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Psicologia Ensino & Formação

versão impressa ISSN 2177-2061versão On-line ISSN 2179-5800

Psicol. Ensino & Form. vol.8 no.2 São Paulo jul./dez. 2017

https://doi.org/10.21826/2179-58002017813544 

Ensaio

O que nos Leva a Fazer o que Fazemos? Relatos de Experiências em Estágios Supervisionados

What leads us into doing what we do? Experience reports in Supervised Trainings

¿Qué nos lleva a hacer lo que hacemos? Relatos de Experiencias en Prácticas Tuteladas

 

 

Nazaré Maria de Albuquerque HayasidaI, Gustavo Paiva de CarvalhoII

I Doutora em Psicologia. Universidade Federal do Amazonas.

II Doutor em Ciências do Comportamento. Universidade Federal do Amazonas.

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Resumo

O presente artigo explana a experiência do estágio curricular bem como a formação dos futuros psicólogos a partir das atividades realizadas em dois laboratórios da Faculdade de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas (Laboratório de Investigação em Ciências Cognitivas – LABICC e Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento – LAPENEC). As práticas de supervisão adotadas são descritas e estão relacionadas a duas possibilidades de atuação e intervenção, atendimento clínico-hospitalar e atendimento psicossocial. As ações formativas realizadas nos contextos dos estágios favorecem a compreensão do sujeito, de seu contexto e de suas questões. As supervisões visam também o desenvolvimento de habilidades e competências necessárias para o exercício profissional em Psicologia. Os dois laboratórios realizam, além de atividades de aprimoramento técnico e teórico, ações vivenciais que buscam o crescimento pessoal do estagiário diante do seu momento de vida e das demandas que surgem ao longo do estágio.

Palavras-chave: estágio curricular, formação do psicólogo, atendimento clínico, atendimento psicossocial.


Abstract

This article explains the experience of the curricular internship and also the training of future psychologists based on the activities carried out in two Psychology Department laboratories of the  Federal University of Amazonas (Laboratory of Research in Cognitive Sciences – LABICC and Laboratory of Experimental Psychology, Neuroscience and Behavior – LAPENEC). The supervision practices adopted are described, being related to two possibilities of action and intervention: clinical-hospital care and psychosocial care. The formative actions carried out in the contexts of the internships help to understand the subject, the context and the issues. The supervison also aims at developing the skills and competencies required for professional practice in Psychology. Besides theoretical and technical improvement activities , both laboratories work on experiential actions that foster the trainee’s personal growth considering the moment of their lives and the demands that arise along the practice.

Keywords: curricular internship program, psychologist education, clinical care, psychosocial care.


Resumen

En este artículo se explica la experiencia de prácticas y también la formación de los futuros psicólogos a partir de las actividades llevadas a cabo en dos laboratorios de la Facultad de Psicología de la Universidad Federal de Amazonas (Laboratorio de Investigación de Ciencias Cognitivas – LABICC y Laboratorio de Psicología Experimental, neurociencias y Comportamiento – LAPENEC). Las prácticas de supervisión adoptadas han sido descritas y se relacionan con dos posibilidades de acción e intervención: la atención clínica hospitalaria y la atención psicosocial. Las actividades de formación llevadas a cabo en los contextos de las prácticas favorecen la comprensión de la persona, su contexto y sus problemas. Las supervisiones pretenden también auxiliar en el desarrollo de habilidades y competencias necesarias para la práctica profesional de la Psicología. Los dos laboratorios realizan, además de las actividades de mejoras técnicas y teóricas, acciones experimentales que buscan el crecimiento personal del practicante para enfrentar su momento de vida actual y las exigencias que se plantean durante las prácticas tuteladas.

Palabras-clave: prácticas, formación del psicólogo, atención clínica, atención psicosocial.


O estágio profissional se apresenta como um processo de aquisição e estruturação da identidade profissional. Caracteriza-se como parte integrante e fundamental da formação do futuro profissional. Como atividade educativa, prepara o estudante para o exercício prático do seu trabalho por meio do desenvolvimento de competências, sendo tal atividade regulamentada nacionalmente pela Lei 11.788/2008. De caráter obrigatório ou não, devem estar em conformidade com as diretrizes curriculares do curso e integrarem o projeto político pedagógico do mesmo. O estágio, contudo, não se limita apenas à formação profissional, deve contemplar a formação do cidadão. Existe nesse ponto um aspecto que ultrapassa a disposição individual, alcançando o coletivo, beneficiando a sociedade por meio de tal atividade.

Os cursos de graduação em Psicologia são orientados pelas Diretrizes Curriculares Nacionais da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, Resolução No. 6/ 2011. A formação deve proporcionar competências e habilidades gerais para o exercício da profissão. A Faculdade de Psicologia (FAPSI) da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), cumprindo as exigências do Decreto-lei no 53.464/1964, o qual dispõe sobre a profissão de psicólogo, oferece uma formação generalista que habilita o egresso para atuação em qualquer área da Psicologia. Carvalho e Sampaio (1997) ressaltam que a formação generalista privilegia o conhecimento em diversos temas psicológicos por meio do desenvolvimento de habilidades técnicas e do contato com conteúdos e métodos científicos, fornecendo valiosos instrumentos para intervenções psicológicas pelos futuros profissionais. Todavia, ressaltam os autores, as quatro principais áreas oferecidas por grande parte dos cursos de Psicologia são: clínica, trabalho, escolar e social.

O curso de Psicologia da Universidade Federal do Amazonas foi inaugurado no ano de 1996, iniciando a primeira turma no mesmo ano e sendo reconhecido em abril de 2002 (UFAM, 2001). Entretanto, as discussões com relação à criação de um serviço de atendimento psicológico na Universidade iniciaram muito antes, no ano de 1994, a partir de projeto de iniciação científica (PIBIC-1992/1994) reunindo professores das Faculdades de Medicina e de Educação, sendo a professora psicóloga Nazaré Hayasida quem criou e coordenou durante cinco anos o Núcleo de Atendimento Psicológico – NAP (FACED/UFAM- Of. n. 05, 7/07/1999) para os estudantes, por meio de projeto de extensão da universidade, denominado atualmente Centro de Serviços de Psicologia Aplicada (CSPA).

Para atender aos critérios exigidos para formação, a FAPSI possui uma clínica-escola, o CSPA, voltada para o atendimento ao público e para a realização de estágios, entre outras atividades. Estagiários que realizam atendimento clínico no CSPA podem ou não estar vinculados a um dos sete laboratórios da FAPSI. Os Laboratórios, desta forma, procuram aliar atividades de formação à pesquisa e extensão. Os estágios curriculares também podem ocorrer em instituições conveniadas. Nesses casos, ou um professor da FAPSI conduz as atividades locais na instituição conveniada ou um preceptor da própria instituição o faz. Quando a supervisão local é realizada por um preceptor, um professor da FAPSI realiza a chamada supervisão acadêmica, a qual cuida de discussões e aspectos mais teóricos da atividade profissional. Na primeira situação narrada, o professor acumula dois papéis, o de supervisor local e o de supervisor acadêmico.

A FAPSI tem, tradicionalmente, ofertado estágios nas áreas clínica, escolar e organizacional. Entretanto, nos últimos anos, vem crescendo o interesse de estagiários e supervisores para atuar também nas áreas comunitária e hospitalar. Estas também disponíveis para os alunos. A prática profissional sob orientação ocorre nos últimos semestres do curso por meio de quatro disciplinas de Estágio Supervisionado (I, II, III e IV), cada um deles de cento e oitenta horas semestrais em uma das áreas mencionadas, e todos de caráter obrigatório. Não há no curso obrigatoriedade de o estagiário permanecer dois ou mais estágios em uma mesma área de concentração, podendo inclusive ele realizar cada estágio em uma área diferente.

Atento à singularidade da experiência formativa, o presente artigo tem como objetivo descrever a prática desenvolvida sobre duas possibilidades de atuação e intervenção. Entende-se que tais práticas favorecem o processo de compreensão do sujeito em relação a seu contexto e suas questões. Assim, aspectos metodológicos e didáticos adotados em dois laboratórios da FAPSI, o Laboratório de Investigação em Ciências Cognitivas (LABICC) e o Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento (LAPENEC), são aqui relatados quanto às supervisões de estágios neles realizadas em duas áreas específicas, o atendimento clínico e hospitalar e o atendimento psicossocial, respectivamente. Os dois laboratórios sugerem aos alunos que seus referidos estágios profissionalizantes ocorram em pelo menos dois semestres consecutivos. Apesar da não obrigatoriedade de tal medida, a aderência a essa solicitação é alta. Ou seja, poucos são os estagiários que cumprem apenas um semestre.

O treinamento regular de um ano compreende trinta sessões de supervisão em grupo, com duração de quatro horas, sendo desenvolvidas duas vezes na semana, quando são realizadas apresentações e/ou dramatizações dos casos em atendimento, discussões teóricas e vivências. Outras atividades como leituras, seminários e avaliação de sessões grupais, encaminhamento de clientes ou atendimentos de emergência devem complementar a experiência de supervisão.

Formação do estagiário

O desenvolvimento de competências na formação do psicólogo é uma das tarefas consideradas mais complexas pela literatura da área (Barletta, Delabrida, & Fonseca, 2011; Bitondi & Setem, 2007; Manring, Beitman, & Dewan, 2003; Roth & Pilling, 2008). O estágio configura um contato de uma multiplicidade de cognições e de afetos, que fazem dele um dos momentos mais ricos e desafiadores do percurso no curso. Nesse caminho, a supervisão assume papel fundamental em tal processo educativo, salientado por Freire (1996, p. 22), em que o processo de “ensinar exige uma reflexão crítica sobre a prática. (...) É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”.

Saber o que ensinar, definir objetivos e propor um programa de ensino é o que se pretende enquanto supervisor que deve estar associado a diferentes contextos, culturas e teorias (Roth & Pilling, 2008). O esperado, enquanto supervisor, é que sejam criadas condições para que o o desenvolva as habilidades necessárias para se tornar psicólogo (Cabalo, 2008; Rangé et al., 2011). A formação teórica condiz com a primeira etapa da construção do conhecimento e representa a base para a formação prática, por isso deve ser oferecida em um modelo educacional envolvente e interativo.

A pouca experiência profissional dos recém-formados, uma vez que eles próprios também passam por um processo de integração na relação ensino e aprendizagem, é propícia ao desenvolvimento de ansiedade e/ou estresse; no entanto, é também um meio de promoção de autoeficácia e treino das habilidades profissionais e pessoais. O treinamento e a supervisão de profissionais nos estágios requerem que as habilidades devam ser usadas regularmente e estimuladas por atividades de educação continuada que possam ajudar a aprimorar um núcleo básico de competências, resultando na formação de novas práticas integrativas de competências, habilidades e conhecimentos (MEC, 2011). Nesse processo, uma pessoa mais experiente e informada, o professor supervisor, orienta o aluno no desenvolvimento humano, educacional e profissional, em uma atitude de monitorização sistemática da prática, sobretudo por meio de procedimentos de reflexão e experimentação. A supervisão visa ao desenvolvimento de competências no aluno e deve promover neste uma atitude de confiança e de responsabilidade pela qualidade do ensino.

Para o sucesso de tal tarefa, esforços prévios no sentido de elaborar e contribuir com os critérios orientadores da prática de ensino, incluindo indicadores do que significa ser um profissional de Psicologia e quais são as suas tarefas, o que deve saber teoricamente, para o que deve atentar, tomar decisões, e quais os comportamentos essenciais para o exercício da prática na área da saúde, são necessárias outras habilidades.  Além da responsabilidade ética e moral, associadas à abordagem psicológica das práticas aqui indicadas, e seguindo o raciocínio de Wrigth, Basco e Thase (2008) e Falcone (2001), os terapeutas em Terapia Cognitivo-Comportamental buscam propiciar ambiente de intervenções de alto grau de autenticidade, afeto e empatia eficazes, acompanhados de aliança colaborativa, promovendo, dessa forma, mudança cognitiva e comportamental. Tais características também devem estar presentes no atendimento psicossocial.

Estágio supervisionado no LABICC

No ano de 2013, a professora Dra. Nazaré Hayasida deu continuidade às pesquisas e criou o LABICC (Portaria no. 001/2013- UFAM, registro aceito como grupo de pesquisa no CNPq) com Linhas de produção nas áreas de Investigação e Intervenção clínica e hospitalar. Desde então, tem buscado a integração entre pesquisa, extensão e formação de terapeutas em contextos da Saúde e Educação. Nos estágios de intervenção, o programa do laboratório preconiza a interação com outras áreas como Neurociências, a Psicopatologia, a Psicobiologia, a Sociobiologia, a Psicologia Cognitiva Experimental, a Psicologia Sociocognitiva e a Psicofarmacologia tem sedimentado e fortalecido as Terapias Cognitivo-Comportamentais (TCC) no meio científico.

Para Antoniazzi (1992), toda proposta pedagógica tem pressupostos e proposições filosóficas, sendo a educação um instrumento de manutenção e de transformação social. Nesse sentido, as aulas e a metodologia de intervenção, no Projeto do LABICC, envolvem procedimentos derivados das teorias cognitiva e comportamental utilizando ferramentas didáticas e pedagógicas, tais como questionamento socrático, psicoeducação, reforçamento diferencial, modelagem, treino discriminativo, ensaios comportamentais para treinamento das habilidades propostas à formação dos terapeutas-estagiários e dos clientes (Banaco & Martone, 2001; Pereira & Rangé, 2011; Wrigth et al., 2008). A TCC tem atraído, a cada dia, mais alunos da graduação, por sua dinâmica interativa e didática, aplicabilidade eficaz, respaldo científico por ser baseada em evidências, além de apresentar resultados satisfatórios para a prática clínica (Abreu & Roso, 2003; Callegaro, 2011; Dobson & Scherrer, 2004; Pereira & Rangé, 2011; Robins, Gosling, & Craik, 1999). As intervenções são planejadas e as técnicas são escolhidas mediante a avaliação clínica e o repertório do cliente (diagrama de conceitualização cognitiva). Considera-se uma abordagem voltada para o aqui-e-agora, com colaboração ativa entre terapeuta e cliente (empirismo colaborativo), baseada em treino das habilidades (Beck, 2007; Pereira & Rangé, 2011).  Isso direciona a comunidade científica a investir em estudos que viabilizem métodos efetivos de ensino-aprendizagem para a formação de terapeutas nessa abordagem.

Assim, guiada por tais pressupostos, a formação teórica é elaborada para 20 alunos e o plano de curso é organizado em 30 aulas que acontecem duas vezes por semana, com duração de 2 horas/aula, sendo que todas as aulas, desde a primeira, acompanham o modelo e os princípios da TCC. O desafio deste trabalho é justamente o de fazer uma descrição dessa atividade baseada na literatura pertinente. Como previsto, o primeiro encontro é destinado a conhecer as expectativas e motivações dos graduandos para estudar a abordagem, realizar o contrato que versa sobre horários, tempo de duração das aulas e do processo, responsabilidades do docente e discentes e as avaliações (feedback) e, por fim, educar sobre o modelo cognitivo-comportamental. As demais aulas são guiadas pela estrutura utilizada na sessão de TCC: checagem de humor da turma, resumo da aula anterior, revisão de tarefas, agenda da aula proposta pelo plano com possibilidades de inclusão de temas sugeridos pelos alunos, resumos capsulares, estabelecimento de tarefas, resumo final da aula e uso de folhetos como ferramentas de aprendizagem. Além disso, entende-se que o docente, nessa dinâmica, dispõe de referência para modelação, principalmente no que tange a relação empírica colaborativa e empática que proporciona um ambiente favorável para a aprendizagem com qualidade. É possível observar o envolvimento e aproveitamento dos alunos, e que os mesmos se expressam com propriedade acerca da TCC e saem muito motivados para treinar habilidades terapêuticas e praticar o conhecimento adquirido nos estágios. Diante disso, é possível concluir que a estruturação e a educação devem caminhar juntas não somente no processo psicoterápico, mas também na formação de terapeutas, uma vez que esta forma intensifica a aprendizagem e facilita a acomodação do conhecimento.

Para a realização do Estágio Clínico em TCC oferecido pelo LABICC, é exigido do aluno que antes se tenha cursado a disciplina Tópicos Especiais em Psicologia Clínica. Esta se organiza como etapa preparatória para a atuação profissional supervisionada. A disciplina é desenvolvida a partir de uma lógica integrativa entre teoria e prática, enfatizando aspectos que serão utilizados no estágio, seguindo a continuidade do processo. No semestre posterior, é ofertada a disciplina Estágio Supervisionado em Psicologia Clínica, até se chegar a realizar o atendimento clínico, propriamente dito, no CSPA ou no hospital-escola. A etapa de observação e preparação se processa por cerca de duas semanas, nos locais de estágio, com a supervisora acadêmica e, em seguida, a professora autoriza o aluno a iniciar o atendimento. Sugere-se ao estagiário que se submeta a processo terapêutico, tanto para suportar suas tensões, quanto para formar postura clínica, como alicerce para a formação pessoal e profissional. Entre esses dois universos, o serviço da clínica-escola é oferecido gratuitamente à comunidade interna e externa, regularmente. O número de sessões é delimitado, porém dificilmente ultrapassa 10 sessões, e sempre que necessário os pacientes são encaminhados para continuar o tratamento com psicoterapia de apoio, assim como para avaliação e tratamento com outros profissionais. O primeiro contato é a entrevista inicial (triagem), na qual se busca identificar e compreender a demanda do paciente (Barlow, 2001; Vandenberghe, 2011) e, a partir daí, conduz-se o tratamento clínico (trabalho acadêmico) com o uso de recursos ou ferramentas (técnicas da TCC, testes psicológicos, escalas, material diversos da abordagem) que podem se fazer necessários para auxiliar a compreensão do caso clínico para depois construir um diagnóstico (APA, 2014; Beck, 2007; Leahy, 2011; Wright et al., 2008).

No hospital-escola, o aluno realiza atendimentos juntamente com o médico no ambulatório cardiológico e, nas demais dependências, acompanhando o paciente desde o diagnóstico até a sua alta (ambulatório, enfermaria, UTI e Centro Cirúrgico). Esse serviço foi implantado pela supervisora de estágio para viabilizar os saberes e fazeres das áreas distintas e ofertar ao paciente intervenções inter e multidisciplinares no ambiente hospitalar. Na prática, as sessões desenvolvidas pelo estagiário hospitalar envolvem a mediação no processo de mudança de comportamentos e hábitos dos pacientes (ações de promoção e proteção de saúde, tratamento e prevenção de doenças) juntamente com outras orientações advindas da equipe multidisciplinar, no sentido de auxiliar o paciente a avaliar os custos e benefícios, bem como as suas limitações. Para tanto, o paciente é levado a analisar as contingências do seu processo saúde-cuidados-doença para se tornar eficaz e assertivo na tomada de decisões por meio das informações relativas à educação em saúde e de seu controle (Gorayeb, Facchini, & Schmidt, 2012; Hayasida, 2010). Finaliza-se o processo ensino-aprendizagem construindo um relatório, nos contextos clínica-escola e hospital-escola, no qual constam todas as atividades desenvolvidas, formalizando o trabalho de atendimento clínico realizado junto ao paciente e seguindo o escopo de construção previsto pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2003).

Os diferentes manejos e recursos estratégicos utilizados na experimentação, enquanto formadora de discentes, ultrapassam os modelos tradicionais pedagógicos e didáticos disponíveis na literatura da área em TCC. O estilo de supervisão adotado é compreendido de ciclo de supervisão e modelo de supervisão, que se subdivide em: encontro da pré-observação e treino das habilidades terapêuticas para a prática discente; observação propriamente dita em sala de aula e a análise; e, por fim, encontros pós-observação (feedback), que procedem semanalmente e viabilizam a análise e avaliação do processo realizado e dos efeitos obtidos, portanto um balanço ou avaliação do próprio processo.

Estágio supervisionado no LAPENEC

O LAPENEC, coordenado pelo Professor Dr. Gustavo Paiva de Carvalho desde 2010, realiza diversas atividades didáticas, de pesquisa e de extensão fundamentadas na linha de Análise do Comportamento e Ciências Cognitivas. Suas atividades, tendo o comportamento como foco, também se estendem a processos Neurológicos, Psicofisiológicos e Psicofarmacológicos. Os procedimentos experimentais envolvem tanto estudos com humanos quanto com animais (Rattus novergicus). Estudos com humanos e atividades de extensão na área Comportamental abrangem ações voltadas para a aquisição de leitura junto a crianças do ensino infantil.

No LAPENEC também se realizam estágios supervisionados acadêmicos em Atendimento Psicossocial, tendo como Instituição conveniada o Centro de Referência Especializado em Assistência Social (CREAS – Manaus, Unidade I). Dessa forma, no LAPENEC ocorrem as supervisões de ordem teórica, sendo que as de ordem prática acontecem no local. Contudo, esta divisão didática entre teoria e prática constitui-se de maneira flexível, e a parceria entre os supervisores (acadêmico e local) caracteriza-se pelo enorme intercâmbio de informações e atividades.

As atividades desenvolvidas no CREAS – Manaus está em consonância com o que determina o Guia de Orientação do CREAS (Brasil, 2011) que estabelece ações e estratégias de operacionalização das atividades realizadas com crianças, adolescentes e seus familiares. São as seguintes as atividades na Unidade I: Acolhimento e Atendimento de Triagem; Atendimento Psicossocial; Orientação Jurídica; Visitas Institucionais e Domésticas; Ações Preventivas de Palestras de Cunho Informativo, educativo e preventivo; Panfletagem de material educativo; e Teatro de Fantoches para as vítimas de violência. A Unidade conta com uma equipe multidisciplinar que oferece serviços de Psicologia, Direito e Assistência Social.

Os estagiários do LAPENEC que atuam na Instituição atendem especificamente crianças e adolescentes vítimas de casos de violência e seus familiares. Nesse contexto, a maior demanda constitui-se por vítimas de violência sexual. Contudo, a atuação dessa Instituição se diversifica, tendo equipes de Psicologia que trabalham com outras demandas, como, por exemplo, o atendimento aos agressores.

A Unidade I do CREAS oferece aos estagiários um processo de acolhimento nas duas primeiras semanas de trabalho. Nesse período, além da familiarização com a rotina operacional (todos os setores são visitados), ocorrem também atividades de vivências e dinâmicas de grupo. Nelas, temáticas relacionadas ao atendimento psicossocial a ser desenvolvido são permeadas por demandas pessoais. Esse tipo de intervenção visa a preparar o estagiário para o enfrentamento de conteúdos que, por vezes, são complexos e desafiadores. Ouvir relatos de crianças e adolescentes vítimas de violência exige maturidade e preparação, seja na área profissional ou pessoal.

As vivências, entendidas como espaço para análise de assuntos teóricos, estudos de casos e relatos de impactos de ordem subjetiva de cada estagiário, também ocorrem na Supervisão Acadêmica. Todavia, o tempo dedicado para as mesmas é menor que o transcorrido na Supervisão Local em vista da disponibilidade de horário. Ainda assim, os estagiários relatam a riqueza das duas experiências.

Abre-se espaço para discussão de temáticas relacionadas às intervenções psicossociais, sendo a maioria dos temas escolhidos pelos estagiários, os quais se responsabilizam pelo levantamento bibliográfico a ser distribuído aos demais colegas, bem como pela apresentação da temática durante a supervisão. Questionamentos e discussão são livres a todos os presentes. O supervisor também intervém e orienta, mas busca ao máximo estimular a participação de todos. Essa é uma estratégia que procura desenvolver a autonomia profissional. O mesmo padrão é utilizado para a escolha e elaboração de palestras e/ou dinâmicas junto aos usuários do serviço. Neste tipo de ação de planejamento, a participação do Supervisor Acadêmico é mais ativa.

O Atendimento Psicossocial na Unidade I busca desenvolver junto à vítima ações protetivas: 1) a superação da experiência traumática, 2) o desenvolvimento da autonomia, 3) a elevação da autoestima e 4) promoção e prevenção da integridade física e psicológica por meio de informações sobre direitos. Balbueno (2011) afirma que o estado de fragilidade em que se encontra a pessoa que passou por situações de violência pode ser amenizado de forma mais efetiva e eficaz pela atuação técnico-científica, promovendo um acolhimento especializado e gerador de bem-estar.

As ações protetivas ocorrem em um contexto interdisciplinar, o que permite a troca de conhecimentos e atuação mais integrada, promovendo saúde mental (Oliveira, 2007). Estabelece-se, portanto, a parceria entre os serviços de distintas especificações profissionais, o que exige competência e responsabilidade que resultam em cuidado plural, beneficiando o usuário (Vasconcelos, 2010).

Enfatiza-se a postura de igualdade, respeito e confiança que deve ser estabelecida entre profissional e usuário. Dessa forma, a equipe multiprofissional e os próprios serviços podem estabelecer mecanismos de interação que atinjam necessidades verdadeiras e suas diversas significações. A consideração do outro enquanto possuidor de características psicológicas, sociais e culturais provoca experiências e aprendizagens de crescimento emocional e desenvolvimento mútuos (Falcone et al., 2005).

O Estágio Acadêmico Supervisionado que ocorre no LAPENEC busca promover o desenvolvimento profissional do aluno tanto do ponto de vista técnico, como em seus aspectos humanos. Dessa forma, a supervisão se caracteriza como uma atividade acadêmica vivencial, inclusive com características terapêuticas. Entrar em contato com relatos de experiências extremamente dolorosas para as vítimas de violência possibilita a problematização de conceitos amplamente discutidos nas teorias, mas que por vezes são distantes da realidade do estudante. A apreensão da realidade do outro implica na identificação de aspectos individuais e intrapsíquicos, também se amplia para a compreensão de contingências sociais e históricas da pessoa, que despertam sentimentos de empatia tanto na pessoa atendida quanto no profissional de Psicologia, ou, no caso, no estagiário.

Falcone (2001) entende a empatia como uma habilidade social que pode ser treinada tecnicamente para servir como um eficaz instrumento de intervenção psicológica. Considera-se que psicoterapeutas e profissionais de ajuda devem valorizar e utilizar tal habilidade, pois “ao adotarem uma atitude empática, esses profissionais contribuem para aumentar a autoestima de seus pacientes, favorecendo a auto-revelação, o vínculo terapêutico e a adesão ao tratamento” (Falcone, 1999, p. 23).

A Supervisão Acadêmica valoriza e treina sistematicamente características da comunicação empática, o que inclui o tato social e a sensibilização. Para Falcone (1999), a identificação de mensagens não verbais da pessoa atendida como posturas corporais; expressões faciais; tonalidade, fluência, inflexão e fluência de voz; e respostas autonômicas (lacrimar dos olhos, rubor, respiração acelerada, palidez, etc.) auxiliam a detecção de condições emocionais, adversas ou não, e seus desencadeadores. Ouvir e verbalizar de forma sensível promove a sensação de acolhimento e compreensão, encorajando novas revelações e intensificando o vínculo entre usuário e profissional.

Habigzang, Azevedo, Koller e Machado (2006) consideram a violência contra crianças e adolescentes um problema de saúde pública e dedicam um artigo para a reflexão sobre a rede de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. A complexidade que envolve a violência sexual abrange aspectos psicológicos, sociais e legais. Origina prejuízos de ordem psicológica e social tanto na vítima quanto em seus familiares, o que pode resultar em severos problemas emocionais e/ou psiquiátricos. Os impactos negativos se relacionam a fatores intrínsecos e extrínsecos à criança. Resiliência e vulnerabilidade pessoal da criança podem minimizar ou potencializar os prejuízos da violência. Também ampliam ou vão na contramão dos impactos negativos características sociais e familiares da vítima. A existência ou não de fatores de proteção ou risco, tais como dinâmica familiar, recursos emocionais dos cuidadores e até mesmo recursos financeiros que possibilitem tratamento, auxilia na transposição de obstáculos e dificuldades ou amplifica o sofrimento e o desamparo vividos.

A identificação das redes sociais ou a construção das mesmas onde elas não se fazem presentes constituem habilidades e competências que são exaltadas e trabalhadas no Estágio Supervisionado em Atendimento Psicossocial. Enquanto um conjunto de sistemas e pessoas significativas para criança, a rede de apoio social oferece suporte afetivo e cognitivo, compondo alicerces estruturais para a percepção de mundo do indivíduo (Brito & Koller, 1999). É importante para o estagiário identificar lacunas na dinâmica familiar e características pessoais da criança para que se possa planejar a intervenção psicossocial, ainda que esta seja breve e focal. A ressignificação da experiência de violência, distanciando-se de valores preconceituosos e oferecendo escuta e acolhimento, pode solidificar caminhos para a superação do sofrimento.

Considerações Finais

Os estágios, enquanto atividades práticas supervisionadas, são essenciais para a formação do acadêmico de Psicologia, preparam o egresso para o mercado de trabalho e buscam garantir o desenvolvimento de competências e habilidades que confiram qualidade ao exercício profissional. Seja a atuação na área clínica-hospitalar ou na área de atendimento psicossocial, a compreensão do outro, seu contexto e problemática devem nortear a intervenção psicológica, caracterizando-se como uma análise de contingências que se utiliza de instrumentos e técnicas específicos para cada demanda.

A qualificação técnica do profissional de Psicologia passa, necessariamente, pelo contato com situações reais que envolvem demandas específicas da clientela. Tais situações exigem do estagiário a análise, tomada de decisões, enfim, experiências que o fazem repensar e reprocessar referenciais teóricos estudados durante a vida acadêmica. É importante ressaltar que, para além das confirmações teóricas e dos contrastes que possam resultar da prática, as supervisões acadêmicas aqui apresentadas dedicam parte de suas atividades a experiências vivenciais, ao crescimento pessoal. Buscam, assim, aliar o amadurecimento profissional e subjetivo para os estudantes e atingir aos supervisores. Em resumo, as transformações são recíprocas, ainda que dentro da singularidade da função de cada um no estágio, tanto para acadêmico quanto para o supervisor.

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Submissão: 08/05/2017

Aceite: 28/11/2017


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