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Neuropsicologia Latinoamericana

versão On-line ISSN 2075-9479

Neuropsicologia Latinoamericana vol.4 no.3 Calle  2012

 

DOI: 10.5579/rnl.2012.109

 

Videogame: seu impacto na atenção, percepção e funções executivas

 

Videojuegos: impacto en la atención, la percepción y las funciones ejecutivas

 

Jeu vidéo: l'impact sur les fonctions de l'attention, de la perception et de l'exécutif

 

Video game: its impact on attention, perception and executive functions

 

 

Thiago S. RiveroI; Emanuel H. G. QuerinoII; Isabella Starling-AlvesII

I Universidade Federal de São Paulo, Brasil
II Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O videogame tem se tornado um meio de entretenimento cada vez mais presente no cotidiano das pessoas. Nos Estados Unidos, por exemplo, esse aparelho está presente em mais de 70% das casas e uma média de 30 horas semanais são gastas em jogos. As consequências disso, todavia, ainda são controversas. Pesquisas atuais sugerem uma possível relação causal entre o uso de videogame e maior desenvolvimento de diversas habilidades cognitivas. Entretanto questões metodológicas importantes necessitam ser avaliadas para uma melhor compreensão dos dados. O presente estudo tem por objetivo investigar, por meio de uma revisão sistemática, as evidências de um efeito positivo do videogame sobre as funções cognitivas. Resultados propõem uma melhora significativa da atenção, dos processamentos visuais e espaciais e das funções executivas, principalmente da memória operacional em jogadores de videogame. Os benefícios proporcionados pelo videogame na cognição levam à hipótese de que seu uso pode ser estendido para contextos clínicos. Em especial, seu uso para a reabilitação neuropsicológica pode aumentar o engajamento e os níveis motivacionais dos pacientes. Contudo, diversos desafios metodológicos ainda não foram superados e, assim, mais pesquisas são necessárias para a validação do uso do videogame como uma ferramenta para a reabilitação.

Palavras-chave: Videogames, Cognição, Atenção, Percepção, Funções executivas.


RESUMEN

Los videojuegos se convirtieron en un medio de entretenimiento cada vez más presente en la vida cotidiana de las personas. En Estados Unidos, por ejemplo, más del 70% de los hogares cuentan con consolas de videojuegos y las personas emplean un promedio de 30 horas semanales jugando a los mismos. Las consecuencias de este fenómeno aún son discutidas. Investigaciones actuales sugieren una posible relación causal entre el uso del videojuego y un mayor desarrollo de diversas habilidades cognitivas. Sin embargo, en función de llegar a conclusiones más certeiras, se deben evaluar cuestiones metodológicas. El presente estudio tiene por objetivo investigar, mediante una revisión sistemática, las evidencias de un efecto positivo de los videojuegos sobre las funciones cognitivas. Los resultados sugieren una mejora significativa de la atención, el procesamiento visual y espacial y las funciones ejecutivas, principalmente de la memoria de trabajo, en los usuarios de videojuegos. Los benefícios de esta tecnología sobre la cognición llevan a pensar que su uso podría extenderse a los contextos clínicos. En especial, puede aumentar el compromiso y los niveles de motivación de los pacientes en rehabilitación neuropsicológica. Sin embargo, varios problemas metodólogicos aún no han sido superados y, por lo tanto, es necesaria una investigación más amplia para validar el uso de los videojuegos como una herramienta de rehabilitación.

Palabras clave: Videojuegos, Cognición, Atención, Percepción, Funciones ejecutivas.


RÉSUMÉ

Les jeux vidéo sont devenus un moyen de divertissement qui sont de plus en plus présents dans la vie de tous les jours. Aux États-Unis, par exemple, ils sont présents dans plus de 70% des ménages et une moyenne de 30 heures par semaine est passée à jouer. Néanmoins, les conséquences de l'usage des jeux vidéo restent controversées. Des études actuelles suggèrent une possible relation causale entre l'utilisation de jeux vidéo et un plus grand développement de plusieurs habiletés cognitives. Cette étude vise à étudier, à travers une revue de la bibliographie, les preuves concernant les effets positifs possibles que l'utilisation de jeux vidéo pourrait avoir sur les capacités cognitives. Des améliorations significatives sont observées dans les traitements attentionnels, visuels et spatiaux, et plus particulièrement au niveau de la mémoire de travail. Les bénéfices venant des jeux vidéo sur la cognition ont conduit à l'hypothèse que son utilisation pourrait être étendue à un cadre clinique. En particulier, son utilisation en réhabilitation neuropsychologique pourrait augmenter les niveaux de motivation des patients ainsi que leur engagement. Néanmoins, plusieurs défis méthodologiques demeurent et par conséquent plus de recherche doit être faite afin de valider l'utilisation des jeux vidéo comme outil de réhabilitation.

Mots clefs: Jeux vidéos, Cognition, Attention, Perception, Fonctions exécutives.


ABSTRACT

Video games have become a way of entertainment that is increasingly present in everyday life. In the United States, for example, this apparatus is present in more than 70% of homes, and a mean time of 30 weekly hours is spent in gaming. However, consequences of video games' usage are still controversial. Current researches suggest a possible causal relationship between the use of video games and a greater development of several cognitive abilities. The present study aims to investigate, through a bibliographic review, the evidences of a possible positive effect that the use of video games may have on cognitive skills. Significant improvements are observed in attention, visual and spatial processing, and executive functions, mainly on the working memory. The benefits provided by the video game on cognition lead to the hypothesis that its use can be extended to clinical setting. In particular, its use in neuropsychological rehabilitation can increase patient's motivational levels and his/her engagement. However, several methodological challenges are yet not accomplished and, therefore, more researches are needed in order to validate the video game's use as a tool for rehabilitation.

Keywords: Video games, Cognition, Attention, Perception, Executive functions.


 

 

Três bilhões de horas por dia são gastas com jogos de videogame (Newzoo, 2011). Nos Estados Unidos, 183 milhões de jogadores gastaram, em média, 13 horas semanais com jogos eletrônicos; outros países acompanham de perto essas tendências crescentes. Embora muitos argumentem que os jogos podem ter efeitos prejudiciais ao usuário (Weinstein, 2010; Anderson et al, 2010), jogadores de videogame (JVG) têm demonstrado um melhor desempenho em uma série de capacidades cognitivas, como atenção, processamento perceptual e funções executivas (entre outras), quando comparados a não jogadores de videogame (NJVG) (Boot, Kramer, Simons, Fabiani, Gratton, 2008). Tais ganhos cognitivos podem ter implicações clínicas, especialmente com relação a transtornos nos quais a terapia medicamentosa tradicional não contempla todos os domínios cognitivos e comportamentais afetados, como no caso do Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) (Swanson, 2008).

Os computadores começaram a ser disseminados nas universidades por volta da década de 60. Justamente nesse ambiente acadêmico, começaram a surgir os primeiros jogos eletrônicos (Vorderer & Bryant, 2006). Na década de 1970, nasce o primeiro jogo que foi explorado comercialmente, Pong®, criado pela empresa Atari® e que contribuiu para a popularização dos videogames entre o público jovem.

Tendo em vista o impacto comportamental gerado pelos games, pesquisadores de todo o mundo, mas principalmente dos Estados Unidos, começaram a estudar o impacto que o videogame poderia exercer sobre os diversos processos cognitivos, inicialmente a percepção (Greenfield, 1988). Mesmo em jogos que atualmente são considerados simples, como Pacman® e Space Fortress®, os pesquisadores encontraram importantes mudanças comportamentais geradas pelo videogame (Clark, Lanphear, & Riddick, 1987).

Pesquisas recentes sugerem que os jogos de videogame, mesmo quando jogados por um período relativamente curto de tempo, promovem melhora no desempenho dos JGV em um número grande de tarefas de percepção visual e de atenção. De fato, diversos estudos sugerem que os participantes que foram expostos a 10 horas ou mais de videogame apresentam melhora em diversas tarefas laboratoriais que, aparentemente, eram diferentes do videogame em si (por exemplo, Feng, Spence & Pratt, 2007; Green & Bavelier, 2003, 2006, 2007), levando-os a propor que a experiência de jogar videogame melhora funções cognitivas básicas (como as habilidades espaciais), que podem ser generalizadas a tarefas e estímulos novos.

A partir destas hipóteses sobre benefícios em diferentes funções cognitivas, com evidências ainda não consensuais na literatura, é importante conduzir uma revisão sistemática em busca de dados que mostrem resultados de tais benefícios. Assim, o objetivo do presente estudo é investigar, através de uma revisão sistemática, o impacto do uso de videogame sobre as funções cognitivas, especificamente sobre atenção, percepção e funções executivas.

 

Método

O estudo incluiu todos os artigos sobre o impacto do uso de videogame sobre a atenção, percepção e funções executivas, no período de 1 de janeiro de 2000 a 30 de abril de 2012, e indexados nas bases Lilacs e PubMed.

Para o refinamento da revisão, foi definida uma amostra, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: artigos disponíveis nas bases de dados do Lilacs e PubMed; em Português, Inglês e Espanhol com os resumos disponíveis nas bases supracitados no período de 1º de Janeiro de 2000 à 30 de Abril de 2012; em que a amostra era constituída por crianças e adultos; em que estivesse explícito no corpo do texto a avaliação de atenção, percepção ou funções executivas em populações de JVG; indexados pelos seguintes termos: "video game", "videogame", "perception", "attention", "executive function"; e que apresentasse ao menos um dos seguintes delineamentos: revisões da literatura, estudos de caso, estudos caso-controle, estudos de coorte, pesquisas clínicas e estudos randomizados.

Para o refinamento da revisão, foi definida uma amostra, obedecendo aos seguintes critérios de inclusão: artigos disponíveis nas bases de dados do Lilacs e PubMed; em Português, Inglês e Espanhol com os resumos disponíveis nas bases supracitados no período de 1º de Janeiro de 2000 à 30 de Abril de 2012; em que a amostra era constituída por crianças e adultos; em que estivesse explícito no corpo do texto a avaliação de atenção, percepção ou funções executivas em populações de JVG; indexados pelos seguintes termos: "video game", "videogame", "perception", "attention", "executive function"; e que apresentasse ao menos um dos seguintes delineamentos: revisões da literatura, estudos de caso, estudos caso-controle, estudos de coorte, pesquisas clínicas e estudos randomizados.

Uma importante questão que necessita ser considerada na área de estudo de videogame é o desenho experimental adotado. A grande maioria das pesquisas são conduzidas utilizando-se o método de estudo transversal, no qual os participantes muitas vezes são separados previamente em JVG e NJVG e posteriormente avaliados quanto as suas habilidade em diversos testes neuropsicológicos. Esse tipo de método apresenta um problema muito grave no que tange a influência de variáveis terceiras que dificilmente podem ser avaliadas (possivelmente gerando um viés de direcionalidade, ou seja, será que os JVG tem um desempenho alto em memória operacional por jogarem videogame, ou jogam videogame por terem uma alta capacidade de memória operacional), o que pode levar a interpretações equivocadas dos resultados. De tal modo, nas tabelas da presente revisão, explicita-se o tipo de método empregado nos estudos, causal-comparativo (estudos transversais) ou quase-experimental (estudos com avaliação pré-pós uso de videogame) para que os resultados das pesquisas possam ser analisados cautelosamente.

 

Atenção

Videogames apresentam uma rápida sucessão de estímulos (visuais e auditivos) aos quais os jogadores necessitam focalizar sua atenção. Para poderem ter sucesso nos jogos, os jogadores precisam sustentar a atenção durante longos períodos de tempo, muitas vezes evitando estímulos distratores que tem como objetivo dificultar o sucesso dos jogadores (o que torna os games, em última análise, divertidos). Além disso, os jogadores precisam gerenciar diversas tarefas no jogo, ao mesmo tempo que necessitam manter a meta central do jogo, alternando entre diversas tarefas. Todas essas características, em um ambiente altamente veloz e pouco previsível, tornam os jogos ferramentas poderosas no treino da atenção.

A atenção tem sido foco da maioria dos estudiosos quando se consideram os aspectos cognitivos envolvidos no uso de videogame. De maneira geral, os dados da literatura demonstram que os JVG apresentam melhor desempenho em tarefas que medem os diversos processos atencionais, como atenção visuoespacial (quantidade de recursos atencionais para o processamento informações espaciais) (Green & Bavelier, 2006), atenção seletiva visual (habilidade de buscar estímulos ambientais eficientemente) (Castel, Pratt & Drummond, 2005) e capacidade de busca visual diante de distratores (Green & Bavelier, 2003, 2006).

Há evidências convergentes de que o videogame pode levar ao aumento da capacidade da atenção visoespacial. Green e Bavelier (2003) avaliaram diversas habilidades de atenção visual, como a quantidade de itens que podem ser processados de uma só vez, a capacidade de alocação atencional através do espaço e a resolução temporal da atenção. Os autores concluíram que os JVG apresentam melhoras em todas estas habilidades quando comparados a NJVG.

Para medir a quantidade de itens que podem ser atendidos de uma só vez, Green e Bavelier (2003) utilizaram o paradigma de rastreio de múltiplos objetos, o qual mede o número máximo de itens em movimento rastreados com sucesso. Nesta pesquisa, os JVG puderam rastrear, em média, dois itens a mais que os NJGV, mostrando, portanto, um aumento em sua capacidade de rastreio.

Na avaliação da eficiência de alocação atencional através do campo visual, os JVG e os NJVG foram submetidos a uma tarefa na qual deveriam, rapidamente, discriminar a localização espacial de um estímulo previamente apresentado. Foi observado que os JVG apresentavam um desempenho superior ao dos NJVG, mesmo quando elementos distratores (quadrados) foram adicionados na tarefa. Indica-se assim que JVG podem identificar mais prontamente o alvo, mesmo se, na cena, houver muitos distratores. Por fim, para medir a resolução temporal da atenção, os pesquisadores utilizaram o paradigma de atenção intermitente (do inglês attentional blink, que indica que, após voltar a atenção para um primeiro item apresentado, o indivíduo tem dificuldades em voltar a atenção para um segundo item), no qual os participantes eram expostos a uma sequência de letras pretas (100 ms entre cada estímulo) com apenas uma letra branca entre elas. Os participantes eram avisados que, em 50% das vezes, uma letra X apareceria após a letra branca, em ordens randomizadas. Além de dizer qual era a letra branca, os participantes deveriam dizer se viram ou não a letra X. Para a maioria das pessoas, quanto mais próximo da letra branca, mais difícil é ver o X. Os resultados, novamente, apontaram que o grupo de JGV se sobressaía em relação ao grupo de NJGV, apresentando uma capacidade melhor de distribuição temporal de recursos atencionais.

Castel, Pratt e Drummond (2005) investigaram como os jogos de videogame de ação podem influenciar a atenção seletiva visual, utilizando um paradigma denominado de inibição do retorno (do inglês inhibition of return), que diz respeito a uma preferência atencional por locais não conhecidos e inesperados em detrimento daqueles que já foram experienciados. Esses pesquisadores examinaram semelhanças e diferenças no padrão de resposta de JVG e NJVG nas habilidades de inibir a atenção para retornar a situações previamente conhecidas e de eficácia na busca visual. Os resultados confirmaram que ambos os grupos apoiam-se em estratégias similares de processamento visual, embora o grupo JVG possua uma capacidade de mapeamento de estímulo-resposta mais rápida nas tarefas de atenção visual.

Dye & Bavelier (2010) investigaram os efeitos do videogame na atenção visual seletiva, através de três testagens cognitivas: tarefa de campo visual (do inglês, Useful Field of View, que mede atenção seletiva, dividida e velocidade de processameto), atenção intermitente e rastreio de objetos (do inglês Multiple Object Tracking, que avalia a capacidade de rastrear múltiplos objetos). Observaram que, em usuários frequentes de videogame, há uma capacidade maior de atenção visual e de encontrar objetos em seu campo de visão com maior velocidade do que nos NJVG. Os autores concluíram também que crianças que jogavam videogame apresentavam tendência a desenvolver capacidades de atenção além do esperado para a idade e para o processo maturacional. Isso indica um possível efeito benéfico do uso de videogames no desenvolvimento dos processos atencionais.

O uso de videogames também pode gerar efeitos positivos na atenção auditiva (capacidade de alocação de recursos atencionais em estímulos auditivos). Maclin et al (2011) demonstraram que adultos NJVG, quando expostos a um jogo criado experimentalmente (a saber, Space Fortress; Donchin, Fabiani, & Sanders, 1989), apresentavam maior capacidade em alocar recursos atencionais em uma tarefa de atenção auditiva (Oddball auditivo). Estes dados foram observados por exame de eletroencefalografia (EEG): após treino com videogame, os participantes apresentaram redução do P300, potencial evocado relacionado à atenção, discriminação de estímulos auditivos, e aumento das ondas alfa, provavelmente envolvidas nas tarefas de mudanças de alvos atencionais.

Além de evidências experimentais de melhoras nos processos de atenção propiciadas pelo videogame, resultados sugerem que as habilidades aprendidas dentro do jogo podem ser transferidas para atividades da vida diária de um indivíduo. Dunbar, Lewis and Hill (2001) testaram crianças de diversas faixas etárias na habilidade de atenção alternada (alternar entre tarefas) e sustentada (manutenção da atenção por longos períodos de tempo), usando jogos de videogame e, posteriormente, avaliaram a forma como as crianças se comportavam na hora de atravessar a rua. Os resultados mostraram que as crianças que tinham melhor desempenho no videogame prestavam mais atenção ao transito e atravessaram a rua, em geral, de uma forma mais segura.

A partir destas evidências (Tabela 1), é plausível afirmar que o videogame pode propiciar melhoras na atenção, especialmente na atenção visuoespacial. Todavia, mais estudos são necessários para melhor compreensão da aplicabilidade do videogame no aprimoramento de outras habilidades atencionais específicas - como atenção auditiva - e da generalização dos benefícios do videogame para as atividades cotidianas.

 

Percepção visual e espacial

Os videogames são inerentemente multissensoriais. Jogos de ação em primeira pessoa requerem integração de múltiplas informações sensoriais (tanto auditivas quanto visuais) para que a resposta comportamental seja adequada (Donohue, Woldorff, Mitroff, 2010). Dada essa natureza multissensorial dos games, é possível acreditar que eles influenciem o desempenho perceptual dos JVG.

Estudos demonstram que JVG, especialmente aqueles que jogam jogos de ação (jogos de tiro em primeira pessoa), levam a uma melhora significativa em habilidades visuais. Segundo Achtman, Green e Bavelier (2008), para promover uma melhora em habilidades visuais, os jogos devem possuir um ritmo acelerado, componentes de imprevisibilidade e um nível ideal de dificuldade. Nos jogos com ritmo acelerado, várias situações-problema surgem durante um curto intervalo de tempo, propiciando aprendizagem visual, uma vez que cada uma dessas situações são oportunidades de se receber algum tipo de reforço comportamental (experiência, pontos, itens, etc.). Além disso, a interação entre o jogador e o videogame é intensificada. Por levar o jogador a cometer muitos erros, a imprevisibilidade faz com que, constantemente, uma nova estratégia comportamental seja necessária para se alcançar um determinado objetivo, promovendo, assim, um bom nível de engajamento e, consequentemente, de aprendizagem visual. Por fim, a dificuldade do jogo é um bom preditor da generalização dos conhecimentos adquiridos no jogo (Achtman, Green e Bavelier, 2008).

Achtman, Green e Bavelier (2008) propõem, ainda, que JVG, especialmente os que fazem uso de jogos de ação, como Call of Duty®, apresentam melhora em características temporais do processamento visual. Além disso, a acuidade visual dos JVG é maior em comparação à dos NJVG. Isso significa que eles são capazes de discriminar letras menores com maior eficiência. Os autores também mostram que os JVG apresentam melhores resultados em tarefas de enumeração de pequenas quantidades, as quais são acessadas de forma exata, sem necessidade de contagem. Em uma tarefa na qual os participantes deveriam contabilizar a quantidade de elementos (quadrados) que apareciam aleatoriamente na tela do computador (de 1 a 7), os JGV nomearam mais rapidamente e com maior acurácia que os NJVG.

Além disso, a sensibilidade a contrastes dos JVG é maior em comparação aos NJVG. Isso porque JVG percebem mudanças menores de tons de cinza, em contraste com um plano de fundo uniforme, mais facilmente (Achtman, Green e Bavelier, 2008; Li e et al, 2009).

Em relação aos aspectos visuoespaciais, Boot et al (2008) mostraram que o uso de videogames tem efeitos positivos no desempenho em tarefas de rotação mental (habilidade de mentalmente rotacionar figuras de duas ou três dimensões). Este achado corrobora o estudo de Feng et al (2007), que demonstrou, ainda, que as diferenças de gênero nas habilidades de percepção visuoespaciais pré-existentes antes do treino com jogos de ação tornaram-se não significativas, e que tais efeitos permaneceram em longo prazo.

A maioria dos estudos que encontraram efeitos positivos do videogame em habilidades visuais e espaciais (tabela 2) utilizaram jogos de ação, em especial jogos de tiro, em seus experimentos. Apesar de serem os mais estudados para treino de tais habilidades, conforme citado por Achtman, Green e Bavelier (2008), estudos com outros estilos de jogos são necessários para confirmação de tais efeitos.

 

Funções executivas

Podem-se encontrar, até mesmo nos jogos mais simples, cenários que exigem a capacidade do jogador de planejar suas ações, de inibir comportamentos impulsivos, flexibilizar suas tomadas de decisões, entre tantas outros subcomponentes das funções executivas. Jogos de tiro cada vez mais premiam os jogadores que apresentam melhores estratégias e melhor planejamento, ao contrário de simplesmente atirar em tudo o que se move. Jogos como Pacman® ou Bomberman® exigem um alto grau de controle inibitório motor para escolher os caminhos corretos e não os caminhos que levam à morte. Os grandes exemplos disso são os famosos jogos de RPG online (da sigla em inglês, MMORPG), em que os jogadores podem criar seus personagens e viverem suas vidas complexas, tomando decisões como qual roupa vestir, se e qual casa comprar e se e quando casar, entre tantas outras. Diversos estudos investigaram a influência do uso de videogame nas funções executivas tanto em população de desenvolvimento típico, quanto em populações clínicas, especialmente indivíduos com TDAH (Tabela 3).

Evidências sugerem que JVG apresentam um melhor desempenho em tarefas de flexibilidade cognitiva (Boot et al, 2008). Colzato, van Leeuwen, van den Wildenberg e Hommel (2010) avaliaram adultos JVG em jogos de tiro em primeira pessoa, em testes de alternância de tarefas (Task switching). Os resultados sugerem que JVG tem um desempenho melhor que NJVG, o que pode ocorrer pelo treinamento que esse tipo de jogo prove, respostas rápidas, necessidade de alternar entre objetivos de jogo, capacidade de inibição de comportamento errôneos e rápido rastreio visual e auditivo.

Ainda no artigo de Colzato et al (2012), os autores sugerem evidências de que o uso de videogame aumenta a capacidade de informações processadas pela memória operacional (span da memória operacional). Os autores avaliaram a memória operacional, através de uma tarefa de n-back (tarefa que avalia a capacidade de monitoramento, atualização e manipulação de informações), em JVG familiarizados com jogos de ação em primeira pessoa e em NJVG. Eles observaram que os JVG apresentam uma capacidade de monitorar e atualizar a memória operacional melhor que os NJVG. Esses dados apontam para um possível impacto positivo do uso de videogame na capacidade de manipular estímulos e de remover itens irrelevantes da memória operacional.

Prins, Dovis, Ponsioen, Brink e van der Oord (2011) mostraram que treinos para memória operacional em formato de jogo são mais eficazes para crianças com TDAH do que treinos sem elementos de jogos. Participaram do estudo 51 crianças diagnosticadas com TDAH. Vinte e sete crianças (grupo experimental; GE) foram expostas a um treino de memória operacional em formato de jogo, enquanto as demais crianças (grupo controle; GC) passaram por um treino sem elementos de jogo. Pela comparação entre os resultados de pré e pós-treino, observou-se que crianças do GE apresentam um aumento significativo na capacidade de memória visual (memory span), medida pelo teste Cubos de Corsi. Não foram, todavia, encontradas diferenças no desempenho do GC. Além disso, os autores observaram que o treino em formato de jogo promove maior motivação e engajamento nos participantes.

O uso de videogames pode, ainda, promover melhoras em componentes específicos das funções executivas em idosos. Nouchi et al (2012) mostraram que o uso do jogo Brain Age® durante 15 minutos por dia, durante pelo menos cinco dias da semana, por quatro semanas, melhora significativamente o desempenho de idosos sem doenças neurológicas na capacidade de alternância cognitiva, medidas pelo Teste de Trilhas B e pela Bateria de Avaliação Frontal (FAB).

Staiano e colaboradores (2012) avaliaram os efeitos em curto prazo do treinamento por exergames (games que estimulam exercícios corporais) sobre funções executivas. Exergames diferem-se de videogames clássicos por exigirem que o jogador movimente seu corpo (através de tecnologias de detecção de movimento). Muitos desses exergames utilizam essa tecnologia para estimular os jogadores a se exercitarem, daí o nome exergame (exercícios + game). De tal modo, em seus estudos, além das funções executivas, Staiano et al (2012) avaliaram o possível impacto de cenários competitivos ou cooperativos dentro dos games sobre as funções executivas. Sua amostra era composta de adolescentes, sendo a maioria deles, acima do peso para sua idade. Os jovens foram avaliados através do sistema de avaliação executiva "Delis-Kaplan Executive Function System" (D-KEFS) que avalia alternância de tarefas, velocidade de busca visual, atenção, funções visuomotoras, sequenciamento temporal e flexibilidade mental. Os autores observaram que o desempenho dos jogadores no grupo de exergame competitivo foi significantemente maior que os jogadores no grupo de exergames cooperativos. A diferença entre os jogadores do grupo competitivo e cooperativo (ou não jogadores) pode ser explicada pelo fato de que o engajamento em atividade competitiva demandaria maiores níveis de funcionamento executivo do que a cooperação. Em jovens adultos, o córtex pré-frontal medial é ativado em situações competitivas, mas não nas cooperativas (Decety et. al, 2004).

As evidências de promoção das funções executivas em grupos clínicos levam à hipótese de que o videogame pode ser utilizado em contextos de reabilitação neuropsicológica. Todavia, mais estudos são necessários para melhor caracterização de quais funções executivas podem ser beneficiadas pelo uso de videogame e de como isto pode, efetivamente, ser utilizado no contexto clínico e generalizado para o cotidiano em atividades não-jogo.

 

Considerações Finais

Os resultados das pesquisas avaliadas demonstram que o videogame exerce uma influência sobre os usuários que vai além dos aspectos comportamentais, atuando diretamente no desenvolvimento de diversas funções cognitivas. Mais especificamente, os dados sugerem possíveis relações causais no treino de habilidades cognitivas como a atenção seletiva visual, atenção visuoespacial, atenção auditiva, processamento perceptivo visual e espacial, rotação mental, sensibilidade ao contraste, flexibilidade cognitiva, memória operacional e diminuição do tempo de processamento de informações.

Esse é um campo de pesquisa complexo, com uma literatura extensa demonstrando ganhos sistemáticos na cognição. Entretanto, a consistência encontrada em resultados de atenção visual (Tabela 1) e processamento perceptual (Tabela 2) ainda não é a mesma encontrada em pesquisas de habilidades complexas como as funções executivas (Tabela 3). Trabalhos avaliando como os videogames influenciam a capacidade de inibição de respostas preponderantes, postergação de recompensa, planejamento, entre outras tarefas, necessitam ser realizados.

A maioria das pesquisas descritas neste trabalho focou-se nos efeitos advindos do uso de videogames de ação (jogos de tiro em primeira pessoa principalmente). No geral, pode-se dizer que videogames de ação são eficientes quando se considera uma melhora no desempenho em processos atencionais e perceptuais (Boot, Kramer, Simons,Fabiani & Gratton, 2008; Dye & Bavelier, 2010; Dye, Green & Bavelier, 2009; Green & Bavelier, 2006). Além disso, alguns jogos feitos especialmente para treino cognitivo (Brain Age e Space Fortress) demonstraram ser viáveis para se treinar funções executivas do tipo frias (alternância, atualização, capacidade de memória operacional) (Nouchi et al., 2012; Prins, Dovis, Ponsioen, Brink & van der Oord, 2011).

A importância de se compreender o link causal da influência de games sob o ganho cognitivo tem seu fundamento no campo da reabilitação neuropsicológica, mais especificamente do treino cognitivo. Se for possível desenvolver jogos que treinem funções cognitivas específicas, ou pelo menos que se conheçam quais funções são treinadas por diferentes jogos, será também plausível elaborar treinos que apresentem vantagens sobre outras ferramentas de estimulação atualmente empregadas: (a) games são mais engajantes; (b) games apresentam sistema de recompensa mais efetivo; (c) são divertidos; (d) custam menos; e (e) podem ser praticados tanto nos ambientes terapêuticos quanto em casa.

Entretanto, diversas preocupações metodológicas precisam ser consideradas para que se possa compreender o real impacto do videogame sobre a cognição. Boot, Blakely e Simons (2011) argumentam que diversas diretrizes necessitam ser seguidas nesse tipo de estudo: (1) método mais claro de recrutamento de participantes (avaliando-se possível influência de efeito placebo no recrutamento); (2) dificuldade com testes e medidas de desfecho de especificidade (como avaliar que dada função realmente foi treinada pelo videogame); (3) avaliação de se os jogadores consideram as medidas de desfecho parecidas ou não com o jogo; (4) definição de delineamentos sensíveis, pois a maioria das pesquisas usa um método transversal, o qual não é sensível para encontrar problemas de direcionalidade (possíveis terceiras medidas influenciando o resultado); e, por fim, talvez o mais importante, (5) definição de métodos de mesnuração da generalização dos ganhos do treino cognitivo para atividades de vida real (como desenvolver ferramentas sensíveis para perceber mudanças ecológicas).

 

Referências

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Endereço para correspondência
Thiago Strahler Rivero
Departamento de Psicobiologia, Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, Brasil
R. Napoleão de Barros, 925
CEP 04024-002 - São Paulo, SP, Brazil
Tel/FAX: 55 11 2149-0155
E-mail: thiagorivero@gmail.com

Artigo recebido: 28/06/2012
Artigo revisado: 17/07/2012
Artigo aceito: 31/08/2012

 

 

Agradecimentos: Agradecemos o apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa (AFIP).

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