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Psicologia da Educação

versão impressa ISSN 1414-6975versão On-line ISSN 2175-3520

Psicol. educ.  no.44 São Paulo jun. 2017

https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170006 

ARTIGOS

 

A avaliação interativa e o software alfabetização fônica: um estudo de caso

 

The interactive assessment and the alfabetização fônica software: a case study

 

Evaluación interactiva y alfabetização fônica computadorizada: un estudio de caso

 

 

Cristina Lúcia Maia CoelhoI; Claudio Lyra BastosII

IProfessor da Faculdade de Educação e do Mestrado Profissional Diversidade e Inclusão, Universidade Federal Fluminense
IIMédico do Hospital Universitário Antonio Pedro e Perito do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense. crismaia_84@gmail.com

 

 


RESUMO

O trabalho verificou a eficácia - na perspectiva da avaliação interativa - de uma intervenção com o software Alfabetização Fônica no desenvolvimento linguístico de uma aluna com deficiência intelectual. A aluna, com 20 anos e multirrepetente, frequentava o 1º ano do ensino médio de uma escola pública; foi diagnosticada formalmente com deficiência intelectual e apresentava dificuldades linguísticas na expressão oral e escrita, na compreensão e na leitura. O método baseou-se numa análise longitudinal, a partir de uma avaliação de pré-teste do perfil cognitivo da aluna (PROLEC), seguido da realização de intervenções com o software Alfabetização Fônica e de uma avaliação de pós-teste. O PROLEC visa à avaliação dos processos de leitura e envolve as seguintes provas: a) Identificação de letras; b) Processos léxicos; c) Processos sintáticos; d) Processos semânticos. Diferenças significativas nos desempenhos entre os pré-testes e os pós-testes apontaram para a eficácia de intervenções com procedimentos computadorizados nas dimensões léxicas, sintáticas e semânticas da linguagem e na consciência fonológica.

Palavras-chave: intervenção, deficiência, avaliação, alfabetização, software


ABSTRACT

The study aimed to verify the effectiveness - from interactive assessment approach - an intervention with the software Alfabetização Fônica in the language skills of a student with intellectual disability. The 20-year-old student after repeted the school year many times attended the first year of high school in a public school; she was diagnosed with intellectual disability and had linguistic difficulties in oral and written expression, comprehension and reading. The method was based on a longitudinal analysis based on a review of pre-test of the cognitive profile of the student through the WAIS-III, Raven, PROLEC and conducting interventions with the software and post-test evaluation. The PROLEC aims at the evaluation of reading processes and has the following proofs: a) Identification of letters; b) Lexical processes; c) Syntactic processes; d) Semantic processes. Significant differences the performances of the student between the pre and post-tests pointing to the effectiveness of interventions, especially in lexical, syntactic and semantic dimensions of language and phonological awareness indicators.

Keywords: intellectual disability, psycho-pedagogical interventions, interactive assessment, software, language skills.


RESUMEN

El trabajo verificó la eficacia - en la perspectiva de la evaluación interactiva - de una intervención con el software Alfabetização Fônica en el desarrollo lingüístico de una alumna con discapacidad intelectual. La alumna, con 20 años que había repetido el año muchas veces, frecuentaba el primer año de la enseñanza media de una escuela pública; fue diagnosticada formalmente con deficiencia intelectual y presentaba dificultades lingüísticas en la expresión oral y escrita, en la comprensión y en la lectura. El método se basó en un análisis longitudinal, a partir de una evaluación de pre test del perfil cognitivo de la alumna (PROLEC), seguida de la realización de intervenciones con el software Alfabetización Fónica y de una evaluación de post test. El PROLEC tiene como objetivo la evaluación de los procesos de lectura y aplica las siguientes pruebas: a) Identificación de letras; b) Procesos léxicos; c) Procesos sintácticos; d) Procesos semánticos. Diferencias significativas en los desempeños entre los pre test y las post-pruebas apuntaron a la eficacia de intervenciones con procedimientos computarizados en las dimensiones léxicas, sintácticas y semánticas del lenguaje y en la conciencia fonológica.

Palabras clave: intervención, discapacidad, evaluación, alfabetización, software


 

 

Estudos têm demonstrado que as dificuldades de linguagem podem ser decorrentes de dois processos: os processos estruturais do próprio sistema linguístico e os processos cognitivos dos quais o sistema linguístico depende, como o processamento perceptual auditivo e o processamento da memória ativa (Leonard,1989).

Recentemente, o sistema da linguagem vem sendo considerado um domínio cognitivo autônomo (Dockrell, Stuart & King, 2008), pouco dependente da cognição geral para análise da fonologia e da sintaxe da entrada (input). No entanto, também foi reconhecido que dificuldades de linguagem podem estar associadas ao processamento de símbolos. Numa perspectiva piagetiana, há uma evidência correlacional de que crianças com dificuldades de linguagem também apresentam dificuldades em tarefas que exijam manipulação simbólica (Bishop, 1992).

As avaliações do desenvolvimento das capacidades de comunicação devem levar em conta os contextos cultural e linguístico do indivíduo. Bloom e Lahey (1978) destacaram que as amostras contextuais mais frequentes são a descrição de figuras, as conversas sobre brinquedos ou as respostas a perguntas feitas pelo examinador. O contexto onde se coleta as amostras linguísticas é importante, pois a criança não produz igualmente em todos os contextos.

Neste trabalho, sob uma perspectiva cognitivista e sócio-histórica, consideramos o sistema cognitivo em termos da habilidade do sujeito para processar a informação, o que é decisivo para ao desempenho satisfatório de uma tarefa. Além dos processos cognitivos fundamentais para a tarefa existem outros processos mentais, como os processos motivacionais, que podem ser vistos como mecanismos de controle fundamentais na regulagem do sistema cognitivo. Sujeitos com deficiência intelectual possuem estratégias de execução limitadas e escassa motivação para tentar resolver determinadas tarefas. Neste aspecto, vale ressaltar que os déficits de atenção e a baixa motivação muitas vezes observados nos alunos com baixo rendimento acadêmico podem não corresponder às causas, mas às conseqüências de suas dificuldades de aprendizagem.

O meio é o contexto no qual o sujeito e a tarefa interagem. As intervenções devem ter por objetivo mudar tanto quanto possível os fatores ambientais que contribuem para a dificuldade da criança. Na perspectiva ecológica, o desenvolvimento está condicionado a vários níveis de sistemas (Bronfenbrenner, 1996). No microssistema se considera o peso constitutivo que tem o papel do sujeito e suas relações (pais e professores) no desenvolvimento cognitivo. Quando estão em cena as interrelações entre microssistemas fala-se do nível mesossistêmico. Por exemplo, a aquisição da leitura se dá fundamentalmente no microsistema escolar, mas o apoio recebido em casa afeta significativamente o progresso da criança (Topping; Wolfendale, 1985). No nível exossistêmico, temos as condições sociais dos pais do aluno como, por exemplo, horários de trabalho flexíveis. Por fim, o macrossistema se refere à cultura na qual está inserido o aluno. Estes padrões de valores muitas vezes diferem entre culturas, assim como entre grupos sócio-econômicos, como se vê claramente no Brasil. A concepção de transição ecológica define uma alteração no papel do sujeito no ambiente. Por exemplo, um aluno que tem dificuldades na sua sala regular, ao passar a frequentar outros ambientes, como a sala de recursos multifuncionais, pode alcançar novas possibilidades no seu desenvolvimento.

No contexto contemporâneo, a presença de crianças com DID (Dificuldades Intelectuais e Desenvolvimentais) em ambientes comuns de aprendizagem é uma conquista da escola e permite reconhecer a suas potencialidades, compartilhar experiências educacionais significativas, destacando o papel da escola para o desenvolvimento humano nas dimensões intelectuais, simbólicas, afetivas e culturais. Segundo a Associação Americana de Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento, crianças com DID apresentam limitações no funcionamento intelectual e no comportamento adaptativo envolvendo habilidades práticas e sociais que se originam antes de 18 anos (Schalock et al., 2012).

Nesse sentido, a produção de espaços mistos de aprendizagem tem sido uma boa forma de explorar as esferas da atividade simbólica, num processo interativo possibilitando transformações do funcionamento intelectual, para todos, ou seja, alunos com e sem deficiências. É comum encontrar no sistema educacional pessoas com Deficiência Intelectual que apresentam limitações em outras habilidades adaptativas e que requerem suporte diferenciado. Este fato exige mudanças nas concepções de prestação de serviços, e a demanda por práticas educacionais que envolvam dimensões intelectuais e simbólicas variadas para responder às necessidades específicas de cada aluno. Estas necessidades devem ser identificadas através de avaliações sistêmicas, flexíveis e nunca em função unicamente de um diagnóstico rígido e fechado.Uma das formas mais básicas de colocar um sujeito deficiente na cena social é permitir suas possibilidades expressivas e o acesso à cultura no seu sentido mais amplo possível. Assim, ler significa, basicamente, a capacidade de fazer reconhecimento e decodificação de palavras por meio da decodificação de grafemas em fonemas com vistas a compreender seu significado; e escrever consiste fazer a decodificação de fonemas em grafemas com vistas a transmitir o significado por meio da escrita. No caso particular de pessoas com deficiência intelectual, existem trabalhos que mostram as vantagens do uso de métodos fônicos na aquisição de habilidades de leitura e escrita, assim como no desenvolvimento da consciência fonológica (Holm; Farrier; Dodd, 2008; Hein, Teixeira, Seabra & Macedo, 2010).

Consciência fonológica refere-se à habilidade de se refletir sobre a estrutura sonora das palavras faladas, podendo manipular seus componentes e a consciência fonêmica como a habilidade específica de se refletir sobre os fonemas. Ela inclui a habilidade de segmentar palavras em seus sons (análise fonêmica) e combinar de volta estes sons em palavras (síntese fonêmica).

No Brasil, estudos enfatizam a importância de instruções fônicas através do uso de procedimentos para o desenvolvimento de habilidades metafonológicas e ensino de correspondências grafofonêmicas para a aquisição de leitura e escrita em escolares de baixa renda (Capovilla & Capovilla, 2000). Consciência fonológica refere-se à habilidade de se refletir sobre a estrutura sonora das palavras faladas, podendo manipular seus componentes e a consciência fonêmica como a habilidade específica de se refletir sobre os fonemas. Ela inclui a habilidade de segmentar palavras em seus sons (análise fonêmica) e combinar de volta estes sons em palavras (síntese fonêmica).

 

Potencial motivador do jogo eletrônico e funções cognitivas

Aguilera e Méndiz (1980) em uma revisão das pesquisas sobre o potencial dos jogos eletrônicos destacaram a capacidade motivadora como estímulo da fantasia, o desafio, a curiosidade, o caráter lúdico assim como a incorporação de níveis progressivos de dificuldade que apresentam a tarefa como um desafio. Existência de incentivos claramente colocados, impacto sobre a auto-estima conforme os objetivos propostos são alcançados; individualização ou adaptabilidade ao ritmo pessoal imposto ao jogador; identificação/projeção de fantasias com os conteúdos dos videogames. Usamos este enfoque para esclarecer a complexidade do interjogo das forças psicológicas e culturais nos riscos ao desenvolvimento.

A educação tradicional na área da deficiência intelectual tem sido criticada por basear-se apenas no treino de rotinas e funções cognitivas básicas, de forma massificadora e repetitiva, com o conhecimento reduzido a um mero saber fazer e tendo por base um sujeito descontextualizado. A predominância da lógica do concreto nas práticas com deficientes implica uma repetição alienante, que desconsidera a possibilidade de acesso ao plano do abstrato e simbólico da compreensão, ou seja, à sua capacidade de estabelecer uma relação simbólica com o meio (Gomes, 2010). Numa nova perspectiva, admitimos que intervenções possam promover o desenvolvimento de funções cognitivas mais complexas em alunos com deficiência intelectual, através de games educativos. Nesse sentido, o desenvolvimento efetivo do aluno com deficiência implica que o defrontemos com impasses e situações de conflitos cognitivos, desafiando-o a enfrentá-los.

 

Avaliação interativa ou dinâmica

O referencial metodológico do trabalho baseou-se na teoria sócio-histórica de Vygotsky (2003) pela qual Haywood e Tzuriel (1992) se nortearam para desenvolverem a avaliação dinâmica ou interativa que constitui uma inovadora abordagem para avaliar o potencial de aprendizagem. A avaliação interativa pode ser considerada uma abordagem prescritiva a esta na população na medida em que analisa a responsividade do aprendiz. Procedimentos com características processuais, dinâmicas e interativas permitem a análise de estratégias de resolução de problemas assim como a análise da sensibilidade do sujeito à instrução e não apenas para identificar déficits, mas também dimensionar recursos potenciais do funcionamento cognitivo (Campione, 1989). A avaliação interativa é fundamentada na zona de desenvolvimento proximal,que relaciona desenvolvimento, interação social e o ambiente sócio-cultural (Vygotsky, 2003). Utilizando estratégias instrucionais, temporárias e ajustáveis ao desempenho do aprendiz, o examinador na avaliação interativa ajuda a revelar o seu desempenho potencial, fazendo-o alcançar um grau crescente de autonomia em situações de resolução de problemas. Assim, a avaliação interativa como processo de avaliação sistêmico e interativo é dirigida para modificar o funcionamento cognitivo por meio da assistência de um mediador. Atribui ênfase aos processos cognitivos em oposição à ênfase nos produtos desses processos.

A avaliação interativa é baseada na teoria da modificabilidade estrutural cognitiva (SCM) de Feuerstein et al. (1986) e na experiência da aprendizagem mediada (Haywood; Tzuriel, 1992), que tem como hipótese a capacidade do ser humano de modificar suas funções cognitivas e adaptar-se às demandas das situações de vida. A teoria da aprendizagem mediada se refere a um processo interacional no qual professores se interpõem entre as crianças e a realidade, modificando o set de estímulos, sua freqüência, intensidade e contexto, aumentando a vigilância e a sensibilidade do aprendente. Feuerstein (1986) sugeriu características necessárias à interação, a saber: a) intencionalidade e reciprocidade: refere-se a um intencional esforço para produzir no aluno um estado de vigilância, o sentimento de competência e autodeterminação; b) mediação do significado: refere-se ao aspecto afetivo-motivacional do estímulo; c) a possibilidade de transcender a necessidade imediata da situação específica para outros objetivos; d) regulação e controle dos comportamentos impulsivos. A mediação é regulada de acordo com a necessidade do aluno, a saber: do fornecimento de pistas (prompt), instruções passo-a-passo, demonstração, sugestão,feedback sistemático, informativo e analítico, estímulo à auto-regulação, reforço aos acertos, questionamento sobre os erros e pistas sobre estratégias de raciocínio.

Numa perspectiva da avaliação interativa, Paour (1992) concebe que sujeitos com DI são caracterizados por uma discrepância crônica entre o nível do desenvolvimento de suas competências cognitivas e os recursos disponíveis para aplicá-los espontaneamente sem ajuda. O autor admite que sujeitos com deficiência intelectual manifestam fixações no nível pré-operatório. Entretanto, relata que há evidências que apontam que tais sujeitos são caracterizados por uma relativa plasticidade desenvolvimental e que quando submetidos à condições específicas de indução, poderão ter acesso a um nível de pensamento operatório concreto que não conseguiriam espontaneamente.

Neste contexto, o conceito de inteligência e sua avaliação ganham novos significados. Segundo Haywood, Tzuriel e Vaught (1992), o conceito de inteligência, entendida como uma "habilidade inata", não era suficiente para explicar as diferenças individuais no pensamento, percepção, aprendizagem, solução de problemas e interação social. Era necessário, então, adotar concepções teóricas sobre a plasticidade da cognição humana para atender à necessidade de encontrar medidas de diagnóstico para crianças que não se saíam bem em testes convencionais.

O trabalho tem como objetivo analisar - numa abordagem da avaliação interativa - as possibilidades de desenvolvimento das habilidades de leitura de uma aluna de 20 anos com deficiência mental em uma escola pública - a partir de uma intervenção com o software Alfabetização Fônica.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de caso com avaliação do padrão de resposta no pré-teste, seguida de intervenção com o software Alfabetização Fônica, e reanálise no pós-teste para comparação dos resultados.

Participante: o sujeito da pesquisa é P., do sexo feminino, com 20 anos, está no 1º ano do ensino médio de uma escola pública, é multirrepetente, embora seja considerada muito esforçada. Há dois anos foi diagnosticada formalmente com deficiência intelectual e assim elegível aos serviços de educação especial na escola. Desde então, frequenta a sala de recursos. Suas dificuldades linguísticas são visíveis na expressão oral e escrita, na compreensão e na leitura. Sua capacidade de interação social na escola é razoável, mas suas relações sociais ficam mais limitadas aos colegas NEES da sala de recursos.

Instrumentos de avaliação: a avaliação do perfil cognitivo da aluna se deu através de instrumentos WAIS, Matrizes Progressivas Raven - Escala Geral, PROLEC (Cuetos; Rodrigues & Ruano, 2010) que visa à avaliação dos processos de leitura e envolve as seguintes provas: a) Identificação de Letras; b) Processos Léxicos; c) Processos sintáticos; d) Processos Semânticos. O PROLEC e o software alfabetização fônica foram reaplicados no pós-teste.

Instrumento de intervenção: Software Alfabetização Fônica visa estimular habilidades de leitura através da realização de atividades que desenvolvem a consciência fonológica e a compreensão das relações grafofonêmicas (Capovilla et. al., 2005). O software constitui um modelo lúdico, sistemático e produtivo construindo passo a passo uma aprendizagem sólida e progressiva, uma experiência gratificante de real competência. O método consiste em módulos de Consciência Fonológica e Alfabeto. As atividades fônicas se concentram na introdução sistemática de correspondências grafofonêmicas - a relação entre as letras e os sons - para construir a leitura. As atividades metafonológicas se concentram em exercícios para desenvolver a consciência fonológica em nível fonêmico. A consciência fonológica se refere à habilidade de discriminar e manipular os segmentos da fala, e é quesito fundamental para a leitura e escrita. O módulo Consciência Fonológica possui cinco grupos de atividades: Palavras, Rimas, Aliterações, Sílabas e Fonemas. No grupo "Palavras" são apresentadas frases para serem completadas, seguidas de figuras. O sujeito deve selecionar a figura que melhor completa a frase. Por exemplo, na tela aparece a frase: "Eu comi ____ hoje" e cinco figuras (imã, hipopótamo, lápis, chocolate e jaqueta). O aluno deve escolher, dentre essas cinco figuras, a que melhor completa a frase. No bloco "Rima", o sujeito deve selecionar figuras ou palavras que terminam com o mesmo som. Na tela, por exemplo, são apresentadas figuras (balão, helicóptero, cão) e é dada a instrução oral para que o sujeito clique nas figuras cujos nomes terminam com /ão/. No grupo "Aliteração", o aluno deve selecionar figuras que comecem com o mesmo som. Por exemplo, é fornecida a instrução oral para o aluno escolher as figuras que comecem com o som /na/, dentre as figuras de nadar, tesoura, nave, navio e osso. Caso o sujeito clique em uma palavra errada parece um X em vermelho. No grupo "Sílabas", o sujeito passa o mouse sobre as palavras e verifica o número de sílabas, classificando figuras conforme seus nomes sejam monossílabos, dissílabos, trissílabos ou polissílabos. No grupo "Fonemas" são apresentadas formas geométricas de diversas cores correspondentes ao número de fonemas das palavras. O sujeito deve identificar como fica a palavra retirando ou adicionando sons. Por exemplo, é apresentada a instrução oral: "Veja essas formas geométricas. A estrela vermelha representa o som /o/, o círculo verde representa o som /a/, o quadrado amarelo o som /l /. Juntas elas formam /ola/ . Se adicionarmos o som /b/ na frente, qual palavra formaremos a palavra..... O sujeito deve clicar na figura correspondente dentre as alternativas dadas como galo, bola, lápis e jaqueta.

Procedimentos de intervenção: o software foi aplicado individualmente em três momentos com 16 sessões de duas horas, duas vezes por semana, por dois meses. Inicialmente sem a ajuda do mediador, em seguida na abordagem da avaliação interativa e por fim, novamente, sem a ajuda. O estudo se desenvolveu numa perspectiva ecológica, ou seja, examinamos o problema de P. no contexto da própria escola, na sala de recursos.

 

RESULTADOS

A capacidade cognitiva de P. no WAIS indicou discrepância entre os QIs Verbal e de Execução, que pode ser atribuída ao seu alto rendimento no sub-teste de execução de código que avalia atenção concentrada em detalhes (Figura 1). Seu QI verbal foi de 59 (deficiente) e o resultados nos sub-testes estão demonstrados na Figura 2. Na escala de execução, que envolve a inteligência manipulativa, seu QI foi 82, classificado como médio-inferior. Seu resultado no Teste Raven - prova transcultural não verbal de capacidade cognitiva - confirmou a deficiência cognitiva com percentil obtido de 8.

 

 

 

 

 

 

Vale registrar que P. mostrou-se resistente no início da intervenção, negando-se por vezes a realizar as atividades do software, principalmente aquelas relativas à leitura. Gradativamente com as intervenções dos mediadores, inclusive com a presença de uma amiga da sala a partilhar com ela nas atividades, P. mostrou-se novamente colaborativa e motivada. Seu desempenho no pré-teste em percentuais no software da Alfabetização Fônica no Pré-teste foi comparado com o máximo de pontos esperados ressaltando que suas dificuldades estão menos presentes no alfabeto vogais e consoantes do que na dimensão Consciência Fonológica. No menu Alfabeto, seus resultados foram irregulares, satisfatórios nas vogais I e U, ao passo que nas consoantes a aluna apresentou mais dificuldades. Na Figura 3 estão demonstrados os seus resultados globais no Alfabeto Vogais e Consoantes e no subteste Encontrando Palavras obtidos em percentis.

 

 

Na dimensão Consciência Fonológica seus resultados foram satisfatórios nas atividades relativas às Palavras (100%) e Aliterações (87%) enquanto nas Rimas, Sílabas e Fonemas seus resultados revelaram um aproveitamento de respectivamente de 65%, 75% e 42%, conforme a Figura 4.

 

 

Visando a examinar a eficácia do software Alfabetização Fônica aplicado na perspectiva da avaliação interativa, realizou-se uma comparação entre o desempenho da aluna nas atividades antes e após a intervenção. Na Dimensão Alfabeto com as Vogais, a aluna já havia atingido 92% de aproveitamento no pré-teste e manteve o resultado no pós-teste com um leve progresso conforme aponta a Figura 5. Os resultados na dimensão Alfabeto com as Consoantes foram irregulares e não se observou aumentos significativos do pré-teste para o pós-teste. Já no seu desempenho nas atividades Encontrado Palavras houve alteração significativa entre o Pré-Teste e o Pós-Teste.

As diferenças entre os percentuais obtidos no Pré-Teste e o Pós-Teste foram significativas na dimensão Consciência Fonológica. Nas atividades de Rimas a aluna obteve no pré-teste 65% de aproveitamento e 90% no Pós-Teste; na atividade Fonemas no Pré-Teste obteve 42% e no pós-teste de 95%. Nas atividades de Aliterações e Sílabas nas quais a aluna já havia obtido um percentual alto no Pré-Teste, ainda assim obteve um avanço para o Pós-Teste de respectivamente de 87% para 96% na primeira e de 75% para 94% na segunda. Já nas atividades de Palavras não houve alteração significativa no Pós-Teste, considerando que a aluna já havia atingido bons resultados no pré-teste (Figura 6).

Por fim, compararam-se os resultados da aluna antes e após a intervenção no PROLEC que visa à avaliação dos processos de leitura (Figura 7). Computaram-se em percentuais os desempenhos no Pré e Pós-teste. Podemos admitir que houve um avanço na capacidade de leitura nas dimensões Leitura de Pseudopalavras, Palavras e Pseudopalavras; na Dimensão Processos Sintáticos (no teste Estruturas Gramaticais) e na dimensão Processos Semânticos (no teste de Compreensão de Orações). Na dimensão Identificação de Letras (nos testes de Nome e Som das letras e Igual e Diferente) não houve avanço, pois a aluna já havia obtido um bom desempenho no Pré-Teste. Entretanto, na dimensão Processos Sintáticos (Sinais de Pontuação), Processos Semânticos (Compreensão de Textos) e Leitura de Palavras a aluna não obteve avanço.

 

 

Assim, pode-se verificar a eficácia da abordagem do método da Alfabetização Fônica quando aplicado na perspectiva da avaliação interativa em sujeitos com deficiência mental nas habilidades de leitura.

 

DISCUSSÃO

O estudo mostrou que o uso de procedimentos computadorizados como o software Alfabetização Fônica pode desenvolver habilidades linguísticas, como a consciência fonológica e o aprendizado das correspondências grafonêmicas (letra-som) em sujeitos com deficiência intelectual. A intervenção nos domínios da consciência fonológica produziu ganhos significativos nos subtestes Aliteração, Rima, Manipulação Fonêmica e Silábica na aluna. Estes resultados corroboram os estudos de Capovilla (2000) no sentido de que intervenções visando o desenvolvimento de habilidades metafonológicas e ensino de correspondências grafofonêmicas tem se mostrado eficaz para a aquisição da leitura.

A comparação dos resultados do software antes e depois da aplicação por meio da metodologia da avaliação interativa mostrou que intervenções psicopedagógicas com instrumentos computadorizados conjugados a esta abordagem podem desenvolver habilidades lingüísticas, como a consciência fonológica e a leitura, em sujeitos com deficiência intelectual.

Segundo Hein (2013) estes ganhos devem-se parcialmente às características fônicas da intervenção. A utilização do software Alfabetização Fônica revelou que a aluna com deficiência intelectual do presente estudo adquiriu habilidades de consciência fonológica e correspondências letra-som, o que, possivelmente, tenha contribuído na decodificação grafofonêmica. Na intervenção psicopedagógica interativa, a utilização de estratégias de apoio e afetivas pelos mediadores - alimentando sentimentos de confiança e controle da ansiedade - foi fundamental, considerando que a aluna, com um histórico de multirrepetência, apresentava pouco domínio de estratégias de aprendizagem, tanto cognitivas como metacognitivas. Neste paradigma, os aspectos afetivo-emocionais tornam-se relevantes, ativando habilidades metacognitivas (Spinillo; Lautert, 2006). A atuação do mediador caracterizou-se por colocar sistematicamente o pensamento da aluna em evidência, tornando-se ele próprio objeto de reflexão e análise. Essa ação recursiva, denominada metacognição, foi decisiva na situação de intervenção, enquanto atividade cognitiva. A metacognição atua como mecanismo responsável pela tomada de consciência e como mecanismo de auto-regulação. Enquanto tomada de consciência, a metacognição permite que o sujeito compreenda o que fez, como fez e porque fez; enquanto auto-regulação, a metacognição permite que o sujeito gerencie suas ações, planejando, monitorando, realizando ajustes e redirecionamentos, avaliando a adequação de suas idéias e procedimentos (Ribeiro, 2003; Spinillo; Lautert, 2006).

Estimular a aluna a colocar a si própria e o seu desempenho como objeto de análise numa ação recursiva constituiu uma experiência que contribuiu de forma significativa para o seu desenvolvimento cognitivo. Entretanto, é necessário frisar que estas experiências de incentivo à auto-regulação dependem de uma mediação psicopedagógica singularizada, individualizada e sistemática, reforçando a idéia de que a construção cognitiva depende de um vínculo afetivo desenvolvido entre o mediador e a aluna.

Em suma, constatamos que o instrumento computadorizado se mostra capaz de produzir a decodificação e conversão de grafemas em fonemas, assim como que as intervenções de caráter interativo e mediado podem ser um ponto de partida essencial para a alfabetização de sujeitos com deficiência intelectual. Além das vantagens obtidas no desempenho nas tarefas, o software se mostrou extremamente válido pelo seu caráter lúdico e dinâmico.

 

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