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Revista Polis e Psique

versão On-line ISSN 2238-152X

Rev. Polis Psique vol.5 no.3 Porto Alegre dez. 2015

 

ARTIGOS

 

Clínica Psicodinâmica do Trabalho: a construção de um coletivo no real da pesquisa

 

Clinical Psychodynamics of Work: building a collective in real research

Clínica Psicodinámica del Trabajo: la construcción de un colectivo en lo real de la investigación

   

 

Cláudia de Negreiros MagnusI e Álvaro Roberto Crespo MerloII

I Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

II Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil.

 

 


RESUMO

Este artigo descreve o percurso da pesquisa, utilizando a metodologia da Clínica Psicodinâmica do Trabalho segundo Dejours, em todas as suas etapas e fases.  Enfatiza os caminhos utilizados no campo da Justiça do Trabalho da 4ª Região para a formação de um coletivo de magistrados: juízes substitutos, titulares e desembargadores. Aborda as etapas do real da clínica e as estratégias utilizadas para a criação e manutenção de um espaço de discussão nesse coletivo, um dos principais desafios do estudo. Como sustentação da proposta foram utilizados referenciais da Psicodinâmica na perspectiva da Clínica da Cooperação tanto para a compreensão do contexto quanto para a construção da trama das relações estabelecidas entre os participantes e a Instituição estudada. Apesar dos entraves e desembaraços encontrados no processo, a riqueza do estudo esteve no acompanhamento da mobilização do coletivo que vivencia sofrimento criativo, não patogênico, podendo vir a ser potência de transformação no trabalho.

Palavras-chave: Clínica Psicodinâmica do Trabalho; Clínica da Cooperação; Coletivo de Magistrados.


ABSTRACT

This article relates the course of our research project using the Clinical Psychodynamic of Work methodology as developed by Dejours in all its stages and phases. It focuses on the methods used in the field of Labor Law in the 4th Region, the Federal Regional Court in Porto Alegre, RS Brazil, in the training of a collective of judges: junior lower-court judges, lower-court judges and superior-court State or Federal judges. We analyse the formative steps of the clinic and the strategies used to create and maintain a space for discussion within the collective—one of the main challenges of the research. To support our proposition, we make use of references from psychodynamics from the perspective of the Clinic of Cooperation in order to both understand the context and the creation of a web of relations between the participants and the institution under study. Despite the obstacles and issues encountered in the process, the richness of the study was revealed in our monitoring of the collective mobilization through their experience of creative suffering—but not pathogenic—which can come to be seen as the transformational power of work.

Keywords: Clinical Psychodynamics of Work; Clinical Cooperation; Collective of Magistrates.


RESUMEN

En este artículo se describe la trayectoria de la investigación, utilizando a Clínica Psicodinámica del Trabajo según Dejours. Hace hincapié en las formas utilizadas en el ámbito de la justicia laboral de la 4ª Región para la formación de un colectivo de jueces. Aborda las medidas reales de la clínica y las estrategias utilizadas para crear y mantener un espacio de discusión en este colectivo. Como sustentación de la propuesta se utilizó el referencial de la psicodinámica en vista de la clínica de la cooperación con el fin de comprender el contexto y la construcción de la red de relaciones entre los participantes y la institución. A pesar de los obstáculos y los espacios libres que se encuentran en el proceso, la riqueza del estudio fue monitorear la movilización del colectivo que experimenta sufrimiento creativo, no patógeno y que puede convertirse en el poder de la transformación en el trabajo.

Palabras-clave: Clínica Psicodinámica del Trabajo; Clínica de la Cooperación; Colectivos Magistrados.


 

 

O presente artigo decorrente da pesquisa de doutoramento sob o título “Das cinzas ao Processo Judicial Eletrônico: um estudo com o coletivo de magistrados do trabalho da 4ª Região sobre indicativos de saúde”, contextualiza o campo e as especificidades junto ao coletivo desses juízes, e ressalta a dinâmica da ordem do subjetivo e do invisível que, entre eles, ali ocorreram e que revelam a sua forma de organização do trabalho. Há muitos atravessamentos no campo, características já sinalizadas nos estudos de Ribeiro (2005) e Alves (2014), tais como antiguidade, hierarquia, política, poder. Destaca-se ainda o dilema da individualização e da competição, questões impostas pela contemporaneidade no mundo do trabalho e que influenciam o modo de constituição dos seus coletivos.

Conforme estudos de Merlo et al. (2012, 2014), houve aumento da demanda e do volume de trabalho dos servidores, com a  inclusão dos processos virtuais. A partir de 2012, com a adoção da nova plataforma, denominada Processo Judicial Eletrônico (PJE), esta realidade se estendeu, particularmente, aos juízes, ao serem instaladas mais telas nos gabinetes, salas de audiência e de sessões. Com a tecnologia dos PJE, os processos passaram a ser completamente virtuais, trazendo por um lado, maior celeridade à grande demanda social pela judicialização das relações de trabalho, e por outro, aumentando a pressão e a cobrança aos trabalhadores do Tribunal, em geral, e especificamente, aos magistrados, a publicação individual mensal da sua produtividade. Esta nova organização dos processos de trabalho ativou o interesse em analisar as suas implicações na dinâmica das relações coletivas e na saúde dos magistrados.

A Clínica Psicodinâmica do Trabalho

Entende-se por Clínica do Trabalho, a “atividade pela qual o sujeito se afirma na sua relação consigo mesmo, com os outros com quem trabalha e pelo qual colabora para a perpetuação de um gênero coletivo”, conforme  abordagem descrita por Bendassolli e Soboll (2011) . Desta forma, as Clínicas do Trabalho buscam promover o lugar de autonomia, de criação e de negociação do trabalhador, agindo na construção de estratégias mais saudáveis para mediar o seu sofrimento, ressignificando e transformando, assim, em vivências de maior prazer e saúde. As principais abordagens nesta perspectiva são descritas por autores da Sociologia Clínica e Psicossociologia Clínica; da Ergologia; da Clínica da Atividade e a da Psicodinâmica do Trabalho.

Foi esta a abordagem, enquanto método clínico, utilizada na pesquisa com todas as suas etapas. Dejours (1994), na década de 90, preconizou a Clínica do Trabalho e da Ação tornando inseparáveis a teoria e o método em Psicodinâmica, conceituando sua prática como um espaço clínico e social que envolve o sujeito nessa realidade, sendo a organização do trabalho o centro das interpretações intersubjetivas. Assim, a Psicodinâmica do Trabalho identifica a importância da ênfase nos estudos da sublimação, essencial para a construção e para a manutenção da saúde dos trabalhadores, definindo-a como resultado de uma negociação bem sucedida entre desejos inconscientes do sujeito e a realidade do trabalho.

A Psicodinâmica caracteriza-se por ser uma ciência de campo, uma vez que nasce deste e não apenas da teoria, conforme outras ciências. Assim, o método clínico não pode fechar-se em si mesmo, e, por esta razão, tem este viés de experimentação diante das possibilidades que se apresentam em diferentes contextos.  Em relação a este aspecto, Éric Hamraoui, professor do Conservatoire National des Arts et Métiers (CNAM/Paris, entrevista concedida em Nov/2012), expressa sua preocupação de que o método esteja sempre aberto ao diálogo clínico. Converge com esta posição, o entendimento de Foucault (2009) de que não há enunciado que não suponha outros; não há nenhum que não tenha em torno de si um campo de coexistências. No TRT4 há muitas coexistências a serem compreendidas. Foram estas que se pretendeu considerar através da potência desse método clínico.

Clínica da Cooperação

Dejours (2009) refere que a Psicodinâmica do Trabalho pode ser desdobrada em três tipos de clínica, conforme a análise do campo a ser estudado: a da Inclusão, a das Patologias e a da Cooperação. Esta, em particular, foi conceituada pelo autor como aquela voltada a analisar e potencializar a mobilização subjetiva, a construção de regras coletivas de ofício e também, as de convivência de um coletivo que compartilha o mesmo universo de trabalho.

Por mobilização subjetiva, Dejours (1992) compreende o processo caracterizado pelo uso da inteligência operária e pelo espaço público de discussão sobre o trabalho, sendo que a utilização destes recursos pelos trabalhadores irá depender do seu reconhecimento pelos pares e pela hierarquia da instituição. Afirma ainda, que o processo de mobilização subjetiva não é prescrito, depende de uma dinâmica própria do coletivo, sendo vivenciado de forma particular pelo trabalhador. Ele é fundamental no processo de gestão coletiva da organização do trabalho porque evita o uso de estratégias defensivas ou de descompensação.

O conceito de mobilização subjetiva, segundo Ferreira e Mendes (2003), compreende os modos de pensar, sentir e agir individual e coletivo dos trabalhadores. Dejours (1995) considera que esses conceitos sistematizados revelam uma concepção do trabalho vinculada aos processos sublimatórios e a transformação do sofrimento.

No Brasil, Mendes e Araújo (2012) descrevem a utilização da Clínica da Cooperação a partir de alguns dispositivos, entre eles: a demanda, a elaboração e perlaboração1, a construção de laços afetivos, a interpretação, a formação do clínico e a supervisão. Buscam assim dar uma certa “identidade brasileira” no método, integrando não só a ação à clínica, mas, a teoria do sujeito e a teoria do social. Ao mesmo tempo, as autoras preocupam-se em não manualizar a clínica, pois ela é, em si mesma, uma construção inacabada, sempre provisória. Defendem também, que há adaptações em relação ao proposto inicialmente por Dejours, de modo a trazer o afeto para o método, saindo de sua repetição per si, detalhando dispositivos para potencializar a mobilização subjetiva, a cooperação e as regras coletivas que permitam atuar e viver junto no trabalho.

Desta forma, a cooperação implica vínculos sociais maduros ao criar laços sociais afetivos que o resgatem da solidão e do desamparo, exigindo do sujeito adulto renunciar à onipotência e enfrentar a impotência diante das adversidades da organização do trabalho. Assim, a cooperação se apresenta como um dispositivo político de fortalecimento da vulnerabilidade individual diante das restrições do trabalho e de suas perversidades.

Neste sentido, Dejours (2009) afirma que o coletivo de trabalho e a teoria do reconhecimento são essenciais para a compreensão da Clínica da Cooperação, tanto quanto as questões políticas associadas às relações de dominação e de poder implicadas na organização do trabalho. Para que esta cooperação se concretize, o autor destaca que é necessário antes enfrentar alguns desafios da problemática, entre eles: da confiança, das controvérsias, das deliberações, da arbitragem e do consentimento. Estas questões devem ser consideradas também, desafios metodológicos à pesquisa.

Método Real da Pesquisa

Quando da qualificação do projeto de pesquisa para o doutoramento, a intenção, bastante idealizada, era a de problematizar a democratização das relações, a partir de espaços de discussão entre servidores e magistrados. Ao se realizar o percurso de aproximação com o campo, constatou-se impedimentos para operacionalizar tais grupos, misturando os níveis hierárquicos. Isto porque, havia a complexidade das particularidades das diferentes categorias profissionais e ainda, evidenciados níveis críticos de sofrimento patogênico no trabalho, particularmente, entre os servidores da primeira instância, sinalizados em pesquisas (Sindicado dos Trabalhadores do Judiciário Federal no RS, 2012-2013; Merlo et al., 2012, 2014). O quadro de sintomas e de adoecimento crescentes, demandavam ênfase na Clínica das Patologias, e não na preventiva, como se pretendia, através da Clínica da Cooperação.

A proposta era então bastante avançada para o cenário encontrado, uma vez que nem os juízes das duas instâncias tinham esta construção estabelecida entre si. Desta forma, optou-se pela constituição de apenas um grupo de magistrados, criando um espaço de discussão sobre o trabalho que fosse genuíno e acolhedor, reunindo juízes substitutos, titulares e desembargadores, mesclando hierarquias da mesma categoria.

Portanto, a Clínica Psicodinâmica foi sendo construída ao longo dos encontros, com a preocupação de que fosse aberta, atenta aos sinais e movimentos do grupo e da instituição, que possibilitasse a compreensão das forças produzidas pelas novas estratégias de gestão e de tecnologia e que pudesse produzir alguma resistência, favorável à potência de saúde no coletivo dos magistrados. Esse quadro reconhece-se como real da pesquisa.

Metodologia

Houve ao longo dos três anos de campo, sistematicamente, supervisões coletivas no Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da Universidade e conforme o desenrolar dos temas nos grupos, supervisões externas em Clínica do Trabalho, a respeito do andamento das sessões, das intervenções, dos sentimentos, sendo utilizadas as transcrições das falas do coletivo e o Diário de Campo, realizados a cada contato com a instituição.

A metodologia foi aplicada conforme descrita pela Psicodinâmica do Trabalho (Dejours 1992, 2004), em suas diferentes etapas: formação de grupo de pesquisadores, pré-pesquisa (três fases); pesquisa propriamente dita (três fases); tratamento do material da pesquisa e restituição/validação.

Etapa 1 - Formação do Grupo de Pesquisa

Foi considerado Grupo de Pesquisa: a pesquisadora, os membros do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da UFRGS e o grupo de magistrados. Após a aprovação do Comitê de ética em pesquisa da Universidade, foram realizadas entrevistas individuais e coletivas a serem detalhadas a seguir. Salienta-se que na fase das entrevistas individuais não houve maiores obstáculos, no entanto, para a sessões coletivas foram encontradas diversas dificuldades relacionadas à formação do grupo de juízes, dispostos a compartilhar suas percepções, subjetividades - sofrimentos e prazeres.  

Esta é uma etapa fundamental para Dejours (1992, 2004) uma vez que é a partir do coletivo e do espaço de discussão que o autor estrutura o seu conceito de saúde. Afirma ainda (DEJOURS, 1999) que só é possível gerir racionalmente a organização do trabalho, se houver na instituição, um espaço público de discussão estruturado, democrático, de produção da vontade de seus agentes.

Etapa 2 - Pré- Pesquisa

Para relatar o percurso do método clínico da Psicodinâmica, decidiu-se incluir a etapa inicial do campo descrita como pré-pesquisa, que geralmente não recebe muita ênfase nas pesquisas. No estudo realizado, foi muito importante esta etapa por redimensionar a proposta inicial, possibilitar a visão sistêmica da instituição pelo fato da pesquisadora ter transitado por diferentes setores e constatado distintas percepções.

Para registrar toda essa experiência foi adotado um diário de campo, para registro do dos encontros com detalhamento de datas, setores, aspectos desenvolvidos durante as conversas, incluindo, as percepções e afetações da pesquisadora. Esta primeira etapa foi dividida em três fases específicas.

- Pré-Pesquisa Fase 1.  Aconteceu no período de novembro de 2011 a setembro de 2012 através da realização de nove reuniões no total com o setor de Psicologia e Comunicação Social na Escola Judicial, Memorial do TRT4, Gestores e Setor de Informática.  

Esta fase teve início com a indicação do orientador acadêmico ao TRT4 e às psicólogas da instituição. Pelo conhecimento prévio entre esses profissionais, foi então possível agendar a primeira reunião ao final de 2011, em que se estabeleceram as reuniões-visitas e foram delineadas as primeiras imagens e percepções sobre o funcionamento da organização do trabalho no campo e os objetivos iniciais da pesquisa.

A partir da análise da proposta de pesquisa, as profissionais indicaram os primeiros nomes de contato para que se conhecesse a instituição. Essas visitas tanto ao Desembargador Gestor e aos gestores estratégicos, foram acompanhadas por elas. As demais foram realizadas apenas pela pesquisadora.

Este período inicial encontrou um cenário de mudanças e inquietações. Um Processo Judicial Eletrônico (PJE) vinha sendo discutido e desenvolvido como um sistema próprio, gaúcho, voltado às especificidades da 4ª Região no Rio Grande do Sul. Como estas referem-se aos processos jurídicos e não era o foco da pesquisa, não cabe, portanto, maiores detalhamentos. No entanto, é interessante destacar que até aquele momento havia diferentes percepções e opiniões sobre o sistema eletrônico, pois, paradoxalmente, em razão da informatização do sistema, os processos seriam muito agilizados, o que poderia melhorar o prestígio da Justiça do Trabalho junto à sociedade, preocupação constante dos trabalhadores.     Como o referido sistema vinha sendo trabalhado há algum tempo, havia grande acúmulo de conhecimento desta plataforma em relação a melhorias a serem realizadas nos processos de trabalho. Acrescenta-se que, na fala de alguns gestores havia apreensão quanto à possibilidade da diminuição de 30% da força de trabalho, com a extinção de algumas funções de servidores, sem discussão prévia a respeito e, por outro lado, questionavam a perda do conhecimento desenvolvido para o sistema gaúcho em função da implantação de um PJE único, nacional.

- Pré-Pesquisa Fase 2. O período compreendido entre setembro de 2012 a janeiro de 2013 foi utilizado para uma pequena pausa no campo, denominada poro, quando a pesquisadora realizou um estágio doutoral na Université Catholique de Louvain, Bélgica, sob a orientação do professor Thomas Périlleux, fruto do convênio entre os Laboratórios de Psicodinâmica de Brasília / UNB e do Rio Grande do Sul / UFRGS. Representou um período fértil de passagem, que mobilizou deslocamentos e aproximação com outras clínicas do trabalho, abrindo perspectivas.

- Pré-Pesquisa Fase 3. A terceira fase teve início em março de 2013 e se estendeu até agosto de 2014. Para retornar ao campo, após o referido estágio, foi necessário reencontrar o setor de Psicologia do Tribunal que, naquele momento sofria mudanças inesperadas em sua estrutura de funcionamento. Este Setor de Assessoramento ao PJE, já não contava com o apoio institucional, vindo a culminar com sua extinção. A partir dessa nova configuração, foi necessário construir outras redes de acesso aos magistrados com novos setores e atores.

Nesse retorno ao campo, foi possível constatar mais mudanças em relação à tecnologia virtual. Havia, no momento, dois diferentes sistemas voltados aos processos eletrônicos: o próprio do sul, reconhecido como mais próximo das necessidades da 4ª Região e o de Brasília, que acabara de ser adotado nacionalmente com o objetivo de padronizar os processos de trabalho. Os magistrados e servidores estavam trabalhando, simultaneamente, com os dois sistemas até que, gradualmente, passassem ao sistema unificado. Havia muitas dúvidas entre os trabalhadores, uma vez que ninguém sabia como seria a adoção plena do novo PJE unificado, quando da sua implantação completa no TRT4 e nos outros Tribunais do Brasil, frente às especificidades próprias de cada região.

Quanto às relações entre servidores e magistrados foi observado pelos gestores como avanço democrático, o fato de que, com esse sistema unificado, haveria uma possibilidade dos juízes trabalharem menos isolados, contando com uma equipe constituída de profissionais de diversas áreas, muitas delas sem formação em Direito, mas, empoderados e pensantes, concorrendo, assim, para discussões e aprofundamentos das decisões dos processos.

Em entrevistas realizadas com a Coordenadoria de Formação e Aperfeiçoamento da Escola Judicial sobre a organização do trabalho, os profissionais afirmaram que no TRT4, como regra básica, antiguidade é posto. Nesta forma de organização, desembargadores mais antigos têm preferência e ocupam o status máximo. Às vezes são os próprios servidores que reforçam a questão do poder e da segregação, por exemplo, lembrando aos magistrados que o seu lugar é isolado no gabinete, reproduzindo um modelo ortodoxo de funcionamento, que perpassa as gerações de trabalhadores.

A maioria dos servidores entrevistados nesta fase afirmou que, apesar de lento, o processo de democratização evoluiu, visualizada nos espaços institucionais, no caso dos restaurantes e do acesso aos elevadores, que antes segregavam o uso, separando servidores de magistrados e estes entre as instâncias.

Ainda no âmbito das relações, foi verbalizada a preocupação com a falta de solidariedade entre os servidores e magistrados, dificultando, na percepção daqueles profissionais a formação de coletivos de trabalho para atingir algum nível de mobilização para as mudanças. A percepção dos profissionais de saúde do TRT4 corroboraram com esta posição de que os trabalhadores em geral, estariam distantes desses níveis, uma vez que a solidariedade e o respeito às diferenças ocorriam, e ocorrem, de forma precária em todas as instâncias do judiciário.

Para execução desta terceira fase da pré-pesquisa, foram promovidas oito reuniões e dez entrevistas, incluindo o setor de Psicologia, a Diretoria do Fórum; a psicóloga consultora externa na capacitação de juízes ingressantes; com médicos; com dirigente sindical do SINTRAJUFE; com a Coordenadoria de Formação e Aperfeiçoamento da Escola Judicial; com o Setor de Informática; com o Desembargador Coordenador do GT do PJE e com o Setor de Gestão de Pessoas. Também, em caráter complementar, foram assistidas audiências (julgamento de primeira instância), sessões (julgamento em segunda instância), sessões do pleno (para promoção de magistrados) e contatos com advogados de primeira e segunda instâncias.

Etapa 3 - Pesquisa Propriamente Dita

Esta etapa foi realizada em três fases: entrevistas individuais, aplicação de Inventário de Risco Patogênico no Trabalho (IRIS) e sessões de discussão. As Entrevistas e as Sessões  foram gravadas, com a permissão de todos e, ao serem transcritas posteriormente, foram decodificadas, em quatro grandes agrupamentos temáticos:  Organização do Trabalho, Subjetividade, Coletivo e Indicativos de Saúde, conforme as questões trazidas pelos próprios integrantes e relacionados aos objetivos geral e específicos da pesquisa.

Pesquisa Propriamente Dita - Fase 1 - ENTREVISTAS

Foram realizadas nesta fase vinte entrevistas com os magistrados de primeira e segunda instâncias, estruturadas segundo os agrupamentos temáticos: Organização do Trabalho, Subjetividade, Coletivo e Indicativos de Saúde.

As entrevistas com os magistrados, nesta fase, ocorreram a partir da rede relacional dos mesmos, por indicação desencadeadora. Contou-se sempre com a referência de um colega a outro, construindo a corrente de participação. Assim, antes da pesquisadora enviar e-mail a um próximo juiz convidando-o para entrevista, o recém entrevistado escrevia ao colega, sinalizando o mesmo. Foi neste formato de indicações por vínculos entre os magistrados que se efetivou a disponibilidade para receber a pesquisadora em seus gabinetes, com exceção de três.

Pesquisa Propriamente Dita - Fase 2 - IRIS

Imediatamente à entrevista, foi proposto aos participantes responder o Inventário de Riscos de Sofrimento Patogênico no Trabalho (IRIS) em complementação à realização da clínica, objetivando analisar a demanda enquanto dispositivo para a realização da Clinica da Cooperação e também, avaliar a existência de riscos de sofrimento patológico e ou criativo na magistratura do trabalho da 4ª região.

O IRIS foi criado e validado por Mendes (1999-2003), segundo modelo teórico proposto por Dejours (1987), de acordo com a categorização de temas relativos ao sofrimento psíquico no trabalho, presentes repetidamente no discurso dos trabalhadores, estruturados  em três fatores principais: Utilidade, Indignidade e Reconhecimento.

Ressalta-se que no TRT4, o Inventário foi respondido por vinte trabalhadores, dezenove magistrados de primeira e segunda instâncias e uma servidora de segunda instância. Optou-se por não desconsiderar os resultados desta participante, contabilizando-os, no geral, mesmo após a alteração do real da pesquisa, para apenas um grupo de magistrados.

A análise quanti e qualitativa do IRIS articulou os referenciais da Psicodinâmica do Trabalho e considerou que, se não houver risco de sofrimento patogênico, o grupo pode estar vivenciando sofrimento criativo, prazer e/ou utilizando as estratégias de defesa de modo bem-sucedido.

Pesquisa Propriamente dita - Fase 3 - Sessões

Em geral, os entrevistados mostraram-se bastante disponíveis, interessados no tema geral da pesquisa, aos serem convidados para as sessões de discussão, a maioria verbalizou dificuldades em compor um grupo para tal em função de múltiplos fatores, citando por exemplo, o excesso de trabalho, o fato de residirem e/ou trabalharem no interior, de priorizarem o tempo livre com a família, e/ou a falta de desejo.

Pela dificuldade de participação e garantia de quórum mínimo por parte dos juízes e pelo desejo da pesquisadora, de manter o espaço coletivo, decidiu- se por intercalar as etapas das entrevistas individuais e da aplicação do Inventário de Riscos de Sofrimento Patogênico no Trabalho (IRIS) com as sessões grupais até o término da pesquisa. Outra estratégia adotada com a mesma intenção foi estender o campo iniciado em Porto Alegre a Caxias do Sul, ressaltando que não foram dois grupos distintos, mas um único, que se deslocou . Esta estratégia representou um diferencial positivo por este processo de brotamento e seus desdobramentos, decorrente do convite feito por um dos participantes que atuava e residia em Caxias do Sul.

O primeiro encontro com o grupo de magistrados foi destinado às combinações, com especial atenção ao esclarecimento dos objetivos e detalhamento do modo de funcionamento do grupo, e ainda, da periodicidade e do tempo de duração dos encontros, da presença não obrigatória em todos eles, do compromisso com o sigilo das informações e do material produzido pelo grupo e com a produção e devolução dos resultados aos participantes por parte da pesquisadora.

Quanto à periodicidade, projetou-se uma frequência semanal de encontros coletivos, com duração de uma hora e meia cada, variando entre dez a quinze sessões, passível de alterações conforme acerto prévio, sendo realizadas na própria sede da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho, em aproximadamente, quatro meses, em Porto Alegre.

O grupo teve variação de participantes, pois, de acordo com a metodologia utilizada, não há necessidade de manter os mesmos sujeitos, ou o mesmo número, ao longo dos encontros, pois, segundo Dejours (1992), o alvo da pesquisa é a relação do coletivo com o processo de trabalho, portanto as substituições ocasionais não prejudicam o andamento do estudo. Tal condição inclusive facilitou a participação dos magistrados, em função da sistemática e do volume de trabalho na instituição.

Ocorreram dez sessões em Porto Alegre com mais dois encontros em Caxias do Sul, em continuidade, perfazendo o total de doze sessões. O grupo foi tomado como o mesmo ampliado, isto porque alguns magistrados de Caxias do Sul já haviam participado de sessões em Porto Alegre; manteve-se o cuidado ético de não estimular a divisão do grupo mas de entendê-lo a partir da sua própria força fluxo na direção da mobilização subjetiva; sendo utilizado com ambos, os mesmos roteiros, objetivos e metodologia para as sessões coletivas.

Assim, no geral foram realizadas doze Sessões, com quórum de dezessete magistrados, sendo nove substitutos, cinco titulares, uma aposentada e dois desembargadores, perfazendo   dezessete horas e com um número variável entre dois a dez juízes por Sessão, sendo que em Caxias do Sul o quórum foi sempre mais alto.

Na perspectiva da pesquisa clinica houve preocupação de não usar tal estratégia para análise comparativa de funcionamento, mas que servisse de complemento para compreensão única da composição heterogênea do um coletivo de magistrados. Foi considerada a mistura entre as instâncias dos magistrados e cidades para compreensão do fluxo único do coletivo através da mobilização subjetiva.

A seguir, detalha-se estratégias adotadas, refazendo o percurso para realização da estudo em Porto Alegre e Caxias do Sul, dimensionando a imersão no real da pesquisa com os seus entraves e desembaraços ao longo da aproximação com o campo nas diferentes etapas e fases.

- contatos por e-mail e por telefone com a Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (AMATRA), sem retorno;

- conversa com sindicalista para encaminhar a pesquisa no campo, junto ao juiz-presidente da AMATRA. Este indicou o Diretor Cultural que reagiu favoravelmente à proposta, demonstrou bastante interesse no estudo, tendo inclusive sugerido contatar ele próprio alguns juízes de primeira e de segunda instâncias e enviar emails aos que poderiam ter interesse em participar. Após receber a lista feita por ele, foram separados os juízes de primeira e de segunda instâncias em dois grandes blocos e enviados os convites;

- entrevista com desembargador diretor da Escola Judicial (EJ) que também se mostrou receptivo e viabilizou a utilização do espaço de uma sala para as Sessões serem realizadas e considerou a possibilidade dessas horas serem computadas como tempo de capacitação anual dos juízes. Foi feita a utilização desse espaço, no entanto, não houve a possibilidade via UFRGS de certificar a conversão prevista dessas horas;

- as Entrevistas individuais foram agendadas à medida da adesão dos juízes feita através de emails;

- nas Entrevistas, inicialmente eram colocados os objetivos e demais combinações em que os participantes assinavam o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, e ao término, apresentado o IRIS para serem respondidos;

- convites semanais para as Sessões, reforçando o já feito nas Entrevistas, em texto curto, relembrando os objetivos e a justificativa da pesquisa, com data, horário e local remetidos aos magistrados, em blocos de primeira e de segunda instâncias. Com o adiantamento da pesquisa, já na etapa final, tais convites passaram a misturar os blocos de juízes de primeira e da segunda instâncias enquanto desafio de reuni-los;

- as Entrevistas individuais foram intercaladas com as Sessões, na tentativa de aumentar e sustentar o quórum, estratégia utilizada até o final da etapa de campo, em dezembro de 2014;

- os participantes das Sessões foram sendo indicados pelos próprios magistrados, entre juízes de primeira e segunda instâncias, inclusive os aposentados, após sua entrevistas e contatados pela pesquisadora por e-mail e/ou por telefone;

- a pesquisadora assistiu audiências, sessões e sessão do pleno a convite dos magistrados;

- palestra proferida pela pesquisadora durante a Semana Interna de Prevenção de Acidentes do Trabalho (SIPAT) do Tribunal, abordando o tema: Virtualização do Trabalho e Saúde Mental. Neste encontro foi possível apresentar o projeto de pesquisa, bem como fazer convite à participação de outros magistrados presentes, ainda que em reduzido quórum. Havendo interesse apenas de alguns servidores;

- contato prévio com o professor Giovanni Alves quando de sua palestra no Núcleo NEST/UFRGS para um espaço de divulgação e apoio da pesquisa em evento a ser realizado no TRT4. Por ocasião de sua palestra na Escola Judicial sobre o seu livro: O trabalho do juiz, o mesmo abordou a importância desta pesquisa, chamando os assistentes à participação. No entanto, também, era pequeno o quórum de magistrados no evento;

- participação da pesquisadora no Seminário sobre o PJE com o ministro Cláudio Brandão, com permissão prévia dos desembargadores responsáveis pelo evento, para reforçar o convite à adesão pesquisa;

- conversa com a Diretora dos Aposentados da AMATRA e convite direcionado aos aposentados em evento festivo na própria Associação com baixo quórum de aposentados nas sessões, com apenas uma participação;

- convite da juíza de Caxias do Sul, participante de algumas sessões realizadas em Porto Alegre, para a realização de uma sessão naquela cidade, resultando maior adesão dos magistrados;

- a validação ampliada foi realizada em Caxias do Sul uma vez que houve um coletivo disponível, critico, mobilizado para tal. Depois de alguns desencontros de agenda, em função da proximidade das festas de final de ano, do recesso e das férias, foi possível marcar uma data, última possível na agenda do grupo:

- nas duas sessões que ocorreram em Caxias do Sul, houve um clima festivo, favorecido pela proximidade do Natal e pela mesa farta com chá, café, sucos, salgados e tortas, forte expressão da cultura italiana, mas, também, pela possibilidade do próprio encontro entre eles, tudo permeando as relações e provocando uma proximidade da pessoas no grupo;

- nesses encontros (dois), apesar do barulho provocado pelas discussões paralelas em diversos momentos e das risadas constantes, houve uma dinâmica de respeito, solidariedade e reconhecimento ao outro. Também foi constatada uma forte ligação com a cidade, evidenciando uma sensação de pertencimento, uma vez que todos os magistrados eram lotados naquela Vara, residiam na cidade, inclusive com a família em sua maioria, preocupados e envolvidos com seu contexto social..

Etapa 4 - Tratamento do Material

Ao longo de todo o processo de pesquisa, conforme o método clínico em Psicodinâmica do Trabalho, o material foi sendo consolidado e apreendido por todos os envolvidos através de relatos para validação coletiva e junto ao grupo do Laboratório de Pesquisa da Universidade e das supervisões.

A análise dos dados obtidos foi feita de acordo com a Clínica da Cooperação, descrevendo o modo como os magistrados do TRT4 vivem as estratégias de saúde, individual e coletivamente no trabalho, considerando as estratégias coletivas de defesa e as de mobilização subjetiva.

Etapa 5 – Validação / Restituição

A devolução das Sessões foi feita a cada reencontro através de relatórios de pré-validação, e ao final, foi apresentado um relatório completo para a etapa de validação coletiva. Conforme afirma Mendes (2007), o texto para validação/ restituição deve contemplar núcleos de sentido, formados a partir da investigação dos temas psicológicos evidenciados no discurso do grupo, para construir outras estratégias de ressignificação coletiva.

Validação / Restituição Fase 1 - Porto Alegre

Um mês e meio após a última sessão realizada em Porto Alegre foi agendado na Escola Judicial, o encontro de validação final da pesquisa e a análise e discussão do próprio método clínico em Psicodinâmica utilizado. Do coletivo, apenas dois magistrados, comunicaram sua ausência. Com o silêncio dos demais, ficou reforçada a expectativa de não haver quórum suficiente, confirmada posteriormente, e mesmo assim, se decidiu manter o espaço devolutivo, como forma de resistência ao esvaziamento.

Validação / Restituição. Fase 2 - Caxias do Sul

Através do contato com juíza de Caxias do Sul, participante efetiva das sessões, foi proposto a realização da validação ampliada na cidade. Houve insistência uma vez que essa etapa da metodologia é fundamental para o fechamento da pesquisa, em função da devolução da análise da dinâmica vivenciada através de um relatório final elaborado a ser compartilhado e ajustado com o próprio coletivo.

Depois de alguns desencontros de agendas, foi possível acertar uma data disponível. No encontro foi lido e discutido o relatório final com os magistrados que não fizeram nenhum acréscimo ou correção ao que já havia sido pontuado nas pré-validações ocorridas sempre no início de cada Sessão.

Discussão dos Resultados

Houve diversas situações no processo de pesquisa que sinalizaram a necessidade de alteração de rumos, que se entendeu ser próprio da dinâmica do real da pesquisa. No entanto, foi possível viabilizar todas as etapas previstas pelo método clínico através da utilização de diferentes estratégias e acolher os desejos coletivos: trabalhadores, clínicos do trabalho e pesquisadores.

Nas entrevistas individuais, houve participação de todas as categorias de magistrados, talvez pelo fato da maioria delas terem sido realizadas em seus próprios gabinetes de trabalho, facilitando sua agenda. Nesta etapa, em Porto Alegre, o número maior de participantes foi de  desembargadores; da Grande Porto Alegre foram de juízes titulares e em Caxias do Sul a participação foi equilibrada entre juízes titulares e substitutos.

Na aplicação do IRIS, a participação maior foi de juízes substitutos e desembargadores. Ficou evidenciado não haver risco de sofrimento patogênico no trabalho, mas sofrimento criativo. Na realização das sessões ocorridas em Porto Alegre houve maior participação dos juízes substitutos e desembargadores, sem a do juiz titular; em Caxias do Sul, houve participação paritária entre juízes substitutos e titulares.

Em relação à frequência dos magistrados nas sessões, pode-se perceber que o baixo quórum, antes de ter sido um entrave à realização das mesmas, se apresentou como uma questão institucional decorrente de diversos fatores, dentre eles: o excesso de trabalho, a pressão por metas, o individualismo e a pouca ênfase da carreira voltada ao trabalho coletivo.

Analisar esta dinâmica de trabalho implicou a mobilização das inteligências individuais. Nesse sentido, Dejours (2012) sinaliza que cada inteligência traça o seu próprio caminho, mas que um trabalho coletivo só é possível se obtivermos a reunião das inteligências singulares em uma dinâmica coletiva comum.

Desta forma, o risco do trabalho coletivo resulta, conforme o autor, em que esses caminhos singulares não apresentem tendência espontânea de serem harmônicos entre si. Seguir a pulsão coletiva, entendendo as rotas de fuga, permitiu refazer com os magistrados as transversalidades desse caminhar. Reconhece-se a riqueza da pesquisa realizada no acompanhamento da experiência vivenciada com os magistrados da 4ª Região, dos deslocamentos, da mobilização subjetiva e da potência da atividade deôntica, descrita por Dejours (2012) como a constituição dos coletivos como um campo único e vivo.

Apesar do real institucional ser atravessado pela questão hierárquica, quem faz as regras de convivência são as próprias pessoas da instituição, seus grupos. Então, as regras se fazem, desfazem e refazem nem tanto pelo prescrito, normas instituídas, mas, pela alteração da dinâmica das relações entre aqueles que ocupam posições de poder e os não empoderados e pela convivência dos mesmos.

É extremamente importante adotar uma visão voltada ao coletivo, que permitirá a melhoria das relações entre os atores e fundamentalmente, da própria formação dos juízes, com o desenvolvimento de um olhar sistêmico para uma realidade social cada vez mais complexa, em que a prática da convivência facilitará não apenas o trabalho da primeira instância, definido como solitário, mas também, o da segunda, que precisa ser preparado para atuar em colegiado de forma mais estrutural. Ganha-se em celeridade, em saúde e na qualidade e sentido do trabalho desenvolvido.

Estes movimentos precisam ser direcionados a diferentes realidades internas, misturando-se os coletivos de forma a potencializar sua força e pertencimento, coletivos que precisarão aprender a coexistir de forma a praticar o Reconhecimento – hierárquico e dos pares, com a preocupação e o cuidado institucional de que a tecnologia virtual não fragmente e interfira tanto no diálogo entre as pessoas; e, que possam haver encontros, cada vez mais, legitimados pelos próprios trabalhadores, para que aprendam a observar, interpretar e compartilhar com o outro as pistas do dinâmico movimento do coletivo.

A percepção final que se delineia, é que, se há um sofrimento criativo por parte dos magistrados, este é o cerne da potência de transformação da organização do trabalho, desde que aconteça no coletivo. Daí a importância da necessária ênfase na estruturação da carreira nesta perspectiva para saúde no trabalho.

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Data de submissão: 16/10/2015
Data de aceite: 10/12/2015

 

1 Perlaboração Psíquica - termo freudiano utilizado para designar o trabalho interno de travessia na compreensão e aceitação das resistências psíquicas para, através do que foi trazido à consciência, lidar com a dor da lembrança. Freud no texto “Recordar, repetir e elaborar”, de 1914, defende a perlaboração como uma possibilidade de superação da repetição de uma situação traumática e/ou aprendida, sem desconsiderar o seu passado doloroso. É um trabalho árduo e de grandes transformações para o indivíduo.



I Psicóloga do Trabalho na Secretaria Estadual de Saúde. Doutora e Mestre em Psicologia Social e Institucional, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Instituto de Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional. E-mail: cmagnus@psicoonline.com.br

II Médico do Trabalho, docente da Faculdade de Medicina, do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional e Coordenador do Laboratório de Psicodinâmica do Trabalho da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: merlo@ufrgs.br

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