aulas de dança em academias especializadas;
➢ plantão de dúvidas e docente em curso pré-vestibular;
➢ aulas como auxiliar no Ensino Fundamental II;
➢ aulas no Ensino Médio, no Ensino Técnico e no Ensino Superior;
➢ educação de jovens e adultos (EJA);
➢ realização de oficinas em escolas públicas em horário alternativo;
➢ aulas de idiomas.

  • Interesses em curto prazo pela carreira docente

A maioria (43 dos 61 participantes) afirmou ter interesse na carreira docente. Os interesses dos alunos que mencionaram não ter interesse pela docência envolveram: atuação em pesquisa, realização de cursos de pós-graduação (mestrado e doutorado), atuação como profissional (bacharel) na área de estudo, finalização da licenciatura sem interesse pela docência.

Quanto aos participantes que responderam ter interesse pela carreira docente, a maior parcela (35%) afirmou interessar-se pela docência no Ensino Médio, enquanto 20% afirmaram interessar-se por lecionar no Ensino Fundamental II e12%, no Ensino Superior. Cabe ressaltar que, dos participantes, apenas os licenciandos dos cursos de Música e Educação Física poderiam optar pela docência no Ensino Fundamental I.

 

 

A partir da identificação de que 35% dos licenciandos disseram interessar-se pela docência no Ensino Médio, foram selecionadas especificamente as respostas deste grupo para identificar as habilidades que eles avaliam como necessárias para o exercício docente, quais habilidades (das citadas) eles identificaram possuir, quais as dificuldades que eles julgam que irão enfrentar no exercício docente, quais disciplinas e experiências vivenciadas durante o curso poderiam ter auxiliado no enfrentamento das dificuldades e, por último, quais seriam os aspectos considerados facilitadores para reduzir as dificuldades a serem enfrentadas.

  • Habilidades do professor para desenvolver seu trabalho

Solicitou-se aos participantes que identificassem as habilidades que um professor deve possuir para desenvolver seu trabalho. Dentre as habilidades listadas pelos alunos com interesse em atuar como docentes no Ensino Médio, as mais citadas pelos respondentes foram: bom domínio do conteúdo a ser ministrado; facilidade para ensinar (boa didática e dinamismo); controle emocional e pessoal (paciência); boa gestão da sala de aula (domínio e autoridade).

  • Habilidades identificadas pelos licenciandos

A partir das habilidades mencionadas pelos respondentes como importantes para o exercício da docência, os alunos deveriam indicar quais eles acreditavam já possuir. As características mais citadas pelos participantes foram: bom domínio do conteúdo a ser ministrado; controle emocional e pessoal (paciência); facilidade para ensinar (boa didática e dinamismo); e clareza, objetividade, capacidade de síntese.

 

 

A tabela 1 apresenta a comparação entre as respostas dos licenciandos sobre as habilidades necessárias ao professor e as identificadas neles próprios. É possível verificar que das quatro habilidades citadas como necessárias ao professor, três foram identificadas pelos respondentes como presentes no seu próprio repertório, ou seja, os alunos de licenciatura afirmaram que os professores precisam apresentar um bom domínio do conteúdo a ser ministrado, devem ter facilidade para ensinar, boa didática e dinamismo, bem como apresentar controle emocional e pessoal, características estas já apresentadas por eles. As habilidades apontadas pelos alunos como necessárias ao professor e identificadas em si mesmos parecem confirmar as análises de Marcelo (1998), as quais indicam o início da docência como um período de transição dos sujeitos da condição de aluno para a de professor, uma etapa necessária para que o professor adquira equilíbrio emocional e desenvolva o domínio do conteúdo.

  • Dificuldades no exercício da docência

A partir da identificação das características docentes, os respondentes indicaram quais seriam as dificuldades que poderiam ser encontradas no exercício da docência. Os aspectos mais mencionados pelos licenciandos dizem respeito às dificuldades em mediar conflitos em sala de aula, exercer um controle dos alunos e manter a disciplina. Além disso, aspectos como a dificuldade em despertar o interesse dos alunos, problemas de infraestrutura para desenvolver a docência, o conservadorismo, as dificuldades de relacionamento interpessoal com a própria equipe (colegas, coordenadores e diretores) e a desvalorização da educação e do trabalho do professor são fatores que os licenciandos apontam como prejudiciais ao exercício da docência.

As dificuldades apontadas pelos alunos de licenciatura se relacionam com os resultados da pesquisa desenvolvida por Ilha e Krug (2012) referente aos impasses identificados por professores iniciantes, e também com a análise realizada por Mariano (2013), baseada em quatorze pesquisas brasileiras sobre o assunto.

  • Disciplinas ou situações que ajudaram a perceber-se preparado para o ensino

A apresentação de seminários nos cursos de graduação foi a situação mais citada como aquela que ajudou o aluno a sentir-se preparado para o ensino. As disciplinas específicas do curso de licenciatura também foram mencionadas como importantes para promover esta percepção, destacando-se entre elas "Educação e Cultura", "Psicologia da Educação" e "Educação e Tecnologia".

A participação em projetos específicos como o PIBID (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), o PAD (Programa de Apoio Didático) também foi indicada como algo que auxilia no preparo dos alunos para o ensino. As práticas de ensino específicas em cada curso de licenciatura e a troca de experiências com os docentes do curso também foram indicadas como importantes para o preparo do futuro docente. Outros aspectos citados foram as atividades práticas em laboratório, as disciplinas específicas do curso e a troca de experiência com colegas e interessados na área.

Alguns respondentes indicaram que só se sentirão preparados quando estiverem no exercício da docência e afirmaram que nenhuma disciplina ou situação teria contribuído para sua preparação, mencionando a falta de disciplinas que auxiliem na prática docente e questionando a estrutura do curso de licenciatura. A seguir, foram selecionadas algumas respostas indicativas:

Nenhuma. Creio que faltam matérias que nos auxiliem no preparo de aula, organização de sala, rever conceitos que iremos trabalhar realmente com alunos. Hoje acredito que todo curso de licenciatura nada mais é do que um curso de bacharel com mais algumas aulas de pedagogia. Gostaria de ter matérias sobre como as aulas, uma revisão do que se passar na escola, etc. (Sujeito 30)

Não me considero preparado, mas acho que só vou me preparar de fato quando estiver dando aula. (Sujeito 53)

Além disso, alguns sujeitos indicaram que os próprios docentes podem se tornar referência de boas práticas (ou não) para prepará-los para o exercício da docência. Algumas respostas enfatizando estes aspectos serão apresentadas a seguir:

Quando professores compartilham suas experiências em sala de aula, adiciono essas experiências às minhas ideias e formulo estratégias para usar dentro da sala de aula. A bagagem de conhecimento transmitida também é fundamental para que eu me sinta preparada para dar uma aula mais interessante. (Sujeito 55)

De forma geral, os professores de exatas criam um distanciamento frente aos alunos ou nem se importam. Perceber a grande diferença das minhas preocupações com os alunos com as desses meus professores já indicam um preparo. (Sujeito 1)

Eu vim do curso de bacharelado e, portanto, presenciei professores de nível superior que entendem a matéria, mas não possuem nenhuma didática de ensino. Eles simplesmente jogam a matéria e é cada aluno por si. Não pretendo dar aula dessa maneira. Me espelho nos professores que estão sempre dispostos a ajudar o aluno. (Sujeito 11)

Por paradoxal que pareça, ter aulas ruins também ajuda e incentiva a procurar práticas pedagógicas mais adequadas. (Sujeito 15)

Cabe ressaltar que estes apontamentos feitos pelos licenciandos confirmam a desarticulação entre a teoria e a prática nos cursos de licenciatura, isto é, a ausência de correspondência entre a formação do licenciando e a realidade escolar apontada por Pereira, Almeida e Azzi (2002). Segundo as autoras, a articulação entre a teoria e a prática precisa ser ampliada na formação docente, para que este se torne um profissional reflexivo e investigador de sua prática. A desarticulação entre a teoria e a prática também foi uma das dificuldades mencionadas em estudos envolvendo docentes em início de carreira. (LISTON, WHITCOMB, BORKO, 2006; ILHA e KRUG, 2012; MARIANO, 2013).

  • Aspectos facilitadores

Diante das dificuldades apontadas pelos licenciandos e da indicação de disciplinas e/ou situações que poderiam ou não auxiliá-los na preparação para a docência, buscou-se identificar que aspectos estes alunos consideram como facilitadores para reduzir as dificuldades que eles afirmaram que enfrentarão na prática docente.

Dentre os facilitadores apontados pelos licenciandos, destacam-se1: domínio do conteúdo (conhecimento); contextualização da matéria com a realidade do aluno; bom relacionamento interpessoal (professor-aluno); didática/clareza e objetividade para lecionar; convívio com professores atuantes na área; controle pessoal e paciência para lidar com conflitos.

Além desses aspectos, os licenciandos indicaram que as experiências práticas como os estágios e a participação em projetos específicos (como o PIBID) são importantes facilitadores e possibilitam o enfrentamento das dificuldades apontadas. Finalmente, o tempo de experiência e a prática escolar, juntamente com disciplinas que contemplem ferramentas para a prática pedagógica, são aspectos que ajudam a superar as dificuldades no exercício da docência.

 

DISCUSSÃO

Considerando os resultados apresentados, é possível afirmar que os licenciandos participantes do presente estudo são alunos que estão, em sua maioria, no segundo ou no terceiro ano do curso de graduação, contemplando mais de 20 cursos distintos. Além disso, a grande maioria tem de 18 a 23 anos de idade e o maior interesse é atuar como docente no Ensino Médio (35%).

No que diz respeito à experiência como docente, menos da metade dos participantes afirmou ter algum tipo de experiência. Foram citados estágios obrigatórios, bolsa-trabalho, aulas particulares, auxílio à docência como exemplos de práticas realizadas.

Verifica-se, quanto aos licenciandos com interesse em lecionar no Ensino Médio, que as habilidades que eles avaliam como necessárias para o exercício da docência são bom domínio do conteúdo a ser ministrado, facilidade para ensinar, boa didática e dinamismo, controle emocional e pessoal (paciência) e boa gestão da sala de aula, com domínio e autoridade. Destas, a maioria considerou que o domínio do conteúdo, o controle emocional e a didática são condições que eles já possuem.

As dificuldades para o exercício da docência apontadas pelos alunos da licenciatura dizem respeito à mediação de conflitos em sala de aula, manutenção da disciplina, despertar o interesse dos alunos, falta de infraestrutura para lecionar, problemas de relacionamento interpessoal e desvalorização da educação. Estes dados corroboram os resultados de pesquisas sobre as dificuldades presentes no início da carreira docente (Ilha e Krug, 2012; Mariano, 2013). Além disso, os aspectos citados parecem reforçar o que afirmam Sadalla, Bacchiegga, Pina e Wisnivesky (2002), que destacam a dificuldade dos licenciandos em saber o que fazer em sala de aula, mesmo tendo a compreensão da teoria; porém fica evidente que os alunos identificam como maiores problemas a resolução de conflitos, a manutenção da disciplina e uma boa didática para ensinar.

Pode-se notar que, os licenciandos identificaram vários aspectos como importantes para o desenvolvimento do docente, entre eles, disciplinas específicas da licenciatura, programas de estágio e atividades práticas e contato com docentes com experiência na área; porém ficou evidente a crítica à estrutura dos cursos de licenciatura no que diz respeito à falta de espaço para preparação do futuro docente na prática de ensino.

Segundo Almeida (2000), muitos dos conhecimentos necessários à formação docente devem ser construídos a partir dos problemas vivenciados nas situações de ensino, objetivando a promoção de condições que estabeleçam a relação entre teoria e prática. A autora afirma que a formação do professor não pode ser pensada considerando apenas os conteúdos a serem ministrados, mas também a forma como isso acontecerá. Para a autora, a relação entre conteúdo e forma é essencial ao se pensar a formação para a docência, pois sem o estabelecimento da relação entre conteúdo e realidade não é possível uma prática docente articulada, que relacione de forma eficaz o conteúdo e os interesses dos alunos.

Também é evidente que os alunos dos cursos de licenciatura identificam exemplos contrários à boa prática docente nos professores de seus cursos. Há relatos indicando a falta de didática e de compromisso dos professores com o aprendizado, corroborando a afirmação de Sadalla, Bacchiegga, Pina e Wisnivesky (2002) de que ensinar não é um ato natural e que o professor "não nasce feito", e indicando que na própria Universidade há inúmeros casos de professores que não conseguem transmitir o conteúdo de forma assimilável.

Segundo Pereira, Almeida e Azzi (2002), a Psicologia inserida nos cursos de licenciatura deve buscar compreender o que acontece na escola, problematizando quem é o aluno e os demais aspectos envolvidos no cotidiano escolar. Assim, as experiências vividas na prática pedagógica devem ser pensadas e analisadas ainda na formação inicial, objetivando o estabelecimento de projetos de intervenção específicos para a realidade em questão.

Assim, a Psicologia parece ser uma disciplina que, inserida nos cursos de licenciatura, possibilita ao licenciando identificar aspectos facilitadores para desempenhar uma prática docente, capacitando-o a desenvolver/melhorar o relacionamento interpessoal e os aspectos pessoais que estão ligados a uma didática que seja adequada e permita o ensino do conteúdo teórico vinculado à realidade e às experiências práticas dos alunos.

Além disso, é importante retomar as propostas de formação de professores de Liston, Whitcomb, Borko (2006), as quais consideram a importância da aproximação da teoria com a realidade prática e a necessidade de discutir os aspectos emocionais envolvidos na carreira e de garantir que os docentes tenham uma formação que permita a ligação entre diferentes contextos e práticas de ensino. Assim, além de reformulações nos cursos de licenciatura, as alterações devem abranger também os espaços de formação do professor no início de carreira.

Novos estudos precisam ser realizados para explorar as dificuldades que os alunos da licenciatura percebem que enfrentarão no seu futuro profissional e para as quais não se sentem preparados. É importante investigar que estratégias de ensino podem ser utilizadas com vista a um melhor preparo do futuro docente. Pesquisas que relacionem as práticas desenvolvidas e as crenças dos futuros docentes podem indicar caminhos a serem percorridos para que o professor se sinta preparado para a prática.

 

REFERÊNCIAS

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1 Foram selecionadas as respostas indicadas por mais de um respondente.

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