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Revista EPOS

versão On-line ISSN 2178-700X

Rev. Epos vol.4 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

EDITORIAL

 

 

No seu sétimo número, o conjunto de artigos da Revista EPOS: Genealogias, Violências, Subjetivações explora dois eixos temáticos. O primeiro analisa a relação entre criminalização, patologização e subjetivações, contribuindo para compreender, de maneira crítica e circunstanciada, as tecnologias políticas contemporâneas, centradas na gestão dos riscos, e suas incidências sobre as formas de subjetivação. Já o segundo eixo trata da articulação entre corpo, sexualidade e reprodução, servindo-se da psicanálise e da filosofia francesa contemporânea, de maneira articulada ou independente, para interpelar as produções discursivas da medicina, saber que se converteu em privilegiado mediador da regulação política da sociedade.

Na perspectiva do primeiro eixo,* Joel Birman, no seu artigo "Subjetivações e risco na atualidade", inaugura a edição com sua abrangente e consistente análise das políticas de segurança das sociedades democráticas e (neo)liberais que, malgrado essas características, impulsionam sua estratégia de encarceramento prisional, não necessariamente acompanhado de um aumento da criminalidade, como medida de regulação de contingentes populacionais estruturalmente excluídos do mundo do trabalho. O que poderia ser um paradoxo se revela, na argumentação de Birman, uma porta de entrada para sua aguda reflexão acerca da articulação entre estado penal, violência e mal-estar numa sociedade deserta de hospitalidade, fraturando, de maneira convincente, os ideais democráticos que ostentamos.

Dialogando ainda com esse eixo analítico, Maurício Stegemann Dieter nos brinda, em "Lógica atuarial e incapacitação seletiva: A farsa da eficiente gestão diferencial das novas classes perigosas", com uma arguta análise sobre a produção contemporânea da incapacitação seletiva pelo sistema de justiça criminal, que se desloca da preocupação com a determinação do crime para a gestão da criminalidade, através de mapeamento de fatores de risco para produção de "reincidentes crônicos", a partir da lógica atuarial, alertando-nos para as implicações dessa nova estratégia de regulação social das novas "classes perigosas", definidas por sua marginalidade à racionalidade de mercado, um modelo concebido nos EUA nos final dos anos 1970 e em expansão para outros países sob sua influência.

No artigo de Claudia Ciribelli Rodrigues Silva, intitulado "A aliança entre justiça e psiquiatria no controle do uso de droga: medicalização e criminalização na berlinda", encontramos uma análise histórica das tensões e solidariedades entre o saber psiquiátrico e o sistema jurídico brasileiros na abordagem à questão da drogas, na qual a autora localiza um recuo da criminalização, abordagem hegemônica nas primeiras décadas do século XX,  em detrimento da medicalização, sobretudo após os anos 1970, deslocamento que, antes de indicar uma ruptura entre esses campos, revela uma solução de compromisso centrado nos valores da eficácia, do apelo ao discurso do bem-estar e na gestão profilática dos riscos.

Adotando como ângulo de análise para explorar o mesmo eixo temático a perspectiva de adolescentes internados em uma instituição para cumprimento de medida socioeducativa, Leila Ripoll, no artigo "'A justiça é cega, ela não me vê': Uma escuta psicanalítica atrás dos muros", oferece uma reflexão sobre sua experiência de escuta analítica desses sujeitos, na qual descortina a tensão entre assujeitamento e singularização no contexto punitivo, excludente e criminalizador do tratamento

No segundo eixo temático - corpo, sexualidade e reprodução -, Silvia Alexim Nunes realiza, em "Maternidade na adolescência e biopoder", uma análise genealógica acerca da constituição da reprodução biológica e social nesta etapa da vida como problemática a ser biopoliticamente regulada, articulando-a a uma pesquisa sobre o lugar da maternidade entre adolescentes de camadas populares do Rio de Janeiro, revelando, a partir da escuta das experiências das jovens, uma ruptura da associação entre planejamento e desejo, forjada pelos discursos homogeneizantes que organizam políticas de controle de natalidade.

No trabalho de Daniel Kerry dos Santos, intitulado "As produções discursivas sobre a homossexualidade e a construção da homofobia: problematizações necessárias à Psicologia", a homofobia é analisada como o correlato de tramas discursivas teológicas e, posteriormente, médicas que enunciaram a homossexualidade como erro, desvio, pecado e doença, respaldadas por diferentes motivações pela defesa da heteronormatividade. Neste particular, o autor formula alguns questionamentos sobre o enfrentamento da homofobia pela psicologia, um tema de grande atualidade no cenário político-social nacional.

Ainda neste eixo, Nelma Cabral et alli, no artigo "Corpo e afeto nos primeiros escritos freudianos", realizam uma cartografia da produção psicanalítica presente nos textos de Freud entre 1890-1897 sobre a relação entre corpo e afeto, tomando o conflito psíquico e a angustia como categorias centrais da organização teórico-clínica de seu pensamento, contribuindo para a sistematização do estatuto de corpo em psicanálise e de sua eloquência para a análise das formas contemporâneas de mal-estar.

Procurando ampliar a proposta temática do grupo EPOS, este número traz ainda uma entrevista com Joel Birman, na qual procura iluminar alguns aspectos das  manifestações populares no Brasil, de junho de 2013, tais como a presença da juventude e o caráter multirracial, transgeracional e a-partidário que as caracterizaram.

Esta edição se encerra com resenhas de duas obras de inequívoca relevância para a compreensão das formas de subjetivação e de mal-estar contemporâneos. No sugestivo título "O sonho foi para o deserto do real", Simone Perelson realiza a resenha do livro O sujeito na contemporaneidade, da autoria de Joel Birman, convidando-nos a acompanhar o trabalho do autor na produção de uma eloquente cartografia do mal-estar na atualidade, revelada pelo denso trabalho analítico que o situa em contraste com a modernidade. Na segunda resenha, intitulada "A travessia da dor", Fernanda Canavêz revela as contribuições do livro A dor psíquica, de Isabel Fortes, para pensar a dor e o sofrimento, a partir do contraste entre a ética da psicanálise e a ética hedonista contemporânea.

Fazendo novamente eco ao propósito do grupo EPOS na análise articulada ou independente entre genealogias, violências e subjetivações, os trabalhos publicados nesta edição convidam a reflexões que nos conduzam a um diagnóstico do presente e nos inspire no enfrentamento e/ou relançamento de seus impasses sociais e subjetivos.            

Editoras executivas 

Cristiane Oliveira; Silvia Alexim Nunes

Boa leitura!

 

 

NOTAS

* Os artigos de Joel Birman, Maurício Stegemann Dieter e Claudia Ciribelli Rodrigues Silva foram apresentados no Seminário Pesquisa em Movimento, realizado no IMS/UERJ em outubro de 2012, organizado pelo Grupo EPOS em parceria com o Instituto Carioca de Criminologia.