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Junguiana

versão On-line ISSN 2595-1297

Junguiana vol.38 no.2 São Paulo jul./dez. 2020

 

O racismo como complexo cultural brasileiro: uma revisão a partir do feminismo decolonial

 

El racismo como complejo cultural brasileño: una revisión basada en el feminismo descolonial

 

 

Barbara TancettiI; Jéssica Harumi EstevesII

IPsicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), mestre em Psicologia Clínica pelo Núcleo de Estudos Junguianos pela mesma instituição e co coordenadora do grupo de estudos e pesquisas sobre psicologia analítica, gênero e feminismo. e-mail: <ba.tancetti@gmail.com>
IIPsicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), aprimoranda em Psicologia Clínica pelo Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) e especialista em Psicoterapia Junguiana e Abordagem Corporal pelo Instituto Sedes Sapientiae (SEDES). email: <jehesteves@gmail.com>

 

 


RESUMO

Buscamos, no presente trabalho, abrir um espaço de interlocução de diferentes campos de saberes - a psicologia analítica, o feminismo decolonial e o feminismo negro - a fim de promover uma reflexão sobre o racismo na sociedade brasileira na atualidade e a importância da área clínica dentro deste contexto. O objetivo é - a partir de questionamentos que atravessaram as nossas práticas - instigar um diálogo para aprofundar de maneira plural o tema e introduzir um modo de pensar interseccional, possibilitando novas narrativas que contemplem olhares múltiplos sobre o fenômeno. Para tanto, o estudo junguiano sobre os complexos culturais demonstrou-se campo frutífero de reflexão crítica dentro da atuação clínica e de ampliação teórica a partir do diálogo transdisciplinar entre diferentes esferas de conhecimento.

Palavras-chave: Palavras-chave racismo, complexo cultural, feminismo decolonial, transdisciplinaridade, psicologia clínica.


RESUMEN

En el presente trabajo, buscamos abrir un espacio para la interlocución de diferentes campos del conocimiento - psicología analítica, feminismo descolonial y feminismo negro - con el fin de promover una reflexión sobre el racismo en la sociedad brasileña actual y la importancia del área clínica en este contexto. El objetivo fue - basado en preguntas que han atravesado nuestras prácticas - instigar un diálogo para profundizar el tema de manera plural e introducir una forma de pensar interseccional, posibilitando nuevas narrativas que contemplen múltiples perspectivas sobre el fenómeno. Por tanto, el estudio junguiano sobre los complejos culturales resultó ser un campo fructífero para la reflexión crítica dentro de la práctica clínica y de expansión teórica basada en el diálogo transdisciplinario entre diferentes esferas del conocimiento.

Palabras clave: racismo, complejo cultural, feminismo descolonial, transdisciplinariedad, psicología analítica.


 

 

1. Introdução

Não devemos nos esquecer de que o preconceito é insidioso e que todos fomos educados e condicionados a pensar de acordo com as estruturas coloniais e racistas. Portanto, o trabalho interno que cada indivíduo consciente deve fazer de forma contínua e ininterrupta é desconstruir o seu próprio racismo (CARIBÉ, 2018, p. 55).

A popularização do feminismo e do movimento negro na cultura ocidental, alavancada por transformações políticas e pelas redes sociais, tem trazido para a consciência coletiva temáticas referentes a gênero e raça e à necessidade de inclusão de uma abordagem crítica das estruturações sociais e políticas vigentes. No Brasil, especificamente, os últimos desdobramentos políticos e a ascensão crescente de uma direita conservadora, liberal e com forte influência religiosa, evidenciaram as contradições e paradoxos inerentes à nossa cultura e a ambivalência com que tais reivindicações e transformações sociais estão, de fato, se instaurando em uma sociedade que detém sua parcela de resquícios de sua herança colonial e de seus abismos sociais decorrentes.

A situação da pandemia da Covid-19, que afetou em escala mundial as condições econômicas, financeiras e sociais de inúmeros países, não tornou tais questões irrisórias. Ao contrário dessa suposição, vimos as desigualdades sociais intensificadas e as contradições ainda mais explícitas. Testemunhamos as manifestações espalhadas pelo país no período pré-eleitoral, encabeçadas por mulheres por meio das redes sociais em 2018, o crescimento dos números de feminicídio no Brasil e no mundo durante a pandemia, e também as manifestações estadunidenses do Black Lives Matter, que denunciam a longa tradição de violência policial sistêmica contra a comunidade negra, colocando uma lupa nos casos brasileiros também. Desde o início da pandemia, nesse ínterim, houve aumento na busca por trabalhos terapêuticos, pela opinião dos psicólogos e pela realização de pesquisas sobre os efeitos na saúde mental em decorrência da crise econômica, da precarização dos trabalhos essenciais e dos lutos literais e simbólicos, apontando o trabalho clínico e a pesquisa acadêmica como ferramentas essenciais para a compreensão e o registro, em escala coletiva, de nossas diferentes realidades sociais e uma possibilidade de conscientização e apropriação - ou, até, redirecionamento - das mudanças em curso.

Nessa perspectiva, como feministas, pesquisadoras e psicólogas clínicas brancas, inseridas em contextos acadêmicos privilegiados, a nossa postura é de observação, escuta, aprendizado e de ampliação de possibilidades e campos de saberes. Como defende a escritora e ativista negra Djamila Ribeiro (2019) em sua obra Pequeno manual antirracista, é também tarefa dos brancos ampliar o movimento antirracista ativista e acadêmico para além de uma causa identitária, por meio da educação, da ampliação de perspectiva por meio de autores, historiadores e pensadores negros e do reconhecimento do lugar privilegiado branco. Nossa produção se dá como efeito da experiência da relação com diferentes realidades, tanto no nosso trabalho clínico, como no estudo e aprofundamento de um feminismo mais plural e vanguardista. Isso nos colocou em um lugar específico e constantemente evocado na tessitura do presente artigo, para que não se tornasse uma tentativa de uma voz generalizante ou, como o pensamento decolonial veio a apontar, um apagamento de narrativas que destoam do que veio sendo produzido no cânone acadêmico.

Tomando esses pressupostos epistemológicos como ponto de partida, nossa experiência clínica tornou evidente que dispúnhamos de um arcabouço teórico insuficiente dentro do campo da psicologia para dar conta das mobilizações, falas, inquietações e realidades de indivíduos inseridos em contextos em que o lugar social (ou sua falta), a raça e o gênero se tornam questões extremamente presentes e interligadas em suas buscas identitárias e trajetórias individuais. Nesse sentido, os estudos negros, feministas e decoloniais se interligam e se tornam ferramentas indispensáveis para compreender as identidades, não mais como fixas, essenciais e imutáveis, mas como passíveis de transformação, plurais e complexas, marcadas pelo contexto cultural e social, e embasadas na própria experiência dos indivíduos inseridos em um tempo e espaço determinados.

O ponto de vista estratégico dos ativismos unifica o pessoal e o coletivo, parte do local e se veem mais como sujeitos sociais do que como sujeitos políticos. Muitas vezes manifestam-se por direitos de seus corpos exigindo serviços, igualdade social, direitos humanos. Saem do universal abstrato para o universal concreto. Essa é também a linguagem política da chamada quarta onda do feminismo. [...] Nesse quadro, o feminismo eurocentrado e civilizacional começa a ser visto como um modo de opressão alinhado ao que rejeita, uma branquitude patriarcal, e informado na autoridade e na colonialidade de poderes e saberes (HOLLANDA, 2020, p.12).

Em nossa prática, nos vimos mobilizadas e demandadas por pacientes jovens cujo sofrimento se encontra indissociável do lugar social, da raça e/ou do gênero. Temáticas de pertencimento, alienação, construção da própria identidade racializada e confrontação da própria identidade com os discursos vigentes e estruturas sociais são marcadamente presentes. Nesses casos, predomina o trabalho com o desenraizamento, a inadequação e a necessidade de entendimento do próprio lugar social, da condição específica de mulher e da própria negritude, o que demanda a sensibilidade e atenção do terapeuta em sua escuta e em relação ao seu próprio lugar. Entendemos, embasadas pela psicologia analítica, que as narrativas individuais e coletivas se interligam intimamente, tanto em termos de consciência, quanto de conteúdos inconscientes e arquetípicos. A psicologia profunda é capaz, então, de trazer uma nova dimensão de conteúdos e saberes para a discussão, levando em consideração o inconsciente e as dinâmicas projetivas que perpetuam tais estruturações sociais e que demarcam as experiências e narrativas individuais que despontam no trabalho clínico.

Ainda que predomine a transmissão de uma visão junguiana clássica e relativamente deslocada dos avanços teóricos da pós-modernidade, uma parcela de autores denominados por Andrew Samuels (2008) como pós-junguianos - que adotam ao mesmo tempo um distanciamento crítico e um diálogo com a teoria junguiana clássica - estabelecem interconexões a partir de uma perspectiva feminista e pós-moderna. Susan Rowland (2002), em sua obra Jung: a Feminist Revision, se ocupou de uma revisão crítica no que diz respeito a gênero nas obras de Jung, compreendendo-as, ora priorizando uma "grande teoria", demarcando a tendência à visão consagrada e abrangente da psique e cultura e, consequentemente, com uma concepção estável de gênero e de feminino de forma essencialista e atemporal; ora enquanto "mito pessoal", trazendo a própria subjetividade de Jung como indissociável da tessitura de sua obra, demarcando os limites e a perspectiva particular e não universalizável que ela impõe, principalmente no que diz respeito à compreensão e à objetivação de uma psicologia para a mulher e à conceituação do feminino. Ricki Stefanie Tannen (2007), em The Female Trickster: The Mask That Reveals, ao explorar personagens fictícias da literatura popular anglo-americana, bem como figuras femininas populares e vanguardistas da música e da televisão, amplia a concepção tradicionalmente designada para a figura do trickster pela psicologia analítica, destacando a autonomia, a autoridade da própria narrativa e do próprio corpo como elementos essencialmente subversivos e pertencentes à female trickster, muitas vezes presentes nos exemplos dados por Tannen (2007) em personagens negras, racializadas ou dotadas de elementos que as diferenciam da figura desejável de feminilidade, subvertendo e transformando a consciência coletiva em relação à mulher, dando espaço a novas narrativas oriundas do imaginário feminino.

Buscaremos, no presente trabalho, trazer o contexto militante e acadêmico feminista em um breve percurso histórico nacional e internacional, avançando então para as críticas feitas pelo feminismo decolonial e negro que resgatam e se ocupam de inserir as realidades raciais e sociais de uma forma mais plural e menos homogênea dentro do campo feminista de pensamento. A partir daí, falaremos dos complexos culturais como uma forma de estabelecer pontes e trazer um diálogo e uma contribuição com a psicologia analítica em sua epistemologia e prática clínica.

Compreendemos, aqui, que a teoria junguiana é passível de crítica e transformação, e que detém um campo de trabalho e produção teórica que se mostra frutífero para a compreensão da interligação das experiências individuais e seu contexto histórico e coletivo, seus aspectos conscientes e dinâmicas inconscientes envolvidas. Nesse sentido, um percurso já traçado em conjunto com o pensamento feminista e uma possibilidade de diálogo do campo junguiano de conhecimento a partir das revisões e perspectiva crítica, propostas pelo pensamento decolonial e pelo feminismo negro, configuram um terreno árduo, porém extremamente fértil para a contribuição igualmente criativa, tanto para o pensamento pós-junguiano, como para a prática clínica. O desenvolvimento de conceituações dos complexos coletivos e da inclusão assertiva das dimensões sociais e culturais na teoria junguiana se configura como uma ferramenta essencial de compreensão e de análise por residir, justamente, em um campo interseccional entre tais diversos campos de saber, tornando um diálogo possível.

 

2. Feminismo(s): história e ramificações

A criação do feminismo como um movimento político estruturado e mais abrangente ocorreu a partir do diálogo entre mulheres, nos chamados grupos de conscientização, examinando o pensamento e opressão sexista e os atravessamentos em suas experiências e abrindo espaço para refletir, tanto sobre formas de mudar as próprias crenças e atitudes sexistas internalizadas, quanto em estratégias para a construção de um saber e comprometimento com políticas feministas (HOOKS, 2019). A história do feminismo, contada brevemente, pode ser dividida em quatro principais blocos: o feminismo pré-moderno, com as primeiras manifestações de críticas feministas; o feminismo moderno ou primeira onda feminista com o movimento de mulheres da Revolução Francesa que ressurge, posteriormente, com a grande força dos movimentos sociais do século XIX, nomeado de segunda onda, aparecendo pela primeira vez como movimento social de âmbito internacional, com destaque do movimento sufragista nos Estados Unidos; o feminismo contemporâneo ou terceira onda, que ressurge após a Segunda Guerra Mundial, com a obra O Segundo Sexo (1949) de Simone de Beauvoir e a constatação de que "ninguém nasce mulher, torna-se", além da polêmica Betty Friedan, questionando o mito da heroína doméstica em A Mística Feminina (1963). Esse amplo período abarca também o movimento dos anos 1960 e 1970, com o Feminismo Radical nos Estados Unidos da América (EUA) que revolucionou a teoria política, dando à luz ao slogan "o pessoal é político", e a partir de seu declínio, dando espaço para as múltiplas tendências que nasceram no final dos anos 80, tornando-se, assim, feminismos e não mais feminismo. Há algumas pesquisadoras que consideram este último como pós-feminismo ou quarta onda, porém, não há unanimidade entre os autores (GARCIA, 2015; HOLLANDA, 2019).

Desta forma, o que em um primeiro momento se definiu enquanto luta pela igualdade entre os sexos, caminhou para as vias de multiplicidades e coexistências, lutando para que as diferenças não se tornem equivalentes à desigualdade (RIBEIRO, 2018). O movimento feminista, no decorrer de seu desenvolvimento e popularização a partir de críticas e problematizações feitas por mulheres que não se identificavam com discurso promovido pelo feminismo, deparou-se com a tendência da universalização da categoria "mulher", na medida em que defendia quase exclusivamente os interesses das mulheres brancas, heterossexuais e de classe-média. Essas percepções desencadearam crises e quebras de paradigmas e, com isso, a partir da década de 1980, o movimento foi em direção aos feminismos plurais e contemporâneos, colocando em pauta, não mais as igualdades, mas as diferenças, adicionando elementos que atravessavam as questões postas para além do gênero e incluindo novas categorias, tais como raça, classe e orientação sexual (HOOKS, 2019).

Já no Brasil, o início do feminismo é pouco conhecido, com uma bibliografia limitada e fragmentada sobre o assunto. No início do século XIX, a educação para mulheres se restringia a poucos conventos, algumas escolas particulares na casa de professoras ou por meio do ensino individualizado, mantendo as brasileiras em uma rígida indigência cultural. Em 1827, foi feita a primeira legislação autorizando a abertura de escolas públicas femininas, podendo ser considerada a abertura inicial para que o movimento feminista adquirisse espaço no país. Neste momento, há o destaque de Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), que trouxe as primeiras ideias feministas influenciadas pela autora inglesa Mary Wollstonecraft. Publicou, em 1832, Direito das mulheres e injustiça dos homens, defendendo o direito ao voto e à vida pública. A partir disso, as ideias feministas ganharam corpo no país e, por volta de 1870, nasceu um segundo momento de expressão de mulheres, com a criação de jornais e revistas que abordavam temáticas relacionadas à realidade das mesmas. Em 1922, surgiu a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF), que defendia o sufrágio feminino e o direito ao trabalho sem a necessidade de autorização do marido (DUARTE, 2019; RIBEIRO, 2018; LIMA, 2019).

Entretanto, segundo Heloisa Buarque de Hollanda (2019), uma atuação mais expressiva no Brasil só ocorreu a partir dos anos 1960, momento em que as iniciativas feministas no país, buscando fortalecer o movimento, vincularam-se tanto à Igreja Católica Progressista quanto ao Partido Comunista - instituição que exerceu importante oposição ao regime militar. Isso determinou que, inicialmente, existissem restrições quanto às reivindicações mais específicas, no que se refere aos direitos das mulheres conflitantes com os preceitos católicos, como o direito ao aborto; e delimitou também, na associação com o Partido, que as demandas feministas ficassem em segundo plano, por este ter como prioridade uma luta ampla e de resistência ao regime militar.

As reflexões sobre as questões das mulheres no âmbito acadêmico ocorreram simultaneamente à formação do ativismo feminista nos anos 1960 e 1970, por meio dos grupos de conscientização e com as reverberações internacionais de Simone de Beauvoir, Betty Friedan e do Feminismo Radical. Entretanto, a sintonia entre o feminismo político e acadêmico ocorreu oficialmente a partir de 1974, com a participação de pesquisadoras na Conferência sobre perspectivas feministas nas ciências sociais latino-americanas e, com o marco da organização do ativismo em 1975, no seminário da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), "marcados por um forte compromisso político de enfrentamento à ditadura e às desigualdades sociais" (HOLLANDA, 2019, p.11).

É importante ressaltar que, ainda hoje, os estudos de gênero nas universidades e centros de pesquisa são marcados por referências norte-americanas e eurocêntricas, sendo, raramente, incluídos nos eixos teóricos, o pensamento feminista brasileiro (HOLLANDA, 2019). Se já nos deparamos com dificuldades para encontrar referências sobre o feminismo no Brasil, estas se multiplicaram quanto ao feminismo negro. Ainda que haja grandes estudiosas brasileiras e estrangeiras que abordam o tema - algumas usadas como referências no presente artigo -, a invisibilidade se dá de forma completamente sintomática (RIBEIRO, 2018).

 

3. Feminismo negro e decolonial

Uma feminista não pode ambicionar possuir "a" teoria e "o" método, ela busca ser transversal. Ela se questiona acerca daquilo que não enxerga, tenta desconstruir o cerco escolar que lhe ensinou a não mais ver, a não mais sentir, a abafar seus sentimentos, a não saber mais ler, a ser dividida no interior de si mesma e a ser separada do mundo. Ela deve reaprender a ouvir, ver, sentir para poder pensar (VERGÈS, 2020, p.46, grifo nosso).

Historicamente, o desenvolvimento do feminismo como campo de ativismo e transformação social e, principalmente, do feminismo institucional e acadêmico que começou a despontar nas décadas de 70 e 80, marcados por uma predominância cultural e intelectual estadunidense e europeia, deixou seu rastro de higienizações, apagamentos e essencialismos. De acordo com Vergès (2020), que adota o que ela denomina de uma abordagem feminista decolonial, as conquistas do movimento em termos de direitos das mulheres e sua resultante institucionalização nesse período, demandou que suas pautas e causas fossem embranquecidas o suficiente para se tornarem mais palatáveis para a lógica neoliberal e as estruturas políticas vigentes. Um discurso e um movimento que, inicialmente, ocuparam-se de abarcar a realidade das mulheres e suas reivindicações dentro do âmbito político e do discurso coletivo, passaram a minimizar e até apagar uma parcela dessas realidades e a análise tão necessária dos conflitos, contradições e resistências de suas existências. Nesse sentido, "o feminismo decolonial é a despatriarcalização das lutas revolucionárias. Em outras palavras, os feminismos de política decolonial contribuem na luta travada durante séculos por parte da humanidade para afirmar seu direito à existência". (p.35)

Como "pauta alternativa" excluída pelo feminismo branco institucionalizado, o feminismo negro começou a ganhar força entre 1960 e 1980, nos Estados Unidos, a partir da fundação da National Black Feminist (NBFO) em 1973. Entretanto, é importante ressaltar que, antes do período escravocrata, já existiam produções de mulheres negras e histórias de resistências que desafiavam a categoria universal "mulher", o que só reforça sua extrema falta de visibilidade (RIBEIRO, 2019). Em 1851, Sojourner Truth, ex-escrava, abolicionista e defensora dos direitos das mulheres, com o seu famoso discurso nomeado Ain't I a Woman? na Convenção dos Direito das Mulheres em Ohio, denunciou a situação da mulher negra radicalmente diferente da mulher branca, escancarando a realidade de que, enquanto as "mulheres brancas lutavam pelo direito ao voto e ao trabalho, as mulheres negras lutavam para ser consideradas pessoas" (RIBEIRO, 2018, p. 43).

No Brasil, o feminismo negro começou a ganhar força nos anos 1980, a partir do III Encontro Feminista Latino-Americano (1985), trazendo de maneira mais expressiva a relação entre as mulheres negras e o movimento feminista, com intuito de adquirir visibilidade política. Como bell hooks1 (HOOKS, 2019) expõe, houve forte resistência por parte de mulheres brancas para a inclusão da questão racial no debate, afirmando que se tratava de um desvio do foco principal das relações de gênero, resistência ainda presente nos dias atuais. Entretanto, o posicionamento das mulheres negras quanto a esse importante aspecto foi um dos principais fatores que redirecionou o movimento para os feminismos plurais na década de 80, trazendo a questão identitária, amplamente relevante para considerarmos a manutenção da democracia e da igualdade de direitos, bem como a supressão dos dispositivos opressores e da necropolítica.

Quando discutimos identidades, estamos dizendo que o poder deslegitima umas em detrimento de outras. O debate, portanto, não é meramente identitário, mas envolve pensar como algumas identidades são aviltadas e ressignificar o conceito de humanidade, posto que pessoas negras em geral e mulheres negras especificamente não são tratadas como humanas. Uma vez que o conceito de humanidade contempla somente homens brancos, nossa luta é para pensar as bases de um novo marco civilizatório. É uma grande luta, que pretende ampliar o projeto democrático (RIBEIRO, 2018, p. 21).

Assim, tanto o feminismo negro, quanto o pensamento decolonial - ainda que desponte posteriormente como uma abordagem crítica do feminismo branco e civilizatório e abarque a noção dos corpos racializados de forma mais abrangente - se ocuparam de atender às lacunas intencionalmente deixadas pelo feminismo institucionalizado e vigente e àquelas jamais atendidas. Trata-se, portanto, de uma epistemologia que se pretende multidimensional em sua abordagem ao objetivar a totalidade das relações sociais, usando-a como estratégia contra a hierarquização das lutas, dos saberes e corpos que, via de regra, permanece ditada por preconceitos. Busca-se, então, observar e identificar conexões que existem, ao invés de reconectar elementos de forma abstrata e sistemática, percorrendo caminhos já conhecidos. Nesse sentido, a crítica decolonial e o feminismo negro encontram semelhanças ao reivindicarem uma perspectiva múltipla, ampla, abrangente e, muitas vezes, paradoxal de categorias que foram institucionalizadas de forma universal e estática. Nas palavras de Djamila Ribeiro (2017): "Ao promover uma multiplicidade de vozes o que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se pretende universal" (p. 40).

Diante disso, bell hooks (HOOKS, 2017) atenta para a importância da reapropriação da "autoridade da experiência", largamente utilizada como dispositivo de silenciamento e exclusão, como fonte valiosa para edificar saberes e teorias, bem como para formar identidades. Retoma sua própria experiência ao adentrar o campo acadêmico e, mais particularmente, os estudos feministas, deparando-se com uma descrição predominantemente branca e burguesa da categoria "mulheres" e uma abordagem exclusivamente masculina da categoria "negro", na qual a sua própria experiência não encontrou ressonância: "me perturbo não porque penso que eles não conseguem conhecer essas realidades, mas sim porque as conhecem de modo diferente" (p. 122). Com essa fala, hooks evoca a experiência - e o corpo, como único campo em que a experiência pode se dar e em que o registro racial, social e sexual se encontra demarcado - enfatizando o quanto esse modo de conhecer é perdido quando a abordagem do conhecimento se faz de maneira exclusivamente teórica. Em suas palavras, "Essa complexidade da experiência dificilmente poderá ser declarada e definida a distância. É uma posição privilegiada, embora não seja a única nem, muitas vezes, a mais importante a partir do qual o conhecimento é possível" (p.124).

Em suas obras, Françoise Vergès e bell hooks apontam para a ausência de mulheres negras na academia, tanto em termos de disseminação de seus trabalhos, quanto como professoras e educadoras. Muitas dessas autoras, pelas questões apontadas acima, não se incluem nos campos acadêmicos e militantes do feminismo, que ao serem absorvidos por uma lógica colonial, neoliberal e excludente de certas narrativas e identidades, acabou por perpetuar, justamente, aquilo que também se ocupou de denunciar e transformar. Além disso, em nosso trabalho de pesquisa para a elaboração do presente artigo, nos deparamos com lacunas no que diz respeito a estudos decoloniais que se insiram nas especificidades da realidade brasileira. Em uma das poucas obras disseminadas que cumpre esse objetivo, Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais (2020), Heloisa Buarque de Hollanda indaga:

Os estudos decoloniais latino-americanos contemplariam uma colonialidade brasileira particular? Quais são nossas matrizes coloniais? Como foi metabolizada a violência contra indígenas e negros escravizados aqui? Com isso não estou sugerindo a recusa de nossa proximidade com as mulheres de fala/ colonização hispânicas que ecoam problemas tão nossos, [] e sim apontando a urgência de pensarmos as especificidades que podem fazer um feminismo decolonial brasileiro (p.23).

Diante das indagações feitas pela autora, prosseguimos: como a psicologia analítica tem contribuído e ainda pode contribuir para os estudos coloniais e a compreensão da racialidade e negritude no Brasil? Como os campos de saber podem dialogar para uma compreensão mais plural e multidimensional das construções subjetivas particulares, dentro do contexto brasileiro?

 

4. O racismo brasileiro como complexo cultural

A psicologia analítica dependeu, em sua base e surgimento, do desenvolvimento da teoria dos complexos, que surgiu a partir do método de associação de palavras de Jung, enfatizando uma postura empírica e experimental diante da subjetividade e dos conteúdos trazidos pelos pacientes em sua prática médica e clínica. Joseph Henderson2, baseando-se no constructo teórico inicial dos complexos - dinâmicas de projeção e introjeção de conteúdos inconscientes agrupados por sentido e afetivamente carregados -, desenvolveu o conceito de inconsciente cultural, ressaltando sua diferenciação do inconsciente objetivo, arquetípico. O contexto histórico no qual o autor estava inserido, imediatamente após a Segunda Guerra Mundial, tornou necessária uma compreensão que se atentasse às particularidades de cada cultura e que abarcasse as dinâmicas específicas por trás das noções de nacionalismo, preconceito e, também, os complexos emergentes desta. Esta demanda foi enfatizada por meio de uma resistência a um pensamento tradicional junguiano de atribuir os eventos culturais a uma dimensão arquetípica (SINGER, KAPLINSKY, 2010). Kimbles (2002), apoiando-se nas ideias trazidas por Henderson, cunhou o termo complexo cultural para definir manifestações, afetos e conteúdos pertencentes à esfera cultural, ideia abordada posteriormente por muitos outros autores.

Estes complexos atuam na dimensão intermediária entre o nível pessoal e o nível arquetípico da psique, fazendo parte de ambos, mas, concomitantemente, constituem-se como uma dimensão única, na medida em que seus conteúdos e atividades estabelecem uma ponte entre os domínios do individual, da social e do arquetípico. "Complexos culturais" encontram-se no centro de conflitos entre grupos e são expressos na vida grupal em todos os momentos: politicamente, economicamente, sociologicamente, geograficamente e religiosamente. Por exemplo, basta pensar nos conflitos entre cristãos e judeus, brancos e negros, homossexuais e heterossexuais, homens e mulheres para começar a imaginar como são poderosos os processos individuais e coletivos ativados pelos "complexos culturais" (SINGER, KIMBLES, p. 20, 2004, tradução nossa).

Assim como os complexos pertencentes à vivência psíquica individual, os complexos culturais se manifestam de forma relativamente autônoma, caracterizados por um aglomerado de ideias e imagens carregadas de afeto e organizados a partir de uma base na psique objetiva. Sendo assim, os complexos - tanto culturais, quanto individuais - são de suma importância para a compreensão de conflitos interpessoais e intergrupais no contexto mais amplo. De acordo com Singer e Kimbles (2004), os complexos culturais se encontram, intrinsecamente, relacionados ao conceito de identidade cultural que, por sua vez, se enraíza na dimensão social e histórica de um determinado grupo. Desta forma, quando horrores relacionados às diferenças entre grupos distintos são cometidos - normalmente associadas à uma questão de lugar social e poder que leva à repressão e à desumanização de determinados indivíduos -, percebe-se que tais complexos geralmente vêm acompanhados de manifestações de opressão, violência, discriminação, inferioridade e trauma, distribuídas, não uniformemente entre as polaridades, mas que afetam todos os indivíduos envolvidos por se tratar, justamente, de uma dinâmica relacional.

Por trazer, de forma sistemática e organizada, uma compreensão material, histórica e cultural para a psicologia individual, este conceito se encontra na base de alguns estudos dentro do campo junguiano que se dedicaram a traçar o conhecimento a respeito das especificidades do contexto brasileiro, na medida em que supre a demanda por uma teoria que as contemple e que possa encontrar ressonâncias nas experiências que pedem por uma escuta cuidadosa, tanto na prática clínica, como pesquisa acadêmica.

Em relação à questão racial, ao longo dos anos, o tema foi timidamente abordado dentro da comunidade junguiana, inclusive, alguns propuseram uma revisão sobre o racismo dentro da própria construção da psicologia analítica3. No Brasil, a influência do trauma da escravidão como ponto nevrálgico do complexo cultural racial brasileiro é amplamente estudada por Denise Ramos (2011), que coloca em foco a compreensão de seus efeitos na produção cultural e na identidade dos negros brasileiros. De acordo com a autora, um grupo traumatizado tende a representar um "falso self" nos espaços que ocupa, em suas produções artísticas e senso de identidade, obliterando do mundo, seus aspectos autênticos, seus potenciais e suas vulnerabilidades e apresentando uma baixa autoestima, em decorrência de um corpo marcadamente inferior em relação ao branco que é socialmente e culturalmente associado à beleza, à riqueza, ao sucesso e à autoestima elevada.

Walter Boechat (2018), partindo das ideias de Leonardo Boff, em busca da compreensão de uma identidade brasileira, denomina quatro grandes complexos culturais do país: colonialismo, escravidão, holocausto indígena e corrupção. Ao falar sobre colonialismo, destaca o Brasil e outros países da América enquanto verdadeiros paraísos terrestres, colocando o mito da Grande Mãe enquanto um dos fundadores da terra brasilis, uma fonte inesgotável de bens naturais a ser explorada. Ao abordar a escravidão, baseia-se no mito da democracia racial para definir a maneira velada em que o racismo se manifesta na sociedade brasileira, nomeando-o como racismo cordial.

Tereza Caribé (2018) aborda o tema com enfoque na prática clínica, enfatizando a importância do conhecimento da história do nosso povo e do contexto sociocultural no qual o indivíduo está inserido: "Em psicoterapia, qualquer modelo clínico que desconheça os aspectos culturais aos quais estão ligados a vida do paciente poderá produzir distorções como: patologização da história de vida e dos sintomas trazidos e dificuldades na construção do vínculo terapêutico, dentre outros" (p. 41). Além disso, destaca a importância de nós, enquanto psicoterapeutas, estarmos com a atenção redobrada para que conteúdos relacionados à discriminação e preconceitos não permaneçam na nossa própria sombra. Nesse sentido, a autora chama a atenção para as nossas próprias lacunas, como terapeutas e sujeitos inseridos na mesma cultura, por estarmos muitas vezes imbuídos na mesma dinâmica inconsciente e projetiva em que tais experiências se inscrevem, ainda que seja a partir de outra perspectiva. Como psicoterapeutas e pesquisadoras, isso demanda nossa atenção, considerando as vicissitudes e particularidades que caracterizam a trajetória histórica e a manifestação e perpetuação das dinâmicas de segregação e preconceitos raciais e sociais.

Munida de sarcasmo e humor ao abordar o sexismo e o racismo na cultura brasileira, Lélia Gonzalez (2019) indaga:

Racismo? No Brasil? Quem foi que disse? Isso é coisa de americano. Aqui não tem diferença, porque todo mundo é brasileiro acima de tudo, graças a Deus. Preto aqui é bem tratado, tem o mesmo direito que a gente tem. Tanto é que, quando se esforça, ele sobe na vida como qualquer um. Conheço um que é médico; educadíssimo, culto, elegante e com umas feições tão finas... Nem parece preto (p.27).

Desta forma, lança-se mão da ilusão de uma democracia racial para caracterizar a dinâmica do racismo no Brasil. Como Gonzalez (2019), sagazmente, aponta, há algo de marcadamente velado, essencialista e naturalizado na hierarquia racial - que não é sentida como tal - que nos leva a uma aparente igualdade de direitos e espaços. Em outras palavras, segundo essa lógica, os lugares são determinados de acordo com os merecimentos, os atributos naturais e essenciais de cada grupo. Assim, em confluência com a dinâmica projetiva que está na base dos complexos culturais em determinados grupos, "a democracia racial oculta algo para além daquilo que mostra" (p. 30). Ao abordar a questão racial na América Latina, a autora considera que "o racismo se constitui como a sintomática que caracteriza a neurose cultural brasileira" (p. 25) e, como todo bom neurótico, "constrói modos de ocultamento do sintoma, porque isso lhe traz certos benefícios" (p. 43). Além disso, relembra que somos herdeiros de ideologias de classificação social (racial e sexual) das sociedades ibéricas -, considerando a formação histórica da Espanha e Portugal e a eterna disputa de território com os mouros e, também, uma organização de sociedade altamente hierarquizada - com diversas castas sociais e um violento controle social e político de dominância. Assim, imersos na herança de uma estratificação racial, a segregação literal e institucionalizada de negros e indígenas mestiços, se torna desnecessária, dado que o mito da democracia racial demonstra ser um mecanismo igualmente eficaz de segregação, baseado em uma ideologia do branqueamento, transmitida e perpetuada pelos meios de comunicação e sistemas ideológicos tradicionais, reproduzindo o mito da superioridade branca:

Pelo exposto, não é difícil concluir a existência de grandes obstáculos para o estudo e encaminhamento das relações raciais na América Latina, em base a suas configurações regionais e variações internas, para a comparação com outras sociedades multirraciais, fora do continente. Na verdade, esse silêncio ruidoso sobre as contradições raciais se fundamenta, modernamente, num dos mais eficazes mitos de dominação ideológica: o mito da democracia racial (GONZALEZ, 2020, p. 44).

Segundo a autora, o mito da democracia racial é atualizado com toda a sua força simbólica no rito carnavalesco, que exerce a sua violência simbólica, especialmente, sobre a mulher negra, endeusada na festa, mas em seu cotidiano, transfigurada em empregada doméstica invisível. Sueli Carneiro (2011) adiciona à perspectiva de gênero e destaca um fator importante e frequentemente negligenciado: a violência sexual colonial, reforçando que a segregação racial e as questões relativas ao gênero estão longe de serem assepticamente separadas, mas representam a multiplicidade de dinâmicas e narrativas históricas que se fazem presentes na atuação clínica sob a forma de narrativas particulares e individuais.

 

5. Conclusão

O momento atual - de intensa crise política, econômica, vivenciando uma crise de valores, com discursos extremamente polarizados no Brasil - escancara, na prática clínica, as demandas de enraizamento e pertencimento, da consciência da segregação e da violência que dão o tom à experiência da construção das subjetividades e corpos marcados pela raça e pelo gênero. O trabalho clínico e de pesquisa na psicologia se configura como espaço potencial de construção de novos discursos e de compreensão dessas diferentes realidades, reforçando a necessidade para a construção de um arcabouço teórico que contemple a pluralidade que, cada vez mais, demanda espaço nos discursos e teorias vigentes. Como terapeutas e pesquisadoras, buscamos aqui, ampliar campos de saberes em busca dessa sensibilidade de escuta e uma autocrítica que advém de um olhar atento e consciente das dinâmicas coletivas que caracterizam os lócus de raça e gênero em nossa sociedade.

Nesse processo, o feminismo, denunciando o sexismo e o androcentrismo, por meio de sua crítica ao modo dominante de produção de conhecimento científico, se mostrou uma ferramenta essencial para desconstruir saberes universais, propondo um modo alternativo de articulação entre a esfera subjetiva e sociocultural, resgatando, assim, o precioso diálogo que a teoria junguiana provê entre os campos individuais e coletivos. As mulheres, ao trazerem experiências a partir das "margens", na gestão dos detalhes, acabam por produzir um contradiscurso enriquecedor. Por sua vez, o feminismo negro e o pensamento decolonial alertam para o caráter essencialista e segregatório do feminismo eurocentrado e institucionalizado, que acabou por excluir de suas pautas reivindicações e a realidade de mulheres negras e racializadas, destacando a urgência de pensarmos de forma interligada, fato que nós, enquanto psicoterapeutas, nos deparamos a todo momento dentro da prática clínica.

Diante disso, lançamos mão da potencialidade do pensamento junguiano - em sua dinâmica inconsciente e as interlocuções entre o individual e o coletivo - em diálogo com o conceito de complexos culturais, que nos proveram um panorama rico para pensarmos o racismo como dinâmica mais ampla e os pontos cegos nele envolvidos. Resgatamos, assim, a importância da escuta para a diferentes perspectivas e realidades, que só pode vir quando realmente nos esforçamos a entender nosso lugar no mundo e resgatar nosso momento em uma história que é plural e multidimensional.

As histórias importam. Muitas histórias importam. As histórias foram usadas para espoliar e caluniar, mas também podem ser usadas para empoderar e humanizar. Elas podem despedaçar a dignidade de um povo, mas também podem reparar essa dignidade despedaçada (ADICHIE, 2019, p. 32).

 

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Recebido em 14/09/2020
Revisado em 16/11/2020

 

 

1 bell hooks (em letras minúsculas) é o pseudônimo adotado por Gloria Jean Watkins.
2 Joseph Henderson apresentou seu trabalho inaugural intitulado "The Archetype of Culture" na segunda edição do Congresso de Psicologia Analítica em Zurique em 1962.
3 Leitura complementar: Polly Young-Eisendrath (1987), Farhad Dalal (1988), Andrew Samuels (1993), Michael Vannoy Adams (1996), Helen Morgan (2008) e Fanny Brewster (2013).

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