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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.17 no.2 Rio de Janeiro jul./dez. 2021
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20210020
10.5935/1808-5687.20210020 RELATO DE EXPERIÊNCIA
Do ensino híbrido ao on-line: relato de experiência docente na disciplina de Supervisão Baseada em Evidências na Pós-Graduação stricto sensu brasileira
From blended learning to full-online education: teaching experience report in the Evidence-Based Supervision course from Brazilian post-graduation
Janaína Bianca BarlettaI; Fabiana Maris VersutiII; Carmem Beatriz NeufeldI
IUniversidade de São Paulo, Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP) - Ribeirão Preto - SP - Brasil
IIUniversidade de São Paulo, Laboratório de Pesquisa e Integração em Psicologia, Educação e Tecnologia (ConectaLab) - Ribeirão Preto - SP - Brasil
RESUMO
O objetivo deste relato de experiência docente é apresentar a disciplina Supervisão Baseada em Evidências (SBE),desde sua proposta estrutural, as atividades realizadas e as mudanças ocorridas nas duas versões ofertadas. Esta disciplina foi ofertada em dois programas de pós-graduação stricto senso, com intuito de fomentar conhecimento, habilidades e reflexão sobre a importância da prática supervisionada baseada em evidências. A disciplina foi elaborada em formato de ensino híbrido, mas, com as medidas de segurança de distanciamento social pelo avanço da pandemia por Covid-19, foi alterada para o sistema on-line de ensino. Em ambas as versões da disciplina SBE, a sustentação pedagógica se manteve em uma perspectiva construtivista do aprendizado, com o uso de metodologias ativas e mediada pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Uma vez que a mudança de modelos e propostas didáticas não é um processo simplificado, considera-se que esta disciplina alcançou seus objetivos. Por fim, acredita-se que o relato de experiência docente possa ampliar o debate no campo de estudos da supervisão na pós-graduação stricto sensu brasileira, bem como, da adoção de metodologias ativas mediadas pelas tecnologias digitais na formação do psicólogo e dos pesquisadores em psicologia.
DESCRITORES: Educação de Pós-Graduação; Tecnologia da Informação; Competência Profissional.
ABSTRACT
This teaching experience report aims to present the Evidence-Based Supervision (SBE) course, from its structural proposal, the activities carried out and the changes in the two versions offered. We offered the discipline in two stricto sensu graduate programs to promote awareness, literacy, skills, and critical thinking on the importance of evidence-based supervised practice. Originally designed with a blended format, we rewired the course to make it a full-online mode due to social distancing measures decurrent from the Covid-19. In both versions of the SBE course, the pedagogical support was kept in a constructivist learning perspective acquiring, using active methodologies, questions, and mediated by Information and Communication Technologies (ICTs). Since changing didactic models and proposals is not a simplified process, it is considered that this discipline has achieved its objectives. This work implicates theoretically by expanding the knowledge in the field of supervision studies in stricto sensu Brazilian postgraduate courses under a constructivist lens. Its practical contributions are grounded on fostering the debate over the adoption of active methodologies mediated by digital technologies in the training of psychologists and psychology researchers.
HEADINGS: Education, Graduate; Information Technology; Information Technology.
A supervisão é uma atividade inerente à psicologia, reconhecida como elemento essencial para a formação do psicólogo (Barletta et al., 2011). Ainda assim, não há uma definição única do termo, uma vez que a supervisão não é exclusiva do campo de estudo da psicologia. A depender do que está sendo supervisionado (Stilita, 2021), esta atividade ganha contornos mais hierárquicos e autoritários, de gerenciamento de tarefas e de cumprimento de ordens. No contexto da psicologia, ainda com algumas diferenças conceituais, tem-se o foco no desenvolvimento de competências profissionais a fim de fomentar a qualidade do serviço psicológico prestado e favorecer a melhora do desempenho laboral, incluindo o cuidado ético (American Psychological Association [APA], 2014; Barletta & Neufeld, 2020). Assim, espera- se que supervisão favoreça resultados eficazes e positivos, bem como promova a segurança e bem-estar de quem a recebe e de quem fornece a prática psicológica.
A partir desse raciocínio, a prática baseada em evidências (PBE) é um pilar para a supervisão e, portanto, sustentada por três aspectos indissociáveis (Leonardi, 2016): a) as melhores evidências científicas disponíveis, b) a perícia do profissional e c) as características do indivíduo e do contexto. Logo, ao vislumbrar a supervisão pelas lentes da PBE, as autoras deste relato assumem que esta prática deve apoiar-se: a) em pesquisas referentes à supervisão, à atividade interventiva e à educação, b) em todos os elementos que favorecem a expertise do profissional, como experiência prática, treinamento e formação, metassupervisão, manejo e habilidades de supervisão, entre outros e c) na participação ativa do psicólogo em supervisão no próprio processo de formação. Esse último aspecto abrange a sensibilidade e abertura do supervisor em incorporar os valores, as necessidades, as diferenças culturais e as especificidades de quem receberá a supervisão, do contexto em que se está inserido, da atividade interventiva e de quem receberá o atendimento.
Dessa forma, a supervisão não deveria ser baseada apenas na experiência profissional prática, pautada exclusivamente em saberes do cotidiano, e sim, em dados empíricos e aspectos idiossincráticos da demanda que sustentassem as propostas educativas e decisões de trabalho mais efetivas e adequadas, embasadas também em estratégias de ensino-aprendizagem (Barletta & Neufeld, 2020). Milne (2018), um dos pesquisadores mais importantes da área, elaborou um modelo de supervisão clínica baseada em evidências em que destaca a aprendizagem experiencial como fundamental para o desenvolvimento do supervisor. Falender (2018) complementa esta perspectiva, sustentando a necessidade de treinamento do profissional para exercer a prática supervisionada, bem como direcionando a importância da supervisão baseada em competências. De acordo com essa autora, a supervisão baseada em competências é considerada metateórica, ou seja, aplica-se a uma gama diversificada de modelos e teorias. Dessa forma, entende-se que é fundamental conhecer aspectos essenciais do processo supervisionado, bem como reconhecer quais elementos podem interferir no desenvolvimento de competências.
Entre os fatores que ancoram esta proposta estão as consequências negativas, danosas e iatrogênicas que a supervisão pode causar, seja a quem recebe a supervisão diretamente, seja a quem recebe a prática do profissional que foi mal supervisionada (Ellis, 2017; Reiser & Milne, 2017). Porém, na contramão deste raciocínio, Barletta et al. (no prelo) destacaram a lacuna que existe na prática cotidiana, especialmente no Brasil, onde ainda não há uma cultura estabelecida de treinamento de supervisores. O estabelecimento desta cultura perpassa pelo campo da educação e apresenta a necessidade de propostas formativas desses profissionais.
Educação e Tecnologia
A educação vem sendo transformada ao longo dos anos, especialmente quando se enfatiza que o ensino e a aprendizagem não correspondem a um processo linear de causa e efeito. Atualmente, entende-se que esse processo envolve mais do que o conteúdo, mas também as metodologias e procedimentos de ensino, que podem aumentar a autonomia do estudante, desenvolver pensamento crítico, formar uma cosmovisão e ampliar valores contidos na construção do saber (Paiva et al., 2016). Para que essa transformação possa acontecer, esses autores apontam que se deve mudar a concepção de educação imposta para uma postura problematizadora, rompendo com a ideia de um conhecimento posto e absoluto. Portanto, docente e estudante devem manter uma atitude aberta, comportamentos menos passivos, permitindo-se questionar e serem questionados, e se implicarem na aquisição do conhecimento como um processo colaborativo, construído e contínuo.
As metodologias ativas têm sido apontadas como um caminho didático viável que possibilita a educação significativa, uma vez que o aluno é colocado como protagonista diante dos desafios, evocando a implicação no próprio desenvolvimento de soluções e consolidação de saberes. Assim, as metodologias ativas aparecem como uma formal alternativa ao ensino tradicional, cujo método utilizado é pouco interativo e centrado no professor (Antunes, 2013; Mota & Rosa, 2018; Neufeld et al., 2020).
Não obstante, não há um consenso nos procedimentos de ensino que são abarcados pelas metodologias ativas, na sua operacionalização, ou mesmo em sua finalidade (Mota & Rosa, 2018). O consenso, segundo estas autoras, permeia os elementos centrais que são o desenvolvimento da autonomia do estudante, a autorregulação e a aprendizagem significativa. Para alcançá-los, é necessário fomentar a criatividade, a reflexão e a ação, opondo-se a estratégias de transmissão de conhecimento e recepção passiva (Paiva et al., 2016). Ou seja, busca-se transpor o ensino centrado no professor para o ensino centrado no estudante (Antunes, 2013).
De acordo com Neufeld et al. (2020), o ensino superior em psicologia no nosso país ainda se apoia primordialmente no ensino tradicional, cujo método utilizado é pouco interativo e centrado na sapiência do docente. Essas autoras, com objetivo de identificar a percepção dos alunos sobre as metodologias ativas, fizeram uso da Aprendizagem Baseada em Problemas (PBL) em duas disciplinas no curso de graduação de psicologia. Em ambas as disciplinas, os alunos receberam previamente um roteiro de leituras como material de base a ser usado ao longo do curso e o processo de aprendizagem estava calcado na discussão e resolução de estudos de casos baseados nas leituras. Os cursos foram divididos em sequências de módulos de três aulas, totalizando sete ou nove módulos em cada uma das disciplinas. A composição dos módulos se dava da seguinte forma: a) na primeira aula os alunos recebiam o caso para ser debatido em pequenos grupos e perguntas norteadoras, b) na segunda aula, ainda em pequenos grupos, os alunos recebiam novas perguntas e materiais adicionais para fomentar a reflexão de conceitos e hipóteses diagnósticas e c) na terceira aula, havia uma discussão no grande grupo para compartilhar principais pontos e possíveis encaminhamentos. Ao final das duas disciplinas os alunos responderam a um questionário sobre à autopercepção sobre a aprendizagem e sobre o desenvolvimento de competências e habilidades como autores do seu processo de aprendizagem. Os dados da autopercepção indicaram a adequabilidade da metodologia pedagógica utilizada, promovendo a participação ativa dos alunos na própria aprendizagem.
Uma ferramenta que pode facilitar as estratégias didático-pedagógicas, fortalecendo a proposta das metodologias ativas e a perspectiva construtivista do aprendizado, são as chamadas Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs). Ainda que de forma parcimoniosa, foi visto um aumento no uso das TICs nos últimos dez anos, em especial com o avanço da internet (Versuti et al., 2016), mas com a pandemia por coronavírus e as medidas protetivas de distanciamento social, seu uso instantaneamente passou a ser a principal forma de contato e comunicação.
No entanto, Versuti et al. (2016) apontam que a inserção das TICs na universidade não transformou o ensino tradicional em uma conduta mais ativa e centrada no aluno, sendo utilizada como mais uma estratégia expositiva. Empregar diferentes estratégias, como as diversas possibilidades apresentadas pelas TICs, para promover o ensino colaborativo, interativo e dinâmico, pode fomentar habilidades desenvolvidas com metodologia ativa, tais como o pensamento crítico, autonomia intelectual, proatividade em busca de materiais e evidências. Assim, segundo Paiva et al. (2016), cabe ao docente treinado elaborar e aplicar diferentes estratégias com intuito de possibilitar um processo ativo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, estratégias que, a priori, são utilizadas no ensino tradicional podem ser reorganizadas e aplicadas como metodologias ativas desde que promovam os elementos centrais.
Considerando as questões levantadas sobre a supervisão, sobre o treinamento de profissionais, sobre metodologias ativas e TICs, este relato de experiência tem por objetivo apresentar a estrutura, atividades e mudanças da disciplina Supervisão Baseada em Evidências (SBE). Espera-se proporcionar reflexões sobre a importância da temática da supervisão, a necessidade de ofertar preparação para alunos de pós-graduação, bem como, respaldar a importância das metodologias ativas e das TICs no processo de ensino-aprendizagem na pós- graduação stricto sensu em específico, e na formação em psicologia em geral.
Contexto para elaboração da disciplina SBE
O Laboratório de Pesquisa e Intervenção Cognitivo-Comportamental (LaPICC-USP) tem por intuito capacitar profissionais com foco na TCC, portanto, fornece estágio clínico supervisionado para alunos de graduação de psicologia e treinamento em supervisão de TCC para alunos de pós-graduação. Dessa forma, em 2018, o laboratório recebeu uma pesquisadora de pós-doutorado com foco de estudo em formação de terapeutas e supervisores de TCC, fortalecendo a linha de pesquisa já existente no LaPICC-USP. Entre uma das propostas, para além da pesquisa em si, havia a ideia de fomentar e disseminar o conhecimento sobre aspectos fundamentais da supervisão.
Esse contexto propiciou a elaboração da disciplina Supervisão Baseada em Evidências (SBE), resultado da parceria entre o LaPICC-USP e o Laboratório de Pesquisa e Integração em Psicologia, Educação e Tecnologia (ConectaLab), que foi ofertada pela primeira vez no início do ano de 2020 nos Programas de Pós-graduação de Psicobiologia e de Pós-graduação de Psicologia da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto (USP-RP). Considerando que a pós- graduação stricto sensu tem foco em formar futuros pesquisadores e professores que eventualmente irão supervisionar discentes em nível de graduação e pós-graduação, as habilidades para a supervisão são requeridas para o pleno desenvolvimento desse profissional. Dessa forma, a disciplina SBE preencheu uma lacuna até então aberta sobre a temática, visando atender a necessidade de investimento em formação docente dos pós-graduandos stricto senso.
Objetivos da disciplina SBE
A disciplina teve como objetivo apresentar a proposta da supervisão baseada em evidências, a fim de fomentar o conhecimento, habilidades e reflexão sobre a temática. Para tanto, a disciplina tinha como pilares: a) discutir as funções da supervisão e conhecer as diretrizes da APA para supervisão e os modelos de supervisão baseados em competências, b) apresentar estratégias de ensino de desenvolvimento de competências, com destaque para a mediação das TICs e para as Metodologias Ativas, c) delinear e discutir estratégias de pesquisa em supervisão.
Metodologia de Ensino - Disciplina SBE
Inicialmente, a disciplina SBE foi desenvolvida e ofertada em formato modular e baseada em um sistema híbrido de ensino. O ensino híbrido (blended learning) propõe uma mistura de atividades presenciais e à distância (Moran, 2015). Na primeira oferta da disciplina, que aconteceu entre os meses de março e abril de 2020, participaram 19 alunos regularmente matriculados e três docentes. Com o avanço da pandemia e o distanciamento social decretado em meados de março, a partir da terceira semana a estratégia de aula precisou ser modificada, alterando-se os encontros presenciais para encontros síncronos virtuais, a princípio via chat e, posteriormente, via videoconferência pela plataforma Google Hangouts.
Por ser modular, a disciplina foi ofertada em sete semanas sequenciais, incluindo aulas presenciais (e, a posteriori, videoconferências) com duração de quatro horas em um período na semana e mais outro período semanal reservado para disponibilizar as atividades em ambiente virtual de aprendizagem (AVA), isto é, no Moodle e-disciplina da universidade e realizadas de forma assíncrona. O objetivo das aulas presenciais (e depois síncronas) era introduzir conceitos- chave e fomentar discussões que serviriam de base para as atividades de continuidade no ambiente virtual, a fim de fortalecer o uso de metodologias ativas em diferentes momentos (presencial e on-line). Os alunos deveriam acessar, executar e retornar as atividades assíncronas da semana até dois dias antes do encontro seguinte para que houvesse tempo hábil de inserir a construção de todos nas aulas presenciais. Para as aulas presenciais, o material de leitura era disponibilizado com antecedência para leitura prévia a fim de possibilitar a implementação da sala de aula invertida. Ao final, os alunos deveriam entregar um manuscrito, em grupos de até quatro componentes, no formato de brief report sobre supervisão, podendo escolher o tema específico dentro deste amplo universo, incluindo qualquer área ou atividade supervisionada relacionada à atuação do psicólogo. Cabe ressaltar que esta proposta foi apresentada à turma no primeiro encontro e aceita por unanimidade.
Dessa forma, a disciplina contou, em sua primeira versão, com duas aulas presenciais, mas com o avanço da pandemia, os dois últimos encontros presenciais foram remodelados para videoconferência (Tabela 1). As três primeiras semanas foram de conteúdo, as três semanas seguintes o foco foi na escrita do manuscrito. Uma vez que o brief report foi realizado em etapas, apesar de não haver encontros síncronos, havia a comunicação via e-mail, com acompanhamento, feedback e retorno das atividades pelas docentes durante todo o processo. Na sétima e última semana, o encontro síncrono foi reservado para a apresentação do manuscrito, em formato de seminário, para os colegas de turma e para postagem do trabalho no AVA.
Ao final, os alunos responderam a um questionário de avalição da disciplina via Google Forms, incluindo as percepções e feedback das atividades e conteúdos propostos, com intuito de proporcionar elementos para reestruturação da disciplina pelas docentes. Entre as alterações efetuadas para a segunda oferta da disciplina, que aconteceu em formato totalmente on-line, a estrutura e sequência das sete semanas foi reorganizada, com encontros síncronos on-line com duas horas e/ou duas horas e meia de duração e atividades interativas mediadas por aplicativos diversos. Apenas na terceira semana não aconteceu o encontro síncrono, cujo foco foi iniciar o processo de construção do manuscrito. Essa elaboração continuou nas semanas seguintes, concomitantemente a atividades síncronas e assíncronas da disciplina (Tabela 2). Outra mudança foi a participação de uma monitora com habilidades em recursos tecnológicos que havia sido aluna da primeira turma. Novamente, a proposta foi apresentada à turma no primeiro dia de aula e aceita por unanimidade.
Na segunda versão da disciplina, ofertada entre os meses de abril e maio de 2021, com a participação de 12 alunos inscritos, as atividades assíncronas continuaram sendo entregues pelos alunos anteriormente ao encontro síncrono, mas com até um dia de antecedência ao encontro seguinte. A estrutura dos encontros por videoconferência se manteve com formato semelhante as aulas presenciais da primeira turma: resgate e discussão da atividade assíncrona, disparador para aquecer e fomentar a discussão guiada do material de leitura prévia, atividades interativas para consolidação do conteúdo e para resumo dos principais pontos da aula, estabelecimento de nova atividade assíncrona como elemento de conexão e continuidade do assunto entre os encontros síncronos. Entre as diferenças, são apontadas pequenas mudanças no conteúdo e uma maior variedade de recursos de TICs e estratégias ativas (Tabela 3).
A atividade final da segunda versão da disciplina SBE se manteve como brief report, porém, realizado em duplas e com focos de trabalho escolhidos previamente e em conjunto com a turma, a fim de evitar sobreposição. Durante a elaboração do manuscrito, foi dado auxílio pelas docentes de forma síncrona e assíncrona, via e-mail e videoconferência em horários alternativos. Os temas para o manuscrito focaram a supervisão em pesquisa, na área organizacional, na clínica infantil, na clínica de adultos, nas políticas públicas e na educação.
Mais uma vez, ao final da disciplina, os alunos responderam a um questionário de feedback via Google Forms, a fim de fornecer percepções sobre o que foi ou não útil. Isso permitirá uma nova remodelação da proposta, de forma a lapidar e adequar a terceira versão da disciplina SBE às necessidades, ao contexto e momento pós-pandêmico.
DISCUSSÃO
A disciplina SBE foi oportunizada em um momento propício, já que nos últimos anos a preocupação com a qualidade da prática supervisionada tem aumentado, inclusive no Brasil (APA, 2014; Barletta et al. 2011; Barletta & Neufeld, 2020; Stilita, 2021). Além disso, a parceria entre os laboratórios de pesquisa LaPICC-USP e ConectaLab, com focos de estudos complementares, seja na formação do psicólogo, na prática supervisionada, em processos de educação e nas TICs, favoreceu a construção da disciplina nos formatos propostos, quais sejam, sistema híbrido e on-line de ensino embasado em metodologias ativas.
Considerando a lacuna de oferta de treinamento de supervisores nas mais diversas práticas supervisionadas pelo psicólogo (Barletta et al., no prelo; Falender, 2018), justifica-se a escolha de não fechar a disciplina em uma única área em que há supervisão na psicologia, mas sim, perpassar por conteúdos que favorecem o desenvolvimento de competências e respaldam o bem-estar do supervisionando, a fim de minimizar efeitos danosos de profissionais não treinados para exercê-la. Além disso, acredita-se que o investimento em treinamento também é uma forma de ofertar suporte ao supervisor, que muitas vezes se vê despreparado e sem saber a quem recorrer para desenvolver as competências e habilidades necessárias para sua prática como supervisor. Ressalta-se, portanto, a importância da proposta de fomentar disciplinas com esta temática, a fim de ampliar as ocasiões de aprendizados e qualificar a prática supervisionada, especialmente entre pós-graduandos que, possivelmente, irão envolver-se nesta atividade.
As metodologias ativas e as TICs utilizadas na disciplina foram entendidas pelas docentes como fundamentais para fortalecer a construção de conhecimentos, protagonismos e significados sobre a temática (Neufeld et al., 2020; Versuti et al., 2016). Em ambos os momentos da disciplina houve a aplicação de estratégias interativas e ativas, mas na segunda oferta a ruptura com o modelo tradicional de ensino foi percebida pelas docentes com mais intensidade. Acredita-se que alguns elementos podem estar ligados a esse entendimento, como não usar slides no formato on-line da disciplina, esvanecendo as aulas expositivas com um saber posto e completamente pronto (Antunes, 2013). As atividades interativas durante os momentos síncronos, como o painel de debate e os recursos de resumos visuais elaborados conjuntamente e compartilhados na turma, foram estratégias consideradas importantes para um ensino problematizador com a participação ativa de todas as pessoas (Mota & Rosa, 2018; Paiva et al., 2016). Os avanços dos recursos tecnológicos, como o Mentimeter e Canva, permitiram encontros nos quais o conhecimento foi construído colaborativamente.
Entre as estratégias e atividades utilizadas na disciplina SBE, ressalta-se que:
a) O contrato pedagógico (Barletta & Neufeld, 2020) permitiu o engajamento inicial das turmas, clarear as metas educativas e combinar posturas e expectativas. A abertura para que tal contrato seja revisto em caso de necessidade e a manutenção de uma postura de escuta ativa na relação de ensino aprendizagem contribuem para a construção de um vínculo que seja de fato educativo e horizontalizado. Por exemplo, no formato on-line um dos combinados foi estar com câmera ligada, o que aumentou a proximidade, interação e menor distração da turma;
b) A avaliação de necessidades (Barletta & Neufeld, 2020) e o mapa conceitual (Prais & Rosa, 2017) foram recursos que permitiram identificar o conhecimento e adequabilidade de conceitos prévios dos discentes sobre supervisão. Assim, foi possível dar o tom e ritmo da disciplina, clarear as relações conceituais, bem como, organizar os contextos de aprendizagem centrados nos discentes;
c) A sala de aula invertida (Neufeld et al., 2020) e painel integrado (Antunes, 2013) fortaleceram o protagonismo e autonomia dos discentes, além da apropriação do conhecimento de forma significativa. Para tanto, a literatura utilizada foi disponibilizada com antecedência, mas com uma diferença entre as duas versões da disciplina. No modelo híbrido da disciplina, os textos eram liberados na semana anterior ao encontro presencial ou videoconferência. Por ser uma quantidade considerável de leitura, no formato on-line, todo o material foi disponibilizado na primeira semana, o que, acredita-se, facilitou a organização temporal dos alunos;
d) O compartilhamento dos produtos elaborados pelos discentes durante as atividades assíncronas (Moran, 2015; Mota & Rosa, 2018) e o uso de disparadores (Neufeld et al., 2020; Paiva et al., 2016), favoreceram o aquecimento inicial de cada encontro. Iniciar a videoconferência resgatando e mostrando as produções realizadas individualmente, em duplas ou trios durante a semana, permitiu maior engajamento e troca entre os colegas, já que não se tinha uma audiência punitiva e sim lançando mão deste recurso como um reforçador social. Dessa forma, era possível identificar as semelhanças e diferenças entre os entendimentos, de forma leve e construtiva, aberta ao diálogo e acolhendo diferentes visões e construções do conhecimento, gerando um aprofundamento quase que natural no processo de ensino-aprendizagem. Como exemplos destas atividades tem-se a construção de frameworks (Canva) e murais on-line (Padlet). Os disparadores, por sua vez, suscitavam reflexões e despertavam incômodos motivadores ao conhecimento. Por exemplo, uma cena do filme "O Diabo Veste Prada" foi utilizada para iniciar o debate sobre feedback e iatrogenias em supervisão;
e) As perguntas norteadoras (Barletta & Neufeld, 2020), utilizadas em vários momentos dos encontros potencializaram os debates e descobertas guiadas, problematizando aspectos contraditórios, iluminando dificuldades e possibilitando a reflexão e busca de solução de problemas conjuntamente. O jogo de perguntas e imagens teve o mesmo intuito, mas entende-se que mais tempo para esta atividade poderia aprofundar reflexões e sentidos;
f) Os resumos visuais ao final de cada encontro, com nuvens de palavras, flowchart e infográficos (Prais & Rosa, 2017) fomentaram a consolidação dos principais pontos levantados naquele momento síncrono. Todos esses materiais eram disponibilizados aos discentes no AVA para que pudessem revisitar durante os momentos assíncronos.
A participação da monitora foi um diferencial importante na versão on-line da disciplina, uma vez que, por sua familiaridade com as TICs, fortaleceu a ampliação do uso dos recursos virtuais na disciplina. Acredita-se que esse processo também incentivou a participação dos alunos, já que o uso das TICs, especialmente quando feito de forma interativa, pode favorecer as relações entre discentes, monitores e docentes (Versuti et al., 2016). Além disso, o feedback dos alunos sobre as atividades e conteúdo da disciplina, bem como a abertura das docentes em reavaliar o que foi considerado positivo e o que não foi produtivo, foi um movimento que possibilitou o aprimoramento de estratégias didático-pedagógicas pertinentes à proposta conceitual educativa de base que sustenta a disciplina. De acordo com Antunes (2013), essa postura do docente potencializa a consolidação de competências de ensino, transformando "professauros em professores".
Essa reavaliação possibilitou alterar a distribuição da disciplina durante as sete semanas. Após sua primeira versão, cuja proposta era de um ensino híbrido, considerou-se que a carga de leitura concentrada nas três primeiras semanas e a liberação dos textos com uma semana de antecedência não era a melhor estratégia. Dessa forma, na versão da disciplina totalmente on- line, os textos foram disponibilizados na primeira semana e as leituras alocadas nas seis semanas da disciplina.
A revisão do conteúdo também foi considerada um aspecto relevante. Na primeira versão ofertada da disciplina SBE, a parte de discussão sobre a pesquisa em supervisão foi abordada tanto nos modelos de supervisão quanto na elaboração do manuscrito. Assim, ainda que inicialmente planejado, não foi possível separar um momento extra para discutir outros aspectos de pesquisa. Nesse sentido, partindo do entendimento que a proposta de perpassar pela pesquisa em supervisão havia sido contemplada, na segunda versão não foi separado um momento extra, mas se mantiveram as discussões sobre pesquisa nos dois momentos citados. O mesmo aconteceu com a temática de avaliação em supervisão, ou seja, esse foco foi contemplado em discussões sobre feedback, iatrogenias, competências e diretrizes, mas não foi possível realizar um momento de discussão em separado como planejado. Esse formato se manteve na segunda vez que a disciplina foi ofertada, uma vez que a temática de avaliação em supervisão foi entendida como satisfatoriamente abrangida em função do tempo do curso.
Por sua vez, na segunda versão da disciplina SBE foi separado um momento para se discutir a estratégias de ensino utilizadas e quais podem favorecer que tipo de competência e habilidades em supervisão (Barletta & Neufeld, 2020). Ainda que na primeira versão da disciplina SBE alguns textos a respeito tenham sido disponibilizados, as docentes sentiram falta de levantar a discussão sobre as estratégias de ensino em grupo e aprofundar reflexões. Acredita-se que a coerência entre os métodos e técnicas empregados durante a disciplina e o conteúdo que estava em discussão foi um ponto alto do processo proporcionando uma aprendizagem significativa.
Acredita-se que o modelo híbrido de ensino (Moran, 2015), em conformidade com suas características, contribuiu para a incorporação das TICs e metodologias ativas desde o início da concepção da disciplina SBE. Entende-se também que, por já sido criada com a inclusão de tais estratégias, a migração para atividades exclusivamente on-line no meio do curso, em função da pandemia, foi facilitada. De qualquer forma, mesmo sendo uma situação fora do controle das docentes, houve um certo estranhamento e desconforto por parte de alguns discentes por não haver mais encontros presenciais ao final do curso. A disciplina SBE ofertada no modelo on- line de ensino, já com a expectativa de não haver encontros presenciais, não gerou intercorrências ou desconfortos dessa natureza. Percebeu-se ainda que, o modelo totalmente on- line, favoreceu o intercâmbio com discentes de outras instituições, promovendo a parceria entre programas e docentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A mudança de modelos e propostas didáticas não é um processo simplificado, uma vez que necessita de uma abertura para transformação do conceito educacional e da relação contexto-docente-discente. Exige a saída da zona de conforto para a experimentação, a construção, o questionamento e a reflexão.
Ao longo do processo, entre a primeira e segunda oferta da Disciplina SBE, foi possível notar um desenvolvimento e crescimento da proposta de ensino. De toda forma, entende-se que, em ambos os momentos, a disciplina já partiu de uma ideia inovadora no seu contexto e alcançou as metas iniciais: fomentar o conhecimento sobre supervisão, aplicar metodologias ativas e utilizar as TICs. Assim, partindo de conhecimentos prévios dos discentes, a disciplina introduziu novas informações e, de forma colaborativa, proporcionou a elaboração de sentidos, alcançando, dessa maneira, novos patamares de conhecimento baseados em uma aprendizagem significativa.
De modo geral, este relato de experiência docente amplia o debate no campo de estudos da supervisão e evidencia a adoção das metodologias ativas mediadas pelas tecnologias digitais como possibilidade para a construção de conhecimentos no contexto da prática profissional. Assim, acredita-se que é possível superar obstáculos à aprendizagem potencializados pelo contexto pandêmico, avançando em novos rumos para o ensino da supervisão baseado em evidências.
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Correspondência:
Janaína Bianca Barletta
E-mail: janabianca@gmail.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 19 de Agosto de 2021. cod. 242
Artigo aceito em 27 de Setembro de 2021