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Desidades
versão On-line ISSN 2318-9282
Desidades vol.2 Rio de Janeiro 2014
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A educação dos jovens Guarani e Kaiowá e sua utilização das redes sociais na luta por direitos
La educación de los jóvenes Guarani y Kaiowá y la utilización de las redes sociales en la lucha por sus derechos
Tonico BenitesI
Faculdade Intercultural Indígena, Universidade Federal da Grande Dourados.
Palavras-chave: educação indígena Guarani e Kaiowá, luta política dos jovens indígenas.
Palabras-clave: educación indígena Guaraní y Kaiowá, lucha política de los jóvenes indígenas.
O presente artigo apresenta os processos de educação indígena Guarani e Kaiowá bem como a luta política inédita dos jovens indígenas através das redes sociais (Facebook) na internet, buscando as efetivações de seus direitos fundamentais no contexto contemporâneo.
O povo Guarani e Kaiowá em foco é conhecido na literatura antropológica como sendo Guarani-Kaiowá e Guarani-Ñandéva (ver Schaden, 1974; Melià; Grünberg e Grünberg, 1976). Embora apresentem muitos aspectos culturais e de organização social em comum, o primeiro, ou seja, Guarani-Kaiowá, não se reconhece como sendo Guarani, mas aceita a denominação de Kaiowá. Por sua vez o Guarani-Ñandéva se autodenomina como Guarani. Assim sendo, no decorrer deste artigo irei me referir ao povo indígena como Guarani e Kaiowá.
Para a fundamentação deste artigo inicialmente apoiei-me na bibliografia que trata especificamente da história do povo Guarani e Kaiowá. Em parte, para analisar a luta política dos jovens indígenas contemporâneos, centrei-me nos trechos do documento escrito divulgado do 1º Encontro dos Jovens Indígenas Guarani e Kaiowá, realizado em 2011. Por fim, em geral considerei os relatos, os vídeos, fotos, petições e os documentos indígenas postados nas redes sociais (Facebook e blogs) por representantes dos jovens Guarani e Kaiowá que foram fundamentais para a elaboração deste artigo.
A literatura, tanto antropológica como historiográfica, aponta que desde a época pré-hispânica, o atual território brasileiro e paraguaio encontrava-se povoado por indígenas pertencentes ao tronco Tupi-Guarani, segundo Susnik (1979, p. 80).
É importante revelar que até hoje estes subgrupos (Guarani Kaiowá, Ñandéva, Mbya) remanescentes do tronco Tupi-Guarani vivem dispersos em pequenos pedaços de seus territórios localizados no Brasil, Paraguai, Argentina e Bolívia. Essa diversidade de subgrupos Guarani contemporâneos se constituem como categorias étnicas diferenciadas. São considerados pela literatura antropológica como povos agricultores, religiosos/rezadores e guerreiros, que se encontram em certa medida em processo de disputa e conflito com os colonizadores dominantes até hoje. Esses fatos históricos ainda são poucos conhecidos pelos não indígenas do Brasil, entre outros.
Atualmente, no Brasil, os povos Guarani estão localizados em diversas regiões. O povo Guarani-Mbya (na região Sul) está concentrado nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná; na região Sudeste, em São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo. Os Guarani-Ñandéva e Kaiowá concentram-se na região Centro-Oeste no estado de Mato Grosso do Sul.
Os povos indígenas do atual Cone Sul de Mato Grosso do Sul formam uma população de, aproximadamente, 46.000 indivíduos, que pertencem às etnias Guarani Kaiowá; 60% dessa população são jovens, a maior parte está distribuída em oito aldeias ou postos indígenas (demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios entre 1915 e 1928); outra parcela da população Guarani e Kaiowá está assentada em 22 terras indígenas reocupadas pelos próprios indígenas, as quais se encontram identificadas e demarcadas ou em processo de regularização fundiária pelo governo federal a partir das décadas de 1980, 1990 e 2000. Além disso, existem oito grupos de comunidades ou conjuntos das famílias extensas acampadas de modo provisório na margem da rodovia (BR), aguardando identificação e reconhecimento oficial do seu território tradicional tekoha guasu.
A organização social dos indígenas Guarani e Kaiowá e os sentidos da educação nestes povos
Em relação à referida organização social desses indígenas, os estudos antropológicos recentes (como Meliá, 1978; Thomaz de Almeida, 1991; Mura, 2006) confirmam que os subgrupos Guarani Kaiowá, Ñandéva e Mbya continuam sua organização social centrada na família extensa.
No passado, uma família extensa indígena composta por mais de uma centena de índios vivia dentro de uma casa grande, sendo que nesta habitação e no seu entorno os adultos trabalhavam, juntamente com os jovens e as crianças, sendo as atividades cotidianas divididas segundo o sexo e a idade. Com o passar do tempo, o desaparecimento da casa grande não significou uma mudança na centralidade desta organização social.
No seio da família extensa Guarani e Kaiowá, as crianças maiores cuidam das menores, de modo que todas são educadas juntas nestes mesmos espaços, por meio de práticas educativas que servem para todas as crianças, até 13 anos de idade, de ambos os sexos. Assim, no entendimento dos Guarani e Kaiowá, a fase final da criança é compreendida até 13 anos de idade.
Na concepção dos Guarani e Kaiowá, a fase do jovem começa a partir de 14 anos de idade, o menino com a mudança de voz e a menina com a primeira menstruação. Sendo assim, passam para outra fase, ainda não adultos, mas se preparando para a fase adulta, o que ocorre mais ou menos após os 14 anos de idade. Com a mudança de voz, o menino é liberado pela mãe e a avó para acompanhar os homens.
Um processo semelhante ocorre com a menina, mas obviamente de modo distinto e mais rígido também. Após a primeira menstruação, a menina não deve mais interagir sozinha com qualquer menino que possui idade superior a ela. A primeira menstruação é marco fundamental para a menina se tornar jovem, iniciando a fase adulta, devendo permanecer sob orientação da avó e da mãe ao longo do processo de experiência adulta.
Esta unidade social baseada na família extensa é fundamentada na prática de reciprocidade e bela conversa. Aqui, a reciprocidade significa, antes de tudo, a base da estabilidade e proteção, no sentido emocional afetivo, sobretudo fonte de alegria e bem viver do povo indígena.
Como metodologia educativa, é transmitida a ideia de pertencimento ao povo indígena, fortalecida por uma reciprocidade diária, fundamentada no princípio de dar e receber bens materiais e imateriais. Essa norma de distribuir e/ou dar os recursos e posteriormente receber não ocorre por meio de um ensino coercitivo e impositivo. Esta prática começa com as crianças e é reforçada no decorrer do processo de formação do jovem e do adulto. Tal continuidade é feita no cotidiano, através de conselhos e ensinamentos cotidianos. Desse modo, os integrantes responsáveis diretos pela educação (como pais e mães) são orientados pelos líderes (avó e avô) da família, no sentido de vigiarem e avaliarem, além de repreenderem, quaisquer atitudes consideradas incongruentes às regras do povo Guarani e Kaiowá. Neste sentido, há grande preocupação em garantir a construção e fixação da personalidade e sua adequação ao estilo comportamental vivido pela comunidade da família extensa.
No processo de transmissão de conhecimento, as lideranças e suportes agregadores e protetores, como o avô e avó, o pai e a mãe das crianças, são pessoas fundamentais, com autoridade para intervir nos problemas internos conforme as normas morais estabelecidas pelas mesmas.
Os líderes-educadores se ocupam em coordenar as atividades educativas cotidianas, educar e/ou orientar os comportamentos e atitudes corretos dos integrantes inexperientes da família e do povo. São divididos em dois grupos, o primeiro grupo educativo é composto pelas mulheres, subsidiado pelos homens (que constituem o segundo grupo). O primeiro grupo é determinante na educação das crianças. Todas as tarefas educativas são supervisionadas rigorosamente, pela liderança feminina, a avó.
Em geral, a educação da criança indígena é rigorosamente monitorada pela mãe, a avó e demais integrantes da família grande e comunidade inteira. As crianças de ambos os sexos permanecem com a liberdade vigiada para circularem, brincarem juntos no espaço exclusivo da família, locais onde a observação direta é feita continuamente pela mãe e pela avó.
O espaço amplo dos indígenas é fundamental para as crianças, compreendendo o pátio e espaço territorial, o em torno da casa e os caminhos que ligam a casa das crianças às dos parentes, às roças, aos rios e principalmente à casa central da avó. É na casa da avó que as crianças passam diariamente a maior parte do seu tempo, sendo considerada um importante centro de encontro diário da família para conselhos, informações, entretenimento, conciliação. É, sobretudo, um lugar de alegria e risos, gerados na interação entre as crianças e os adultos. As crianças com mais idade estão também disponíveis, a serviço da família, frequentemente levando e trazendo algo comestível e recados entre os diversos integrantes das comunidades da aldeia.
Neste contexto interno da família extensa, as crianças maiores cuidam das menores, de modo que todas são educadas juntas nestes mesmos espaços comunitários, por meio de práticas educativas que servem para todas as crianças. De fato, o processo de transmissão de conhecimento ocorre em vários espaços de exclusividade das famílias, principalmente na casa e no pátio da avó, onde as crianças permanecem a maior parte do dia. Nessa situação, a mãe e a avó se envolvem diariamente na educação de crianças e adolescentes, monitorando de perto os comportamentos e as palavras reproduzidas pelas crianças. Dessa forma, ocorre uma avaliação contínua e imediata, devendo-se aprovar e incentivar a repetição das boas palavras e comportamentos considerados adequados e alegres pelo povo. Estas observações, avaliações e aprovações ocorrem também de modo alegre e sorridente.
Em sentido oposto, no momento em que as crianças se comportam diferentemente do princípio da educação ensinada e aprovada pela família, isto é, quando expressam qualquer frase negativa e assumem atitudes inadequadas ou um modo de ser incongruente, imediatamente tais atitudes são repreendidas através de aconselhamento. Além disso, os jovens punidos devem declarar para a mãe, a avó e para a comunidade que não irão mais repetir tais atos inadequados e negativos. Estas punições são aplicadas exclusivamente pela mãe e a avó, em decorrência de desobediência à norma da família e do povo Guarani e Kaiowá.
É imoral e reprovada a prática da criança de reproduzir o modo de ser negativo e violento, como frases negativas, ou manifestar atos ofensivos e/ou inúteis com frequência. Por esse motivo, as crianças e jovens indígenas são punidos com mais rigor.
Na reunião comunitária periódica, os líderes idosos (as) aconselham calmamente a todos os membros das comunidades da aldeia para não se comportarem mal diante das crianças, lembrando que os atos ou atitudes imorais podem ser repetidos e reproduzidos pelas crianças e jovens inocentes. As crianças não são vistas como culpadas de seus atos e comportamentos inadequados (culpados são os adultos), mas, mesmo assim e dependendo das circunstâncias, a avó aconselha também todas as crianças a não reproduzirem atitudes e expressões negativas dos adultos.
Todos esses líderes idosos educativos são o suporte vital para a criança e o jovem virem a se posicionar como membros de uma organização social do povo Guarani e Kaiowá. Essas lideranças experientes são continuamente procuradas pelos seus jovens com o intuito de buscar soluções possíveis para diversos problemas cotidianos, assim como o apoio afetivo emocional, recursos materiais e proteção da comunidade que luta pela demarcação de terras tradicionais (tekoha).
Em relação à luta indígena pela demarcação de terras indígenas, é relevante mencionar que várias comunidades indígenas Guarani e Kaiowá foram expulsas, dispersas de suas terras tradicionais ao longo do século XX, reassentadas nos “Postos ou Reservas Indígenas”, criados pelo órgão indigenista (Serviço de Proteção aos Índios) entre 1915 e 1930. Diante disso, em meados de 1970, as lideranças das comunidades expulsas começaram a reivindicar a demarcação das terras tradicionais (tekoha) de onde os indígenas haviam sido expulsos. Assim começou a realização da reunião intercomunitária, grande assembleia (Aty Guasu) Guarani e Kaiowá, resistência e luta pela recuperação das parcelas de suas terras tradicionais.
Na grande assembleia (Aty Guasu), as lideranças idosas, juntamente com os jovens Guarani e os Kaiowá, realizam troca de experiências, debatem, concebem e interpretam as significações da realidade cotidiana por eles vivida e experimentada conforme a sua cosmovisão, que assim vai se renovando com as experiências recentes.
Na assembleia política intercomunitária e nos rituais religiosos, os jovens e líderes idosos desenvolvem as explicações entre eles e planejam as suas ações novas neste contexto histórico de relações com os não índios.
No tocante ao ensino sobre a vida ou a cultura de outro povo não índio, é orientado à criança e aos jovens, antes de ir à escola da cidade, como devem se comportar respeitosamente com não índios nas cidades. Durante a realização de atividades escolares, de compra de mercadoria, as crianças aprendem a interagir com os não índios. A mãe e a avó alertam aos inexperientes que a cidade está cheia de não índios maléficos, temidos, assustadores, por isso não devem dialogar com os não índios violentos e desconhecidos.
As assembléias comunitárias e intercomunitárias políticas, os eventos cerimoniais sagrados e profanos são momentos fundamentais, em que ocorrem ensinamentos vitais. Assim sendo, essas práticas pedagógicas do povo Guarani e Kaiowá são desenvolvidas nos eventos religiosos e profanos. Todas essas atividades educativas são realizadas oralmente em língua indígena, de modo repetitivo, sobretudo, com muita paciência e carinho, conforme a concepção de mundo do povo Guarani e Kaiowá.
Assim, a educação indígena é sempre fundamentada nos exemplos de seus antepassados e parentes que moram no lugar-terra sagrada, lugar no cosmos, localizado acima da Terra. Por essa razão, todas as atividades educativas baseiam-se nos comportamentos e atitudes dos “deuses” ou guardiões (jara), seres protetores dos indígenas, entendidos como os responsáveis pelo monitoramento do modo correto da vida sagrada dos indígenas. Nesse sentido, procuram assumir aqui na Terra uma vivência e atitude o mais similar possível à de sua família de origem localizada no cosmos Guarani.
Como já dito, a grande reunião política e os eventos religiosos são realizados justamente para confirmar e demonstrar às crianças os comportamentos adequados e atitudes morais vividas e aprovadas pelo povo. Desse modo, os líderes espirituais se dedicam a adaptar as novas gerações à vida semelhante à dos parentes e irmãos do cosmos. As crianças diariamente recebem orientações e aconselhamentos complementares e é ensinado a elas que o desrespeito aos regulamentos de seu povo deverá causar muitos problemas tanto para os indivíduos quanto para as famílias extensas. Todos os atos e atitudes cotidianas dos membros de uma família extensa terão consequências positivas ou negativas tanto para a família quanto para o povo ao qual pertence.
As regras do povo indígena Guarani e Kaiowá exigem também que os jovens e crianças participem dessa reunião intercomunitária, rituais religiosos e festa tradicional profana.
Na lógica educativa dos Guarani e Kaiowá, o ensino-aprendizagem é algo que ocorre continuamente e de modo contextualizado. Dessa forma, as crianças e jovens aprendem como devem se comportar, viver e lutar de acordo com o modo de ser e viver de povo indígena Guarani e Kaiowá.
As crianças e jovens estão sempre participando das assembleias e da luta da sua comunidade, buscando instrumentos eficazes para apoiar as demandas contemporâneas de seu povo. A seguir, é apresentada a utilização da internet pelo movimento político dos jovens indígenas para fortalecer as reivindicações da assembleia geral (Aty Guasu) do povo Guarani e Kaiowá.
A importância das redes sociais nas Aty Guasu e a luta dos povos indígenas
Historicamente, a manifestação e as reivindicações dos povos indígenas pelas efetivações de seus direitos e, sobretudo, pela defesa e recuperação de seus territórios tradicionais são apresentadas na grande mídia e na internet como atos altamente violentos, perigosos e ilegais. É importante destacar que estas representações e descrição dos indígenas acabaram se tornando a visão dominante, que é generalizada e divulgada de forma naturalizada pela mídia. Mas as lideranças indígenas idosas tinham dificuldades de contrapor essa divulgação.
Diante desses fatos, em 2011, um grupo de jovens estudantes Guarani e Kaiowá, a pedido da assembleia geral dos povos indígenas (Aty Guasu) Guarani e Kaiowá, formou uma comissão dos líderes jovens para contrapor e desconstruir as informações tendenciosas sobre os povos indígenas, divulgando as situações atuais e as demandas efetivas dos indígenas em situações de conflito fundiário. Uma das iniciativas recentes dos jovens indígenas é o uso das redes sociais em favor das demandas antigas de seus povos.
Para contrapor e desconstruir as informações tendenciosas da mídia dominante sobre os indígenas, os jovens Guarani e Kaiowá começaram a utilizar as redes sociais, através do Facebook e de blogs. A partir de 2011, um grupo de jovens indígenas criou o endereço eletrônico do Aty Guasu no Facebook (página que já possui mais de 5.000 mil amigos e amigas). Esse endereço se tornou um boletim informativo direto tanto dos jovens como das lideranças Guarani e Kaiowá dos territórios em conflito do Mato Grosso do Sul. Hoje, este endereço virtual em rede (através do Facebook e em blogs) é um canal de divulgação importante de informações diretas das comunidades indígenas dos territórios em conflito, que telefonam, enviam e-mail e procuram os membros da comissão dos jovens indígenas, informando-lhes seus problemas, os ataques de pistoleiros, ameaças sofridas etc. Assim, tanto os jovens quanto as comunidades indígenas das terras em conflito esperam que seus problemas sejam amplamente conhecidos, sobretudo esperam que possa haver providências de autoridades responsáveis.
Um dos principais objetivos da criação do endereço da assembleia geral indígena (Aty Guasu) na rede social é divulgar as informações efetivas e integrais, contextualizando-as, apresentando-as pelos próprios indígenas atingidos. Dessa forma, nesse endereço são traduzidas e disponibilizadas pelos jovens indígenas as notas públicas das lideranças indígenas, os documentos escritos destinados às autoridades, as petições, as fotos, os vídeos resultantes de encaminhamentos das lideranças indígenas, socializando as concepções, os motivos, as posições dos indígenas. Além disso, os conteúdos divulgados neste endereço do Aty Guasu no Facebook e em blogs são exclusivamente de autoria dos indígenas e ficam acessíveis a todos os povos indígenas e não-indígenas que acessam a internet. Constantemente são feitos informativos atualizados pelos jovens indígenas.
É fundamental destacar que após a criação e administração desse endereço eletrônico pelos jovens indígenas no Facebook para expressar as opiniões, posições e demandas das lideranças indígenas, a causa do povo indígena Guarani e Kaiowá ganhou imensa repercussão na internet.
É importante destacar, ainda, que ao longo de todo o ano de 2012, através de seu endereço virtual, as lideranças indígenas, através dos jovens indígenas, divulgavam diretamente as violências promovidas pelos fazendeiros contra o povo Guarani e Kaiowá dos territórios em conflito. Em decorrência dessa divulgação frequente, que relatou muitos acontecimentos de violência e assassinato de indígenas nas redes sociais, milhares de cidadãos(ãs) do Brasil acrescentaram “guarani e kaiowá” como os seus sobrenomes nas redes e foram organizados e promovidos atos no dia 9 de novembro de 2012 em diversos estados do país, tornando-se uma manifestação nacional, também realizada por brasileiros em outros países, em prol da luta dos Guarani e dos Kaiowá.
Como é possível perceber, essa repercussão iniciada pelos jovens indígenas foi algo inédito não só para o contexto de Mato Grosso do Sul, mas também para todo o país e mesmo para fora dele. Isso reverteu o fato de a grande maioria dos brasileiros ainda desconhecer a situação atual dos indígenas Guarani e Kaiowá naquela federação do país. Na sequência, ao longo do ano de 2012, houve uma ampla solidariedade aos Guarani e Kaiowá de uma parcela significativa dos brasileiros, o que foi muito importante para a luta dos indígenas pela efetivação de seus direitos básicos e pelas recuperação das terras tradicionais. Isso porque as demandas e situações efetivas dos Guarani e Kaiowá dificilmente eram (e são) divulgadas de forma detalhada pela grande mídia local e nacional.
É verdade que, em decorrência dessa repercussão, se por um lado os ataques e assassinatos pararam de ocorrer, por outro houve também a geração de mais ódio entre os políticos e fazendeiros que atuam contra os povos indígenas de Mato Grosso do Sul. Esses adversários históricos dos indígenas na disputa pelas terras passaram a reagir de forma mais enérgica, agora através de investimento em políticas anti-indígenas e na tática de ignorar ou atacar as demandas dos indígenas divulgadas de modo amplo até o momento. Isso é o que se constata através da crescente pressão política feita em todos os espaços (Câmara dos Deputados Federais, Congresso Nacional, jornais etc.) por fazer reverter os direitos que foram garantidos através da Constituição Federal de 1988. Por fim, importa destacar que no dia 5 de outubro de 2013, a Constituição Federal completou 25 anos, mas os direitos indígenas constitucionais não estão sendo efetivados. Diante dessa situação, as articulações dos jovens indígenas, juntamente com as lideranças idosas, participaram da Mobilização Nacional Indígena realizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).
Uma das experiências importantes dos jovens indígenas, hoje, é a utilização das novas tecnologias em favor de seu povo. A nova geração Guarani e Kaiowá defende que aprender a ler, escrever bem em língua indígena e na língua portuguesa (bilíngue), dominar bem a informática e internet são passos fundamentais no contexto contemporâneo. Visto que a formação bilíngue e o domínio de informática já passaram a dar algum prestígio relevante tanto nas aldeias indígenas quanto em contexto urbano.
Outro fato que deve ser considerado é que os líderes indígenas passaram a ter acesso aos livros, às revistas, aos informativos e documentos escritos, à informática e à internet, que antes não conseguiam ler, entender e utilizar de forma eficaz a seu favor. Assim, começaram a pensar que seus filhos(as) ou crianças (futura geração) deveriam aprender e dominar bem essas tecnologias, de maneira a transmitir conhecimento por meio de papel e internet, considerando como um instrumento valioso no contato como os não índios karai (“brancos”), nas relações interétnicas, em transações comerciais, nas suas reivindicações etc.
Os jovens indígenas tomaram também o aprendizado de leitura, escrita e informática como um desafio, pois muitos não índios duvidavam e duvidam que indígenas pudessem ler, escrever, dominar a nova tecnologia e internet, dizendo que ler, escrever bem, dominar a informática e internet não eram coisa de “índio”. Diante disso, os jovens Guarani e Kaiowá decidiram lutar contra o preconceito e o estigma, e aceitaram o desafio. Essa luta foi um dos assuntos avaliados e debatidos amplamente no encontro dos jovens indígenas.
Por fim, importa considerar que frente às demandas do povo Guarani e Kaiowá, os jovens começaram a dominar e experimentar esses recursos tecnológicos, utilizando-os em defesa dos direitos indígenas e dos interesses de seu povo. Desse modo, os jovens indígenas entendem que as novas tecnologias como a internet e as redes sociais, em parte, foram e são capazes de divulgar as situações atuais e as demandas reais das comunidades Guarani e Kaiowá contemporâneas.
Referências
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Sites acessados em 28 de janeiro de 2014:
http://atyguasu.blogspot.com.br/
I Ava Verá Arandú, é indígena Guarani e Kaiowá, tradutor e porta voz da Assembléia Geral (Aty Guasu) do povo Guarani e Kaiowá. Licenciado em Pedagogia pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul. Mestre e Doutor em Antropologia Social pelo Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ. Desde 2013 é professor na Faculdade Intercultural Indígena, da Universidade Federal da Grande Dourados. E-mail: tonicobenites2011@hotmail.com