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Revista Subjetividades

versão impressa ISSN 2359-0769versão On-line ISSN 2359-0777

Rev. Subj. vol.21 no.1 Fortaleza jan./abr. 2021

https://doi.org/10.5020/23590777.rs.v21i1.e10597 

RELATOS DE PESQUISA

 

A subjetividade de uma família atingida por barragem na situação do deslocamento forçado

 

The Subjectivity of a Dam-Affected Family in the situation of Forced Displacement

 

La Subjetividad de una Familia atingida por Represa en la situación del Traslado Forzado

 

La Subjectivité d'une Famille affectée par un Barrage en situation de Déplacement Forcé

 

 

Jonas Carvalho e SilvaI; Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-MaluschkeII; Valéria Deusdará MoriIII

IDoutor em Psicologia Clínica e Cultura. German Chancellor Fellow do Brasil (2019-2021) pela Fundação Alexander von Humboldt na Universidade Técnica de Dortmund
IIDoutora em Psicologia. Professora emérita da Universidade de Brasília. Docente da graduação e do mestrado em Psicologia do Centro Universitário de Brasília
IIIDoutora em Psicologia. Docente da graduação e do mestrado em Psicologia do Centro Universitário de Brasília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo de caso teve por objetivo compreender a articulação entre a subjetividade individual e social dos membros de uma família atingida por barragem no contexto do deslocamento forçado. O referencial teórico do trabalho orientou-se pela teoria da subjetividade, desenvolvida por Fernando González-Rey em uma perspectiva cultural-histórica, e na teoria do apego ao lugar. Os participantes foram a mãe, o pai e a filha, removidos para um reassentamento rural no Tocantins em 2001. A partir da utilização da dinâmica conversacional, da entrevista semiestruturada, de um inventário sociodemográfico e da elaboração de um genograma familiar, foram levantados os eixos de análise, que apontaram características de liderança nos membros, impactos na dinâmica familiar e repercussões negativas no apego ao lugar. Sugere-se considerar, nas avaliações desse tipo de impacto, as dimensões da subjetividade individual e social da pessoa atingida por barragem.

Palavras-chave: migração; subjetividade; apego; atingidos por barragem.


ABSTRACT

The case study aimed to characterize the organization of subjective processes, after forced displacement, among the members of a family affected by a dam. The theoretical reference of the work was guided by the theory of subjectivity, developed by Fernando González-Rey from a cultural-historical perspective, and the place attachment theory. The participants were the mother, father, and daughter, removed for one rural resettlement in Tocantins in 2001. Using conversational dynamics, semi-structured interviews, socio-demographic inventory, and the elaboration of a family genogram, the axes of analysis were raised, which pointed out characteristics of leadership in the members, impacts on family dynamics, and negative repercussions on place attachment. It suggested considering, in the evaluations of this type of impact, the dimensions of individual and social subjectivity of the person affected by the dam.

Keywords: migration; subjectivity; attachment; affected by dam.


RESUMEN

Este trabajo de caso tuvo el objetivo de comprender la articulación entre la subjetividad individual y social de los miembros de una familia afectada por represa en el contexto del traslado forzado. El referencial teórico del trabajo fue orientado por la teoría de la subjetividad, desarrollada por Fernando González-Rey en una perspectiva cultural-histórica, y en la teoría del apego al lugar. Los participantes fueron la madre, el padre y la hija, removidos para un reasentamiento rural en Tocantins, en 2001. A partir de la utilización de la dinámica conversacional, de la entrevista semiestructurada, de un inventario socio demográfico y de la elaboración de un genograma familiar, fueron identificados los ejes de análisis, que indicaron características de liderazgo en los miembros, choques en la dinámica familiar y repercusiones negativas en el apego al sitio. Se sugiere considerar, en las evaluaciones de este tipo de impacto, las dimensiones de la subjetividad individual y social de la persona atingida por represa.

Palabras clave: migración; subjetividad; apego; atingidos por represa.


RÉSUMÉ

Cette étude de cas visait à comprendre l'articulation entre la subjectivité individuelle et sociale des membres d'une famille touchée par un barrage dans un contexte de déplacement forcé. Le cadre théorique du travail a été guidé par la théorie de la subjectivité, développée par Fernando González-Rey dans une perspective historico-culturelle, et dans la théorie de l'attachement au lieu. Les participants étaient mère, père et fille, déplacés à cause d'une réinstallation rurale à Tocantins (Brésil) en 2001. A partir de l'utilisation de la dynamique conversationnelle, de l'entretien semi-structuré, d'un inventaire sociodémographique et de l'élaboration d'un génogramme familial, les axes d'analyse ont été soulevés, mettant en évidence les caractéristiques de leadership chez les membres, les impacts sur les dynamiques familiales et les impacts négatifs sur l'attachement au lieu. Il est suggéré de prendre en compte, dans les évaluations de ce type d'impact, les dimensions de la subjectivité individuelle et sociale de l'individu touché par le barrage.

Mots-clés: migration ; subjectivité ; attachement ; barrage.


 

 

Os deslocamentos induzidos por obras de desenvolvimento envolvem famílias que são obrigadas a se mover como consequência de projetos implementados para, supostamente, aumentar o desenvolvimento econômico (Iorio & Monni, 2020; Pinto, 2012). O objetivo deste estudo de caso é compreender como os processos da subjetividade social e individual se organizam no deslocamento forçado dos membros de uma família atingida por barragem. A partir da abordagem cultural histórica da subjetividade e da teoria do apego ao lugar, buscar-se-á compreender a atividade pelo qual diferentes processos subjetivos tomam forma entre os membros de uma família.

A subjetividade definida pelo psicólogo Fernando González-Rey é tanto social quanto individual, e se organiza como sistema a partir de diferentes sentidos subjetivos, que são a organização simbólicoemocional dos processos da subjetividade e expressam a forma como ela se organiza, tanto em termos individuais como sociais. Tanto a subjetividade individual como a subjetividade social evidenciam a dimensão ontológica da pessoa nos aspectos culturais e sociais, situando historicamente a singularidade dos fenômenos humanos (González-Rey, 2017; González-Rey, Martínez, & Bezerra, 2016).

Para González-Rey (2012), as subjetividades individual e social são processos distintos de um mesmo sistema. A primeira especifica a produção singular da pessoa diante dos diferentes espaços da subjetividade social, o que representa um processo permanente, o qual tomará formas distintas de acordo com os diferentes aspectos simbólicoemocionais que se configuram, por exemplo, nas estruturas de poder e nas formas de organização, que caracterizam os espaços sociais.

A subjetividade social é a forma como se organizam os processos sociais em termos subjetivos, ou seja, é uma produção diante dos diferentes processos sociais, não como sua consequência, mas como configuração de diferentes sentidos subjetivos (González-Rey, 2012). Assim, muitos pesquisadores também consideram necessária a introdução de uma dimensão social na teoria do apego ao lugar (Alves, 2014; Casakin, Ruiz, & Hernández, 2013; Ruiz, Pérez, & Hernández, 2013).

A psicologia define o apego ao lugar como um vínculo emocional que uma pessoa estabelece com um espaço determinado, que lhe transmite segurança, e, portanto, ela quer permanecer (Ruiz, 2013; Ruiz, Pérez, & Hernández, 2013). O lugar é uma dimensão da pessoa em relação ao entorno físico (Vidal, Berroeta, Masso, Valera, & Peró, 2013), isto é, se refere às dimensões da intersecção de sentimentos relacionados com ambientes físicos específicos, e às conexões simbólicas ao espaço, que definem quem somos (Raymond, Brown, & Weber, 2010).

Gustafson (2001) apresenta três polos teóricos estruturais que se destacam na conformidade da pessoa com o lugar. O Self, que está altamente associado aos sentidos pessoais no que tange aos estilos de vida, emoções, atividades e identificação. O Outro, que são as características influenciadoras no apego ao lugar dos mesmos habitantes de um espaço comum e/ou compartilhado, compreendido como a comunidade. E o polo Ambiente, que, de outro modo, reflete o papel do ambiente físico no desenvolvimento do vínculo com o lugar.

Há um número crescente de estudos aplicados na psicologia sobre a identificação do relacionamento entre as características individuais, o contexto social e físico, e as possíveis respostas comportamentais associadas ao desenvolvimento dos vínculos (Giuliani, 2003). Felippe & Kuhnen (2012) apresentaram os grupos temáticos das pesquisas relacionadas ao apego ao lugar e destacaram sete temas diretamente relacionados ao ambiente físico: comportamento socioespacial humano; conhecimento ambiental; ambientes específicos; avaliação e planejamento ambiental; comportamento ecologicamente responsável; percepção social de riscos ambientais; e gestão ambiental.

No contexto dos deslocamentos forçados, na obra fundante da teoria do apego ao lugar, Grieving for a lost home, Fried (1963) concluiu que as experiências do deslocamento em muitos indivíduos são aproximadas de um processo de luto, e que se manifestam como perda dolorosa, continuidade do anseio, tom depressivo, sintomas psicossomáticos de estresse, autoexigência de adaptação no ambiente alterado e sensação de desamparo . A pesquisa do autor, realizada com 560 homens e mulheres em situação de deslocamento de um prédio residencial urbano, indicou os fatores espaciais, sociais e pessoais, como a natureza do sentimento de perda.

Segundo o Observatório de Migrações Forçadas (Instituto-Igarapé, 2018), a cada minuto um brasileiro é obrigado a deixar a sua casa em função de desastres naturais e/ou projetos ambientais. Entre os anos 2000 e 2017, em torno de 7.7 milhões de brasileiros foram afetados por esse problema quase invisível. A maior parte dos deslocamentos forçados no Brasil ocorreu nas regiões Nordeste (27%) e Sudeste (26%), seguido pelo Sul (26%). A Região Norte tem 19% das migrações forçadas, enquanto o Centro-oeste é a que apresenta a menor porcentagem (2%).

As represas amazônicas do Brasil provocam importantes impactos sociais e ambientais, que influenciam o desenvolvimento humano e econômico (Caravaggio & Iorio, 2016; Fearnside, 2019a). Incluem-se no deslocamento forçado da população: a perda da atividade pesqueira, a metilização de mercúrio e a emissão de gases de efeito estufa (Athayde et al., 2019; Fearnside, 2019b). Observa-se que os planos de compensação, elaborados a partir do estudo de impacto Ambiental (EIA) para a mitigação dos danos provocados por esses empreendimentos, são diminutos em comparação com a proporção das perdas individuais e contextuais que eles geram (Iorio, Monni, & Brollo, 2018).

Zagallo & Ertzogue (2018) afirmam que o deslocamento forçado de pessoas do seu habitat em razão da construção de grandes barragens provoca danos às comunidades rurais, tais como: o rompimento de laços familiares e afetivos com os parentes, a vizinhança e os amigos de infância. Desestrutura-se o modo de vida das populações tradicionais, que utilizam os recursos naturais para a sobrevivência e cultos sagrados. A ligação dos povos tradicionais com o lugar vivido é intensa e revela que o território não pode ser percebido como posse ou algo exterior à comunidade que nele vive (Silva-Marques, Teixeira-Cruz, Giongo, & Rosa-Mendes, 2018).

Os impactos pela perda do lugar de vivência, e pelo rompimento dos laços comunitários, implicam a problemática dos lugares desaparecidos que afetam os vínculos dos atingidos por barragens, bem como com o passado de imenso valor afetivo (Carvalho-Silva & Ertzogue, 2015; Jesus & Ertzogue, 2018). Para compensar esses impactos, Athayde e Silva-Lugo (2018)identificaram, em uma comunidade indígena amazônica atingida por uma usina hidrelétrica, sete estratégias de enfrentamento e adaptação, sendo elas: redes de liderança e reciprocidades; mobilidade; manutenção e inovação da linguagem; articulação do conhecimento; substituição de recursos estratégicos; transmissão entre os gêneros; e a revitalização da diversidade.

Diante do exposto, ao refletirmos sobre a avaliação dos impactos nas comunidades atingidas por barragens, pergunta-se: Como os diferentes sentidos subjetivos se configuram e estão implicados na forma como as pessoas sentem o lugar que vivem e como o novo lugar é subjetivado por elas e suas famílias? Sugere-se que esses processos se expressam tanto na subjetividade individual quanto social entre os membros de uma família. Portanto, torna-se relevante aprofundar o estado da arte sobre esse fenômeno, que implica na possibilidade de inclusão da mitigação dos impactos psicológicos no desenvolvimento dos planos de compensação ao deslocamento provocado por usinas hidrelétricas.

 

Metodologia

Delineamento

Esta é uma pesquisa qualitativa feita a partir de um estudo de caso e inspirada na epistemologia qualitativa proposta por González-Rey (2002, 2005).

Local da Pesquisa

Reassentamento Núcleo Rural Novo Pinheirópolis, situado no município de Porto Nacional-TO, cujas famílias foram deslocadas, em 2001, devido à construção da Usina Hidrelétrica (UHE) Luís Eduardo Magalhães. A UHE se localiza nos municípios de Lajeado e Miracema, a 55 km de Palmas, capital do estado do Tocantins.

Participantes

Uma professora aposentada, seu esposo (in memoriam) e a filha caçula, inseridos no contexto do deslocamento forçado e residentes no reassentamento. O critério para a escolha da família foi que houvessem habitado no antigo e no novo povoado durante o processo do deslocamento, ocorrido há 20 anos.

Instrumentos

Um inventário sociodemográfico: composto por 78 questões abertas e fechadas, caracterizou: os membros familiares, a idade, a escolaridade, o grau de parentesco, a renda familiar, a história da migração familiar, a moradia, a religião, a rede social e aspectos da saúde.

Dinâmica conversacional: consistiu na proposição do assunto O processo de deslocamento da comunidade Pinheirópolis, sem perguntas previamente estabelecidas, emergidas todas no andamento da interação entre o pesquisador e os participantes. González-Rey (2005) assim a define para não estabelecer uma relação de pergunta e resposta entre pesquisador e participante e, dessa forma, possibilitar a expressão mais livre do participante.

Entrevista semiestruturada para a construção do genograma: Esse instrumento, desenvolvido por McGoldrick, Gerson, e Petry (2012), é utilizado extensivamente nas práticas e pesquisas clínicas com famílias, auxiliando a diagramar os membros em relação a cada um, geralmente iniciando-se com um dos membros (pessoa identificada), incluindo até três gerações, com o objetivo de detectar padrões repetitivos. As informações são reunidas e organizadas à medida que se conta a história familiar. O desenho, contudo, precisa estar adequado a determinadas regras, de modo que haja o mesmo entendimento da linguagem do instrumento. Portanto, os genogramas são identificados por meio das legendas que os definem.

Construção do cenário e da ética na pesquisa

A pesquisa foi realizada em 2015, portanto 15 anos após a remoção dos moradores para o novo reassentamento. A família participante foi indicada pela escola local, tendo participado de uma primeira reunião com os pesquisadores, na qual foram esclarecidos os objetivos. Por meio de uma decisão da família, foram indicados os três participantes das entrevistas, considerando a conveniência dos horários e a disponibilidade deles, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

No primeiro encontro foi realizada a dinâmica conversacional, de aproximadamente 45 minutos, com a professora e o seu esposo. No segundo encontro realizou-se uma entrevista semiestruturada, com a presença da professora e da filha, que durou 57 minutos. No terceiro encontro foi respondido o inventário sociodemográfico e realizada a entrevista de encerramento, com duração de 47 minutos. As respostas obtidas em ambos os instrumentos eram exploradas a fim de obter mais informações ou esclarecer as respostas dadas quando necessário. O trabalho de campo foi na residência da família.

O caso apresentado neste estudo foi extraído da pesquisa Comunidades ribeirinhas impactadas por barragens, encaminhada e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos sob o Registro CAAE: 70302016.8.0000.5540 e o Parecer n.º 2.163.238, seguindo as normas da Resolução n.º 466/12 do Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde, que trata de ética em pesquisa com seres humanos, conforme constou no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foi garantido o sigilo da identidade dos participantes, identificados pelas iniciais do nome próprio, assim como os demais membros mencionados na entrevista, e identificados no genograma (mãe: I; pai: G; filhos: S1, S2, L; neta: S3).

Análise da informação

Com base na epistemologia qualitativa (González-Rey, 2002, 2005), a análise da informação se organiza em indicadores que são construções hipotéticas do pesquisador a partir da expressão dos participantes. Diferentes indicadores possibilitam produzir hipóteses sobre o problema estudado e abrem caminho para a produção teórica da pesquisa.

As interpretações do genograma familiar foram analisadas por uma perspectiva transgeracional, e sua representação gráfica foi feita pelo programa Genopro. A utilização dessa ferramenta, a partir das informações contidas no inventário sociodemográfico e nas respostas das entrevistas semiestruturadas, possibilitou a descrição do caso e a diagramação da estrutura e da dinâmica da família.

A partir da interpretação foi possível a organização de três eixos de análise: a) Liderança e participação comunitária, b) Implicações do deslocamento forçado no sistema familiar, c) Articulação subjetiva do apego ao lugar. O eixo de análise não é definido a priori, ele se organiza depois da intepretação das informações da pesquisa, e a sua organização acontece pelo tipo de informação que é congruente entre si.

 

Resultados e Discussão

Descrição do caso

Os dados obtidos com a utilização dos instrumentos sobre a família participante, nas datas em que ocorreram as obtenções das informações, evidenciaram a centralidade das narrativas em torno da mãe (I), sendo ela, portanto, a pessoa identificada na diagramação do genograma (Figura 1). A mãe nasceu em 1950, em uma fazenda chamada Olhos D'água, no município de Porto Nacional, então estado de Goiás. Ela é a sexta de onze filhos do primeiro casamento do seu pai, que era trabalhador rural. Após o falecimento da mãe, o pai contraiu novo matrimônio e teve mais três filhas.

A diagramação não demonstrou relação conflituosa da mãe com a sua família de origem. Embora nascida na zona rural e membra de uma família numerosa, ela iniciou os estudos na capital Goiânia, tendo retornado posteriormente à Porto Nacional para finalizá-los. I trabalhou por 25 anos como técnica de enfermagem, e licenciou-se em História na década de 90. Possui especialização em Saúde pública, Gestão escolar e educação, e Política social. Foi vereadora do município em que reside por um partido político de centro-direita na década de 1990.

Em 1970, a professora contraiu matrimônio com o seu colega (G) de trabalho e de faculdade, dez anos mais velho, que também provinha de uma família numerosa (18 irmãos) na zona rural do mesmo município. O casal gerou três filhos biológicos entre os anos 1971 e 1980. A filha mais velha é advogada (S1); o segundo (S2) é o médico do reassentamento, e também é formado em biologia; e a terceira filha (L) possui graduação em pedagogia e direito, e reside no estado de Rondônia com o marido e o filho. Na década de 90, o casal adotou a neta (S3), nascida em 1986, filha de uma relação passada de S1. Atualmente, S3 encontra-se gestante e cursa medicina, com o seu esposo, em um país vizinho no centro-oeste da América do Sul.

Aos 40 anos, já trabalhando como professora, transferiu-se com o seu esposo para o povoado Pinheirópolis para trabalharem na escola pública. Eles compraram uma chácara nas proximidades e mantiveram os filhos já crescidos em Porto Nacional. Durante os 10 anos que viveram no antigo povoado, o casal se manteve na liderança da gestão escolar, sendo G o diretor e I a coordenadora. Ainda no ano de 1997, a comunidade começa a organizar plenárias em órgãos públicos sobre o processo de deslocamento, episódio em que o casal de professores participou ativamente no papel de lideranças comunitárias.

No ano de 2001, a família transferiu-se, com os demais moradores do antigo povoado, para o novo reassentamento. Entre as informações levantadas no genograma da família, observou-se que esse processo provocou a separação dos membros da família, uma vez que, nesse período, os pais já estavam vivendo sozinhos e os filhos haviam constituído as suas respectivas famílias. Durante os 15 anos após a remoção da família, os membros continuam ativos na comunidade, sendo o processo do deslocamento uma força ainda presente na dinâmica da família.

Todos os filhos estão em relações conjugais e somam quatro netos. O genograma apontou forte aproximação entre a professora e a filha mais velha (S1), e foi observada uma relação de conflito com a mais nova (L). Os membros se declararam católicos, mas também se consideram adeptos aos cultos ecumênicos e frequentam diversas manifestações religiosas.

Durante o período de realização da pesquisa, G veio a óbito por problemas cardiovasculares, um aspecto transgeracional em sua família de origem, impedindo o prosseguimento da sua participação no processo da pesquisa. Atualmente, I reside em uma casa dada como indenização pela construtora da UHE no povoado, possui também uma chácara, é aposentada e convive com o irmão e um sobrinhoneto. Todos os membros ajudam nas despesas da casa, com renda mensal de seis salários mínimos.

Liderança e participação comunitária

Este eixo se refere aos processos subjetivos relacionados ao momento em que a família se transferiu para Pinheirópolis, a sua participação na comunidade e as influências que levaram ao desenvolvimento do casal de professores como lideranças comunitárias. No caso examinado neste estudo, observa-se que o casal iniciou o desenvolvimento de suas lideranças logo nas suas primeiras aproximações com o antigo povoado de Pinheirópolis, como estudantes, para realizar pesquisa e estágio sobre os altos índices de analfabetismo naquela população.

Nós fizemos uma pesquisa e vimos que quase todo mundo era analfabeto e, por dó, nós decidimos ficar. Pinheirópolis era na beirada de Porto Nacional, a nossa "cidade cultural", e isso me chamava muito à atenção, e nasceu, assim, aquela vontade. Tinha uma escolinha lá nesse povoadinho. Ela tinha só o primário. (I)

O sentimento de pena trazido por I evidencia aspectos da subjetividade social brasileira, em que, muitas vezes, o que é feito pelo outro tem um viés assistencialista. No estudo sobre o cotidiano das mulheres dos reassentamentos rurais criados com a construção da UHE Luís Eduardo Magalhães em Porto Nacional-TO, Parente & Guerrero (2012) identificaram as situações em que o poder das lideranças é questionado devido a ausência de atuações de influência, como uma representação política diretamente voltada para a comunidade. Silva-Marques et al. (2018) também constataram em suas pesquisas que a construtora e algumas prefeituras, envolvidas na construção da Usina Hidrelétrica Itá, cotavam lideranças comunitárias e ofereciam a elas dinheiro para convencer os vizinhos de que o projeto era algo bom para a região.

Em um primeiro momento, a relação do casal com o lugar se constitui pela necessidade que eles identificam no contexto, o que expressa também o seu compromisso com o outro. São processos subjetivos que se organizam na tensão entre o social e o individual e marcam o elo afetivo entre a pessoa e o ambiente físico. Ademais, a liderança comunitária que surgiu nessa produção subjetiva, juntamente com a reciprocidade e a solidariedade, são elementoschave de enfrentamento e de resiliência socioecológica (Athayde & Silva-Lugo, 2018).

Nós viemos todos de lá (porto Nacional), mas muitos tinham essa afinidade pelo lugar. Por exemplo, os Cardoso mesmo. Tem uma família Cardoso. Família muito boa que nós temos aqui. Povo, assim, muito profissional, sabe? Essa família ficou tão aqui que ficou uma professora de geografia, uma auxiliar de serviços gerais e uma secretária. Cada um tinha uma dedicação melhor que a outra. Muito boa! (G.)

Os papéis de liderança assumidos pelo casal possibilitaram a autonomia e a aquisição de vivências positivas. Segundo Martinéz e González-Rey (2017), a realidade social é constituída por modelos de representação, nos quais os elementos do real são inseparáveis das produções simbólicas, em que se expressa a participação da pessoa. As experiências formativas do casal e a sua participação ativa na comunidade são partes da constituição subjetiva individual e social, deles e dos demais membros familiares, que costuram os momentos de vida atualizados em suas vivências.

Nós estávamos resistindo pra ficar lá, até que terminaram essa infraestrutura daqui. Foram 128 famílias que mudaram e lá devem ter ficado umas 20. Maioria estava aqui, né? Aí, nós tivemos que mudar. Nós mudamos através do Ministério Público. Ele baixou mesmo lá e mandou um mandato que nos fez mudar em 24 horas e, no máximo, 40 horas tinha que mudar. Desse jeito, meu filho. Acredita num negócio desses? Aí, pegaram, mandaram, e nós tivemos que mudar. (I)

As pesquisas aplicadas no Tocantins sobre os processos de mobilização social e comunitária em torno dos impactos humanos provocados pelas obras de desenvolvimento destacam a atuação das pessoas atingidas por barragens, que ocupam papéis de liderança em espaços de decisão, em que muitas estão engajadas nos movimentos sociais (Carvalho-Silva & Ertzogue, 2015; Lima, Marques, Ertzogue, Ferreira, & Lima, 2015; Parente & Guerrero, 2012; Zagallo & Ertzogue, 2018). A formação, o fortalecimento da comunidade e a criação das redes de reciprocidades, após o deslocamento forçado e os desastres, têm sido estudados pelos teóricos dos deslocamentos (Oliver-Smith, 2012).

Nós (moradores do reassentamento) fomos escolher o lugar. Inclusive, nós escolhemos esse local aqui. Tinham vários locais por aí. Nós fizemos muitas visitas, muitas reuniões, levava o povo e coisa e tal. Aí eles (empreendimento hidrelétrico) queriam nos mudar lá pra perto de Palmas, aí nós ficamos procurando, aí eu e G. achamos esse terreno aqui. Fomos procurar o dono. Quem era dono? Tanto é que o problema deles (empreendimento hidrelétrico) maior foi conosco, sabe? Porque isso aqui foi caro pra eles. Porque aqui é um dos melhores reassentamentos que tem é esse aqui. (I)

Segundo Parente (2015), a participação das lideranças na construção dos planos de compensação dos impactos provocados pelas hidrelétricas auxilia na avaliação da viabilidade socioambiental das soluções implementadas. Elas podem identificar os aspectos prejudiciais, motivar a participação coletiva dos atingidos nas diferentes etapas do deslocamento forçado e definir as necessidades produtivas das famílias. Auxiliar na escolha das áreas reassentadas, informar os níveis de degradação social e cultural, as etapas de adaptação das famílias aos novos sistemas produtivos e as novas comunidades formadas.

Os estudos sobre os deslocamentos forçados na Amazônia, provocados pela construção de hidrelétricas, demonstram a importância da participação comunitária na construção dos planos de compensação (Ploeg & Vanclay, 2018; Randell, 2017). Entretanto observa-se que as tomadas de decisão dependem da existência de lideranças capacitadas continuamente para a compreensão do que são as políticas públicas e, portanto, saberem de quem cobrar e como fazerem as suas reivindicações (Athayde & Silva-Lugo, 2018; Fearnside, 2019a).

Aí eles fizeram tudo bonitinho, bem arrumadinho, assim tudo. Eles fazem casa assim, com piso, nós pedimos cerâmicas, tudo. Tudo assim direitinho. Instalação hidráulica bem-feitinha. Foi muito bom! Essa parte foi boa. E deram dois anos de apoio para os chacareiros: preparava a terra, aí plantava, ajudava a colher. Foram dois anos de muita fartura! (G)

Implicações do deslocamento forçado no sistema familiar

Este eixo de análise diz respeito às articulações, relacionadas aos processos subjetivos dos membros, geradas na experiência com a comunidade. O professor (G) relatou o seu envolvimento pessoal e familiar durante o processo do deslocamento, a partir do qual foi possível levantar fragmentos sobre a relação conjugal.

É a questão da liderança. E uma coisa que eu percebi é que nunca fui muito de liderar, não. Não tenho muita paciência. A I é boa na coisa. (...), mas um tem que liderar. Agora, infelizmente, o líder é o único que paga o pato. Eu saí da associação, mas a I ainda entrou esse ano. Eu não vou, não! Tenho paciência pra mexer com gente não. Basta a escola, que me deixou estapafado daquele trem. (..) A I tá aí... tem hora que eu falo que ela é incutida com esses trens aí. Não abre mão, meu irmão! (..) A I é doente! A I é doente! (...) Olha, a gente nem conversa sobre política, porque dá briga na mesma da hora. (G)

Em geral, o contexto em que se insere o casal oferece as condições materiais, sociais e psicológicas que são fontes de estresse ou de suporte para o seu desenvolvimento (Bucher-Maluschke, 2010; Silva, Lima, Pontes, Bucher-Maluschke, & Santos, 2011). O envolvimento da esposa em atividades relacionadas ao desenvolvimento da sua liderança influenciou na dinâmica relacional do casal. Percebe-se que, a relação entre a conjugalidade e os papéis assumidos na comunidade tomou novo sentido após o deslocamento. Por um lado, a esposa manteve-se engajada com os compromissos da comunidade; por outro, o marido abandonou o papel da liderança. "Ele é totalmente A. Eu sou totalmente B. Eu ainda acredito em tudo." (I)

O silêncio sobre esse assunto na comunicação conjugal sinaliza uma estratégia de sobrevivência para que a família pudesse prosseguir junta (Silva et al., 2011). Ademais, a mudança do casal de professores para o povoado repercutiu na dinâmica familiar, impactando também a relação entre a mãe e a filha mais nova (L). Bucher-Maluschke, Gondim, e Pedroso (2017) discutiram os impactos da migração interna em famílias brasileiras, especialmente sobre os vínculos emocionais e a saúde mental. As análises indicaram a divisão e a formação dos vínculos, o adoecimento psicológico causado por conflitos inter e trans-subjetivos, e as dinâmicas transgeracionais que se repetem nas famílias.

A relação conflituosa demonstra que sentidos subjetivos contraditórios se configuram no processo de fazer escolhas e que eles não se desenvolvem em um percurso linear e harmonioso. É um processo que, muitas vezes, envolve rupturas ou alianças afetivas e geográficas para a concretização de um ideal (González-Rey, 2012). Durante a entrevista para a construção do genograma, a filha (L) se expressou de forma ambivalente quando relatou a sua identificação com o povoado.

Quando eles (pais) compraram (a chácara), eu era bem pequena ainda, mas me recordo sim. Nos finais de semana e feriados, a gente ia para Pinheirópolis. Só que era um lugar que a gente não gostava. O meu pai e a minha mãe sempre amaram muito Pinheirópolis. A gente, quando criança, não gostava tanto, nem era de Pinheirópolis, mas da chácara. (L)

Nesse sentido, podem-se ressaltar, a partir da diagramação do genograma, alguns padrões de relacionamento intrafamiliar considerando as ambivalências subjetivas quanto ao desapreço da filha (L) pela chácara, localizada no núcleo urbano do antigo Pinheirópolis, e na demonstração de lealdade do filho (S), que atua como médico na comunidade, agora reassentada, que os pais escolheram para viver. É por meio do conceito de lealdade que os relacionamentos familiares são estruturados. Baseiam-se em regras estabelecidas e estruturas que devem ser obedecidas se o indivíduo quer ser aceito no grupo (Bucher-Maluschke, 2008).

L vivenciou a ruptura na família, devido à transferência dos pais para o reassentamento, e elaborou, em suas narrativas, reflexões negativas sobre os impactos que o deslocamento trouxe, percebendo os problemas de forma indissolúvel, enquanto o posicionamento da mãe (I) apresenta uma perspectiva positiva em relação a esses mesmos problemas, como fontes de articulação e participação comunitária.

Articulação subjetiva do apego ao lugar

Este eixo expressa os vínculos dos membros da família com o antigo e o novo Pinheirópolis, e os impactos nesse apego durante a deslocação da família. Neste estudo, o ambiente físico descrito a seguir pela mãe (I) é traduzido pela emocionalidade que se encontra no ambiente natural, ou seja, um aspecto significativo para a sua aproximação com a escola, a comunidade e a vontade de lá permanecer.

A gente morava em porto, né? E nós resolvemos comprar uma chácara para descansar. Nós sempre fomos professores, e lá (Pinheirópolis) seria melhor para a gente descansar. Tinha muita água. Era um local, assim, muito bom. Dava para você ter um momento de calma. Tanto é que a gente tinha a biblioteca lá, tinha tudo. Era um local para isso. (...) quando nós fomos trabalhar lá, nós nos transferimos. A chácara era muito pertinho da escola, e a gente morava lá. (I)

Desse modo, os sentidos subjetivos produzidos nessa vinculação da família com Pinheirópolis fazem parte de uma teia dinâmica de relações entre o ambiente natural, a posição política frente às necessidades da comunidade e o compromisso do casal de professores com a construção da escola em que trabalharam. Portanto, os sentidos subjetivos não são produções relacionadas a uma única experiência, mas sempre se articulam com processos de vida que têm efeitos diversos nas produções subjetivas das pessoas (González-Rey, 2012).

No caso de Pinheirópolis, durante o período de escolha do novo lugar, as famílias atingidas visitaram diferentes áreas e escolheram a mais próxima do antigo povoado. Foram instalados no reassentamento os aparelhos públicos, rede de esgoto e hidráulica, eletricidade e novas residências, feitas em alvenaria, telha e piso (Leite et al., 2012). Todas as residências possuem quintais com plantações das frutas e hortaliças, tradicionalmente cultivadas, e em muitos deles foram construídos "barracões", com paredes de barro cobertura de palha, chão batido e divisórias, similares às casas que costumavam habitar. Aquelas famílias que não quiseram se mudar com a comunidade foram indenizadas pela empresa.

Quando mudamos (do antigo povoado) pra cá, a gente tinha no máximo, contando as casas razoáveis pra morar, umas cinco casas. O resto era rancho caindo mesmo. O povo ia lá em casa todo dia reclamar "vamos embora que a casa tá caindo". É tanto que deu dor de cabeça até pra mudar pra cá. (G)

O relato do professor G, esposo de I, expressa como a população muitas vezes está submetida a uma forma precária de habitação. A forma como diferentes políticas habitacionais são definidas evidencia os processos da subjetividade social dominante, pois alguns grupos estão invisibilizados e não são contemplados com condições razoáveis de vida (Randell, 2017). A subjetividade não diz respeito apenas aos processos individuais, mas, de forma mais abrangente, implica reconhecer como simbólica e emocionalmente diferentes processos tomam forma na sociedade concreta (González-Rey, 2012; González-Rey et al., 2016).

A mudança foi muito doída. Foi trauma mesmo. Foi traumática, mas a gente está se acostumando. Teve um momento, em questão de residência, a melhora do Pinheirópolis novo foi muito grande. Pela moradia, casa, né? Porque, lá no Pinheirópolis velho, a maioria não tinha casa mesmo. Não tinha nada. Era um barracãozinho de palha. Era muita pobreza. E a mudança, mesmo com as perdas, recompensou um pouco. Mas não tanto. O que ficou lá mesmo foi a paixão, porque a gente tinha muita paixão pelo lugar. O lugar é riquíssimo de água. Hoje, nós estamos num pobre demais de água. Só temos um poço artesiano. A água é muito cara. Essa dificuldade não foi superada, e não vão superar. (I)

Além de moradora, líder e professora, I e a sua família pertenciam a uma classe econômica que os diferenciavam das outras famílias, cujos membros eram trabalhadores rurais, ou seja, o deslocamento e a perda do lugar influenciam, a depender do extrato social, as configurações essenciais para o sentido de continuidade do apego com o lugar. Não obstante, a narrativa de L apontou a insatisfação com a mudança da comunidade e dos planos de relocação aplicados, que influenciaram no surgimento de sentimentos opostos ao apego ao lugar, tais como insegurança e medo.

Então isso gerou um impacto negativo na comunidade, entendeu? E, na minha concepção, por mais que tenha melhorado a casa, aquilo nunca foi bom. Se você pegar o pessoal de Pinheirópolis e fizesse uma enquete com eles: 'vocês queriam morar nessa casa nova ou morar no Pinheirópolis velho?', eles gostariam de voltar. Isso é a realidade. Então, assim, é um povo muito bom, mas muito carente. O impacto foi negativo. Carente de instrução. Eles têm uma escola muito boa, mas têm muita carência. Muito fruto daquela época ainda. E a violência é muito grande! Lá tem traficante, assim, de alta periculosidade. (L)

Esses fatores, juntamente com as características e as avaliações negativas do novo ambiente, como a falta de educação, a violência e a pobreza, influenciam no apego ao lugar e constituem a subjetividade individual e social da participante. Repercutiu no sistema familiar a articulação subjetiva de sentimentos ambivalentes entre o aspecto positivo de se ter uma boa estrutura física em detrimento das memórias, que não são passíveis de indenização em valor material.

Nota-se a existência de uma vasta literatura científica interdisciplinar que documenta a contestação dos atingidos por empreendimentos hidrelétricos pelo rompimento dos laços comunitários e a tristeza pela desestruturação do modo de vida (Carvalho-Silva, 2018; Carvalho-Silva & Ertzogue, 2015; Jesus & Ertzogue, 2018; Messias, 2012; Parente, 2015; Parente & Guerrero, 2012; Zagallo & Ertzogue, 2018). Também foi observado que as pesquisas apresentaram os delineamentos metodológicos com técnicas de questionário, entrevista semiestruturada, história oral e a utilização de escalas de valores.

Os pesquisadores apontam que a crise pela perda de uma área residencial traz à tona a importância da região espacial local e orienta uma maior generalização, nos estudos de impacto, sobre as concepções espaciais como constituintes da vinculação entre a pessoa e o lugar. Desse modo, esse apego tem o lugar como produção simbólica e emocional, unidade indivisível da base da constituição da subjetividade humana. As configurações subjetivas trazidas pelos membros da família estudada neste caso evidenciaram as implicações do apego ao lugar deles no contexto individual, com a comunidade e com o espaço físico.

Paixão, saudade, dor, sabe? Muita dor, muita paixão. A gente saiu por circunstância, que eles prometeram que lá alagaria tudo, né, aí, não tinha como ficar. É o preço do progresso. Nós pagamos o preço do progresso, porque a gente não queria mudar de jeito nenhum. Logo muito próximo daqui, muito bom. E a gente estava assim mesmo, bem assentadinho lá. Tinha uma casa muito boa. A gente construiu uma casa dentro dos padrões razoáveis mesmo (I).

 

Considerações Finais

Este trabalho buscou compreender a articulação entre a subjetividade individual e social dos membros de uma família no contexto do deslocamento forçado. Os resultados apontam aspectos das subjetividades individuais e sociais dos participantes da pesquisa associados ao ambiente físico e aos aspectos relacionais da família e da comunidade. No caso da família estudada, o deslocamento forçado tornou-se uma das contingências que pode ter influenciado em uma desorganização da subjetividade individual e social dos membros.

A subjetividade social de uma família tem efeitos diversos na forma como a subjetividade individual se configura, pois sua forma de organização é sentida de uma maneira singular pelos seus membros. Do mesmo modo, a subjetividade social de um contexto ou lugar tem desdobramentos para a constituição das subjetividades que a conformam, o que nos leva a refletir sobre a importância da compreensão da subjetividade social dos lugares que sofrerão ações governamentais para que as famílias que participam desses contextos possam ser compreendidas nas suas necessidades. Toda ação envolve aspectos simbólicos que mobilizam processos subjetivos relacionados aos processos de vida, ou seja, são decisões relacionadas a vidas organizadas de diferentes formas.

Conclui-se que os profissionais e pesquisadores da psicologia são técnicos importantes para a avaliação dos impactos socioambientais em regiões impactadas por UHE, pois eles podem avaliar as perdas individuais e sociais das famílias atingidas na aferição das políticas. A compreensão das dimensões do apego ao lugar, nos estágios do deslocamento forçado, auxilia na eficiência dos planos de desenvolvimento da comunidade, na escolha do novo lugar da moradia e na adaptação das famílias ao novo ambiente.

 

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Endereço para correspondência:
Jonas Carvalho e Silva
E-mail: carvalho707@gmail.com

Júlia Sursis Nobre Ferro Bucher-Maluschke
E-mail: psibucher@gmail.com

Valéria Deusdará Mori
E-mail: morivaleria@gmail.com

Recebido em: 28/02/2020
Revisado em: 17/08/2020
Aceito em: 18/09/2020
Publicado online: 24/03/2021

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