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versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.15 no.1 Fortaleza abr. 2015

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Esquizofrenia: funções cognitivas, análise do comportamento e propostas de reabilitação

 

Schizophrenia: cognitive functions, behavior analysis and proposals for rehabilitation

 

Esquizofrenia: funciones cognitivas, análisis del comportamiento y propuesta de rehabilitación

 

Schizophrénie: fonctions cognitives, analyse du comportement et propositions dae réadaptation

 

 

Amanda Barroso de LimaI; Cybele Ribeiro EspíndolaII

IPsicóloga, Neuropsicóloga, Mestranda do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas (Universidade Federal do Ceará) - Bolsista da Capes
IIPsicóloga, Neuropsicóloga, Doutora em Psiquiatria e Psicologia Médica (UNIFESP), Professora do curso de Psicologia da Universidade de Fortaleza e professora convidada do curso de Pós-graduação em Neuropsicologia do Centro Universitário Christus

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico de etiologia heterogênea que acomete de 0,2 a 2% da população. Além dos clássicos sintomas positivos e negativos, observam-se alterações significativas nos processos cognitivos. Diante dessa constatação, esta revisão pretende fazer uma atualização do estado atual dos estudos sobre os prejuízos cognitivos encontrados na esquizofrenia e possíveis estratégias de reabilitação fundamentadas na análise do comportamento. Foi realizada uma revisão de literatura nas bases PUBMED; Science Direct e SCIELO - Scientific Electronic Library Online, utilizando como critério, a seleção de artigos de 2003 a 2013, bem como livros de autores considerados cientificamente relevantes para a área. Destacam-se sete funções cognitivas mais afetadas, a saber: velocidade de processamento, memória de trabalho, memória e aprendizagem verbal, memória e aprendizagem visual, raciocínio e resolução de problemas, cognição social e atenção/vigilância. As formas de reabilitação podem empregar as técnicas utilizadas na abordagem analítico-comportamental, fomentada nos processos de neuroplasticidade e baseando-se em princípios de aprendizagem de novos comportamentos. As alterações cognitivas são amplas e merecem atenção tanto no processo avaliativo como no plano da reabilitação. A Análise do Comportamento propõe a realização de uma avaliação de cada paciente, elaborando um programa personalizado e adaptado às limitações daquele indivíduo, bem como considerando suas competências preservadas. Estudos adicionais sobre a eficácia dessas intervenções mostram-se necessários.

Palavras-chave: esquizofrenia; análise do comportamento; funções cognitivas; reabilitação; neuropsicologia.


ABSTRACT

Schizophrenia is a psychiatric disorder with a heterogeneous etiology that affects 0,2 to 2% of the population. Besides the classic positive and negative symptoms, there are significant changes in cognitive processes. Considering this fact, this review aims to upgrade the current state of research on cognitive impairment found in schizophrenic patients and possible rehabilitation strategies based on behavior analysis. We have made a literature review using selected articles from 2003 to 2013 accessed through PUBMED, Science Direct and SCIELO - Scientific Electronic Library Online, such as authors with books considered scientifically relevant to the area. We highlighted the seven most affected cognitive functions, namely: speed of processing, working memory, memory and verbal learning, memory and visual learning, reasoning and problem solving, attention/vigilance and social cognition. Forms of rehabilitation can apply behavior analysis techniques grounded in neuroplasticity processes and based on new behavior learning principals. Cognitive changes arenumerous and deserve as much attention during the evaluation process as in rehabilitation planning. Behavior Analysis proposes individual evaluation, developing a personalized program adapted to the limitations of each patient, such as considering his preserved competences. Further studies about the effectiveness of theses interventions are necessary.

Keywords: schizophrenia; behavior analysis; cognitive functions; rehabilitation; neuropsychology.


RESUMEN

La esquizofrenia es un transtorno psiquiátrico de etiología heterogénea que afecta de 0,2 a 2% de la población. Además de los síntomas positivos y negativos clásicos, hay cambios significativos en los procesos cognitivos. Teniendo en cuenta este hecho, esta revisión se propone mejorar el estado actual de la investigación sobre los déficits cognitivos que se encuentran en la esquizofrenia y las posibles estrategias de rehabilitación basadas en el análisis del comportamiento. Una revisión de la literatura se realizó en las bases de datosPUBMED, Science Direct y SciELO - Scientific Electronic Library Online, utilizando como criterios la selección de los artículos 2003 a 2013, y autores de libros considerados científicamente relevante para este tema. Destácanse siete funciones cognitivas más afectadas, a saber: la velocidad de procesamiento, memoria de trabajo, memoria y aprendizaje verbal, memoria y aprendizaje visual, razonamiento y resolución de problemas, cognición social y atención / vigilancia. Formas de rehabilitación pueden emplear las técnicas utilizadas en el enfoque analítico conductual, promovidas en los procesos de la neuroplasticidad y basadas en principios de aprendizaje de nuevas conductas. Los cambios cognitivos son amplios y merecen la misma atención en el proceso de evaluación y en términos de rehabilitación. El Análisis del Comportamiento propone la evaluación individual, el desarrollo de un programa personalizado adaptado a las limitaciones de cada paciente, teniendo en cuenta sus competencias conservadas. Estudios adicionales sobre la eficacia de estas intervenciones se han demostrado necesarios.

Palabras clave: esquizofrenia; análisis del comportamiento; las funciones cognitivas; rehabilitación; neuropsicología.


RÉSUMÉ

La schizophrénie est un nuisance psychiatrique avec une étiologie hétérogène qui affecte 0,2 à 2% de la population. Outre les symptômes positifs et négatifs classiques, il ya des changements importants dans les processus cognitifs. Considérant ce fait, cet examen vise à améliorer l'état actuel de la recherche sur les troubles cognitifs trouvé chez les patients schizophrènes et les stratégies possibles de réhabilitation basées sur l'Analyse du Comportement. Nous avons fait une revue de la littérature en utilisant articles sélectionnés 2003-2013 accessibles via PubMed, Science Direct et SCIELO - Bibliothèque électronique scientifique en ligne, et les auteurs de livres considérés comme scientifiquement pertinentes pour ce sujet. Nous avons souligné les sept fonctions cognitives les plus touchés, à savoir: la vitesse de traitement, la mémoire de travail, mémoire et apprentissage verbal, la mémoire et l'apprentissage visuel, le raisonnement et la résolution de problèmes, l'attention / vigilance et la cognition sociale. Formes de réadaptation peuvent appliquer des techniques d'Analyse de Comportement à la terre dans les processus de neuroplasticité et sur la base de nouveaux principes d'apprentissage de comportement. Les changements cognitifs sont nombreuses et méritent autant d'attention au cours du processus d'évaluation, comme dans la planification de la réadaptation.L'Analyse du Comportementpropose une évaluation de chaque patient, le développement d'un service personnalisé adapté à des limites individuelles et considère compétences conservées. D'autres études sur l'efficacité des interventions de thèses sont nécessaires.

Mots-clés: schizophrénie; analyse du comportement; les fonctions cognitives; réhabilitation; neuropsychologie.


 

 

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico que tem como características principais alterações na afetividade, comportamento, vontade, percepção, insight, linguagem, relações interpessoais, vida escolar, ocupacional, entre outros (American Psychiatric Associacion, 2014). Acomete de 0,2 a 2% da população e sua etiologia é heterogênea, havendo estudos que defendem participação tanto genética, quanto do ambiente (Hallak; Chaves; Zuardi, 2011; Louzã Neto; Azevedo; Macedo, 2006; Salgado, 2008).

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V, 2014) apresenta uma classificação diferenciada que identifica a Esquizofrenia enquanto componente dos Transtornos do Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos, sugerindo a avaliação desta conforme a presença/ausência de cinco sintomas críticos, a saber: a. delírios, b. alucinações, c. discurso desorganizado, d. comportamento grosseiramente desorganizado ou catatônico, e. sintomas negativos (i. e., expressão emocional diminuída ou avolia). É preciso que pelo menos dois desses sintomas estejam presentes pelo período de um mês, e pelo menos um deles deve ser, necessariamente, a, b ou c (American Psychiatric Association, 2014)

Um fato que vem sendo constatado nos estudos sobre esquizofrenia é que os processos cognitivos apresentam alterações antes do início do transtorno e evoluem com o seu curso (Cannon et al., 2002; Hallak; Chaves; Zuardi, 2011), considerando-se que as funções cognitivas são um "[...] conjunto de capacidades que habilitam os seres humanos a desempenhar uma série de atividades no âmbito pessoal, social e ocupacional" (Monteiro; Louzã, 2007, p. 180).

Com isso, pesquisas vêm sugerindo que prejuízos nas funções cognitivas indicariam um núcleo constitucional para a esquizofrenia, uma vez que essas alterações não sofrem influência direta de medicações e podem apresentar-se, também, na família do paciente (Cannon et al., 2002; Ferreira Junior et al., 2010; Fuller et al., 2002; Heinrichs, 2005; Mortimer, 2005; Salgado, 2008). Como tais funções são responsáveis por monitorar as atividades cotidianas do indivíduo, interferem no funcionamento global e prejudicam sua qualidade de vida.

A Análise do Comportamento, abordagem psicológica desenvolvida por B. F. Skinner que tem como pressuposto filosófico o Behaviorismo Radical, surgiu como uma alternativa à proposta da introspecção e tem por objeto de estudo o comportamento humano (Baum, 2007; Moreira; Medeiros, 2007). Defende que o indivíduo é um ser histórico, inserido em uma cultura e vê o comportamento enquanto "[...] produto natural de um processo de interação entre o organismo e ambiente. O organismo emite respostas e, fazendo isso, produz consequências" (Borges, 2009, p. 232). Como esta perspectiva trabalha com o conceito de aprendizagem de comportamentos, destaca-se sua importância na aquisição de novos repertórios em programas de reabilitação.

A reabilitação neuropsicológica é uma forma de tratamento que visa restabelecer as funções cerebrais e comportamentais de um indivíduo a um nível de funcionamento adequado ao cotidiano de cada um de forma a melhorar e ou promover a qualidade de vida (Haase; Lacerda, 2004; Pontes; Hübner, 2008). As técnicas envolvidas no processo de reabilitação requerem a compreensão de que o organismo trabalha de forma integrada e suas ações são interligadas com o que ocorre no ambiente externo e interno do indivíduo, sofrendo influência e sendo modificado à medida que a pessoa interage (Kandel, 1998; Pontes; Hübner, 2008). Também se baseia nos estudos da neuroplasticidade, que aborda a capacidade de o organismo se modificar a partir da sua interação com o meio (Haase; Lacerda, 2004).

O tema proposto visa à compreensão das alterações nas funções cognitivas presentes na esquizofrenia a partir da abordagem analítico-comportamental, bem como analisa propostas de reabilitação sob essa perspectiva. Embora o assunto seja amplamente discutido do ponto de vista biológico (Hallak; Chaves; Zuardi, 2011; Louzã Neto; Azevedo; Macedo, 2006; Salgado, 2008), há uma carência de estudos que contemplem a noção de alterações nas funções cognitivas na esquizofrenia e propostas de reabilitação sob a perspectiva da análise do comportamento.

Dessa forma, acredita-se que este tema é importante por articular a teoria da Análise do Comportamento com aspectos neuropsicológicos da esquizofrenia, integrando uma forma de avaliação e tratamento que relaciona aspectos do contexto e história de vida da pessoa, primando pela compreensão do indivíduo enquanto um todo. Este artigo tem como objetivo estudar a esquizofrenia à luz da abordagem analítico-comportamental, verificando que alterações ocorrem nas funções cognitivas e delineando propostas de reabilitação.

 

Método

Será utilizado o estudo de revisão de literatura. Foram incluídos artigos publicados no período de 2003 a 2014, em inglês-Estados Unidos e/ou português-Brasil. Como descritores de pesquisa, empregaram-se: análise do comportamento AND Neuropsicologia AND esquizofrenia; reabilitação neuropsicológica AND análise do comportamento; behaviorism AND neuropsychology AND schizophrenia; cognitive functions AND neuropsychology AND schizophrenia; neuropsychological rehabilitation AND behaviorismo AND schizophrenia nas plataformas PUBMED; Science Direct e SCIELO - Scientific Electronic Library Online. Também foram pesquisados assuntos relacionados ao tema em livros de referência das áreas, sendo utilizado enquanto critério de inclusão a relevância e contribuição científica dos autores em Análise do Comportamento, Neuropsicologia e Esquizofrenia, independentemente do ano da referência.

 

Resultados e Discussão

Nesta pesquisa, um artigo foi encontrado fazendo relação entre análise do comportamento e reabilitação neuropsicológica. Os outros descritores utilizados não forneceram resultados pertinentes ao tema. Os demais trabalhos utilizados nesta pesquisa discutem a visão da análise do comportamento sobre psicopatologia, tornando possível analisar a esquizofrenia sob esta perspectiva, bem como retratam o panorama contemporâneo sobre o transtorno, indicando áreas cerebrais afetadas.

Análise do Comportamento (e Esquizofrenia)

Para Skinner (1990), o comportamento é multideterminado, devendo ser compreendido a partir da história da espécie do indivíduo (filogênese), de sua história de vida (ontogênese), e da cultura no qual estão inseridos, sendo, essas três variáveis, os níveis de seleção e variação do comportamento. Assim, pode-se dizer que o comportamento, quando considerado a partir de uma visão científica e enquanto fenômeno natural, deve ser analisado em função de variáveis ambientais de modo que as transforma e é transformado por elas (Skinner, 2007).

Um princípio importante para a Análise do Comportamento que envolve as alterações no ambiente é o conceito de aprendizagem, que pode ocorrer através de ações do organismo e ou com palavras. O conceito é complexo e envolvem diversos outros princípios, principalmente a noção de que o comportamento possui uma função, não ocorrendo casualmente, e deve ser estudado de forma a se investigar o que o determina, uma vez que compreender o que é aprendizagem, é analisar de que forma ocorre a modificação do comportamento. Para tanto, é preciso que se observem os antecedentes (o contexto no qual ocorre comportamento, chamado de "estímulo" na análise do comportamento), o próprio comportamento (resposta) e as consequências que se seguem à ação do organismo. Esses três fatores e as relações envolvidas entre eles é chamado de tríplice contingência e é a unidade básica de análise de um determinado comportamento (Catania, 1999).

Considerando a tríplice contingência, o processo de aprendizagem acontece a partir das interações do indivíduo com o meio, podendo ocorrer por modelagem (aproximação sucessiva do conteúdo a ser aprendido), através de esquemas de reforçamento, controle aversivo (punição), comportamento verbal, regras, aprendizagem social, operações motivadoras (motivação) envolvidas, entre outros, devendo ser analisadas as consequências que seguem ao comportamento e de que forma estas interagem na emissão desses, aumentando ou diminuindo sua probabilidade de ocorrência.

A partir dessas observações, Skinner (2006) define o conceito de comportamento operante, que pode ser estudado levando em consideração as contingências envolvidas (estímulo - resposta - consequência), e constrói o modelo de seleção por consequências, em que uma resposta é modelada e selecionada a partir das interações ocorridas entre indivíduo e ambiente (Borges, 2009), assim, tendo uma função. Falar que um comportamento é funcional quer dizer que este ocorre porque, dentro da relação, ele possui uma razão de estar ali, que pode ser investigada a partir da análise dos níveis de variação e seleção e das contingências envolvidas. Dessa forma, é possível pensar no comportamento enquanto funcional, uma vez que as respostas são selecionadas de acordo com as consequências que produzem.

Para a abordagem analítico-comportamental, que vê o comportamento enquanto uma relação, atribuir as causas do comportamento a fatores internos produz ideias falsas sobre o que realmente o determina e leva a um discurso mentalista, definido por Baum (2007, p. 53) como "prática de invocar ficções mentais para explicar o comportamento". O comportamento ocorre devido às "[...] condições externas das quais [...] é função" (Skinner, 2007, p.40). No entanto, Skinner não nega o funcionamento cerebral, apenas sugere que o estudo desses é cabível a outras ciências, não à Psicologia, que deve se preocupar em estudar o observável, ou seja, o comportamento em interação com o ambiente seja este público ou encoberto (pensamentos, sentimentos etc.), sendo o último observável na medida em que o indivíduo que se comporta o relata (Santos, 2004). Tourinho (2009) define que comportamentos públicos e privados não deveriam ser distinguidos, e sim, observados enquanto uma relação com o ambiente.

Também é importante salientar que Skinner (2007, p. 281), ao definir ambiente, ressalta que "[...] significa qualquer evento no universo capaz de afetar o organismo. Mas, parte do universo está encerrada dentro da própria pele de cada um". Em relação ao cérebro, considerando esse como diferente de uma mente, Skinner (1990, p.1206) aponta que "o cérebro é uma parte do corpo e o que ele faz, é parte do que o corpo faz. O que o cérebro faz é parte do que deve ser explicado". Segundo Cosenza, Fuentes e Malloy-Diniz (2008, p. 16), "[...] buscamos compreender como o sistema nervoso modula nossas funções cognitivas, comportamentais, motivacionais e emocionais". Dessa forma, pode-se compreender que o comportamento é um dos processos sobre os quais o Sistema Nervoso atua.

Corroborando com essa noção, Kandel (1998) discute que tudo o que é chamado de "mente", é o que ocorre no cérebro. Além disso, sugere que, embora os indivíduos nasçam com uma carga genética a ser expressa, esta só aparece a partir das interações com o ambiente, que seleciona o que será desenvolvido a partir de processos de aprendizagem (Haase; Lacerda, 2004; Kandel, 1998; Lemgruber, 2009); o que é repetido pelo organismo, o cérebro interpreta como importante e fortalece os caminhos para a conexão sináptica, já o que é pouco realizado, tem sua conexão reduzida. Dessa forma, pode-se conceber que o ambiente, as relações e o comportamento podem modificar a expressão genética, sendo, então, determinantes as formas de interação do indivíduo com o seu meio para a formação das conexões neurais.

Compreendendo esses princípios, a noção de transtornos psicopatológicos é diferenciada para a abordagem, que argumenta que os transtornos psiquiátricos devem ser analisados como os outros comportamentos o são, pois seguem as mesmas regras de ocorrência, manutenção e funcionamento, não devendo a avaliação funcional ser diferenciada nesse sentido, uma vez que é a partir da interação que as conexões cerebrais se modificam. O que determina se um comportamento é normal ou não são fatores e regras sociais, porém, a ocorrência do mesmo vai continuar a depender da história de vida, filogênese e cultura em que o indivíduo que se comporta está inserido, assim como ocorre com os comportamentos ditos "normais" (Vilas Boas, Banaco; Borges, 2009). Dessa forma, as contingências mantenedoras dos comportamentos de um indivíduo com esquizofrenia devem ser analisadas para que o curso de tratamento seja delineado.

Funções Cognitivas na Esquizofrenia

Buscando um consenso para avaliar os déficits cognitivos na esquizofrenia, especialistas (Nuechterleinet et al., 2004) envolvidos com o desenvolvimento do projeto MATRICS (Measurement and Treatment Research to Improve Cognition in Schizophrenia) analisaram estudos, cruzaram informações e propuseram sete dimensões da cognição que apresentam alterações a serem consideradas na avaliação neuropsicológica de pacientes com esquizofrenia, a saber (Ferreira Junior et. al., 2010; Coutinho, Mattos; Abreu, 2010; Malloy-Diniz et al., 2008; Monteiro; Louzã Neto, 2010):

velocidade de processamento: rapidez em que são executadas tarefas simples que demandam funcionamento dos processos cognitivos;

memória e aprendizagem verbal: capacidade de aprender e recordar informações verbais;

memória e aprendizagem visual: habilidade de aprender e recordar informações visuais;

raciocínio e resolução de problemas: capacidade de pensar/raciocinar em atividades novas utilizando conhecimentos previamente adquiridos;

memória de trabalho: capacidade de retenção e manipulação de informações para utilização imediata;

atenção/vigilância: habilidade de manter a atenção focada em uma atividade. Características da atenção: Seletividade (capacidade de focar entre um estímulo e outros concorrentes); Sustentação (manter a atenção em uma atividade repetitiva sem perder qualidade); Divisão (focar em estímulos diferentes ao mesmo tempo); Alternância (capacidade de alternar de um estímulo a outro sucessivamente); amplitude atencional (habilidade de extensão da atenção em relação à quantidade de itens que podem ser processados).

cognição social: capacidade de identificar, manipular e adequar o comportamento a um determinado contexto, a partir da detecção de informações provenientes do ambiente em questão.

As funções cognitivas são as primeiras a apresentarem déficit, mesmo antes dos sintomas psicóticos aparecerem (Keefe; Eesley, 2013). Identificar os prejuízos nessas áreas e o que se encontra preservado é de fundamental importância para se estruturar um programa de reabilitação.

Reabilitação, Análise do Comportamento e Esquizofrenia

A reabilitação neuropsicológica deve atuar nos processos cognitivos, comportamento e perspectiva emocional do paciente, sendo aplicada com base nas potencialidades do indivíduo e visando desenvolver estratégias que compensem os comprometimentos apresentados, bem como prezar pelo desenvolvimento de novas conexões através dos estudos em neuroplasticidade (Haase; Lacerda, 2004; Pontes; Hübner, 2008). Depende de uma boa avaliação neuropsicológica que identifique o que está preservado e o que precisa ser melhorado de forma a contribuir para a funcionalidade da pessoa em seu cotidiano e em sua qualidade de vida.

A neuroplasticidade (ou plasticidade neural) é um processo no qual a reabilitação está ancorada e pode ser definida enquanto a capacidade de desenvolvimento, regeneração e ou modificação das conexões neuronais em decorrência de uma lesão e ou a partir da experiência a fim de preservar a funcionalidade do organismo (Haase; Lacerda, 2004; Muszkat; Mello, 2012). Pode ocorrer durante o desenvolvimento (são moduladas pelas interações com o ambiente); dependente da experiência (por meio da aprendizagem, há criação de novas sinapses e modificação das estruturas cerebrais); após lesão cerebral (reorganização das conexões pós-dano) e por meio de neurogênese (capacidade de criação de novos neurônios em determinadas áreas) (Muszkat; Mello, 2012).

A recuperação funcional do indivíduo está relacionada a mecanismos que favorecem a reorganização dos circuitos pós-lesão cerebral. Tais mecanismos são (Haase; Lacerda, 2004; Muszkat; Mello, 2012):

a) diasquise: perda da função de áreas distantes da região lesionada, podendo ocorrer, inclusive, no hemisfério oposto à lesão. Há um desequilíbrio nos processos de excitação dos neurônios, havendo uma depressão funcional;

b) reorganização funcional: a capacidade de manter um comportamento adaptativo devido à amplificação de circuitos neurais;

c) modificação da conectividade sináptica: modificação de neurônios não afetados a fim de substituir conexões anteriormente realizadas com outros neurônios próximos ou não;

d) alteração da estimulação sensorial: capacidade de regulação da excitabilidade e conectividade de um neurônio, mantendo o equilíbrio;

e) regulação inter-hemisférica: a possibilidade que um hemisfério tem de equilibrar a função perdida pelo outro.

Alguns fatores podem desfavorecer a neuroplasticidade, como o estresse (que desencadeia um processo de perda neuronal) e as variações nos níveis de alerta/vigilância do indivíduo que, caso esteja sonolento ou desmotivado, tem a recuperação neuronal prejudicada (Muszkat; Mello, 2012). Haase e Lacerda (2004) destacam, ainda, que para o processo de reabilitação ser eficaz, depende da localização da lesão, da idade, do nível de comprometimento, dentre outros fatores. Além disso, a partir de um modelo de reabilitação baseado na aprendizagem, o fato de as funções cognitivas estarem afetadas pode influenciar de forma negativa o tratamento, uma vez que pode comprometer a obtenção de novas habilidades (Pontes; Elkis, 2013).

Baseada no princípio de que o comportamento passa por processos de aprendizagem (Skinner, 2007) e fomentada na capacidade de reorganização cerebral, é possível pensar em estratégias de reabilitação a partir da Análise do Comportamento. Pontes e Hübner (2008) sugerem que técnicas comportamentais já vêm sendo utilizadas em processos de reabilitação, porém, ou os aplicadores não identificam que estão utilizando a abordagem ou não são encontrados materiais a esse respeito.

As autoras, além de destacarem a importância da Avalição Funcional e da relação terapeuta-paciente, exemplificam como um programa de reabilitação deve ser montado levando em consideração os princípios dessa abordagem e discutem nove passos gerais que servem como guia para a construção desse programa:

1. Especificação e escolha do comportamento a ser trabalhado;

2. Identificar e clarificar os objetivos do tratamento;

3. Observar e construir um padrão de ocorrência do comportamento a ser modificado;

4. Identificar o que é motivador e reforçador para o paciente;

5. Explicitar o plano de tratamento de forma que qualquer pessoa da equipe seja capaz de executá-lo;

6. Observar as evoluções seguindo o que foi planejado;

7. Fazer avaliações do processo;

8. Modificar o que for necessário;

9. Pensar e orientar a generalização dos comportamentos adquiridos para além da reabilitação, planejando sua exequibilidade no cotidiano do paciente.

Porém, ressaltam que cada programa deve ser montado de acordo com o paciente, pois a especificidade do problema depende da história de vida de cada indivíduo e, portanto, as formas de reabilitação também o fazem. Destaca-se que tal proposta não exclui a necessidade e relevância do tratamento e acompanhamento psiquiátrico para intervenção medicamentosa, de forma que melhor funciona no trabalho em equipe multi ou interdisciplinar.

Wilson, Herbert e Shiel (2003) reúnem e destacam vantagens de se utilizar da abordagem behaviorista na reabilitação. Como benefícios, apontam: as teorias que embasam a técnica behaviorista são resgatadas de diversas disciplinas, tornando a aplicação apta a variados contextos; os objetivos são claramente definidos no início do programa; a avaliação funcional não é descartada mesmo após aplicação de testes neuropsicológicos, pois se acredita que avaliação e tratamento andam juntos, devendo serem observadas as habilidades e dificuldades do paciente na prática cotidiana, e não baseadas apenas nos resultados de testes (que auxiliam a identificar o que está preservado e o que pode ser melhorado, mas não indica que contingências estão envolvidas na manutenção do comportamento-alvo); o tratamento é individualizado, pois cada paciente é olhado como único e suas interações com o ambiente são observadas da mesma forma; entre outras.

McGlynn (1990) analisou, a partir de um estudo de revisão, seis comportamentos-alvo utilizados em programas de reabilitação. São eles: comportamento social inapropriado, atenção e motivação, inabilidade em reconhecer os déficits, memória, linguagem e discurso e distúrbios motores. As técnicas envolvidas foram modelagem, pareamento, esquemas de reforçamento, fragmentação das etapas de um comportamento para que cada uma seja aprendida separadamente, automonitoramento, dentre outros procedimentos. A autora conclui que, como até os mais severos déficits não prejudicam a capacidade de aprendizagem, os procedimentos utilizados baseados na técnica behaviorista funcionam em diversos casos que foram acompanhados e se sustentam após o término do programa de reabilitação. Destacou como fundamental o fato de ser trabalhada a generalização (o novo comportamento na vida prática do indivíduo), bem como a relação terapeuta-paciente.

Concatenando as informações coletadas, para um programa de reabilitação com pacientes esquizofrênicos, a partir da abordagem analítico-comportamental, sugerem-se os seguintes passos:

Avaliação neuropsicológica a fim de identificar áreas cerebrais prejudicadas e preservadas;

Avaliação funcional dos comportamentos alvo do paciente;

Seleção do comportamento alvo;

Montagem do programa de reabilitação e escolha de técnicas comportamentais a serem utilizadas;

Aplicação do programa;

Planejamento da generalização;

Avaliação dos resultados.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico que tem início cedo na vida do indivíduo e apresenta diversos déficits cognitivos, sendo essas dificuldades iniciadas antes dos sintomas aparecerem e sendo identificadas enquanto característica nuclear do distúrbio. Sete funções cognitivas parecem estar mais afetadas, a saber: vigilância/atenção; memória e aprendizagem verbal; memória e aprendizagem visual; raciocínio e resolução de problemas; velocidade de processamento; memória de trabalho e cognição social.

A Análise do Comportamento busca identificar, a partir de uma avaliação funcional, o que mantém determinado comportamento ocorrendo e, a partir disso, possíveis formas de intervenção para mudança no repertório do indivíduo a fim de conferir melhor qualidade de vida e funcionalidade. Esse tipo de abordagem traz um olhar diferenciado por perceber cada pessoa em sua individualidade e observar as contingências e as relações envolvidas em sua forma de se comportar em relação ao ambiente. Considera que comportamentos, por manterem relações com o ambiente, são passíveis de intervenção, aprendizagem e modificação.

Com essa visão, utilizando-se de técnicas como modelagem, pareamento, esquemas de reforçamento, entre outras, é possível pensar em estratégias de reabilitação na esquizofrenia, realizando-se uma avaliação de cada paciente e montando um programa personalizado e adaptado às limitações daquele indivíduo, bem como considerando suas competências preservadas. Também é importante ressaltar que, além da aplicação das técnicas, a generalização dos comportamentos deve ser programada, uma vez que, por meio desta, faz-se possível à adaptação funcional do paciente em seu cotidiano, bem como o acompanhamento psiquiátrico.

 

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Endereço para correspondência:
Amanda Barroso de Lima
E-mail: amandabarrosopsi@gmail.com

Cybele Ribeiro Espíndola
E-mail: cybelepsi25@uol.com.br

Recebido em: 09/07/2014
Revisado em: 18/11/2014
Aceito em: 22/12/2014

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