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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.10 n.2 São Paulo dez. 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Expectativas de futuro e escolha vocacional em estudantes na transição para o ensino médio1

 

Expectations about the future and vocational choice of students moving to high school

 

Expectativas de futuro y elección vocacional de estudiantes en transición a la enseñanza secundaria

 

 

Fernando Henrique Rezende Aguiar* 2; Maria Inês Gandolfo Conceição**

Universidade de Brasília, Brasília-DF, Brasil

 

 


RESUMO

O presente estudo teve por objetivo investigar as expectativas e preocupações de alunos do último ano do ensino fundamental em relação à entrada no ensino médio e à escolha profissional. Com base na ausência dos ritos de passagem para a vida adulta, no papel da escola e da orientação vocacional, este estudo analisou, por meio de uma abordagem qualitativa, as respostas a um questionário sobre expectativas em relação ao ensino médio e à escolha profissional preenchido por 227 estudantes do último ano do ensino fundamental de uma escola privada brasileira. Observou-se que os participantes esperam do ensino médio: preparação para a vida adulta e para a universidade, aprendizagem mais prazerosa, ampliação do círculo social, apoio e acolhimento. Sobre escolha profissional, apresentam angústias semelhantes às dos alunos no final do ensino médio, destacando que o processo educacional pouco tem preparado para o futuro profissional, sendo importante começar desde cedo a orientação vocacional.

Palavras-chave: Expectativas, Desenvolvimento profissional, Ensino fundamental.


ABSTRACT

The objective of this study was to understand the expectations and concerns of students from the last term of primary school, in relation to their joining high school as well as professional choice. Based on the the role of education and vocational guidance and the absence of rites of passage preparing for adulthood, this article examined, through qualitative content analysis, the answers to a questionnaire about the expectations concerning high school and professional choice of 227 students attending the last term of primary school, from a private school in Brazil. The findings showed that the participants had high expectations from high school: preparation for adulthood and university; a more plesurable learning process, widening of their social net, support and care. About professional choice, their concerns are similar to those of students attending the last high school term, and they think that the educational process barely prepares students for the future and, therefore, it is important to have vocational guidance since the early school years.

Keywords: Expectations, Professional development, Primary and high school education.


RESUMEN

El presente estudio tuvo el objeto de investigar las expectativas y preocupaciones de alumnos del último año de la enseñanza primaria en relación con la entrada en la enseñanza secundaria y la elección profesional. Basado en la ausencia de los ritos de pasaje a la vida adulta, en el papel de la escuela y de la orientación vocacional, este estudio analizó, por medio de un enfoque cualitativo, las respuestas a un cuestionario sobre expectativas con relación a la enseñanza secundaria y a la elección profesional rellenado por 227 estudiantes del último año de la enseñanza primaria de una escuela privada brasileña. Se observó que los participantes esperan de la enseñanza secundaria: preparación para la vida adulta y para la universidad, aprendizaje más agradable, ampliación del círculo social, apoyo y acogida. Sobre elección profesional presentan angustias semejantes a las de los alumnos al final de la enseñanza secundaria. Se destaca que el proceso educativo poco los ha preparado para el futuro profesional, siendo importante empezar desde temprano la orientación vocacional.

Palabras clave: Expectativas, Desarrollo profesional, Enseñanza primaria.


 

 

Ante a organização da sociedade contemporânea, na era do mundo virtual, com todas as suas incertezas e ausências de limites psíquicos que favoreçam uma consistente definição da noção de identidade, é de se esperar que seus efeitos produzam lacunas em relação à preparação dos adolescentes para a vida adulta. Romão-Dias e Nicolaci-da-Costa (2005) analisam a superficialidade e a fragmentação da sociedade pós-moderna, em que a falta de profundidade nas formas de expressão e nas experiências dos sujeitos, bem como a fragmentação dos discursos e conceitos vigentes levariam os indivíduos a uma perda de unidade psíquica estruturante. Para Lowen (1967), esse tipo de contexto proporciona uma falta de consciência clara de si mesmo e desconexão em relação às próprias necessidades ocasionando dificuldades em perceber e incorporar papéis sociais.

Nesse contexto, há dúvidas sobre a eficácia da adolescência enquanto transição para a vida adulta. Bock (2004), a partir da perspectiva sócio-histórica, contesta a ideia de adolescência como algo natural ao desenvolvimento humano. A autora questiona a tendência de se naturalizar o caráter problemático da adolescência comumente sustentada por ideias pré-concebidas de que a adolescência é uma fase normal e naturalmente turbulenta e que o melhor a se fazer é ter paciência e esperar passar. Assim, acontece a desvalorização dos sentimentos dos adolescentes, tratados superficialmente como transtornos dessa condição muitas vezes considerada “patológica”. Bock (2004) salienta que é essencial olharmos sob uma perspectiva mais crítica para a questão da adolescência, de outra forma, não poderemos realmente ajudar os jovens nesse momento em que faltam referenciais para tornar-se um adulto e em que é estimulado o prolongamento da adolescência.

Cabe questionar como as diferentes dimensões da vida familiar e da educação formal do adolescente estão favorecendo seu percurso rumo à vida adulta. Não estaria o mundo adulto, a escola, a família a eximir-se da responsabilidade de garantir as condições necessárias ao exercício da autonomia, evitando entrar em contato com as forças da juventude e diminuindo-as de importância sob o “rótulo de adolescência”? Como os adolescentes estão pensando e refletindo sobre o futuro? Quais suas necessidades e carências? Quais seus medos e preocupações? Como têm se defrontado com o momento de escolha profissional? Como estão vivendo as transições em suas vidas?

Oliveira, Pinto e Souza (2003), em estudo realizado sobre a perspectiva de futuro entre adolescentes do terceiro ano do ensino médio da rede de ensino público e privado, apontam que a maioria dos participantes tinha expectativas otimistas em relação ao futuro e que os alunos da rede de ensino privado normalmente sentem maior pressão para realizar uma escolha acertada e obter bons resultados na escola, sendo que a entrada no ensino superior é percebida como a continuação óbvia do ensino médio, de modo que o emprego não é uma urgência e sim uma busca por realização pessoal e financeira. Já os alunos da escola pública com menor poder aquisitivo expressaram uma visão mais pessimista em relação ao ingresso na universidade. As autoras também discutem que quando os adolescentes de escola pública ou privada encaram as dificuldades da realidade, deixam transparecer sentimentos de indecisão, insegurança e medo. Por fim, concluem que tanto os jovens da escola pública quanto da particular se mostraram muito interessados em orientações e preparação para o futuro e expressaram o desejo de ingressar no ensino superior, inserir-se no mundo do trabalho de forma satisfatória para, enfim, constituírem família. Na mesma perspectiva, Günther e Günther (1998) demonstram que jovens da rede privada têm elevadas expectativas de concluir o ensino médio e ingressar na universidade.

Paredes e Pecora (2004), em estudo sobre as representações sociais de perspectivas de futuro de pré-adolescentes e adolescentes da rede pública de ensino de Cuiabá, encontraram que estudo, felicidade, saúde, profissão e emprego são as preocupações mais apontadas pelos adolescentes. Tais elementos foram divididos em categorias maiores: formação acadêmica, trabalho, qualidade de vida e formar uma família.

Sob a ótica antropológica, no processo de tornarse adulto, é importante retomar as discussões sobre os ritos de passagem (ou ausência destes) na sociedade contemporânea. Rangel (1999), ao tratar a questão sobre os ritos de passagem e o processo de amadurecimento, afirma que a sociedade deve, a partir dos seus referenciais, preparar as crianças para entrar no mundo adulto, além de ter momentos que funcionem como marcos que direcionem para a maturidade e para a convivência em sociedade. Assim, o rito de passagem tem um sentido organizador do psiquismo, enquanto um ritual de iniciação que marca o fim de uma etapa e o início de outra, sinalizando para o indivíduo que agora ele tem um novo papel na sociedade. Apesar de o rito ter uma característica pontual, a preparação é gradual e permanente. Assim, Silva e Soares (2001), relatam que muitos tentam associar o vestibular a esse rito de passagem, mas os autores questionam essa proposição, uma vez que se trata de uma oportunidade elitizada que exclui a maioria dos sujeitos que a experimentam.

Brêtas e cols. (2008) pesquisaram o que jovens entre 12 e 20 anos de ambos os sexos consideram momentos marcantes que poderiam servir como rituais de passagem de entrada na vida adulta. A análise dos resultados apontou que os jovens percebem como ritos de passagem: mudanças físicas e psicológicas, aumento da responsabilidade, experiências transgressoras ou comportamentos de risco e conflitos com os pais. Os adolescentes do estudo também se referiram às mudanças sociais; maior participação no mundo adulto; comportamento sexual (desde o interesse maior pela sexualidade até a consumação do ato sexual); fatos traumáticos, como a perda de um ente querido e o luto pela infância perdida, quando percebem que alguns interesses infantis desaparecem.

Tais informações nos levam a refletir sobre a quantidade de elementos que são escolhidos pelos jovens para esse momento de transição e, conforme concluem os autores, fica difícil definir quando acontece essa transição. Permanece a dúvida se essas experiências promovem uma mudança na consciência tal qual um rito de passagem ou se representam elementos que compõem o processo de preparação para o rito.

Silva e Soares (2001) apontam o processo de Orientação Vocacional e Profissional (OV/OP) como uma possibilidade de rito de passagem para a vida adulta e sugerem que o trabalho em grupo pode ser um espaço para a vivência do mito do herói. Assim, o jovem teria oportunidade de elaborar as perdas, a insegurança diante do mundo adulto e a ansiedade sexual da adolescência por meio de um processo de autoconhecimento e conhecimento do universo adulto, culminando na escolha profissional. Tal medida teria função psicoprofilática e levaria o jovem a uma escolha mais consciente. Portanto, a OV/ OP seria um marco e a culminação de todo um processo de desenvolvimento vocacional ao longo da vida do sujeito, coroando o processo por meio do poder da ritualística de impactar e estruturar o psiquismo.

Diante desse contexto, a escola tem papel fundamental. O ambiente escolar é o espaço onde os jovens passam a maior parte do tempo e é de se esperar que as experiências vividas na escola tenham grande impacto na constituição do sujeito. Cabral, Carvalho e Ramos (2004) lembram a importante função da escola de educar por meio do ensino, e do professor como peça-chave nesse processo, diminuindo a distância existente na relação professor-aluno e permitindo relações mais humanas e calorosas, nas quais aconteçam trocas e crescimento mútuo.

Segundo a Lei de Diretrizes e Bases para a Educação Nacional (Brasil, 1996), o ensino médio, muito mais que preparar para o exame do vestibular, deveria preparar para a vida adulta, formando cidadãos capazes de enfrentar os desafios que irão encontrar adiante. Entretanto, isso pouco ocorre. Gomes, Capanema, Câmara e Cabanelas (2006) analisaram os questionários preenchidos por mais de um milhão de participantes do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e observaram que 60% dos respondentes consideram que a escola não ajuda a escolher a carreira e que a mídia influencia mais que os pais nessa escolha.

Oliveira e cols. (2003) apontam a necessidade que jovens no final do ensino médio tenham mais orientação, discussão e reflexão acerca do futuro. Tal função poderia ser exercida pelos professores durante o processo de ensino dos conteúdos curriculares, desde que houvesse adequada preparação para tal. Mouta e Nascimento (2008) discutem a importância do papel do professor na formação dos alunos, ressaltando a necessidade de preparar professores para atuarem como orientadores vocacionais, explicitando a riqueza e o potencial transformador de um trabalho dessa natureza.

Somada a essa falta de referenciais, percebe-se uma fragilidade nos processos de exploração vocacional, ou seja, consiste na busca de autoconhecimento e conhecimento sobre o meio circundante que permita uma decisão mais consciente e diminua o nível de indecisão vocacional (Sparta, 2003). Em estudo realizado por Sparta, Bardagi e Andrade (2005), os participantes demonstraram ter pouca informação sobre o processo de escolha, o ensino superior e a vida profissional e confirmou-se a importância do comportamento exploratório para a construção do projeto vocacional. Pesquisas têm sido desenvolvidas (Patton, 2005; Watts, 2001) analisando os processos de desenvolvimento vocacional e transição vocacional no momento em que o adolescente ou o recém graduado inicia sua vida profissional. Esses e outros estudos (Faria, Taveira, & Saavedra, 2008) reforçam a necessidade de oferecer aos jovens oportunidades exploratórias, orientações e acompanhamento de carreira desde cedo na vida escolar.

Com base na reflexão sobre ser adolescente na contemporaneidade urbana, tendo como pano de fundo a importância da escola e a ausência de rituais de passagem e de preparação para a vida adulta, o presente artigo tem por objetivo analisar as perspectivas de futuro de adolescentes em relação à entrada no ensino médio e à escolha profissional.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram da pesquisa seis turmas de 9º ano, cada uma com aproximadamente 40 alunos com faixa etária entre 14 e 15 anos, de uma escola da rede de ensino privado da região de classe alta e média alta de Brasília. Essa pesquisa fez parte de um projeto maior, realizado por dois psicólogos contratados pela instituição, que tinha como objetivo preparar os adolescentes para o momento de entrada no ensino médio e de escolha profissional.

Procedimentos

Foi realizado um encontro inicial com os pais, três encontros com cada turma e um encontro final com os pais. No primeiro encontro com cada turma, fez-se uma breve apresentação dos facilitadores, propôs-se uma imaginação criativa3 sobre o futuro, seguida pelo preenchimento de um questionário com três perguntas abertas e uma conversa sobre a entrada no ensino médio. O segundo encontro aconteceu em um lugar com espaço aberto e mais tempo de atividades, onde foram realizados trabalhos de grupo usando principalmente as ferramentas do psicodrama e da psicologia corporal com foco no fim do ensino fundamental e no futuro. No terceiro encontro, a conversa centrou-se na escolha vocacional. Os participantes foram consultados quanto ao desejo de participar como sujeitos de pesquisa, tendo-se obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido dos mesmos, devidamente assinados pelos responsáveis. Não houve dissidentes.

Instrumentos

Neste estudo, foram analisados os dados produzidos no primeiro encontro com cada turma, um total de 227 questionários, contendo as seguintes perguntas: (1) Este ano você termina o ensino fundamental e, em 2008, você estará no 1º ano do ensino médio. Quais são suas expectativas para essa nova fase de vida?; (2) Quais os pontos positivos e negativos de ir para o ensino médio?; (3) Quando penso em escolher minha profissão, o que mais me preocupa é.

Análise de dados

As respostas foram examinadas por meio da análise de conteúdo (Bardin, 1977), na qual o conteúdo manifesto foi organizado em categorias temáticas extraídas das respostas ao questionário. No estudo privilegiaram-se as especificidades presentes nas respostas, em detrimento da frequência, uma vez que o interesse é refletir sobre as expectativas e preocupações desses adolescentes e não apenas sobre o que pensa a maioria. Ainda assim, calculou-se a porcentagem da frequência dos temas/categorias identificados nas respostas dos adolescentes, conforme descritas nas Tabelas 1 e 2. As perguntas um e dois foram categorizadas e discutidas em conjunto, pois ambas tratam da transição para o ensino médio. A análise da terceira pergunta, que versa sobre a escolha profissional, foi analisada separadamente.

Tabela 1
Porcentagem de frequência de categorias de respostas dadas às perguntas 1 e 2 do questionário

 

 

Tabela 2
Porcentagem de frequência de categorias de respostas dadas à pergunta 3 do questionário

 

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Para a análise das respostas à primeira e à segunda questão, que tratam das expectativas e os pontos positivos e negativos da transição para o ensino médio, foram criadas seis categorias temáticas, são elas: (1) Amizades; (2) Aprender e estudar mais; (3) Vai ser maravilhoso/vou me empenhar; (4) Autonomia, liberdade, maturidade e independência; (5) Começo da vida adulta/preparar para a faculdade; (6) Pressão, tensão, cobranças, falta de tempo. A terceira pergunta abordou o tipo de preocupação que os participantes têm quando pensam na profissão. Foram formadas as seguintes categorias: (7) Sucesso, competência e emprego; (8) Realização pessoal e financeira; (9) Se arrepender e escolher errado; (10) Indecisão; (11) Conhecimento da realidade.

A categoria 1 (Amizades) foi a mais citada em termos de expectativas e diz respeito à ampliação ou diminuição do grupo social. Fazem parte dessa categoria todas as respostas que denotam o interesse por pessoas e amizades e o medo de perder as amizades existentes. Refletem essa categoria, as seguintes respostas: “Conhecer novas pessoas”; “Fazer novas amizades”; “Mais garotos”; “Mais mulheres”; “Ter novos amigos e manter o antigos”; “Perder as amizades”.

As relações sociais se mostraram muito relevantes para os adolescentes e ocupam papel central nesse processo. É importante lembrar a relevância que o grupo de pares ganha nessa fase do desenvolvimento. O grupo passa a ter grande importância em diferentes dimensões da vida do adolescente e começa a assumir significado diferenciado do que prezava na infância. Assim, se observa maior expectativa de conhecer pessoas novas do que o interesse pelos estudos. Pode-se supor também que isso se deva ao fato de que os aspectos negativos dos estudos são mais relevantes para os participantes do que os positivos, de modo que os contatos sociais possibilitam ampliar o círculo de amizades, namorar, se divertir e ter mais prazer.

A categoria 2 (Aprender e estudar mais) foi a segunda mais citada entre as expectativas e abriga tanto aspectos positivos como negativos em relação aos estudos, visto que a mesma resposta apareceu nos questionários tanto como ponto favorável como desfavorável, sendo este último aspecto mais presente (Tabela 1). São exemplos dessa categoria as seguintes respostas: “Aprender muitas coisas”; “Muito conteúdo para assimilar”; “Que eu aprenda coisas mais úteis para o meu futuro”; “Aprofundar nos estudos”; “Mais carga de estudos”.

Nesta categoria, os adolescentes mostraram interesse em aprofundar os estudos, conhecer mais, aprender coisas úteis, demonstrando interesse pelos conteúdos, normalmente associados à curiosidade ou possibilidade de aprender algo pragmático. Entretanto, essa inclinação pelos estudos é ambígua: se por um lado aprender coisas novas pode ser excitante, por outro, quando existe a obrigação e a sobrecarga, se torna algo desagradável e aversivo, tal qual expresso pelos jovens, como excessivo e pesado, gerando angústia e desânimo por mais um ano escolar.

Pode-se supor que o jovem tenha uma motivação intrínseca para gostar de estudar e se anima ao pensar em aprender coisas novas, mas a forma pela qual o conteúdo é apresentado, principalmente pela carga excessiva de informações, é percebida como pouco interessante e desprazerosa. Também é possível refletir sobre a distância entre o que é ensinado em sala de aula e a vida cotidiana. Com o excesso de atenção e preocupação em preparar o estudante para o vestibular, a educação básica parece distanciar-se do sentido de preparar o jovem para a vida e formá-lo como cidadão e sujeito, como prevê o MEC (Brasil, 1996).

A categoria 3 (Vai ser maravilhoso/vou me empenhar) fala de expectativas que vão do otimismo alegre e animado ao considerar o ensino médio fonte de prazeres e sucesso garantido, passando por votos de empenho e comprometimento. Compõem essa categoria as seguintes respostas: “Vai ser tudo de bom, grandes expectativas!”; “Que seja alegre e tudo ótimo”; “Vou ser mais comprometido com os estudos”; “Vou ser mais esforçado em tudo que eu fizer daqui pra frente!”; “Ser mais comportada”; “As melhores (expectativas), pois sonho com esse momento há muito tempo!”.

Essas respostas revelam que há grande entusiasmo nos jovens no período de transição para o ensino médio e esperam, ansiosamente, pela oportunidade de colocar em prática a maior liberdade e independência. Falam de festas, diversões e daquele “friozinho na barriga” diante de novas perspectivas e de um futuro que, apesar de desconhecido, é visto como promissor.

Algumas respostas dessa categoria fazem referência a ser um melhor aluno, tirar melhores notas e se dedicar intensamente aos estudos. Ainda que muitas intenções estejam além do que realmente se concretizará, acreditase que tais falas expressam o desejo e a intenção dos jovens de se responsabilizarem pelo próprio crescimento, reconhecendo nas próprias escolhas a possibilidade de ter ou não sucesso.

A categoria 4 (Autonomia, liberdade, maturidade e independência) foi a mais citada entre os pontos positivos da transição para o ensino médio. Esta categoria temática reúne todas as respostas que expressam um desejo por autonomia, liberdade, independência, maturidade, crescimento pessoal, entrada numa nova fase de vida e aponta que os jovens esperam que o ensino médio dê liberdade e promova maturidade. São exemplos dessa categoria: “Mais independência”; “Mais liberdade”; “É o tempo de amadurecer, crescer e aprender”; “Amadurecer como pessoa”; “Mais preparada para a vida”; “Poder escolher o uniforme”.

Aparece a expectativa de que o ensino médio ajude no processo de tornar-se adulto. A categoria faz referência a questões subjetivas normalmente associadas à saída da infância e à entrada no mundo adulto, quando há menor controle externo e os jovens podem experimentar escolher e correr riscos.

Na categoria 5 (Começo da vida adulta/preparar para a faculdade) se faz presente o otimismo e o receio em crescer. Entre as expectativas dos adolescentes está a esperança de que o ensino médio os prepare para a vida adulta, sendo a universidade um elemento-chave desse processo de inserção social e de amadurecimento, como também aparece em outros estudos (Brêtas e cols., 2008; Oliveira e cols., 2003; Paredes & Pecora, 2004). Fazem parte dessa categoria, todas as respostas que apontam expectativas em relação à universidade e aspectos sobre tornar-se adulto. São exemplos dessa categoria: “Me preparar para o vestibular”; “Me preparar para o trabalho”; “Passar de ano”; “Fazer o PAZ”; “Começo da vida adulta”; “Menos um ano de escola”; “Crescer rápido demais”; “Pensar no futuro”; “Ter que escolher uma profissão”.

Crescer parece ser um aspecto paradoxal para os adolescentes. Enquanto uns gostam da ideia de realizar o vestibular, talvez por esse representar o ingresso na universidade, ou estar mais próximo da vida adulta, quando serão mais independentes; outros lamentam a infância que vai ficando para trás e vêem o vestibular ou o PAS4 como algo negativo, talvez por representar mais pressão, mais cobrança e a necessidade de crescer. Curiosamente, em algumas respostas, os adolescentes escreviam “PAZ” no lugar de “PAS”.

E assim, em concordância com Bock (2004) e Oliveira e cols. (2003), percebe-se que os jovens estão pedindo ajuda para que sejam vistos em suas necessidades e sofrimentos, para além do rótulo de adolescente-problemático, mas sim como alguém que deseja apoio e suporte para crescer. Cabe destacar que, apesar de a maioria dos alunos fazer referências à universidade em suas respostas, alguns tinham como expectativa simplesmente passar de ano. Questionou-se sobre os sonhos desses adolescentes: que perspectiva tem alguém que almeja apenas cumprir as exigências escolares e não faz referência a nada mais que isso? Estaria ausente a consciência de que o ensino médio, o ensino do meio, é apenas uma transição para a vida profissional? Seria desinteresse pelo estudo e pela vida acadêmica?

A categoria 6 (Pressão, tensão, cobranças, falta de tempo) é a categoria mais citada como ponto negativo, revelando o medo e as angústias provocados pela entrada no ensino médio. Em termos de expectativas aparece ainda o desejo de apoio nessa nova etapa. São exemplos dessa categoria: “Tensão e nervosismo”; “Cansativo”; “Abrir mão de várias coisas”; “Dá medo!”; “Falta de tempo”; “Muita pressão”; “Competição”; “Espero ter apoio”. Os jovens mostraram-se preocupados e angustiados, principalmente em relação a entrar na universidade federal. Durante as atividades alguns verbalizavam essa pressão: “Se não passar na UnB não ganha carro!”; “Tem que ser na UnB!”; “Toda a família passou na UnB, eu vou ter que passar!”.

Oliveira e cols. (2003) constataram que nas camadas sociais à qual esses jovens pertencem, classe alta e média alta, a cobrança por resultados é intensa. Os jovens parecem cansados de tanto esforço e exigência. Dizer que é só uma preguiça comum à idade (Bock, 2004), é tanto uma análise equivocada como inútil no auxílio às possíveis mudanças. Além disso, é massiva a reclamação por falta de tempo, por ter que se dedicar mais à escola, ir à aula também no período vespertino, realizar provas aos sábados e ter que “abrir mão” de algumas coisas em favor dos estudos. Questiona-se que tempo é esse que a escola está roubando. O tempo de lazer? O tempo de descanso? O que o jovem gostaria de fazer com o tempo que tem?

Essa categoria ainda representa um pedido de apoio nessa fase de inseguranças, quando o sucesso reconhecido é basicamente o acadêmico e pouca atenção parece ser dada às necessidades emocionais, provocando o afastamento de si mesmo, sensação de menos-valia e baixa auto-estima, congelamento das emoções e ênfase exagerada no cumprimento da tarefa, na obtenção de resultados e no desempenho acadêmico (Lowen, 1986).

É importante destacar que 10,13% dos participantes não responderam à questão sobre expectativas ou demonstraram indiferença quanto à mudança. Pode-se imaginar que tal atitude nas respostas se refere à dificuldade encontrada por alguns adolescentes em lidar com a situação. Outra hipótese pertinente é a de falta de maturidade para a escolha ou ausência da crise, como expõe Mahl, Soares e Neto (2005), justificando trabalhos de sensibilização que despertem o jovem para a importância de pensar nessa transição, o que pode prevenir maior desgaste psicológico e emocional no futuro.

A categoria 7 (Sucesso, competência e emprego), primeira das categorias referentes à terceira pergunta, foi a que mais apareceu nas respostas dos participantes e faz referência à preocupação dos jovens em obter sucesso com a profissão escolhida, de conseguir se estabelecer profissionalmente e de ser competente. Também foram reunidas aqui respostas que apontavam o desejo de se aprimorar profissionalmente e a preocupação em relação aos desafios da profissão. Muitos fizeram referência ao medo do desemprego ou de que o mercado de trabalho seja desfavorável em relação à profissão escolhida. São exemplos: “Se vou conseguir um bom emprego, se serei bem sucedido”; “Se vou conseguir um emprego na área que queria”; “Se eu vou ser boa na minha profissão”; “Tenho que estudar muito, fazer uma pós-graduação, estudar fora”.

Mais uma vez, aparece a cobrança por resultados, na forma de ter que atingir o sucesso, ser um profissional competente e reconhecido. Os jovens, precocemente, apresentam um grande receio em relação ao desemprego, que pode ser usado positivamente, estimulando o debate sobre o contexto atual e as possibilidades do mercado, mas, principalmente, acolhendo tais angústias de jovens que ainda estão em processo de luto pela infância perdida e sob muita pressão e pouca compreensão.

Diante das respostas apresentadas seria importante questionar o significado de sucesso. Quais os sentimentos ocultos por trás da pressão por resultados? Seria a fadiga pela permanente impossibilidade de descansar enquanto não se atingir a meta do sucesso, talvez intangível? Seria esse um conflito do grupo estudado ou algo, como coloca Lowen (1986), concernente à cultura: uma luta incessante pela realização através do fazer, com a desvalorização do ser, dos sentimentos e do subjetivo?

A categoria 8 (Realização pessoal e financeira) foi a segunda mais citada entre as que revelam as preocupações dos estudantes com a escolha profissional. Ela reúne respostas que apontam o desejo de que a profissão traga satisfação pessoal e retorno financeiro. São exemplos dessa categoria: “Que eu seja feliz na minha profissão”; “Ter que trabalhar muito e ganhar pouco”; “Ganhar dinheiro”; “Fazer algo que me dê dinheiro e que eu goste”.

Destaca-se que gostar do que faz e ser feliz na profissão foi um aspecto muito relevante nas respostas dos jovens, correspondendo a 58% dos itens dessa categoria. A satisfação pessoal parece estar em primeiro lugar quando os adolescentes pensam em que profissão escolher. Em 25% dos itens, a mesma resposta continha fazer o que gosta e ganhar dinheiro e somente em 17% dos itens apareceu somente a preocupação com o dinheiro. Isso pode indicar que os jovens preferem a satisfação de estarem fazendo algo que gostam e com o qual se identifiquem do que ganhar dinheiro. Esse é um ponto delicado que merece redobrada atenção.

Lowen (1986) problematiza a divisão coração e pélvis, como um obstáculo ao desenvolvimento saudável, a partir do qual sujeito desenvolve lógicas equivocadas ou crenças negativas e limitadoras sobre a realidade, gerando um repertório de comportamentos e condutas insalubres que normalmente o acompanharão até a vida adulta. O coração está ligado aos sentimentos, ao afeto, à conexão amorosa com o outro, ao se aceitar profundamente e ao fazer o que gosta. A pélvis está conectada com a sexualidade e também com as pernas, com a sustentação - seja do corpo, seja da vida - e, portanto está ligada ao dinheiro, o que nos sustenta na vida. Essa separação, vivida inconscientemente no contexto familiar, permanece inconsciente na escola, que contribui para a cristalização da concepção de que trabalhar fazendo o que gosta e ganhar dinheiro são coisas dissociadas, e o sujeito segue dividido: obrigado a abrir mão do anseio do seu coração, da vocação, para que possa ser aceito, se sustentar e reproduzir a cultura.

Trabalhar essas crenças e criar a possibilidade de que o jovem perceba que o trabalho de que ele gosta e o dinheiro dele resultante podem estar conectado ao prazer, deve ser uma preocupação do orientador vocacional. Afortunadamente, neste estudo, alguns jovens já associam prazer e trabalho. Entretanto, a maioria, ainda que citasse na mesma resposta fazer o que gosta e ganhar dinheiro, não usava qualquer conectivo entre tais possibilidades, indicando que a dicotomia está presente, ainda que em processo de ressignificação.

Na categoria 9 (Se arrepender e escolher errado) os participantes mostraram-se preocupados com a possibilidade de fazerem uma escolha errada, de se arrependerem, de mais adiante descobrirem que não era aquilo que eles queriam e assim, perderem tempo da vida. Essa categoria reúne todas as respostas que fazem referência a essa insegurança, como por exemplo: “Me arrepender”; “Escolher a profissão errada”; “Começar um curso e ter que parar no meio porque não é o que eu gosto”; “Descobrir que não gosto de trabalhar com o que eu escolhi”; “Saber se é algo que eu quero fazer para o resto da vida”. O medo do arrependimento, de errar e perder tempo são temas comuns nos processos de orientação vocacional (Soares, 2002), normalmente associado à crença equivocada de que a escolha é para o resto da vida. Todavia, sabe-se que a possibilidade de reorientar o próprio caminho é sempre presente e é, de fato, elemento inerente ao desenvolvimento da carreira. Esse resultado ressalta a importância de se dissolver falsas concepções acerca da realidade e da trajetória profissional, dirimindo a ansiedade e a pressão de se ter que fazer a escolha certa.

Na categoria 10 (Indecisão) aparece a angústia dos jovens em relação à indecisão quanto ao futuro profissional, são exemplos dessa categoria: “Não sei o que fazer”; “Queria ter certeza sobre que profissão seguir”; “Estou cheio de dúvidas”.

Na categoria 11 (Conhecimento da realidade) os jovens expressaram o interesse em conhecer mais as profissões, a universidade e a preocupação em conseguir passar no vestibular, entretanto foi bem baixa a porcentagem de itens nessa categoria. Exemplos desses itens são: “Saber como é trabalhar nessa profissão”; “Se essa profissão tem um bom mercado de trabalho”; “Se vou conseguir passar no vestibular”; “Se eu vou gostar do curso e da profissão”.

Nota-se entre os participantes o interesse e a curiosidade por conhecer os cursos superiores e as profissões, bem como as questões relativas ao mercado de trabalho. Há, ainda que pouco expresso, o desejo de realizarem uma exploração vocacional e poderem realizar uma transição mais adequada e menos angustiante. Podemos entender a preocupação em passar no vestibular como uma atitude madura, que reconhece na prova um desafio que exige preparação e empenho. Tal hipótese é fortalecida ao compararmos com as demais análises, em que muitos participantes expressam o desejo de estudar mais e de se preparar para o vestibular. Entretanto, a baixa percentagem de itens nessa categoria sugere que os alunos ainda não percebem a importância de conhecerem a realidade profissional e acadêmica. Pode-se questionar se esses jovens tem recebido estímulo e orientação adequadas para empreenderem a atitude exploratória.

Percebe-se que as categorias 9, 10 e 11 se complementam. Muitas vezes a indecisão está associada ao medo de escolher errado e à falta de conhecimento sobre a realidade. Sparta e cols. (2005) perceberam forte correlação entre baixa exploração e indecisão vocacional. O futuro profissional é motivo de preocupação para os adolescentes e sabe-se que no ensino médio essa preocupação é multiplicada, seja pela freqüência em que o assunto é levantado, seja pela aproximação do momento de ingresso na faculdade. A indecisão em si não é problema, mas, quando não trabalhada, dá margem a soluções superficiais, que evitam o enfrentamento e eliminam aparentemente o fator estressor. A escola, com o potencial que possui, tem sido ausente na prestação de auxílio aos alunos para a escolha da carreira e, assim, as decisões são apoiadas em imagens idealizadas e distorcidas apresentadas pela mídia (Gomes e cols., 2006).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, percebe-se que os jovens estão animados com a chegada do ensino médio e esperam que lá possam se preparar, tanto academicamente quanto psicologicamente, para o futuro profissional e para a vida adulta, principalmente por meio do ganho de maturidade e autonomia. Há expectativas no campo socioafetivo e desejos de ter mais liberdade para namoros e envolvimentos mais erotizados. Fica nítido também o desprazer que o processo educacional representa, sendo visto como um peso - embora se reconheça a necessidade de maior dedicação frente ao desafio que é o vestibular e o ensino médio, devido ao considerável aumento de conteúdo e disciplinas. Ainda, há o luto pela infância e a busca por apoio e suporte. Como apontam Brêtas e cols. (2008), aparece a questão do aumento da responsabilidade, do comportamento sexual e do luto pela infância associadas ao processo de amadurecer.

Em relação ao futuro profissional, as preocupações se concentram na vontade de se realizar profissionalmente ganhando dinheiro, mas, principalmente, fazendo o que gostam. Essas preocupações, na perspectiva dos adolescentes, assumem caráter de excessiva exigência para serem competentes e terem sucesso, mas ao mesmo tempo se sentem inseguros na hora de escolher e são atormentados pela ameaça de fracasso ou arrependimento. Destacase o desejo dos jovens, bem como a necessidade de mais orientações e estímulo à exploração vocacional.

Nas palavras dos jovens, crescer (seja indo para o ensino médio, para a faculdade ou para vida adulta) é um misto de preocupação e excitação, insegurança e otimismo, vontade de crescer e de brincar. A juventude de classe alta e média alta está submetida a uma intensa cobrança e as brincadeiras livres são substituídas por brincadeiras com hora marcada: o balé, o judô, a natação, dentre tantas atividades que são introduzidas desde cedo na vida desses adolescentes, que transformam o prazer de um jogo em cobrança por resultados.

A ansiedade e a percepção negativa em relação ao processo de crescer, presentes nas respostas ao questionário, foram também observadas durante o trabalho do segundo encontro, quando os adolescentes expressaram explicitamente pela fala e por dramatizações, o luto em relação à infância: as ansiedades que os jovens experimentam com a ideia de que vão perder a leveza da infância e terão que entrar no mundo duro e competitivo dos adultos. Aberastury e Knobel (1984) apontam que esse processo de perda da identidade infantil necessita de elaboração, normalmente acompanhada de dor pela perda do corpo de criança e da relação com os pais idealizados. Fica nítida a importância de rituais de passagem ou outros trabalhos que permitam ao jovem vivenciar o luto e seguir adiante, minimizando as lacunas no seu desenvolvimento.

Observou-se que um dos principais fatores de desgaste emocional na transição para o ensino médio é a perda das amizades escolares. Tal elemento aparece como aspectos negativos da categoria 1, mas também podemos citar que foi muito frequente nas atividades desenvolvidas em grupo no segundo encontro, que era mais livre e continente e permitia que emergissem os sentimentos de perda. Sobressai esse ponto delicado e carregado de sentimentos, que não será discutido no presente artigo, mas que se revelou um tema angustiante que merece a atenção de futuras pesquisas e reforça a importância de dar ouvidos aos adolescentes, principalmente em uma cultura na qual se destaca a fragilidade dos vínculos.

É preocupante o quanto as atividades escolares são vistas como tensas e pesadas, como aparece na categoria 6, possivelmente matando o otimismo adolescente presente na categoria 3 e fazendo do processo de aprendizagem um peso, como a mochila carregada de livros e cadernos que os alunos levam para a aula todos os dias. Onde há tensão não há prazer (Lowen, 1967). A relação entre professor-aluno muitas vezes é mecânica e ritualística, em um contexto no qual o aluno considera inútil o que ensinam e por isso fica desestimulado com a aprendizagem (Cabral e cols., 2004). Desse modo, o otimismo e a alegria somados ao desejo de fazer diferente, poderiam ser usados e estimulados pela escola, proporcionando uma educação que nutrisse o constante pensamento de crescer e se entusiasmar com as possibilidades do futuro, mantendo a consciência da realidade sem se deixar oprimir pelas dificuldades e desafios.

Não se pode ignorar que a ideia de peso é percebida em relação ao processo escolar e também em relação ao processo de tornar-se adulto. Talvez um ensino mais prazeroso, associado a um trabalho de preparação para a transição e elaboração do luto da infância fossem duplamente eficientes, dando continência para a crise da transição e aumentando o interesse pela escola.

A angústia e a insegurança dos jovens em relação à categoria 9, o medo de se arrepender, são bem compreensíveis, uma vez que é preciso, ao escolher, desistir de outras possibilidades, e assim faz-se necessário elaborar a perda do que é deixado para trás (Aberastury & Knobel, 1984). Entretanto, o trabalho que a OP/OV propõe é justamente preparar os orientandos para uma escolha consciente e para essa transição, a partir de um processo de autoconhecimento que leve o sujeito à descoberta de como gosta de usar sua energia e como pode transformá-la em uma profissão e contribuir para a sociedade.

Era esperado que os jovens pesquisados apresentassem muitas das preocupações que surgiram, justamente por serem comuns ao momento de escolha, como é visto entre jovens do final de ensino médio. Mas também é relevante notar que são alunos do ensino fundamental e que desde já sofrem com as mesmas angústias, que poderiam ser trabalhadas desde cedo no ambiente escolar, como tema transversal, em conjunto com as demais práticas e atividades curriculares.

Pasqualine, Garbulho e Schut (2004) expõem um projeto de OV/OP realizado com crianças pré-escolares e defendem que se deve começar o processo de preparo para a escolha profissional e para o mundo do trabalho desde cedo; abordando preconceitos e fantasias. Magnuson e Starr (2000) também defendem que se deve desenvolver nas crianças as habilidades para construção da carreira profissional, vendo esse processo como parte do desenvolvimento e constituição do sujeito. Desse modo, podemos nos questionar se o último ano do ensino médio não é, de todos, o pior momento para o trabalho do orientador vocacional, pois trata-se mais de uma medida de emergência na tentativa de proporcionar o mínimo de esclarecimento e suporte para a escolha profissional.

É possível verificar que as angústias dos alunos de 9º ano se assemelham às dos alunos de final de 3º ano. Então, que tipo de auxílio esses jovens estão recebendo das escolas e da sociedade no sentido de prepará-los para a escolha vocacional e, mais amplamente, para a vida adulta? Não estaria a escola tão ocupada e concentrada em preparar os jovens para o vestibular que estaria perdendo o foco sobre sua função educadora?

Nesta direção, Teixeira e Gomes (2004) sugerem que mesmo alunos de final de graduação não estão sendo adequadamente preparados para a vida adulta. Portanto, nem o ensino fundamental, nem o médio, nem o superior parecem estar cumprindo o papel básico de formar o cidadão para que ele construa sua identidade profissional e contribua para a sociedade. Então, fala-se em prolongamento da adolescência, mas percebe-se que não há o devido preparo e suporte para a entrada no mundo adulto. É essencial que os orientadores vocacionais defendam a importância de um trabalho OV/OP, para além da escolha da profissão, preparando o indivíduo para se tornar um adulto, profissional e cidadão mais consciente, e que façam da OV/OP também um rito de passagem, como propõe Silva e Soares (2001), resultante de um processo de transição que ocorra de forma gradual.

Em algumas respostas em relação às expectativas para o ensino médio, muitos escreviam PAZ, fazendo referência ao PAS. O que aparentemente parece um erro de ortografia pode ocultar um desejo ou ato falho que não deve ser ignorado. A pressão que incide sobre esses jovens é tanta que é de se imaginar que tudo o que querem é um pouco de paz que os permita relaxar, findando o esforço, a exigência e a necessidade de provar o próprio valor, paz para poder brincar e viver o fim da infância, a paz de poder deitar no colo e receber um cafuné sem imaginar que para isso tem que tirar nota 10 na prova, a paz difícil de se encontrar quando tantos hormônios circulam pelo corpo e, no lugar de apoio e acolhimento, encontra-se cobrança.

Por fim, os resultados desta pesquisa indicam a necessidade e a expectativa de se empreender estratégias educacionais que visem uma melhor preparação para os momentos de transição: para o ensino médio, para o mundo do trabalho e para a vida adulta. Também, a criação de espaços que acolham as angústias e inseguranças vividas pelos jovens, no qual os sentimentos possam ser expressos, minimizando a sensação de pressão e cobrança. Ainda, a necessidade de converter a escola em um lugar prazeroso, afetivo, que realmente ofereça ao jovem o que ele precisa e o que faça sentido, estimulando assim o desejo de crescimento dos adolescentes.

Em suma, cabe destacar a necessidade de o orientador vocacional estar presente desde cedo na vida escolar, uma vez que os participantes já apresentam as angústias que também estão presentes nos alunos de ensino médio. Mais pesquisas devem ser feitas no sentido de fortalecer esta compreensão, fazendo dessa prática uma nova cultura.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido: 21/02/2009
1ª Revisão: 09/06/2009
2ª Revisão: 21/09/2009
3ª Revisão: 31/10/2009
Aceite final: 26/11/2009

 

 

1 Agradecimentos a Álvaro Fernando Loureiro, por acreditar na importância desse trabalho com os jovens, à psicóloga Daniela Santos pela parceria no projeto e à Carolina Lorentz Beltrão por seu apoio e ajuda na preparação dos dados.
2 Endereço para correspondência: SHIS QI 25 conjunto 10 casa 2, 71.660-300, Brasília-DF, Brasil. Fone: (61) 3367-3955. E-mail: fhaguiar@gmail.com.
3 De olhos fechados, os adolescentes, mediante instruções, se imaginavam em situações futuras: ensino médio, vestibular, universidade e vida profissional.
4 PAS: Vestibular seriado da Universidade de Brasília (UnB). Ao final de cada ano do ensino médio os estudantes fazem uma prova, etapa, do vestibular. Ao concluir a terceira etapa, obtém-se a nota final para aprovação ou não no curso pretendido.

 

 

Sobre os autores
* Fernando Henrique Rezende Aguiar é psicólogo pela Universidade de Brasília e terapeuta em Core Energetics pelo Institute of Core Energetics/Nova York, atua como psicoterapeuta corporal e orientador vocacional. Coordena e supervisiona alunos da graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília em trabalhos de orientação vocacional.
** Maria Inês Gandolfo Conceição é Doutora em Psicologia, Professora Adjunta do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), psicodramatista, coordenadora do Laboratório de Família, Grupos e Comunidades do Instituto de Psicologia da UnB.

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