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Revista Polis e Psique
versão On-line ISSN 2238-152X
Rev. Polis Psique vol.8 no.1 Porto Alegre jan./abr. 2018
https://doi.org/10.22456/2238-152X.80426
ARTIGOS
Atenção psicossocial e atenção básica: a vida como ela é no território
Psychosocial care and primary care: life as territory in the field
Atención psicosocial y atención básica: la vida como ella es en el território
Michele de Freitas Faria de VasconcelosI, Liliana da Escóssia MeloII, Maurício Mangueira VianaIII, Dagoberto de Oliveira MachadoIV, João Sampaio MartinsV
I Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil.
II Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil.
III Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil.
IV Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil.
V Universidade Federal de Sergipe (UFS), Aracaju, SE, Brasil.
RESUMO
A partir de discussões desenvolvidas no interior de processos de pesquisa, formação, trabalho e intervenção com políticas públicas no Estado de Sergipe, este artigo tem por objetivo analisar/problematizar/vitalizar conceitos e noções que figuram no campo das práticas de saúde voltadas para o cuidado em álcool e outras drogas: saúde, droga, vulnerabilidade, inclusão/exclusão, redução de danos, cidadania, território. A intenção de analisar e problematizar conceitos tem o intuito, por um lado, de desencaminhar formas naturalizadas de planejar e produzir cuidado em álcool e outras drogas e, por outro, de vitalizar tal campo, na medida em que tais problematizações podem trazer consigo a força de ampliar sentidos e qualificar modos de intervenção, em vez de se traduzirem em práticas, discursivas e não discursivas, de ajuste, desqualificação e homogeneização do social.
Palavras-chave: Políticas Públicas; Saúde Pública; Política Conceitual; Álcool e Outras Drogas.
ABSTRACT
From discussions developed within research, training, practice and intervention processes with public policies in the State of Sergipe, this article aims to analyse, discuss and vitalise various concepts and notions within public health practices related to issues of alcohol and drug care: health, drugs, vulnerability, inclusion/exclusion, harm reduction, citizenship, territory and human rights. The intention behind examining and problematising these concepts is informed, firstly, by a questioning and sidetracking of the prevalent ways of planning and thinking about delivery of alcohol and drug care, and, secondly, to vitalise the field, to the extent that these problematisations can bring out the force of wider meaning and qualification to modes of intervention, rather than directly translating them into discursive and non-discursive practices of adaptation, disenfranchisement and homogenisation of the social.
Keywords: Public Policy; Public Health; Conceptual Policy; Alcohol and Drugs.
RESUMEN
A partir de discusiones desarrolladas en el interior de procesos de investigación, formación, trabajo e intervención con políticas públicas en el Estado de Sergipe, este artículo tiene por objetivo analizar / problematizar / vitalizar conceptos y nociones que figuran en el campo de las prácticas de salud dirigidas al cuidado en alcohol y otras drogas: salud, droga, vulnerabilidad, inclusión / exclusión, reducción de daños, ciudadanía, territorio. La intención de analizar y problematizar conceptos tiene el propósito, por un lado, de desencaminar formas naturalizadas de planificar y producir cuidado en alcohol y otras drogas y, por otro, de vitalizar tal campo, en la medida en que tales problematizaciones pueden traer consigo la fuerza de ampliar sentidos y calificar modos de intervención, en vez de traducirse en prácticas, discursivas y no discursivas, de ajuste, descalificación y homogeneización de lo social.
Palabras-clave: Políticas Públicas; Salud Pública; Política Conceptual; Alcohol y Otras Drogas.
Introdução
Esse ensaio teórico é efeito de percursos de trabalho de um grupo de pesquisadores que, nos últimos anos, realizam atividades no campo das políticas públicas relacionadas com a problemática do uso de álcool e outras drogas (ad), em Sergipe. Dentre os itinerários percorridos, assinalamos: oferta de estágio em psicologia institucional e de apoio institucional na Rede de Atenção Psicossocial de Aracaju-Sergipe (CAPS ad e Projeto de Redução de Danos/PRD); orientações de trabalhos de conclusão de curso de graduação e pós-graduação e desenvolvimento de projetos de extensão¹ e pesquisa²,³.
A partir de discussões desenvolvidas no interior dessa trajetória, a finalidade é analisar/problematizar/vitalizar conceitos e noções que figuram no campo das práticas de saúde pública buscando desencaminhar formas naturalizadas de pensar, planejar e produzir o cuidado em álcool e outras drogas. O uso do gerúndio no título teve o propósito de enfatizar o caráter processual das práticas: trata-se de coisas se tecendo, acontecendo. Por isso mesmo, tantas perguntas enfileiradas e, muitas delas, sem respostas, experimentando uma escrita (não linear e teleológica) que se move entre as coisas...
Problematizando sentidos ‘evidentes’
Paul Veyne (2008), num texto intitulado “Foucault revoluciona a história”, afirma que a intuição metodológica inicial de Foucault é a raridade:
Seguindo esse rastro de foucaultiano, tem-se o entendimento de que não há objetos naturais, não há coisas. As coisas, os objetos, os conceitos não são senão os correlatos de práticas sociais, forjados por essas práticas sociais muito bem datadas. Os objetos são produções sócio históricas, não tendo uma existência em si e por si, uma essência ou uma natureza.
O que se está querendo afirmar nesse artigo é a negação de uma dada natureza do objeto saúde. Mudam-se as práticas, muda-se a fisionomia do objeto saúde, as formas de entendê-la e de experimentá-la, ou seja, não há “a” saúde ao longo dos tempos, com uma origem primeira, que evolua ou se modifique. Há descontinuidades, múltiplas objetivações do objeto saúde/cuidado. Se não há o objeto natural “saúde”, se só existem práticas, inclusive práticas discursivas, por meio das quais esse objeto ganha corpo, podemos problematizar e interferir no que parece óbvio no campo da saúde e, em particular, no campo dos cuidados a pessoas com necessidades relacionadas a usos de álcool e outras drogas (cuidado em ad).
Nas sociedades ocidentais contemporâneas, têm-se veiculado de forma articulada três sentidos para a concepção de saúde: saúde como ausência de doença; saúde como um plus, um superávit de energia; e saúde como completo bem-estar físico, mental e social. No que diz respeito à primeira definição, saúde não seria mais o silêncio dos órgãos, estando colada à ideia de intervenção, a mais precoce possível nos mesmos, a fim de evitar adoecimentos. Aqui, podemos destacar a popularidade e a legitimidade das tecnologias de visualização médica, articulada às exigências por baterias de exames, por intervenções minuciosas em quaisquer alterações, a fim de extirpar a doença de um corpo que precisa seguir saudável. Destaquemos nessa produção de sentido o cruzamento entre os discursos da saúde e o da vida ativa. A saúde no contemporâneo tende, assim, a ser entendida como um plus, um superávit de energia e de vitalidade, metamorfoseada no ideário da aptidão, do fitness, de um corpo que precisa ser modificado, modelado, embelezado até os limites do impossível. Por fim, a concepção de saúde apresentada pela Organização Mundial de Saúde/OMS, como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas ausência de doenças, é uma definição que pode funcionar justamente acoplada a uma atmosfera de busca cotidiana pela saúde perfeita.
As três concepções de saúde supracitadas emergem num momento histórico em que somos subjetivados por uma cultura do risco, do perigo como modo de controle das condutas (Foucault, 1977-1978/2008; Duarte, 2009). A lista de riscos/perigos para a saúde é extensa: colesterol, câncer, cardiopatias, epidemias, vírus como o do HIV, acidentes de trânsito, degradação ambiental, depressões, compulsões, adições. Perigos estão à espreita nos hábitos das pessoas e podem se concretizar se elas forem desleixadas.
Temendo ver esses perigos expostos em sua carne, na contemporaneidade, os indivíduos parecem desejar cada vez mais o controle das funções e eficácias corporais. Para se adiantarem a possíveis males, exposições, descrições e prescrições tendem a ser cada vez mais aceitas. Desse modo, operam-se numerosas mensurações dos males, localizando-os no interior das carnes, no âmbito da fisiologia, da bioquímica, da genética (Ortega, 2008; Soares, 2009). Sob esse registro, os sinais do perigo encontram-se escondidos num corpo que, se escavado, examinado, monitorado - inclusive pelo próprio indivíduo - revela-os. Em seus corpos encontram-se instaladas ameaças ao bem-estar da população, que tendem a ser descritas como resultantes de desregramentos, de excessos, de vícios. Trata-se, então, de apresentar detalhadamente os perigos iminentes que se instalam na falta de exercício, no cigarro, na bebida, nas comidas, nas drogas, perigos que acometerão os corpos que não se conformarem segundo prescrições oferecidas pelo poder médico e pelo mercado, e que são incorporadas por políticas de Estado.
As condutas passam a ser regradas por uma moral corporal que vai acentuar a vida ativa e contrapor-se à moleza, à preguiça e à falta de vigor. Uma moral que se faz jurisdição, por meio de proibições legais acerca de maneiras de usos e comportamentos. Nesse contexto de controle de todos os riscos, as doenças que acometem o corpo são entendidas como fracasso pessoal, reveladoras de desvios e excessos cometidos. As novas figuras de anormalidade e de criminalidade parecem se fixar naqueles indivíduos e grupos que falharam ou que não se assumem como empreendedores de si.
De acordo com Agamben (2002, p. 130), “a democracia moderna nasce propriamente como reivindicação e exposição do ‘corpo’: [...] deverás ter um corpo para mostrar”, mesmo que se trate de um corpo ‘anormal’. Sob a voga de uma dada democracia da representação e do consenso e de uma “cidadania da sujeição” (Carvalho, 2009), parece que, para se obter reconhecimento como sujeito de direitos, é preciso ter um corpo para mostrar, mesmo que se trate de um corpo a ser reabilitado e mesmo que essa reabilitação nunca venha.
Subjetivados por uma teia de práticas discursivas e não-discursivas, alguns usuários de álcool e outras drogas e consumidores de políticas públicas veem no CAPS ad uma possibilidade de reabilitação e resgate da cidadania. Sabemos que muitas práticas nos CAPS reafirmam esse sentido da cidadania da sujeição. Muitos fingem, até para si mesmos, querer voltar a ser ‘homem’, trabalhador, honrado e digno, bom filho, bom marido, bom pai, cidadão. Lá, eles podem cumprir a pena normalizadora da reabilitação de seus corpos. Vale dizer que o enfoque nos ‘homens’ aqui não se dá à toa. Nota-se que, por questões socioculturais, ao contrário da tendência dos homens não procurarem serviços de saúde que são habitados majoritariamente por mulheres usuárias, o CAPS ad é um ambiente ‘de homens’, muito pouco frequentado por mulheres que fazem uso prejudicial de AD 4.
Uma cena5: um usuário, ao longo de um ano, afirmava recorrentemente para uma profissional seu (seu?) desejo de voltar a trabalhar. Juntos, os dois traçaram, como parte do projeto terapêutico, possibilidades para alcançar tal objetivo. Por várias vezes, quando tudo parecia estar arranjado, ele escapava. Depois de passar muitos dias ‘sumido’, de ter sido visto pescando com amigos. Ele conta para a profissional que o negócio dele é fazer de todas as suas tardes uma pescaria no rio. É tudo que quer. A profissional conta, em conversa com colega, que entendeu ali que o desejo dele (dele?) de voltar a trabalhar era dela, como representante da sociedade, como agente de saúde, responsável direta pela correção daquele corpo. Ele apenas mimetizava esse desejo para conseguir com ela se vincular. Naquele dia, naquele dia, sim, eles tinham se vinculado. Esse mesmo usuário, em um evento de uma das semanas da luta antimanicomial, pega o microfone e, com ar de orgulho pergunta: quem aqui não tem vergonha de dizer que é cachaceiro? Na plateia, se erguem mãos e gritos: Eu!!!!.
Mas essas mãos e gritos são constantemente abafados, sufocados dentro e fora do CAPS ad, no cotidiano desses homens, inclusive por eles próprios, pois, tendo seus corpos e suas subjetividades também submetidos à uma lógica negativizante, desenvolvem com a droga e com o CAPS um uso aniquilante e aniquilador. Ressalte-se aqui uma conversa com facilitadores da oficina de música sobre a importância das apresentações do coral do CAPS ad em outros CAPS, serviços de saúde, instâncias sociais e espaços comunitários, no sentido de dar visibilidade ao cuidado oferecido no CAPS ad, bem como aos próprios usuários, na tentativa de desconstruir estigmas e discriminações. Essa oficina era frequentada por muitos usuários, que se apresentavam, muitas vezes, sob efeito de drogas. Entretanto, na ocasião, esses mesmos usuários solicitaram cobrir as latinhas de cerveja com um papel para que não os associassem ao uso de álcool. O que isso indica?
Esse paradoxo de ode e ódio à cachaça é sempre entendido como um problema e como um problema desses/as homens e mulheres, só deles e delas: um problema individual, moral, de malandragem, de vagabundagem, eles é que escolheram cravar em seus corpos essa mácula e esse sofrimento, eles que decidiram por essa vida imunda e devem pagar por isso, eu tenho tantos problemas, minha vida não é fácil e nem por isso eu bebo, fumo, uso drogas. Um problema de justiça, um problema criminal, muitas vezes mesmo em se tratando de drogas lícitas. Ou um problema de saúde pública, reduzindo-se os que fazem uso abusivo de drogas a doentes e, como tais, incapazes de decidir sobre seu próprio corpo e destino. Isso, muitas vezes, incorre na articulação entre doença – tutela – isenção de direitos e nem é preciso recordar que, muitas vezes, sob o nome de cuidado, tutelam-se corpos. Guattari e Rolnik (2000) assinalam que as duas estratégias biopolíticas fundamentais para a tomada de poder sobre as subjetividades são justamente a culpabilização, muitas vezes, camuflada em responsabilização – que no contemporâneo vem recheada do discurso de ‘autoajuda’, do só você pode se ajudar, só depende de você – e infantilização: você não sabe o que faz, então precisa que alguém o diga.
Basta lembrar do cenário nacional no qual se forja, entre os idos de 2010, o mandato de enfrentamento da ‘epidemia do crack’. Houve diversos posicionamentos de profissionais, governantes e sociedade civil a favor de internações compulsórias de usuários de álcool e outras drogas, sobretudo, de crack. Vê-se, assim, atualizado o desejo de segurança traduzido pelo afastamento dessas pessoas do convívio social, reificando-se estigmas em nome de uma pretensa ‘sociedade sem drogas’ e alertando todos os corpos ‘sãos’ do perigo que correm de terem seus corpos tomados de assalto caso os exponham ao uso abusivo de álcool e outras drogas.
Nesse cenário, convoca-se a intervenção dos funcionários do Estado encarnado em práticas de uma saúde policialesca, a qual solicita gentilmente que sujeitos confessem sua (ir)responsabilidade face aos sofrimentos infligidos aos seus corpos desde que se desviaram do caminho da prevenção, expondo-se a riscos, desde que começaram a cometer reiteradamente excessos, ficando à mercê dos perigos dos prazeres do uso de tabaco, álcool e outras drogas.
Ao Estado pede-se a positividade de uma tarefa que promova a saúde, a direção das condutas, a obediência também de segmentos da população que se encontram fora do jogo. É nesse sentido que uma política social pode se converter em polícia e um CAPS ad torna-se um lócus pedagógico, preocupado com a modelagem de corpos desnecessários porque não funcionais em corpos empreendedores, incluídos na vida ativa. O que se aponta com essa argumentação é para os riscos da fabricação de corpos que fazem uso excessivo de álcool e outras drogas, como alcoolistas, como ‘crackeiros’, como perigosos que precisam ser ‘contidos’ para não expor a população a riscos.
A inclusão de corpos não cadastrados nos bancos de crédito no regime de cidadania, entendida como prática governamental visa, então, incluir os excluídos como tal, trazê-los para espaços de participação e de convivência social. Tal modo de inclusão, operado mediante aproximação física entre os corpos ativos e os não regrados, não permite que se prossiga falando em ‘excluídos’ – uma vez que ‘estes’ também compõem os mapas de intervenção estatal, que as ovelhas desgarradas do controle das condutas devem retornar ao rebanho – nem em exclusão de acesso a redes assistenciais (Lopes, 2011).
Em alguns CAPS ad é comum a presença de uma teia discursiva que se desdobra em práticas de controle, vigilância e punição, como a de suspender/responsabilizar/culpabilizar um usuário que foi pego usando drogas dentro do serviço, para que ele, em um sentido de ‘faça você mesmo/a’, de ‘botar de castigo para pensar’, se autopolicie, funcione como perito/a de si mesmo/a. E, nesses tempos da fugacidade do agora ou nunca, pensar, atualizar a vida que foi e a vida que tem sido, a vida que poderia ser, a não vida; pensar é constatar a morte nesses tempos dos corpos perfeitos em busca da imortalidade; pensar é perturbar; e, desse modo, para ordeiros que somos todos/as, pensar é sempre um castigo. Eles saem do CAPS e pensam? Pensar é um tormento, é tormenta, força a bifurcar. Eles querem? Queremos? Por que, em vez de simplesmente ‘ir para casa pensar’, não se pensa com eles sobre o que aconteceu, sobre o que está acontecendo do uso que fazem da droga, do uso que se tem feito do serviço, do uso que se tem feito da vida, profissionais e usuários? Para que o CAPS ad funciona?
Na direção de feitura de homens e mulheres dignos/as, cidadãos/ãs ‘de bem’, no CAPS tende-se a se falar em resgate de laços familiares e sociais, laços esses que muitas vezes foram de sujeição e adoecimento. Por que não se falar de invenção de novas relações, inclusive com os mesmos membros familiares? Por que não considerar as novas relações feitas ‘na rua’, não apenas, não todas e não em todos os momentos, como sugadoras de vida, mas potencializadoras de vida? E como ser homem ‘de verdade’ num tempo de escassez de trabalho? Por que o usuário não pode dormir no serviço de dia, se passou a noite toda na rua, alerta, ‘trabalhando’? Por que não pode vir e não fazer nada? Por que eles não podem vir sob abuso? Por que, quando vêm, são punidos, mesmo que com olhares discretos? Por que os trabalhadores sentem-se culpados quando isso acontece?
A intenção de problematizar termos tão importantes quando se fala de um novo modelo de cuidado em ad como saúde, cidadania, direitos (humanos) é a de que esses termos tragam consigo a força de ampliar sentidos e qualificar modos de intervenção ao invés de se traduzirem em práticas, inclusive discursivas, de ajuste social e homogeneização do social. Que eles tragam consigo a possibilidade de exercitar novas formas de construção e exercício político, de democracia, de produção de saúde, de vida em sociedade. Nessa direção, espreitamos por um exercício de direitos, por meio do qual em vez de uma ‘cidadania da sujeição’, a qual requer (auto)policiamento das condutas, que organiza os corpos colando-os a um rosto homogêneo e transcendental de homem e humanidade, ensaie-se uma cidadania que brota não de identidades soberanas, mas imanente a processos singulares, num movimento associado a práticas cotidianas (Carvalho, 2009; Coimbra, 2001).
Nesse movimento, por que não utilizar os serviços de cuidado em ad como territórios de experimentação ao invés de formatação? Por que não pensar coletivamente projetos que não sejam o de retomar uma vida anterior ‘produtiva’ interrompida, mas o de inventar vidas, de abrir os corpos para habitação de outros lugares menos sufocantes, ainda por vir? Por que não pensar saúde como ampliação da vida bem ali onde o empreendimento pode ser mortífero (Lancetti, 2006)? Essas são perguntas que alguns se fazem. Muito em nós é captura, mas algo em nós pulsa e pede por novos territórios existenciais e de cuidado...
Interseções entre Territórios de Vulnerabilidade Social e uso Problemático de Drogas
Nas discussões sobre o que se costuma denominar de uso problemático de drogas, a noção de risco/vulnerabilidade é muitas vezes centrada em uma perspectiva individualizante que subsume a Redução de Danos a uma estratégia de saúde para prevenir ou reduzir consequências negativas associadas a certos comportamentos individuais que tornariam a pessoa vulnerável inserindo-a em grupos de risco. Afastando-nos desta perspectiva, definimos a RD como um outro modo de pensar usos/usuários de drogas, baseada num olhar singular pautado na articulação entre sujeito-droga-usuário, o que exige uma redefinição do conceito de vulnerabilidade.
Meyer, Mello, Valadão e Ayres (2006) consideraram a multiplicidade de dimensões complexas (biológica, psicológica, social, cultural etc.) que envolvem o processo saúde-doença-cuidado e, assim, vão de encontro a abordagens reducionistas e centradas no indivíduo. Dessa forma, trabalham com o conceito de vulnerabilidade a partir de articulação entre três componentes (o individual, o social e o programático/institucional). A partir da chave de leitura desses autores, os comportamentos associados à maior vulnerabilidade não são entendidos nem abordados como simplesmente decorrentes da ação voluntária das pessoas. Em vez disso, entende-se que estão relacionados com “ao efetivo poder que podem exercer para transformá-los” (Meyer & cols., 2006, p. 1340), às condições contextuais e objetivas do ambiente bem como às condições culturais e sociais em que tais comportamentos ocorrem, “condições estas diretamente associadas ao acesso a recursos materiais, a instituições sociais como escola e serviços de saúde, ao poder de influenciar decisões políticas, à possibilidade de enfrentar barreiras culturais e de estar livre de coerções violentas” (Meyer & cols., 2006, p. 1340).
No campo das políticas públicas e, em particular, das ações em álcool e outras drogas (de planejamento, monitoramento, execução e avaliação), um quadro conceitual sobre vulnerabilidade que considere os três componentes articulados entre si (sujeito, contexto social e contexto institucional) abre espaço para análises e intervenções multidimensionais, que consideram que as pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas não são, em si, vulneráveis, mas podem estar vulneráveis a agravos associados a tal uso, sob determinadas condições, em diferentes momentos de suas vidas.
Seguindo, por sua vez, os assinalamentos de Abramovay e Castro (2002), a vulnerabilidade social pode ser pensada como o resultado negativo da relação entre a disponibilidade dos recursos materiais, simbólicos ou orgânicos dos indivíduos ou grupos e o acesso a oportunidades sociais, econômicas, culturais e de cobertura institucional que provêm do mercado, do Estado e da sociedade. Assim, pode-se considerar a chance de exposição de uma pessoa que faz uso de álcool e outras drogas a agravos associados a tal uso como resultante de um conjunto de aspectos não apenas individuais, mas também coletivos e contextuais, os quais estão implicados com a maior ou menor disponibilidade de recursos de proteção. Assim, na medida em que se quer mensurar fatores de vulnerabilidade para o uso problemático de ad, cabe perguntar: quais os elementos para avaliar concretamente as maiores ou menores chances de exposição das pessoas a agravos associados ao uso de ad? Quais as maiores chances (contextuais) para que alguém se torne vulnerável a tal uso?
Schenker e Minayo (2005) assinalam alguns fatores de risco (os quais preferimos chamar nas nossas pesquisas de fatores de vulnerabilidade) relacionados ao uso de álcool e outras drogas, categorizando-os em seis domínios da vida (o individual, o familiar, o midiático, o escolar, os amigos e a comunidade de convivência) relacionados entre si, sendo que cada pesquisa na área enfatiza determinadas variáveis. Exemplos dessas variáveis são: sexo, idade, nível socioeconômico, desempenho escolar, trabalho, uso de drogas na família, entre outros.
A partir de tais apontamentos conceituais, pode-se pensar a condição/situação de vulnerabilidade de indivíduos e grupos como resultante da dinâmica relação entre componentes individuais, sociais e programáticos/institucionais, o que provoca novas reflexões sobre a prevenção ao uso problemático de ad. De início, tal assertiva leva a duvidar da naturalização da ideia de que a situação de vulnerabilidade é (necessariamente) causada pelo uso de drogas; de que é o uso de drogas (e não a relação que os sujeitos estabelecem com as mesmas em determinados contextos, sob determinadas condições) que produz situações de vulnerabilidade. Isto é, tal arcabouço político-conceitual abre espaço para a problematização da relação direta estabelecida entre uso de drogas e vulnerabilidade social. Cabe destacar aqui o modo como uma das nossas atividades de pesquisa, realizada por meio de um contrato de consultoria, foi descrita no Termo de Referência do contrato:
ATIVIDADE 1: Checar a disponibilidade de informações dos bancos de dados oficiais, especialmente os constantes nas secretarias de Estado de Sergipe ou em outros órgãos municipais e da União, considerando território, proporção de pessoas em situação de vulnerabilidade social pelo uso de álcool e outras drogas e a disponibilidade das informações.
Ou seja, o que se quer é problematizar a premissa de que vulnerabilidade social é decorrência direta do uso (qualquer que seja ele) de álcool e outras drogas. Ao invés de trabalhar com essa relação dual e simplista uso de drogas-vulnerabilidade social, pensa-se que pessoas que vivem contextos e situações precárias e problemáticas de vida, ou seja, pessoas que estão, sob determinadas condições, em situação de vulnerabilidade social estão mais expostas a práticas de uso problemático de álcool e outras drogas. Ou ainda, pessoas que fazem uso de álcool e outras drogas podem estar mais sujeitas a vivenciar uso problemático e se envolver em situações de vulnerabilidade social.
Em outros termos, ao longo desta pesquisa, almejou-se trabalhar com a ideia de que existe uma complexa associação entre vulnerabilidade social e uso de álcool e outras drogas; de circularidade entre vulnerabilidade social (situação/contexto/território de vida problemático) e uso problemático de álcool e outras drogas. Pensou-se vulnerabilidade social não como decorrente diretamente, mas associada a determinadas situações de usos de AD. Ou seja, entende-se que contextos/territórios de vida problemáticos podem/tendem a produzir e/ou intensificar um certo tipo de relação problemática com as drogas, assim como um certo tipo de relação problemática com as drogas pode produzir contextos de vulnerabilidade social. Esse entendimento desdobrou-se em perguntas norteadoras para a elaboração dos instrumentos de coleta de dados: Um usuário de álcool e outras drogas está sempre em situação de vulnerabilidade social? O uso de ad (em determinadas situações/condições/contextos) produz, aumenta, contribui com a vulnerabilidade social? Quando é que o usuário ad está em (exposto a) situações de vulnerabilidade social? Que condições/situações de vulnerabilidade social contribuem para a produção de uma relação problemática com a droga? A vulnerabilidade na população usuária de ad se traduz de que formas?
Vale salientar que as alterações fisiológicas e de comportamento que as drogas produzem bem como a qualidade e intensidade dessas mudanças dependem de inúmeros fatores entrecruzados: a quantidade, a qualidade (química) e o tipo de droga utilizada, as características individuais, o território (geográfico, subjetivo, social e simbólico) daquele que a utiliza, as condições e circunstâncias em que é consumida. Nesse sentido, as alterações produzidas relacionam-se com a substância em si, mas também com aspectos circundantes. No caso da nossa sociedade, alguns desses aspectos são: legalidade-ilegalidade, realidades socioeconômicas, modos de produção, mercado, tráfico, banalização e estigmatização do uso, naturalização do discurso proibicionista, novos discursos emergentes que colocam em questão tal naturalização, problemas sociais atribuídos às drogas, determinadas imagens de usuários veiculadas, sobretudo, pela mídia, associando-os diretamente à degradação e violência etc.
Ainda na direção de apontar a complexidade que envolve a análise de usos/usuários de ad, Espinheira (2004) posiciona-se de encontro à ideia de homogeneização dos usuários de drogas, como se todos “pertencessem a uma mesma categoria social e devessem ser vistos a partir de um mesmo enfoque” (Espinheira, 2004, p. 11). O autor assinala que o que os usuários de ad têm em comum é o evidente: o uso de drogas. Entretanto, “as formas de uso e os seus significados diferem de indivíduo para indivíduo, assim como de grupo para grupo dentro de uma determinada cultura” (Espinheira, 2004, p. 11), sendo mais distintos ainda quando consideradas culturas e contextos sociais diferentes. Ou seja, o que distingue os usuários de drogas não é apenas os tipos de drogas e as formas de uso, pois há uma “heterogeneidade social e cultural dos usuários [...] e isso tem uma relação direta com a forma de atenção dada a eles” (Espinheira, 2004, p. 11). Um exemplo ‘simples’ desse processo se refere à qualidade do ‘mesmo’ tipo de droga utilizado por usuários diferenciados por renda e classe social: as drogas não têm a mesma qualidade e efeito para pessoas socialmente diferentes! A qualidade e composição química dos mesmos produtos (álcool, canabis, cocaína, crack etc.) se diferencia a depender dos espaços em que circulam e da clientela ali assistida.
A partir de tais considerações, torna-se evidente que nossas pesquisas coadunam com um entendimento biopsicossocial (Bucher, 1988, 1992) na análise de usos/usuários de ad, na medida em que o uso envolve pelo menos três dimensões relacionais: a droga, o sujeito e os contextos. Em outros termos, pode-se afirmar que o uso que se costuma caracterizar como ‘problemático’ de drogas (o que se costuma denominar de dependência) resulta da relação que o sujeito estabelece com uma determinada substância psicoativa em certas condições de vida, em um dado contexto socioeconômico e cultural específico.
Para seguir a discussão, destacamos ainda a necessidade de se repensar o conceito de território sobre o qual se assenta o SUS. As unidades de saúde funcionam regidas por uma certa lógica territorial que precisa ser problematizada. Se, por exemplo, levamos em conta a questão da adstrição, parece ser imperativo ter endereço fixo e carteira de identidade para ter atendimento no SUS. Em outras palavras, o modelo de saúde brasileiro pauta-se em uma noção de território que deixa escapar certos segmentos populacionais (populações indígenas, populações de rua, caminhoneiros), o que indica a necessidade de pensar em outras concepções de território.
Há uma diversidade de experiências de pessoas que vivem na cidade, múltiplas formas de pensar-habitar-viver a(s) rua(s), o que passa por entender que cidades e ruas estamos habitando e construindo, como também pela discussão do conceito de cidade, de rua, de território, de casa. Retornar para a família e para o lar? Resgate de laços e condições anteriores como produção de saúde e cidadania? Como, quando o lar, a família, os sentidos e projetos de vida, os desejos, o território subjetivo da pessoa já se fazem outros?
O princípio da territorialidade é fundamental para a organização das ações de políticas públicas, pois, com ele, pode-se caracterizar a população e seus problemas, analisar as variáveis envolvidas e também proporcionar a responsabilização de políticas e serviços pela população adstrita (Monken e cols., 2008). A noção de território foi muito importante na estruturação do SUS. Todavia, há a necessidade de fazer avançar esse conceito, problematizando a rigidez e engessamentos com que tem sido utilizado. Se a dinâmica societária é mais ampla que os conceitos, precisamos atualizá-los, apontando para a ideia de territórios moventes.
Acompanhando as indicações de Monken e colaboradores (2008), entende-se que o território em que o usuário de ad habita compreende uma série de espaços articulados, por meio dos quais se apreende que um território não é algo estático, determinado e fechado, é sim processual, em movimento e aberto: 1) O espaço geográfico que compreende a localização física com especificações de natureza e ação humana; 2) O espaço subjetivo-vivido. Vale dizer que o estreitamento do território subjetivo/da geografia subjetiva parece ser o maior dano a que estão submetidos alguns usuários que fazem uso problemático de ad: “a subjetividade parece sufocar pelo movimento reiterado restrito ao elo sujeito/droga” (Tedesco & Souza, 2009, p. 149); 3) O espaço cultural-simbólico, permeado de valores e significados, com atenção especial para o espaço cultural-simbólico midiático; 4) O espaço institucional que compreende a rede de serviços públicos e privados à qual a pessoa tem ou não acesso; 5) O espaço de relações sociais, comunitárias, institucionais e familiares. Nele, podem se conformar “territórios afetivos” ou “territórios em-comum” fundamentais na vida das pessoas. O estabelecimento desses territórios pode ser fator de proteção a situações de vulnerabilidade. No que se refere a usuários que fazem uso problemático de ad, a criação/ampliação de territórios em-comum (familiar, institucional, comunitário e/ou de amizade) é meta crucial do projeto terapêutico; 6) O espaço das relações econômicas, que envolve renda, possibilidades de trabalho e consumo, de acesso a bens e serviços; e 7) O espaço de exercício político de cidadania. Assim, quando se almeja mensurar zonas de vulnerabilidade a que estão expostos usuários que fazem uso problemático de ad, é importante levar em consideração essa diversidade de espaços articulados, de giros, de mundos que restringem e/ou ampliam a potência da vida.
Dessa forma, por meio da ideia de “zonas de vulnerabilidade” (Brasil, 2007) e do conceito de território acima mencionado, formulamos a ideia de territórios de vulnerabilidade, resultantes da dinâmica relacional entre componentes geográficos, individuais (orgânicos, fisiológicos), contextuais, familiares, afetivos, institucionais, culturais, sociais e de exercício político. Partindo-se dos distintos espaços (e seus elementos constituintes) que configuram o território de habitação de usuários que fazem uso problemático de ad, pode-se analisar territórios de vulnerabilidade, identificando territórios (espaços geográficos, simbólico/culturais, sociais, institucionais e subjetivos) que requerem ações programáticas mais urgentes.
O que se quis, então, com algumas de nossas pesquisas, foi desenvolver análises/intervenções em territórios de vulnerabilidade social associados ao uso problemático de ad, como forma de auxiliar políticas públicas. Ou seja, mapear as (des)conexões e (des)territorializações realizadas pelos usuários que fazem uso problemático de ad: consigo mesmos, com a família, os amigos, a escola e outros ambientes formativos não formais, o trabalho, os serviços e profissionais de saúde, assistência social e de segurança pública, com a cidade.
“Por que vocês nos chamam de usuário, indicam onde a gente mora ou nos pedem por identificação [referindo-se à documentação]?” Essa pergunta feita no CAPS AD de Aracaju funcionou como desencadeadora de problematizações na dissertação de mestrado de Martins (2015) em torno do uso do termo usuário (do SUS) para usuários de ad que utilizam serviços de saúde pública, na medida em que, a esse termo, comumente utilizado nesse campo, recaem estigmas no caso de usuários do SUS e de ad. Assim como parece ser importante pensar a utilização do termo ‘usuário’ dado o estigma a ele articulado, parece também ser pensar a noção de território de adstrição: ao utilizar o serviço, o usuário de ad é identificado em seu bairro. Isso para não falar dos usuários que não podem se cadastrar (e às vezes, dada essa impossibilidade, não podem utilizar os serviços de saúde) porque não têm residência fixa, como, por exemplo, moradores de rua ou aqueles que, por alguma questão, muitas vezes judicial, não querem (re)fazer documentações. Ou seja, é preciso pensar a sutileza da questão territorialização/identificação/uso de serviços do SUS/estigma no caso de pessoas que fazem uso de ad e querem exercer o direito à saúde de todos e de cada um, desterritorializando práticas, modelos e conceitos.
Considerações finais
Um conceito não é definição de uma essência, nem descrição de algo já dado, pré-existente. Ao contrário, mais que uma palavra, é formulação de uma ideia por meio de palavras. Definição, síntese, pensamento, carregando em seu interior um modo de produzir mundos e práticas. Nesse sentido, conceituar é produzir realidades, sujeitos e objetos, com suas (des)valorações.
Nesse texto, analisamos e problematizamos conceitos como saúde, cuidado, droga, território, uso/usuários, vulnerabilidade, cidadania, direitos humanos, com o objetivo de vitalizar uma rede conceitual que atravessa o campo das políticas públicas sobre álcool e outras drogas. Montamos uma espécie de anti-dispositivo, para fazer (des)ver e (des)dizer, para (des)aprender toda uma história de fazeres e saberes em ad.
Para ampliar as análises sobre usos/usuários de AD parece fundamental ter como norte a relação sujeito-droga-contexto. Assim, não se pode perder de vista o ‘fato’ de que a droga é um objeto com significados diversos, atrelados a um dado tempo histórico e contexto sociocultural. Ao compreender o seu uso focando-se apenas no indivíduo-usuário deixa-se de perceber as relações de poder que estão em jogo, bem como as demais forças afetivas, familiares, institucionais, culturais, sociais e políticas que configuram um dado território. Trabalha-se apenas com as ‘consequências’, demonizando-se a droga como causa de todos os males, mantendo-se estigmas e segregações, penalizam-se usuários restringindo as políticas públicas a um assistencialismo pedagogo-policialesco.
Apontamos limites de análises, intervenções e conceitos tecidos por uma cultura proibicionista, assistencialista e de tendência curativista – a qual os usuários e as pessoas que desenvolvem o cuidado em ad tendem a corroborar – que pensa a droga e seus usuários como algo a ser extirpado e erradicado, com vistas a uma sociedade sadia e ativa. Paradoxalmente, vivemos no interior de uma sociedade em que vigoram, por um lado, uma cultura do entorpecimento e um mercado ativo e próspero de drogas. Por outro, discursos, conceitos e ações pautados na ideia da erradicação de certos usos e certos usuários, considerados humanos não funcionais, uma vez que falharam no empreendedorismo de si. Corpos criminosos, corpos doentes, corpos cidadãos.
Tudo indica, nesses nossos tempos, quando se trata de políticas públicas voltadas a usuários de AD, que o objetivo tende a ser sempre o mesmo: organizar, classificar, dissecar corpos, endereçá-los, sujeitá-los por meio de práticas de inclusão-excludente que se utilizam de uma rede conceitual e terminológica naturalizada e veiculada como constituindo uma ‘nova’ maneira de cuidar. Mas não se pode esquecer que a sociedade continua sendo produzida e que se fazem necessárias lutas no plano das políticas, incluindo disputas na política dos conceitos.
Agradecimentos
Agradecemos a parceria com as Secretaria Estadual de Saúde de Sergipe, Secretaria Municipal de Saúde de Aracaju e a Secretaria de Estado da Inclusão, Desenvolvimento e Assistência Social e a possibilidade de encontro com estudantes, gestores, trabalhadores e usuários, problematizando práticas de formação, pesquisa e cuidado em saúde.
Referências
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Data de submissão: 04/06/2017
Data de aceite: 21/10/2017
1 Projeto PET-Saúde Mental intitulado: Cuidado na rua a pessoas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas - o desafio de articulação de redes. Desenvolvido no âmbito das ações de formação ensino-serviço do Pró-Saúde/UFS/2012-2014, com equipe de dois tutores, seis preceptores e doze alunos.
2 Pesquisa-intervenção O cuidado a usuários com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas que vivem em situação de rua: o desafio de articulação de redes no município de Aracaju. Essa pesquisa foi um desdobramento das ações do Pet-Saúde Mental mencionado acima, contou com a mesma equipe, acrescida de uma consultora para o desenvolvimento do projeto de pesquisa, desenvolvida ao longo de 2014.
3 Pesquisa Vulnerabilidade Social e Usos de Drogas: levantamento institucional sobre perfil socioeconômico de usuários de álcool e outras drogas nas regiões sergipanas, através de consultoria junto à Secretaria de Estado da Inclusão, Desenvolvimento e Assistência Social (SEIDES) de Sergipe em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Desenvolvida entre janeiro de 2014 e janeiro de 2015.
4 Mais discussões a respeito da generificação do cuidado em ad, ver: Vasconcelos (2013).
5 Extraída de Vasconcelos (2013).
I Michele de Freitas Faria de Vasconcelos: Professora do Departamento de Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e membro permanente o Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFS. Mestrado em Saúde Coletiva (ISC/UFBA) e doutorado em Educação (UFRGS). E-mail: michelevasconcelos@hotmail.com
II Liliana da Escóssia Melo : Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pesquisadora coordenadora do grupo de pesquisa Produção de subjetividade, saúde e autonomia individual e coletiva, da UFS. Doutorado em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutorado Sanduiche pelo Centre de Recherche en Epistemologie Apliqué - Ecole Polytechnique de Paris. Mestrado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1997). Pós-doutorado na Universidade Federal Fluminense (UFF). E-mail: lilianaescossia@gmail.com
III Maurício Mangueira Viana : Professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pesquisador coordenador do grupo de pesquisa Produção de subjetividade, saúde e autonomia individual e coletiva, da UFS. Graduação em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestrado em Psicologia Social pela UFRJ e doutorado em Psicologia (Psicologia Clínica, Núcleo Produção de Subjetividade) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: mauricioviana855@gmail.com
IV Dagoberto de Oliveira Machado : Professor do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduação em Educação Física (UFRGS) e mestrado em Educação (UFRGS). E-mail: dagoesef@gmail.com
V João Sampaio Martins : Pesquisador vinculado ao grupo de pesquisa Produção de subjetividade, saúde e autonomia individual e coletiva, da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Graduação em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialização em "Psicoativos: seus usos e usuários" pela UFBA e mestrado em Psicologia Social pela UFS. Atualmente atua como psicólogo clínico e está na função de Coordenador de Território do Projeto REDES/Fiocruz no município de Aracaju. E-mail: smjoao81@gmail.com