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Desidades
versão On-line ISSN 2318-9282
Desidades no.20 Rio de Janeiro jul./set. 2018
TEMAS EM DESTAQUE
Biblioteca 21 de abril: experiências coletivas junto a crianças e jovens do sertão cearense, Brasil
Biblioteca 21 de Abril: experiencias colectivas junto a niños y jóvenes del sertón cearense, Brasil
Raimundo Augusto Martins TorresI, Leidy Dayane Paiva de AbreuII, Aretha Feitosa de AraújoIII, Maria Rocineide Ferreira da SilvaIV
I Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Universidade Estadual do Ceará (PPCLIS/UECE), Fortaleza/CE, Brasil.
II Programa de Pós-graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Universidade Estadual do Ceará (PPCLIS/UECE), Fortaleza/CE, Brasil.
III Programa de Pós-graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Universidade Estadual do Ceará (PPCLIS/UECE), Fortaleza/CE, Brasil.
IV Programa de Pós-graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde, Universidade Estadual do Ceará (PPCLIS/UECE), Fortaleza/CE, Brasil.
RESUMO
A experiência tem como objetivo descrever as práticas coletivas, culturais e de leitura junto a crianças da Associação dos Jovens do Irajá – AJIR/Biblioteca 21 de Abril, distrito de Hidrolândia/CE, com base nos Círculos de Cultura de Paulo Freire. O projeto de extensão tem o acompanhamento pedagógico de pesquisadores, enfermeiros(as) mestres e doutor da Universidade Estadual do Ceará, representantes da AJIR, e duas monitoras, estudantes de pedagogia da comunidade irajaense, junto às crianças que participam da Biblioteca 21 de Abril. Esses sujeitos apresentaram suas redações e desenhos acerca de suas leituras e histórias de vida. Posteriormente, foram realizadas expressões artísticas e culturais como dança, teatro, cordel, poesia, música etc. Logo, a experiência favoreceu, incentivou e estimulou a utilização e a expressão de diferentes formas de linguagem, leitura e representação da realidade, por meio de uma prática de leitura emancipatória, com estabelecimento de vínculos e troca de saberes.
Palavras-chave: cultura popular, crianças, leitura, arte, círculos de cultura.
RESUMEN
La experiencia tiene como objetivo describir las prácticas colectivas, culturales y de lectura junto a los niños de la Asociación de Jóvenes de Irajá – AJIR/Biblioteca 21 de Abril, distrito de Hidrolândia/CE, con base en los Círculos de la Cultura de Paulo Freire. El proyecto de extensión cuenta con el acompañamiento pedagógico de investigadores, enfermeros(as), maestros y un doctor de la Universidade Estadual do Ceará, representantes de la AJIR, y dos monitoras, estudiantes de pedagogía de la comunidad irajaense, junto a los niños que hacen uso de la Biblioteca 21 de Abril. Esas personas presentaron sus redacciones y diseños, encima de sus lecturas e historias de vida. Posteriormente fueron realizadas expresiones artísticas y culturales como danza, teatro, poesía, música, entre otros. Luego, la experiencia favoreció, incentivó y estimuló la utilización y la expresión de diferentes tipos de lenguaje, lectura y representación de realidad, por medio de una práctica de lectura emancipatoria, con establecimiento de vínculos e intercambio de conocimientos.
Palabras-clave: cultura popular, niños, lectura, arte, círculos de cultura.
Introdução
Um país se faz com homens e livros.”
Monteiro Lobato
A educação do campo envolve uma multiplicidade de identidades, culturas e crenças, uma vez que seu significado está ligado à terra, ao trabalho, às relações instituídas entre si, às dinâmicas estabelecidas com a cultura letrada.
O campo é mais que um perímetro não urbano. É um campo de possibilidades que dinamizam a ligação dos seres humanos com a própria produção das condições da existência social e com as realizações da sociedade humana (Brasil, 2001).
A dinâmica social contemporânea intensificou e ampliou a circulação da cultura escrita no meio urbano e em meio à população do campo, locais onde a relação com a escrita ocorre em diversos níveis e a leitura passa por múltiplas formas, como nos espaços das bibliotecas (Manke, 2013).
A biblioteca é um ambiente de socialização, interações, mediações e espaço democrático de convivência. Assim, as bibliotecas comunitárias têm o papel da inovação social no contexto comunicacional e informacional como recurso extensivo às ações de cidadania e de transformação de realidades locais (Cavalcante; Feitosa, 2011).
Nos últimos anos, muitas são as iniciativas populares de criação de bibliotecas comunitárias no Brasil. Empiricamente, ações individuais e coletivas vão se constituindo, visando ao enfrentamento das dificuldades surgidas no cotidiano pela falta de acesso à informação e à leitura. De certa forma, é no compartilhamento dessas dificuldades enfrentadas que moradores de comunidades, carentes de políticas informacionais e do papel do Estado, unem-se para potencializar recursos, cultura, talentos, criatividade e força política para o empoderamento comunitário.
A experiência tem como objetivo descrever as práticas coletivas, culturais e de leitura junto a crianças da Associação dos Jovens do Irajá – AJIR/Biblioteca 21 de Abril, distrito de Hidrolândia/CE, com base nos Círculos de Cultura de Paulo Freire.
Os Círculos de Cultura promovem a horizontalidade na relação educador-educando e a valorização da oralidade e das culturas locais, podendo ser didaticamente estruturados em momentos, como: a investigação do universo vocabular, do qual são extraídas palavras geradoras; a tematização e a problematização (Freire, 2003).
A escolha pelo Círculo de Cultura visa a ensejar uma vivência participativa das crianças e jovens da AJIR/Biblioteca 21 de Abril, com ênfase no diálogo, reflexão sobre a realidade em que se vive e com o entrelaçamento das linguagens, evidenciando as problemáticas a serem discutidas pelo grupo, instigando o debate e constituindo uma rede de significados. O Círculo de Cultura é um campo profícuo para a reflexão-ação na elaboração coletiva de uma proposta sistematizada para uma educação em saúde emancipatória (Brandão, 2011).
Essa experiência está de acordo com a Resolução nº 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde (Brasil, 2012). O projeto foi apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa na Universidade Estadual do Ceará – UECE. É um projeto guarda-chuva, isto é, faz parte de um projeto maior de extensão e pesquisa intitulado “Uso da web-rádio na formação e no cuidado em saúde: experimentando estratégias de comunicação e educação em saúde com as juventudes”, com o seguinte CAAE: 58455116.50000.5534. A abordagem aos participantes se deu da seguinte forma: foram feitas as devidas apresentações entre pesquisador e pesquisado, esclarecendo os objetivos e propósitos da investigação.
Por se tratar de participação de menores de idade, o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido – TALE foi explicado aos participantes do estudo. Tendo tomado conhecimento, eles foram indagados sobre a possibilidade de participarem no estudo e sobre a liberação de fotos e falas. Antecedeu essa etapa a explicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE aos pais das crianças ou outro responsável legal. Mediante a resposta positiva dos responsáveis e dos jovens, iniciamos as atividades.
O desenrolar da experiência é descrito em dois tópicos: o caminhar da experiência – como tudo começou: de Irajá para o mundo; e tecendo experiências coletivas de leitura e cultura junto às crianças da Biblioteca 21 de Abril por meio da apreensão do real.
Descrevendo a experiência
O caminhar da experiência – como tudo começou: de Irajá para o mundo
Em uma pequena localidade denominada de Irajá que, na língua indígena quer dizer “Favos de Mel”, a vontade de um grupo de jovens de se mobilizar era marcante no período que correspondia à década de 1980.
Irajá é um distrito do município de Hidrolândia, situado a 273 km de Fortaleza, geograficamente localizado na região Centro-Norte do Estado (IBGE, 2010). Em um número de trinta ou mais indivíduos, o grupo de jovens no sertão do Ceará afirmava grande vontade em dar sentido às suas vidas, em uma época rodeada de adversidades de ordem social, cultural e política, pela precariedade e limitações. Criar formas de estudar e aprender era necessário naquele contexto, pois deixar de sonhar não era a melhor alternativa.
De maneira tímida, em um pequeno espaço ocupado pelos jovens, reuniões aconteciam para planejar eventos escolares, como festas das mães, dia do estudante e gincanas. Outros espaços para além dos muros da escola, como a Igreja, também eram ocupados através da participação na festa do padroeiro, com os corais infantis e nas peças teatrais durante a Semana Santa, na Paixão de Cristo. Contudo, quando esses espaços tornavam-se insuficientes, isso não gerava dificuldade para a realização das ações de juventude daquele contexto: as ruas passavam a ser palco para as atividades juvenis do grupo (Torres, 2009).
O movimento popular entre os jovens, não mais se limitando às datas festivas apenas, cria, em 20 de abril de 1987, a Associação dos Jovens de Irajá – AJIR, trazendo a proposta de tematizar um movimento popular de crianças e jovens marcado pelo histórico das vidas dos seus sujeitos.
O espaço de Educação Popular AJIR foi construído com o desejo dos jovens do interior cearense de implantar uma biblioteca comunitária no distrito de Hidrolândia, nos anos de 1980. Logo, a juventude fez a ocupação permanente do espaço doado pela Prefeitura e fundou a Biblioteca Comunitária 21 de Abril, denominada assim por ser criada na mesma data em que realizam a reforma e organização do espaço que passa a ser a sede da Associação.
A criação de bibliotecas comunitárias é, portanto, um movimento colaborativo de partilha e convivência entre seres plurais, de rica competência cultural e humana para o combate à exclusão informacional. É possível verificar ainda que essas iniciativas visam a suprir a ausência dos poderes públicos e a ineficácia das bibliotecas públicas no Brasil, especialmente na região Nordeste, na maioria das vezes ainda distantes das periferias e das localidades mais carentes e afastadas dos centros urbanos. Uma das características do dinamismo desses espaços comunitários é a forte presença da ação popular em relação ao trabalho sociocultural desenvolvido por meio do teatro, dança, música, artes em geral, produzido por seus indivíduos cotidianamente (Cavalcante; Feitosa, 2011).
A motivação para a construção desse cenário de práticas pedagógicas de leitura, arte e criatividades, deu-se a partir do potencial imagético e representacional das crianças e jovens sertanejos, problematizando a forma como tais construções coletivas se dão em seu tempo e espaço de representações por meio de suas realidades, repletas de imagens narrativas. Tais imagens representam tipos humanos, costumes e lugares associados à vida cotidiana, tomando-os agentes que contribuem com a elaboração de discursos que circularam por diversos espaços, inclusive pelo próprio sertão, os quais auxiliam na constituição de um imaginário cada vez mais amplo sobre a leitura.
Nesse ambiente, os irajaenses se reuniam para planejar e executar as atividades culturais. No entanto, como as políticas de incentivo à educação formal, ao trabalho e renda, à cultura e ao lazer inexistiam na época, parte dos jovens, influenciada pelos seus projetos de vida, migravam para os grandes centros urbanos, como Fortaleza, Rio de Janeiro e São Paulo. O movimento vai, então, perdendo forças, mas não perde a sua essência juvenil (Torres, 2009).
Assim, após os quase 15 anos em que os movimentos da AJIR ficaram sem atividades, rodas de conversa começaram a surgir em meio à nova juventude irajaense e, dessa vez, com a participação de alguns jovens que cursavam o Ensino Superior nas universidades do Estado. Nessas rodas, a ideia era retomar as atividades com uma festa de relembranças da época. O primeiro passo, nesse sentido, foi a reabertura da Biblioteca 21 de Abril, ponto de encontro dos jovens, a qual permanecera fechada de 1993 a 2008. A partir de muitas ideias, foi lançada a proposta de um evento cultural, denominado de AJIRtação (com atividades de danças, jogos e arte/saúde), além da elaboração de outros projetos.
O evento aconteceu em três anos subsequentes (2008, 2009, 2010) e, com eles, alguns recursos foram conquistados com o apoio financeiro de seus associados. Foi por meio da premiação do Projeto “Em Sintonia com a Saúde (S@S)”, através da Web-Rádio AJIR/UECE, em 2010 (Editais Cultura e Saúde, Ministério da Cultura e Ministério da Saúde e Prêmio Sérgio Arouca de Participação Popular – MS/SGPE) que recursos financeiros foram conquistados de forma suficiente para a reforma da Biblioteca 21 de Abril e sua reabertura. Este trabalho propiciou a parceria com a Universidade Estadual do Ceará – UECE, através da montagem de um canal digital denominado de Web-Rádio AJIR.
A tecnologia desse canal foi desenvolvida por um jovem estudante do curso do ensino médio, integrante da AJIR, e por um professor da UECE, membro fundador e presidente da AJIR, ambos membros do LAPRACS – Laboratório de Práticas Coletivas em Saúde/CCS/Pró-Reitoria de Extensão da UECE. O objetivo do canal era tornar-se uma metodologia de ensino por meio dos áudios via internet, com palestras, cursos, programas, seminários entre os jovens universitários e os jovens de Irajá, através das Tecnologias de Informação e Comunicação.
O canal digital de educação popular e saúde, hoje, ampliou-se, estabelecendo atividades de ensino, extensão e pesquisa com as escolas da rede pública, estabelecendo parcerias com outras Universidades e cursos de graduação de forma multidisciplinar, por meio da ligação entre várias cidades do Ceará, do Brasil e de outros países a partir do longo alcance que a internet possibilita nos territórios para além-fronteiras.
Para esse momento, focaremos no espaço da Associação dos Jovens do Irajá – AJIR, mais especificamente na Biblioteca 21 de Abril. Após alguns anos sem muitos empreendimentos, o movimento é retomado com força e garra por alguns membros da juventude da década de 1980/90 e novos integrantes da geração 2000, mais especificamente de 2014. De modo que a reativação da Biblioteca 21 de abril (com a reforma do prédio e melhoramento do acervo, entre outros), com a construção de uma agenda cultural, social e esportiva, está sendo tocada à frente como proposta de formação e ativismo cultural.
Além disso, foi através da doação do Baú da Leitura para o projeto de Leitura da AJIR “Clubinho de Leitura do Baú – CLB: Narradores do Sertão”, uma doação feita pela Companhia de Energia do Ceará – Coelce, que se iniciaram as “Histórias do Baú”. Esse projeto, implantado em 2014, tem como objetivo incentivar a leitura e a escrita, bem como a formação de novos leitores e escritores no distrito de Irajá – Hidrolândia/Ceará, utilizando o acervo bibliográfico e literário da Biblioteca 21 de abril.
Assim sendo, trabalhamos com a socialização e inclusão dessas crianças e jovens irajaenses por meio de uma leitura significativa, pois, dessa forma, estaremos contribuindo para a ampliação do acesso a outras manifestações culturais, possibilitando à juventude melhores perspectivas de vida no sertão do Ceará.
As atividades de extensão têm por significado ampliar possibilidades de ressignificação das práticas de leitura literária e promover o diálogo através da realidade das crianças e jovens do campo, mais conhecidas pela realidade local como crianças e juventudes do sertão nordestino em seus territórios, de forma singularizada aos cenários de vida desses sujeitos, uma comunidade carente de espaços culturais e de socialização.
A escolha desse local acontece por se considerar que esses sujeitos estão imersos em contextos culturais diversos que necessitam ser explorados. Portanto, esse espaço traz a liberdade de produzir arte e cultura, mediadas pelos cotidianos de suas experimentações e vivências em grupos, em território de produção de vida.
Tecendo experiências coletivas de leitura e cultura junto às crianças da Biblioteca 21 de Abril por meio da apreensão do real
Entendemos que o mergulho no universo de uma história pode começar antes da leitura e não finda no instante em que acaba o texto, uma vez que a narrativa pode ser revisitada ou relembrada pela memória, através de conversas sobre ela e outras vivências. Por essa razão, trazemos a proposta de uma educação libertadora que possa ampliar o campo de experiências das crianças e jovens, favorecendo a ampliação de seus imaginários.
A experiência é dividida nas seguintes etapas:
Funcionamento: apresentamos as atividades do projeto de extensão e pesquisa da Associação dos Jovens do Irajá – AJIR/Biblioteca 21 de Abril, com a participação ativa dos pesquisadores, enfermeiros(as) mestres e doutor da Universidade Estadual do Ceará, representantes da AJIR, e duas monitoras, estudantes de pedagogia da comunidade Irajaense, na coordenação e acompanhamento pedagógico das atividades culturais, de leitura, artística e logística junto às crianças e jovens desse território, por meio do projeto Baú da Leitura. As atividades acontecem semanalmente, aos sábados, de 8h às 12h, na Biblioteca 21 de Abril.
O trabalho desenvolvido no projeto parte de ações metodológicas geradoras de processo dinâmico para a realização das ações, que vão se construindo de modo reflexivo, articulado, político e técnico para o desenvolvimento local e em âmbito sociocultural.
Planejamento: para o cadastro dos participantes no projeto do Clubinho de Leitura do Baú – CLB, apresentamos aos pais a proposta do projeto e convite. Ao todo, são 25 crianças e jovens. Nesse ambiente, reunimo-nos para planejar e executar as atividades culturais, expressões artísticas por meio de leituras dos livros, em que são produzidos desenhos, apresentações teatrais, dança, leitura, poemas, redações e diálogos sobre a cultura popular. A experiência traz em destaque as ações realizadas em outubro de 2016.
Ao considerar que se trata de uma experiência que articula questões de ordem subjetiva como raízes culturais, sentimentos, comportamentos, reflexões, discussões e síntese resultante da produção coletiva, foram utilizados, para a coleta de informações, conversas informais, observação in loco e registro em diário de campo.
Foram registradas experiências, impressões e identificação do universo vocabular dos participantes. Observou-se por meio dos diálogos e leituras que o grupo está inserido no contexto de palavras geradoras que envolvem afeto, amorosidade, família, história e cultura popular.
O universo vocabular é de impressionar quanto à maneira como uma realidade social existe na vida e no pensamento dos seus participantes. É a descoberta coletiva da vida por meio da fala, do mundo através da palavra. Essa primeira etapa pedagógica do método foi denominada por Freire com diversos termos semelhantes: “levantamento do universo vocabular” (em Educação como Prática da Liberdade); “descoberta do universo vocabular” (em Conscientização); “pesquisa do universo vocabular” (em Conscientização e Alfabetização); “investigação do universo temático” (em Pedagogia do Oprimido) (Brandão, 2011).
Como coordenadores e facilitadores, buscamos apresentar práticas educativas voltadas para a educação popular e temas relacionados à realidade das crianças e jovens, possibilitando aproximação, interação e diálogo entre o conhecimento técnico e o popular.
O encontro foi organizado em três momentos, a saber: acolhimento; desenvolvimento e avaliação.
Acolhimento: participaram as 25 crianças e jovens no projeto. Foi realizada a dinâmica de grupo conhecida como o "Presente", para promover a interação e descontração.
As dinâmicas se apresentaram como um espaço no qual os participantes refletiram e discutiram questões de interesse mútuo. No momento de acolhimento, os participantes falaram de seus sonhos profissionais, realizações pessoais, a importância da família, amigos e da AJIR em suas vidas, além de conhecerem novos mundos através da leitura.
O diálogo possibilita a ampliação da consciência crítica sobre a realidade ao trabalhar a horizontalidade, a igualdade em que todos procuram pensar e agir criticamente com suporte na linguagem comum, captada no próprio meio onde vai ser executada a ação pedagógica e que exprime um pensamento baseado em uma realidade concreta. Nessa perspectiva, o diálogo tem a amorosidade como dimensão fundante, contrapondo-se à ideia de opressão e dominação (Freire, 2011).
Desenvolvimento: pedimos para cada participante escolher um livro com que se identificasse e, depois, que ficassem em círculo e contassem uma experiência sobre o livro que escolheram.
A ideia do Círculo nos remete a um espaço onde todos são inseridos de forma igualitária e sob o olhar uns dos outros. Nessa proposta, os participantes formam a figura geométrica do círculo e são acompanhados por um facilitador ou facilitadora das discussões que, como alguém mais experiente, participa de uma atividade comum em que se ensina e se aprende, sempre incentivando a participação e a escuta (Brandão, 2011).
Os campos de experiências a serem explorados são as atividades que contribuem para a imersão dos apreciadores no universo da história, que acontece, muitas vezes, através da organização de Círculos de Cultura, procedimento de mediação de grupo (Freire, 2003). Essas atividades foram pensadas de forma que pudessem contribuir para dar sentido aos textos e ampliar as vivências criativas, a favor do exercício dialógico que incentiva processos educativos com postura participativa.
A maior qualidade pedagógica do Círculo de Cultura de Freire (2011) é o permanente incentivo ao diálogo. Em uma proposta como essa, os participantes vão muito além do aprendizado individual. No Círculo de Cultura, faz-se uma leitura do mundo, de suas características, normas e seus afetos. Nele, aprendemos e ensinamos modos próprios de pensar e de agir diante do mundo. Pensar Círculos de Cultura para apresentar os textos, ou mesmo dialogar sobre seu enredo, antes ou após a leitura, certamente ampliará os campos de experiências a serem explorados pelas crianças e jovens.
Grande parte (12 deles) escolheu livros similares, com castelos, casarões, patrimônios históricos tombados e, quando perguntados sobre o porquê da escolha dos temas, responderam que, em seu distrito, têm muitas casas antigas, como o casarão ao lado da AJIR, o que representava a história da cidade, além do fato de eles sonharem com suas casas próprias, que a maioria não possui. Devido a isso, as crianças e os jovens ficavam encantados com os casarões e castelos.
Os participantes mencionaram, ainda, a leitura sobre as práticas populares, o reconhecimento das plantas medicinais, as parteiras e rezadeiras como parte de seus cotidianos de vida, citando que usam plantas medicinais para os chás e que já tiveram a oportunidade de receber uma reza para curar suas enfermidades. 10 dos participantes citaram que nasceram em casa com a ajuda de parteiras, que eram suas avós, pois, no distrito, não tem hospital, sendo encontrado apenas na sede do município.
Observou-se, na atividade de desenvolvimento, a confirmação do universo vocabular dos participantes visto nas visitas e observações in loco. Posteriormente, foi pedido para que eles criassem a logomarca do projeto. Todos desenharam e, em um momento de união e confraternização, escolheram um desenho que todos gostassem (Figura 1).
Figura 1: Logomarca escolhida pelos participantes do Clubinho de Leitura do Baú – CLB, distrito de Irajá, cidade de Hidrolândia – Ceará, 2016.
Fonte: Associação dos Jovens do Irajá.
A vivência favoreceu o diálogo: os participantes apreciaram seu enredo, a logomarca, identificaram seus contextos e refletiram sobre os acontecimentos apresentados. Segundo Paulo Freire (2003), o diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, transformam-no, e, transformando-o, humanizam-no para a humanização de todos.
É evidente que os livros proporcionam aos participantes um infinito acesso ao saber. A ação desses livros no imaginário das crianças e jovens e sua potencialidade na formação de novos leitores geram uma reflexão sobre os lugares que a Literatura ocupa dentro dos espaços coletivos.
Pensamos que esse é o maior contributo de um Círculo de Cultura nessa proposta, afinal, todos juntos podemos aprender, tornar-nos sujeitos, seres de história, de palavras e de ideias, que são as chaves para se abrirem portas de muitos mundos, de acordo com o pensamento freireano.
Monteiro (2007) menciona que as experiências promissoras desencadeadas por Paulo Freire, ante a efetivação prática desse conjunto de pensamentos e atitudes, buscaram uma legítima educação como processo de inclusão e cidadania e fomentaram o movimento de Educação Popular. Essa educação frutífera transcende a modificação dos métodos de educar e transforma as pessoas, antes passivas, em partícipes na transformação da realidade, pois, ao mesmo tempo que educa e politiza as pessoas, desperta-as para a consciência crítica das possibilidades e dos compromissos com a construção de um mundo mais solidário.
Posteriormente, esse universo de palavras foi tematizado e problematizado, quando foram realizadas leituras coletivas e, em seguida, foram feitos desenhos, redações, poemas, músicas, danças e teatro sobre o tema, apresentados no dia das crianças e jovens para os familiares e comunidade.
A tematização é o processo no qual os temas e palavras geradoras são codificados e decodificados, buscando-se a consciência do vivido, o seu significado social, o que possibilita a ampliação do conhecimento e a compreensão dos educandos sobre a própria realidade, na perspectiva de intervirem criticamente sobre ela (Brandão, 2011). O importante não é transmitir conteúdos específicos, mas despertar uma nova forma de relação com a experiência vivida.
A educação popular, por meio da arte e cultura, proporcionou a apresentação de significados que os jovens constroem em suas vivências, promovendo o solidarismo comunitário e a troca de experiências na reflexão com ação, pois as manifestações culturais se colocam como um caminho pelo qual as pessoas ganham significação como sujeitos e conquistam o mundo para a sua libertação.
A Educação Popular é uma educação comprometida e participativa, orientada pela perspectiva de realização de todos os direitos do povo. Não é uma educação fria e imposta, pois se baseia no saber da comunidade e incentiva o diálogo (Barbosa, 2008).
A experiência favoreceu a problematização experienciada na comunidade local, em que se incentivou e estimulou a utilização e a expressão de diferentes formas de linguagem e representação da realidade das juventudes.
Além disso, a ação de problematizar enfatiza o sujeito práxico, que discute os problemas surgidos da observação da realidade com todas as suas contradições, buscando explicações que o ajudem a transformá-la. O sujeito, por sua vez, também se transforma na ação de problematizar e passa a detectar novos problemas na sua realidade, e assim sucessivamente.
Nesse sentido, a problematização emerge como momento pedagógico, como práxis social, como manifestação de um mundo refletido com o conjunto dos atores, possibilitando a formulação de conhecimentos com base na vivência de experiências significativas (Abreu et al., 2013).
Nossa experiência se pautou na Educação Popular por poder ser aplicada em qualquer contexto, mas principalmente por suas aplicações serem mais comuns em assentamentos rurais, em instituições socioeducativas, em aldeias indígenas. A prioridade é dada a movimentos sociais, por serem estes os canais pelos quais se faz ouvir a voz das maiorias.
A Educação Popular é uma educação comprometida e participativa, orientada pela perspectiva de realização de todos os direitos do povo. Sua principal característica é utilizar o saber da comunidade como matéria prima para o ensino. É aprender a partir do conhecimento do sujeito e ensinar a partir de palavras e temas geradores de seu cotidiano (Brandão, 2011).
Avaliação: a avaliação é realizada a cada encontro, de acordo com as impressões dos participantes. Para isso, foi utilizada uma pergunta norteadora: “Como vocês estão saindo desse encontro?”
No momento da avaliação, foi possível compreender o impacto e a mudança nas produções de vida que o Círculo de Cultura proporcionou às crianças e aos jovens do sertão. O Círculo de Cultura favorece o incentivo e estímulo à utilização e à expressão de diferentes formas de linguagem e representação da realidade (Padilha, 2003).
As crianças e jovens receberam de forma positiva as atividades propostas, por entenderem que o desenvolvimento das ações ocorre a partir deles como atores principais do processo de ensino-aprendizagem.
A liberdade dos diálogos no grupo e das expressões artísticas dos participantes proporcionou resultados satisfatórios, com o estabelecimento de vínculos e troca de saberes acerca do tema de interesse dos participantes, com diálogos, em que se pôde ver que as expressões artísticas simbolizam, para esses atores sociais, sonhos, realizações pessoais, a importância da família, amigos e as lembranças de histórias vividas em seus cenários de vida.
Considerações finais
O momento de oportunidade, de promoção do diálogo e cultura junto a crianças e jovens no sertão cearense requer novos olhares, novos desafios e atitudes de construção por parte de atores sociais corresponsáveis diante de movimentos sociais e estímulos comunitários, produzindo significados nesses territórios emergentes, com possibilidade de melhorias para essas localidades.
Reescrevendo páginas de uma história, nas quais todos são agentes de um contexto em transformação, no ideário da educação emancipatória, com justiça social, os Círculos de Cultura adentram as ações de extensão no território nordestino com o intuito de fortalecer a ação de todos que fazem parte da troca de experiências, por fortalecerem processos de empowerment dos coordenadores e participantes no exercício de sua cidadania como sujeitos de uma história em transformação.
Nesse sentido, esse projeto busca considerar e sensibilizar a extensão na universidade, com vistas a contribuir para a discussão sobre esses cenários e sujeitos, considerando a cultura e o lazer como produções de vida, histórias e relações como possibilidades de realizar experiências coletivas.
Referências Bibliográficas
ABREU, L. D. P. et al. Abordagem educativa utilizando os Círculos de Cultura de Paulo Freire: experiência de acadêmicos de enfermagem no “Grupo Adolescer”. Adolesc. Saúde, Rio de Janeiro, v. 10, n. 4, p. 66-70, out/dez. 2013.
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MANKE, L. S. Leitores rurais: apropriação ético-prática nos sentidos atribuídos à leitura. ICH/UFPEL. 36. Reunião Anual da ANPED, GT 10, 2013. [ Links ]
MONTEIRO, E. M. L. M. (Re)Construção de Ações de Educação em Saúde a partir de Círculos de Cultura: experiência participativa com enfermeiras do PSF do Recife/PE. Fortalezza, 2007. Tese (Doutorado em Enfermagem) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2007.
PADILHA, P. R. Currículo intertranscultural: por uma escola curiosa, prazerosa e aprendente. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
TORRES, R. A. M. Sexualidade e relações de gênero na escola [manuscrito]: uma cartografia dos saberes, práticas e discursos dos/as docentes. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2009.
Data de recebimento: 05/11/2017
Data de aceite: 25/04/2018
I Raimundo Augusto Martins Torres: Pesquisador, Docente do Curso de Graduação em Enfermagem e do Programa de Pós-Graduação Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde – PPCLIS, Universidade Estadual do Ceará – UECE, Fortaleza, Ceará, Brasil. Enfermeiro e Doutor em Educação. Fundador da Associação dos Jovens de Irajá – AJIR (Biblioteca 21 de Abril e Web Rádio AJIR). Líder do grupo de Pesquisa Políticas, Saberes e Práticas em Enfermagem e Saúde Coletiva – LAPRACS/UECE. E-mail: augustomtorres@gmail.com
II Leidy Dayane Paiva de Abreu: Enfermeira. Mestre em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde – PPCCLIS pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, Fortaleza, Ceará, Brasil e Doutoranda no mesmo Programa e Instituição de Ensino Superior. Integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas, Saberes e Práticas em Enfermagem e Saúde Coletiva – LAPRACS/UECE e do Projeto de Pesquisa, Ensino e Extensão: Web Rádio AJIR - UECE. E-mail: dayannepaiva@hotmail.com
III Aretha Feitosa de Araújo: Enfermeira. Mestre em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde – PPCCLIS pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, Fortaleza, Ceará, Brasil e Doutoranda no mesmo Programa e Instituição de Ensino Superior. Integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas, Saberes e Práticas em Enfermagem e Saúde Coletiva – LAPRACS/UECE e do Projeto de Pesquisa, Ensino e Extensão: Web Rádio AJIR - UECE. E-mail: aretha.feitosa@gmail.com
IV Maria Rocineide Ferreira da Silva: Pesquisadora, Docente do Curso de Graduação em Enfermagem e do Programa de Pós Graduação em Cuidados Clínicos em Enfermagem e Saúde – PPCCLIS, Universidade Estadual do Ceará - UECE, Fortaleza, Ceará, Brasil. Enfermeira. Doutora em Saúde Coletiva pela UECE. Vice-líder do grupo de Pesquisa em Políticas, Saberes e Práticas em Enfermagem e Saúde Coletiva - LAPRACS/UECE. E-mail: rocineideferreira@hotmail.com