A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) é uma abordagem comportamental contextual, baseada em processos, que tem apresentado bons resultados no tratamento de transtornos mentais e problemas de saúde somáticos (A-Tjak et al., 2015; Hayes, Strosahl, & Wilson, 2012; Hayes, Villatte, Levin, & Hildebrandt, 2011). Um construto central no processo de tratamento da ACT é o da Flexibilidade Psicológica (FP), que apresenta um papel protetivo no desenvolvimento de psicopatologias e demonstra associações positivas com bem-estar, saúde física e mental (Kashdan & Rottenberg, 2010). A Flexibilidade Psicológica é definida como a capacidade de persistir ou mudar comportamentos de maneira consciente, de forma coerente com objetivos e valores do indivíduo. Esse construto se divide em seis processos, sendo eles: aceitação, desfusão, contato com o momento presente, self contextual, valores e ações comprometidas (Hayes et al., 2012). Estudos demonstram que a flexibilidade psicológica se demonstra efetiva no tratamento de transtornos de ansiedade (Bluett, Homan, Morrison, Levin, & Twohig, 2014), depressão (Twohig & Levin, 2017) e estresse (Wersebe, Lieb, Meyer, Hofer, & Gloster, 2018). Indicando que, na medida que a FP aumenta, os sintomas diminuem.
No que se refere à Inflexibilidade Psicológica, diversos estudos vêm demonstrando associações entre essa variável e os prejuízos à saúde mental. Algumas relações são com depressão (Stange, Alloy, & Fresco, 2017), ansiedade (Panayiotou, Karekle, & Mete, 2014), vício em internet (Chou et al., 2017), transtornos alimentares (Rawal, Park, & Williams, 2010), transtornos de usos de substâncias (Levin et al., 2012) e transtornos psicóticos (Goldstone, Farhall, & Ong, 2011). Assim, a inflexibilidade psicológica é um importante processo transdiagnóstico para compreensão de diferentes transtornos mentais e quadros com comorbidades (Levin et al., 2014).
Cada um desses processos, apesar de estarem interrelacionados, possuem diferentes papéis em termos de representações comportamentais e sintomatológicas dos indivíduos. Alguns estudos demonstram que processos como a desfusão cognitiva e aceitação produzem maiores resultados nas sessões de terapia em termos da severidade dos sintomas. Por outro lado, processos como o trabalho com valores e ações comprometidas produzem melhoras na qualidade de vida, porém menos redução de sintomas. Além disso, sugere-se que o trabalho com processos específicos, como valores e ações comprometidas, não geram mudanças em processos, como a aceitação e desfusão, evidenciando algum grau de dissociação entre os processos (Villatte et al., 2016).
A avaliação dos diferentes processos é importante no contexto clínico, uma vez que alguns estudos sugerem que, ao se trabalhar componentes da ACT, existe uma prioridade em termos de qual construto trabalhar primeiro. Por exemplo, um estudo com pacientes com TEPT demonstrou que o trabalho com valores e ações comprometidas só foi possível após o trabalho com aceitação e desfusão (Twohig, 2009).
Apesar da clara importância e distinção dos processos pertinentes à flexibilidade psicológica, muitas escalas e estudos tratam desse construto enquanto unifatorial. Sendo uma das mais populares o Acceptance and Action Questionnaire - II (AAQ-II; Barbosa & Murta, 2015), que avalia evitação experiencial, sendo utilizada como uma medida geral de flexibilidade psicológica. Embora seja considerada uma avaliação sólida de evitação experiencial, o AAQ-II possui limitações referentes à validade discriminante e sensibilidade dos itens (Ong et al., 2020).
Estudos comparando o AAQ-II com escalas mais específicas de evitação experiencial, demonstram que os itens que compõem o AAQ-II apresentam maiores cargas fatoriais em medidas de neuroticismo e afeto negativo ao invés dos construtos pertinentes a ACT (Rochefort, Baldwin, & Chmielewski, 2018), dessa forma evidenciando inconsistências a respeito do que a escala realmente mensura. Além disso, os itens que compõem o AAQ-II possuem maior relação com sintomas de estresse do que medidas de aceitação/evitação (Wolgast, 2014) e não mensuram os processos importantes envolvidos na flexibilidade psicológica, como o contato com o momento presente e ações comprometidas (Francis, Dawson, & Golijani-Moghaddam, 2016). Consequentemente, como o AAQ-II não diferencia os subprocessos, acaba não sendo tão sensível na detecção de mudanças nos processos da flexibilidade psicológica ao longo do tratamento com ACT quando comparado a escalas mais específicas. Isso torna necessário o desenvolvimento e validação de instrumentos mais precisos na avaliação dos processos da flexibilidade psicológica (Benoy et al., 2019; Ong, Lee, Levin, & Twohig,2019).
Em um estudo realizado por Hayes et al. (2011), é apresentada uma divisão da Flexibilidade Psicológica em três processos diádicos que integram os seis processos mencionados anteriormente. Essa organização foi proposta considerando a inter-relação entre os processos e deram origem ao modelo Hexaflex. Esse modelo propõe a separação dos processos em: "Abertura à experiência e Distanciamento da literalidade", que envolve aceitação e desfusão; "Autoconsciência e Tomada de perspectiva", que contempla o contato com o momento presente e self contextual; e "Motivação e Ação", que une as ações de compromisso e os valores.
Para avaliação desses processos diádicos, foi desenvolvido o Comprehensive assessment of Acceptance and Commitment Therapy Processes (CompACT - Francis et al., 2016). O instrumento é composto por 23 itens que avaliam os processos diádicos a partir de itens de valência positiva e negativa. A versão original do instrumento foi desenvolvida no Reino Unido e as medidas de validade e confiabilidade foram investigadas em uma amostra não clínica composta por 377 estudantes universitários. A versão inicial do instrumento possuía 37 itens e quatro fatores, entretanto alguns itens apresentavam cargas fatoriais baixas e outros eram redundantes, sendo então a solução de quatro fatores instável. Dessa forma, após a remoção de alguns itens, análises posteriores apresentaram uma solução mais consistente para três fatores: Fator 1 - abertura experiencial, α = 0,90; Fator 2 - autoconsciência, α = 0,87; e Fator 3 - ações de valores, α = 0,90; e seu alfa de Cronbach geral foi 0,91.
Quanto aos estudos de validade, o CompACT apresentou forte correlação com o AAQ-II (r=0,79) na validade convergente. Na validade concorrente, o CompACT apresentou fortes correlações positivas com as três subscalas da DASS-21 (rs=0,57-0,65) e forte correlação negativa com a subscala de saúde mental do SF-12v2 (r=-67). No processo de validade incremental entre CompACT e AAQ-II, foi possível verificar que o primeiro foi capaz de explicar uma quantidade significativa de variância adicional (2-4%) com as medidas da DASS-21 (Francis et al., 2016), sugerindo que o instrumento tem potencial para ampliar a compreensão acerca dos componentes ativos em intervenções. Além disso, a avaliação dos diferentes processos possibilita novas hipóteses em estudos de mediação e moderação, ajudando a ampliar o entendimento dos processos da flexibilidade psicológica no desenvolvimentode psicopatologias.
Assim, o objetivo deste estudo foi a adaptação e estudo das evidências de validade do CompACT para a população brasileira, por meio de sua adaptação semântica, avaliação da dimensionalidade e estrutura interna pela análise paralela e análise fatorial exploratória e da avaliação de suas evidências de validade convergente (AERA, 2018). A hipótese 1 (Hl) do estudo é de que a escala apresentará estrutura fatorial similar à do estudo original, com três fatores. Hipótese 2 (H2) apresentará correlações significativas negativas com o AAQ-II, sendo a maior correlação negativa com a subescala de Abertura à experiência, e correlações também negativas com ansiedade, depressão e estresse.
Método
Participantes
A amostra para análise fatorial foi composta por 377 participantes da população geral com média de idade 27,4 (Min. = 18, Máx. = 64, DP=9) sendo 19,8% do sexo masculino e 80,2% feminino. Para as análises de correlação, utilizou-se uma subamostra de 172 participantes da população geral, com média de idade 29,1 (Min. = 18, Máx. = 64, DP=9,1) sendo 20,3% do sexo masculino e 79,7% feminino.
A seleção ocorreu por conveniência por meio de cóleras online, utilizando o sistema de coleta de dados informatizada Qualtrics (https://pucrs.qualtrics.com). Foram incluídos indivíduos da população geral, com idade entre 18 e 64 anos, e escolaridade mínima de cinco anos. Os critérios de exclusão da pesquisa foram: não preencher os instrumentos até o final ou apresentar omissão de respostas acima de 5%. Todos os participantes da pesquisa aceitaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes da coleta dos dados.
O cálculo amostrai para validação dos instrumentos foi realizado considerando de 10 a 20 vezes o número de itens dos instrumentos (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tathan, 2009). Dessa forma, como o CompACT é composto por 23 itens, considerou-se o tamanho amostrai adequado para a análise fatorial exploratória.
Instrumentos
Questionário de dados sociodemográficos. Utilizada com o intuito de caracterizar a amostra referente à idade, sexo, estado civil, escolaridade e etnia.
Comprehensive assessment of Acceptance and Commitment Therapy - CompACT (Francis et al., 2016). O CompACT é um instrumento que mensura a Flexibilidade Psicológica a partir dos processos diádicos propostos por Hayes et al. (2011). E composto por 23 itens em uma escala Likert de sete pontos com valores entre 0 (discordo fortemente) e 6 (concordo fortemente). Em sua versão original, apresenta boa consistência interna, sendo Abertura à experiência (AE) α = 0,90, Consciência comportamental (CC) α = 0,87, e Ações valorizadas (AV) α = 0,90. Essas três subescalas apresentam uma intercorrelação moderada entre 0,30 e 0,43, uma vez que os processos refletem o construto da flexibilidade psicológica. O alfa de Cronbach da escala total do CompACT é de 0,91 na amostra original.
Depression Anxiety Stress Scale - DASS-21 (Lovibond & Lovibond, 1995). A DASS-21 trata-se de uma escala de 21 itens que avalia sintomas de depressão, ansiedade e estresse experienciados na última semana. A aplicação do instrumento resulta na classificação dos sintomas separadamente e de acordo com sua gravidade. A versão brasileira, intitulada Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21), foi adaptada e validada por Vignola e Tucci (2014) e apresenta boa consistência interna: α = 0,92 para depressão; α = 0,86 para ansiedade; e α = 0,90 para estresse.
Acceptance and Action Questionnaire - AAQ-II (Bond et al., 2011). O AAQ-II é um instrumento que avalia esquiva experiencial, porém, tem sido utilizado enquanto uma medida geral de inflexibilidade psicológica (Ruiz, Herrera, Luciano, Cangas, & Beltrán, 2013). O instrumento contém sete itens com escala Likert de sete pontos e alfa de Cronbach de 0,84. No Brasil, o questionário foi traduzido e validado por Barbosa (2013) e apresenta boa consistência interna, com α = 0,87 (Barbosa & Murta, 2015).
Procedimentos
A adaptação semântica seguiu as orientações de Borsa, Damásio e Bandeira (2012), passando pelos processos: tradução do instrumento original; síntese das versões traduzidas; avaliação da síntese por experts; avaliação pelo público-alvo; tradução reversa com avaliação final do autor original e estudo-piloto. 1. Tradução do instrumento original: a primeira etapa foi a tradução do instrumento do inglês para o português brasileiro. Esse processo foi realizado por três tradutores bilíngues independentes com fluência em inglês e português. Esses três tradutores eram psicólogos especialistas em Terapias Contextuais com conhecimento dos construtos relacionados à Flexibilidade Psicológica, ACT e adaptação de instrumentos. 2. Síntese das versões traduzidas: essa etapa consistiu em comparar as diferentes traduções, avaliação de cada item e síntese em uma única versão que contemple equivalência semântica, idiomática, experiencial e conceituai. Essa síntese foi realizada pelos dois primeiros autores do instrumento em conjunto com uma doutora em psicologia clínica e conhecimento de ACT. 3. Avaliação da síntese por experts: a versão unificada foi submetida à apreciação de dois experts que foram juízes na avaliação da estrutura, abrangência e adequação das expressões que compõem essa versão do instrumento. Nessa etapa, verificou-se o grau de concordância entre os juízes. Um dos juízes era doutor em psicologia clínica e tinha conhecimento em avaliação psicológica, e a outra juíza era mestre em psicologia e saúde e especialista em Terapias Contextuais. Ambos concordaram com a versão unificada na etapa anterior. 4. Avaliação pelo público-alvo: a versão oriunda da avaliação dos experts foi submetida à avaliação pelo público-alvo. Essa etapa verificou a compreensão e clareza dos itens por representantes da população geral, a qual o instrumento se destina. Realizou-se a discussão em grupo com seis pessoas sobre a compreensão dos itens e sugestões. Essas informações foram compiladas para possíveis alterações. 5. Tradução reversa: após as alterações necessárias, o CompACT foi submetido à tradução reversa por um tradutor bilíngue, diferente daqueles que realizaram a primeira etapa. O instrumento traduzido para o inglês foi encaminhado para avaliação dos autores do instrumento original e suas sugestões foram acatadas, resultando na versão final do instrumento. 6. Estudo-piloto: realizou-se um estudo-piloto com aplicação do instrumento em participantes da população geral, o instrumento foi considerado adequado e o processo de adaptação semântica finalizado.
Análise de Dados
Todas as análises foram conduzidas no software R versão 4.0.5 (Team, R. C, 2013), com o pacote psych (Revelle, 2018). Primeiramente, verificou-se a fatorabilidade dos dados por meio do teste de Kaiser-Meyer-Olkin (Kaiser, 1974) e do teste de esfericidade de Bartlett (Tabachnick & Fidell, 2013). Após, a análise paralela (PA) de componentes principais com correlações policóricas foram utilizadas para determinar a quantidade de fatores (Horn, 1965; Cho, Li, & Bandalos, 2009). Utilizou-se as correlações policóricas por se tratar de uma escala tipo Likert, em que as variáveis são ordinais (Holgado-Tello, Chacón-Moscoso, Barbero-García, & Vila-Abad, 2010). E importante ressaltar que a decisão de usar a análise paralela com a técnica de componentes principais foi baseada em recomendações de estudos simulados recentes. Esses estudos demonstram que as amostras de comparação da análise paralela demonstram-se, em parte, inadequadas para os eigenvalues derivados da análise fatorial exploratória (Auerswald & Moshagen, 2019).
Após a retenção da quantidade de fatores indicados pela PA, a matriz de cargas fatoriais deve ser derivada de um método de extração baseado em um modelo de fator comum, também com correlações policóricas (Garrido, Abad, & Ponsoda, 2013). Dessa forma, a extração das cargas fatoriais e da variância comum explicada se deu pelo Minimum Rank Fator Analysis (MRFA) (Shapiro & Ten Berge, 2002). O método de rotação oblimin foi utilizado após a extração das cargas, pois é utilizado quando se espera que os fatores da escala apresentem correlação (Costello & Osborne, 2005). Apesar dos processos da flexibilidade psicológica configurarem-se, em certa medida independentes, espera-se que tenham algum grau de correlação. Por exemplo, indivíduos mais conscientes do momento presente e com menos tendência a evitar experiências desagradáveis, provavelmente engajam mais em atividades baseadas em seus valores.
Para as análises de validade convergente, utilizou-se a correlação de Spearman. A validade convergente trata da associação entre medidas que mensuram construtos similares ou teoricamente associados (AERA, 2018). Assim, analisou-se a correlação entre o CompACT e suas três sub escalas com o AAQ-II (Barbosa & Murta, 2015). Como também, com as subescalas de estresse, ansiedade e depressão da DASS-21 (Vignola & Tucci, 2014), por serem construtos relacionados negativamente com a flexibilidade psicológica (A-Tjak et al., 2015).
Resultados
Os dados apresentaram fatorabilidade excelente com KMO = 0,90 e teste de esfericidade de Bartlett significativo (χ2(253)=3535,03, p<0,001. O scree plot da análise paralela (Figura 1) apresentou três fatores para a escala, uma vez que o eigenvalue do quarto fator se mostrou abaixo do eigenvalue simulado da análise paralela (Hayton, Allen, & Scarpello, 2004; Garrido et al., 2013).
Após, a extração das cargas fatoriais se deu pelo Minimum Rank Factor Analysis, demonstrando itens com cargas fatoriais entre 0,33 e 0,79. Foram retidas apenas as cargas fatoriais acima de 0,32 e itens que não possuíam cross-loadings maiores que 0,20 (Tabachnick & Fidell, 2013). Dessa forma, houve a exclusão dos itens 6 "Eu fico tão preso em meus pensamentos que não consigo realizar as coisas que mais gostaria de fazer", pois, além de ter um alto cross-loading, apresentou maior carga fatorial na subescala de Consciência comportamental. Também foi excluído o item 18 "Mesmo quando algo é importante para mim, eu evito fazer se houver uma chance disto me incomodar", que apresentou também cross-loading acima do ponto de corte estipulado. Um outro estudo recente, analisando a estrutura fatorial do CompACT, também demonstrou o mesmo padrão de cargas fatoriais e cross-loadings em relação aos itens 6 e 18 (Ong et al., 2020). Assim, após a exclusão desses dois itens, conduziu-se novamente a análise fatorial exploratória (Tabela 1).
Itens | Fator 1 | Fator 2 | Fator 3 |
---|---|---|---|
Q1. Eu consigo identificar as coisas que realmente importam na minha vida e ir em busca delas. | 0,73 | 0,06 | -0,01 |
Q2. Um dos meus grandes objetivos é viver sem emoções dolorosas. | 0,00 | 0,16 | 0,58 |
Q3. Realizo atividades importantes de maneira apressada e sem estar realmente atento a elas. | 0,01 | 0,79 | -0,06 |
Q4. Eu tento me manter ocupado para evitar que pensamentos e sentimentos surjam. | -0,01 | 0,25 | 0,56 |
Q5. Minhas ações são coerentes com aquilo que eu desejo para a minha vida. | 0,72 | 0,14 | -0,07 |
Q7. Eu faço escolhas com base no que é importante para mim, mesmo que seja estressante. | 0,52 | 0,01 | -0,08 |
Q8. Eu digo a mim mesmo que não deveria ter certos pensamentos. | -0,11 | 0,19 | 0,64 |
Q9. Eu acho difícil me manter focado no que está acontecendo no momento presente. | 0,09 | 0,69 | 0,16 |
Q10. Meus comportamentos são coerentes com aquilo que é importante para mim. | 0,74 | 0,01 | 0,03 |
Q11. Eu mudo meus planos para evitar situações que possam trazer sensações, pensamentos e sentimentos difíceis para mim. | 0,01 | 0,16 | 0,59 |
Q12. Mesmo quando eu faço coisas importantes para mim, acabo fazendo sem prestar atenção. | 0,13 | 0,69 | 0,11 |
Q13. Eu estou aberto a vivenciar plenamente meus pensamentos, sentimentos e sensações, sem tentar mudá-los ou me defender deles. | 0,43 | -0,20 | 0,50 |
Q14. Eu me esforço para fazer o que é importante para mim, mesmo quando eu acho difícil. | 0,80 | 0,02 | -0,09 |
Q15. Eu me esforço para afastar sentimentos desagradáveis. | -0,31 | 0,12 | 0,68 |
Q16. Eu faço trabalhos ou tarefas no automático, sem estar realmente atento ao que eu estou fazendo. | 0,00 | 0,75 | 0,01 |
Q17. Eu consigo seguir meus planos de longo prazo mesmo quando o progresso é lento. | 0,65 | 0,20 | 0,07 |
Q19. Parece que eu vivo "no piloto automático", sem muita consciência do que estou fazendo. | 0,24 | 0,72 | 0,01 |
Q200, Pensamentos são apenas pensamentos - eles não controlam o que eu faço. | 0,10 | 0,03 | 0,33 |
Q21. Aquilo que mais valorizo na vida se reflete nos meus comportamentos. | 0,61 | 0,10 | 0,09 |
Q22. Eu acolho meus pensamentos e sentimentos à medida que eles surgem, sem tentar controlá-los ou evitá-los. | 0,35 | -0,27 | 0,68 |
Q23. Eu consigo persistir quando algo é importante para mim. | 0,71 | 0,10 | 0,06 |
Autovalor | 4,56 | 3,28 | 2,92 |
Variância Comum Explicada | 42% | 30% | 27% |
A segunda análise fatorial exploratória apresentou itens com cargas fatoriais entre 0,33 e 0,80 e nenhum cross-loading entre as subescalas. Dessa forma, manteve-se os 21 itens para a versão final. Entretanto, apesar do item 20 "Pensamentos são apenas pensamentos - eles não controlam o que eu faço" ter apresentado carga fatorial satisfatória (0,33), segundo os critérios estipulados neste estudo (>0,32), foi o item de menor carga, e um estudo conduzido com uma amostra portuguesa que encontrou resultados similares, sugeriu a exclusão dele (Trindade et al., 2021). Este estudo considerou a inclusão do item 20 na escala final, porém, sugere-se que estudos futuros avaliando as evidências de validade do CompACT verifiquem a estabilidade do item dentro do fator "Abertura a experiência".
Em relação às correlações com o AAQ-II e as medidas da DASS-21, o CompACT apresentou associações dentro do esperado (Tabela 2). Demonstrou boa validade convergente com o AAQ-II, tendo correlações entre -0,38 e -0,63. Destacando-se a maior correlação negativa entre Abertura à experiência e o AAQ-II, assim como hipotetizado pelo estudo. Dessa forma, as análises sugerem que o AAQ-II é uma medida que se refere muito mais à evitação experiencial do que a outros processos da ACT. Além disso, o CompACT e suas subescalas apresentaram correlações negativas moderadas com ansiedade, estresse e depressão, em linha com os estudos indicando a associação negativa entre a flexibilidade psicológica e esses indicadores (A-Tjak et al., 2015). Ou seja, indivíduos com maiores níveis de abertura à experiência (capazes de aceitar experiências e pensamentos internos desagradáveis), consciência comportamental (atentos ao que está acontecendo no presente) e ação comprometida (engajam-se em atividades consistentes com seus valores mesmo frente à eventos adversos e experiências emocionais difíceis) apresentam menos sintomas de ansiedade, estresse e depressão.
Medida | CompACT Total | CompACT (AE) | CompACT (CC) | AAQ-II | DASS-D | DASS-A | DASS-E |
---|---|---|---|---|---|---|---|
CompACT Total | - | -0,64*** | -0,48*** | -0,39*** | -0,55*** | ||
CompACT (AE) | 0,82*** | - | -0,62*** | -0,42*** | -0,35*** | -0,48*** | |
CompACT (CC) | 0,72*** | 0,37*** | - | -0,39*** | -0,39*** | -0,28*** | -0,43*** |
CompACT (AV) | 0,77*** | 0,42*** | 0,49*** | -0,42*** | -0,36*** | -0,30*** | -0,38*** |
Nota. AAQ-II=Acceptance and Action Questionnaire-II; DASS-D, DASS-A e DASS-E=subescalas da DASS-21. ***p<0,001
A escala final de 21 itens apresentou alfa de Cronbach=0,78 para Abertura à experiência, alfa de Cronbach=0,85 para Consciência comportamental, alfa de Cronbach=0,86 para Ações valorizadas e um alfa de Cronbach geral de 0,89. Por fim, as estatísticas descritivas da amostra demonstraram uma média de flexibilidade psicológica de 71,01 (DP= 16,58; Min.=20,00 e Máx. = 117,00), podendo o escore total do CompACT variar de 0-126, com os escores mais altos, indicando maior flexibilidade psicológica.
Discussão
Devido ao crescente uso da Terapia de Aceitação e Compromisso e a necessidade de se avaliar os construtos teóricos propostos pela teoria, este estudo buscou a adaptação de uma escala capaz de identificar os processos que compõem a flexibilidade psicológica. O CompACT apresentou uma estrutura fatorial estável com três fatores distintos que são coerentes com os pressupostos da ACT. Os resultados encontrados neste estudo vão de encontro aos obtidos no estudo original e estudos mais recentes avaliando as evidências de validade da escala (Francis et al., 2016; Ong et al., 2019).
Além disso, as correlações obtidas neste estudo demonstram evidências de validade convergente do instrumento com o AAQ-II, sendo essas correlações maiores com a subescala de Abertura à experiência. Apesar de estudos recentes demonstrando as limitações do AAQ-II (Tyndall et al., 2019), ainda é a única escala que mensura um construto dentro do modelo da flexibilidade psicológica, para a população brasileira, que apresenta evidências de validade (Barbosa & Murta, 2015). Ademais, as correlações com a DASS-21, demonstraram tamanho moderado, assim como nos estudos mais recentes, avaliando as evidências de validade convergente do instrumento (Ong et al., 2019; Trindade et al., 2021). Por fim, em relação às subescalas do CompACT, as correlações foram moderadas, entre 0,37 e 0,48, indicando que, apesar dos subprocessos apresentarem um grau de variância compartilhada, cada um dos subprocessos apresenta uma variância única. Isso indica a avaliação de processos distintos e pode representar na prática, o estudo de processos de mudança distintos. Por exemplo, é possível que um indivíduo apresente mais comportamentos baseados em valores, sem necessariamente apresentar maiores níveis de desfusão cognitiva.
Dessa forma, os resultados obtidos neste estudo indicam boas evidências de validade do CompACT, que pode ser uma alternativa ao AAQ- II na mensuração dos processos da Terapia de Aceitação e Compromisso. Além disso, trata-se de uma medida multidimensional capaz de identificar dimensões de flexibilidade e inflexibilidade que podem indicar diferentes focos de tratamento. O que é relevante tanto em termos da avaliação clínica de terapeutas que praticam a ACT, quanto pesquisadores interessados em mensurar os diferentes processos da flexibilidade psicológica. Essa proposta está alinhada com estudos anteriores, propondo que os diferentes processos afetam os indivíduos de diferentes formas e que escalas como o CompACT se mostram mais precisas e oferecem maior informação a respeito dos construtos da ACT em relação a escalas mais generalistas (Rogge, Daks, Dubler, & Saint, 2019).
Nos últimos anos, há cada vez mais uma maior necessidade de se entender os processos de mudança que acontecem no contexto da psicoterapia. Alguns autores argumentam que os modelos teóricos aplicados em intervenções devem especificar os processos que estão sendo trabalhados para problemas específicos, assim como sua aplicabilidade em diferentes contextos e para diferentes pessoas (Hofmann & Hayes, 2019). Muitos tratamentos são propostos como eficazes para diferentes psi-copatologias, porém, devido à grande abrangência do que compõem um tratamento. Há uma dificuldade em se delimitar quais componentes de tais tratamentos são de fato responsáveis por maiores níveis de mudança (Tolin, McKay, Forman, Klonsky, & Thombs, 2015).
Até mesmo estudos recentes avaliando o papel moderador da flexibilidade psicológica, não fazem distinção dos diferentes processos envolvidos dentro desse construto (Trindade, Mendes, & Ferreira, 2020). Dentro das propostas da Ciência Comportamental Contextual, encontram-se a identificação de potenciais mediadores e moderadores no processo de mudança que ocorre nos tratamentos (Hayes, Barnes-Holmes, & Wilson, 2012). A validação de uma escala, como o CompACT que propõem a avaliação dos diferentes processos da flexibilidade para o contexto clínico, é uma forma de melhor identificar variáveis de interesse no contexto da pesquisa envolvendo a eficácia de tratamentos com a Terapia de Aceitação e Compromisso.
Considerações Finais
O estudo realizado atendeu aos objetivos, seguindo as recomendações adequadas no procedimento de tradução e adaptação do instrumento e apresentando resultados coerentes com as hipóteses propostas. O CompACT apresentou estrutura fatorial e evidências de validade convergente similares a estudos anteriores que avaliaram as evidências de validade do instrumento (Trindade et al., 2021), assim como bons índices de consistência interna nos três fatores. Esse estudo contribui com a literatura ao fornecer uma escala multidimensional para avaliação dos construtos da Terapia de Aceitação e Compromisso, sendo uma alternativa as atuais medidas disponíveis que não diferenciam os subprocessos (Ong et al., 2019). Entretanto, este estudo também apresenta algumas limitações, dentre elas a amostra sendo composta majoritariamente por mulheres, o que poderia influenciar algumas relações encontradas entre as variáveis. Além disso, este estudo também não verificou a validade preditiva do instrumento e nem a sua invariância fatorial. Estudos futuros poderiam identificar a estrutura fatorial do CompACT em diferentes faixas etárias. Por fim, intervenções utilizando a ACT, poderiam avaliar longitudinalmente se as técnicas utilizadas para trabalhar os subprocessos da terapia, de fato, geram alteração nos escores dos processos avaliados pelo instrumento.