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Jornal de Psicanálise

versão impressa ISSN 0103-5835

J. psicanal. vol.50 no.92 São Paulo jun. 2017

 

TEMAS LIVRES

 

Se uma árvore cai numa floresta, e não houver ninguém por perto, ela faz barulho? - Uma antiga questão1

 

If a tree falls in the forest, and there is no one around to hear, does it make a sound? - An old question

 

Si un árbol cae en un bosque y no hay nadie cerca ¿hace ruido? - Una antigua cuestión

 

Si un arbre tombe dans une forêt et il n'y a personne aux environs, fait-il du bruit? - Une vieille question

 

 

Julio Frochtengarten

Membro efetivo e analista didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo, SBPSP, São Paulo. juliofro@uol.com.br

 

 


RESUMO

O autor discute a evolução que, na sua visão, a relação entre o sujeito que conhece e o objeto do conhecimento foi sofrendo dentro da história da psicanálise. Privilegia nesta discussão os vértices teórico e clínico.

Palavras-chave: sujeito cognoscente, objeto do conhecimento


ABSTRACT

The author writes about his view on the evolution of the relationship between the subject, who knows, and the object of knowledge throughout the history of psychoanalysis. The author gives priority to the theoretical and practical vertexes in his discussion.

Keywords: cognizant subject, object of knowledge


RESUMEN

El autor discute la evolución que, desde su punto de vista, fue sufriendo la relación entre el sujeto que conoce y el objeto de conocimiento dentro de la historia del psicoanálisis. En este trabajo, privilegia los vértices teórico y clínico.

Palabras clave: sujeto cognoscente, objeto de conocimiento


RÉSUMÉ

L'auteur débat l'évolution qui, à son avis, a subit le rapport entre le sujet qui connait et l'objet de la connaissance, au cours de l'histoire de la psychanalyse. Il privilégie dans cette discussion les côtés théorique et clinique.

Mots-clés: sujet cognitif, objet des connaissances


 

 

O paciente me aguarda, e, ao recebê-lo, tenho em mente a ausência da véspera, anunciada na antevéspera, dia em que ele e sua família se mudariam para a grande casa cuja construção eu acompanhara nas sessões do último ano. Se, por um lado, nada nele me fez perceber alegria, por outro, também não percebi cansaço. Parece ter o semblante "de sempre". Quando se deita conta, confirmando o que eu já sabia, que haviam mudado; e ele expressa, em palavras, a satisfação e alegria com a casa nova - tudo ficara perfeito. Nesse momento, enquanto ele comenta a escolha acertada de alguns detalhes, lembro-me do quanto ele havia sido caprichoso e dedicado durante a construção, e o quanto isso o deixava feliz. O problema era "apenas" a esposa, que, segundo ele, com seu humor deprimido se ligava, irritadamente, a um ou outro aspecto da casa que ele considerava bobagens facilmente sanáveis. Isso o deixa infeliz. O analista vive compaixão pelo seu sofrimento; intimamente, lamenta sua impossibilidade de compartilhar com a esposa sua alegria. Comenta, por fim, sobre a dificuldade de ele ter um estado de ânimo próprio, mais "descolado" do dela.

Com quem ele está se relacionando ao encontrar o analista? Uma resposta seria que toma o analista como um objeto interno que recebe dele a atribuição de inocentá-lo, isentando-o de qualquer culpa. Outra resposta possível é que o analista e ele sejam, na sua visão, uma só pessoa, como unha e carne. Outra ainda, quase oposta a essas primeiras, é que ele faz uma boa discriminação e percebe, na experiência emocional das sessões, que o analista compreende seu sofrimento e, talvez, ainda torça por ele. Muitas outras possibilidades existem, mas a experiência emocional do analista na sessão fará com que alguma - ou algumas - sejam mais prováveis.

Banhados pela experiência emocional, objetos internos e externos se mesclam de tal forma, que não se pode separá-los. Assim como o mundo interno não é cópia do externo, também o mundo externo não se constitui somente em função do mundo interno. De modo correspondente, no fragmento clínico narrado, o analista que o analisando encontra não é somente uma atualização de objetos do passado internalizados; também não o é tão somente alguém que foi sendo percebido nas experiências anteriores e que, agora, é captado tal como ele é em si mesmo, em suas características reais, pelo analisando.

Fiel à minha formação, discutirei a relação do sujeito e objeto do conhecimento pelo seu vértice clínico e teórico. O tema me é relevante também na medida em que se estende para a questão da observação em psicanálise. Minha compreensão da psicanálise vem sofrendo constantes mutações: visões que deixaram de fazer sentido foram sendo substituídas por outras, com a esperança de encontrar conceitos que me amparem nesta tentativa de compreender a mente humana pelo vértice psicanalítico. Possivelmente esta busca permanente se dá em muitos de nós.

A relação entre sujeito e objeto é uma dessas áreas que minha inquietação percorre. Questão atual e com implicações no cotidiano do psicanalista, ela aparece com sua faceta contraditória desde o início da obra de Freud, na qual podemos acompanhar mudanças de postura no que tange à natureza da observação da realidade psíquica. Em 1910, na abertura do 2º Congresso Internacional, em Nuremberg (Freud, 1910/1970), ele recomendou a autoanálise para que o analista estivesse em condições de examinar a mente do outro sem ser influenciado em seus sentimentos. Mas como o próprio Freud havia afirmado em 1897, numa carta a Fliess, "a verdadeira autoanálise é impossível" (Freud, 1897/1977). Sabemos que alguns anos mais tarde, em 1920, por indicação de Ferenczi, institui-se a análise didática, como recurso mais eficiente do que a autoanálise. Vejo nesses movimentos uma tentativa de enfrentar nossa precariedade na aproximação da condição mental do outro dentro do modelo científico da época.

Precariedade essa que introduziu o estudo da mútua influência entre as duas pessoas que se reúnem numa sala de análise e que foi, aos poucos, pondo por terra o psicanalista neutro, "psicanalista cirurgião", "psicanalista espelho" - o sujeito que conhece separado do seu objeto de conhecimento. Perder esta condição significa perda de onipotência e onisciência, a qual, vejo em minha prática e na de outros, desperta enormes resistências. Para evitar essa dor, nesses momentos o analista faz de si um conhecedor de seus sentimentos e, como se tudo de si pudesse lhe ser acessível, examina o outro. Estou de acordo em que na formação do analista são essenciais longas e profundas análises conduzidas por outro; e ainda assim ele continuará limitado no seu acesso consciente ao analisando.

Como declarou Eva Rosenfeld, uma das psicanalistas analisadas por Freud, em depoimento a Paul Roazen: "Freud estava no cais e 'pescava' o relacionamento com a mãe, mas permanecendo no cais, ao passo que nós estamos 'no mar' com nossos pacientes" (Roazen, 1995, p. 216).

Paula Heimann, no 16º Congresso Psicanalítico Internacional, realizado em Zurique (Heimann, 1949/1961-1962), expôs claramente que o analista responde sempre, e necessariamente, influenciado por seu próprio mundo interno (inconsciente) e pelo mundo interno (inconsciente) do analisando com quem está em contato. Ela aponta a dificuldade do analista de diferenciar em seus sentimentos aqueles que se referem ao analisando daqueles despertados pelos substitutos parentais.

O ideal do analista neutro, espelho que reflete o inconsciente do outro - proposto e, sucessivamente, questionado até mesmo pelo próprio Freud -, estava se tornando cada vez mais inalcançável. Progressiva e paralelamente, ia se fazendo necessária uma teoria objetiva da subjetividade. Assim, Heimann formula a proposta técnica de que os analistas reconheçam seus sentimentos e os subordinem à tarefa analítica, servindo-se deles como ferramenta no trabalho de interpretação, sem descarregá-los ou atuá-los - o uso da contratransferência como ferramenta de trabalho do analista. Está implícita em sua proposta a presença de uma capacidade de delimitação delicada na função analítica de cada um de nós: julgar o que de nossos sentimentos refere-se a nosso inconsciente e o que é uma resposta à presença do outro, ainda que também inconsciente. Tarefa de tal monta, que levou Hanna Segal a fazer o alerta de que a contratransferência é "o melhor dos empregados, mas o pior dos patrões" (Segal, 1977). Apesar destes alertas, os analistas insistiam em se ver como quem tem a possibilidade de fazer um exame, um autoexame, e escrutinar seus sentimentos.

Pessoalmente não me vejo como alguém capaz de levar a cabo tal tarefa. Mas não hesito em converter esta confissão em uma formulação assertiva: o analista, para seguir essa proposta, está inquestionavelmente mais desamparado para a tarefa que os analisandos; estes contam com nosso trabalho para examinar seus sentimentos, procurando discriminar consciente e inconsciente, repetição compulsiva e experiência nova. O analista só pode contar consigo mesmo para julgar quais aspectos inconscientes seus estão presentes. Como se vê, a atenção foi-se voltando cada vez mais para a mente do analista: qual seu instrumento de trabalho ao propor suas interpretações? Como julgar? Qual instrumento utilizar? A análise do analista e também a supervisão, dentro de suas insuficiências, pretendem ajudá-lo em seu desamparo; mas, no momento da sessão, terá que decidir contando apenas consigo próprio.

Nós - porque somos objeto de idealização ou denegrimento, porque estamos voltados para o analisando, porque somos afetados por ele, porque somos influenciados por nosso mundo íntimo - estamos bastante restringidos no exame de nossos próprios sentimentos para observar e interpretar com neutralidade. O que limita nossas possibilidades de captação de projeções e representações do outro. Não podendo ser, portanto, observadores neutros dos fatos da experiência, nossa condição é a de alguém que se serve de capacidade intuitiva orientada por algumas teorias estabelecidas e por nós adotadas. Exemplar é o que ocorre com a teoria edípica: todo analista deve ter sua visão desta teoria, adquirida em sua própria análise, sua própria experiência clínica, suas leituras; esta sua transformação da teoria edípica, integrando suas pré-concepções, terá depois de ser aproximada e justaposta ao que está acontecendo na experiência da sessão, seus fatos.

Na ciência clássica, a subjetividade aparece como contingência, fonte de erros, ruído que é absolutamente necessário eliminar (o noise da linguagem da informática). Ela não concebe o observador incluído nos resultados da observação; também não considera o pensador, quem constrói conceitos, incluído nas concepções, como se este fosse praticamente inexistente ou se encontrasse na sede da verdade suprema e absoluta. A ausência de neutralidade, a presença do sujeito, do analista - observador participante -, não significa incapacidade ou falta de instrumentos, como quer o argumento determinista; significa outra forma de observação.

O ser humano não pode ser como um voyeur que vê, disfarçadamente, a natureza intocada, como ela seria se nós não a estivéssemos vendo. Ele é como um cego, que só pode apalpar a natureza nua. E, portanto, ele já não a vê sem que ela saiba que ele a está vendo. A natureza é desse jeito porque nós a vemos. Nós vemos a nossa interação com a natureza. (Menezes, s.d.)

Outra formulação que me é muito cara, e que expressa essa mesma ideia, é a do físico Heisenberg: "... temos que nos lembrar de que aquilo que observamos não é a natureza em si, mas sim a natureza exposta ao nosso método de investigação" (Heisenberg, 1958/1990).

Mas, se o foco do analista não está na estruturação do mundo interno a partir de suas raízes, as figuras parentais das primeiras relações; se não se dirige às configurações desse mundo interno, discriminado do mundo externo, e formado no interjogo de projeções e introjeções, constituindo-se nos objetos internos; se não se dirige às relações do sujeito com estes objetos internos, de que ele se ocupa?

Compreendo, como me parece se dar com muitos de nós hoje, que na sala de análise procuro disciplinar-me para viver a experiência emocional que é presente naquele momento. Compreendo ainda que as observações e formulações, surgidas ali e naquele momento, decorrem de transformações que se dão na mente de cada um do par e banhadas por emoções. Sob este vértice, nenhuma formulação pretende equivaler à essência da experiência. Uma vez aceita esta ideia, considero que, na sala de análise, ambos estarão fazendo aproximações, maiores ou menores, dos eventos daquele encontro; e que a própria busca desta realidade, pela intuição, produz crescimento e, muitas vezes, significativas descobertas.

Assim, as questões teórica e clínica encaminham-se da discriminação do outro para a experiência emocional do par; e desta para o exame das possibilidades e impossibilidades de aprender-se com ela. A psicanálise procurou mostrar-nos como compreender melhor o outro, mas também nos indicou a vastidão dos problemas que encontramos para esta possibilidade realizar-se. Com isso, o campo psicanalítico expande-se: relação analítica deixa de ser sinônimo de transferência; e deixa de ser tão somente o meio para conhecer-se o funcionamento mental do outro. Relação analítica passa a ser tomada como um todo maior do que as ideias de transferência abarcam: é o campo amplo em que o analisando pode sentir, pensar e ser; e esta se dará numa configuração repetitiva (transferência), num viver pelo fenômeno que Klein denominou "identificação projetiva", numa dimensão alucinatória. Relação analítica é o campo em que o analista vive com o analisando na sessão; ou em que procura conhecer; ou, por comunhão, favorece que o analisando torne-se ele mesmo. Sob essa ampliação conceitual, a prática psicanalítica vai expandindo o próprio universo que investiga, o que demanda do analista aceitar os limites do conhecimento - tanto sobre nós como sobre o outro - e abrir mão de interpretações decodificadoras. Essa condição somente podemos manter dentro dos limites em que suportarmos a perda de onipotência e onisciência; ultrapassado este limite, o analista estará fora da área de pensamento e passa a mover-se como se seu inconsciente e emoções estivessem apartadas do que observa na relação com o outro.

Transformações (Bion, 1965), a teoria de observação formulada por Bion, organizou para mim o que já vinha experimentando e, dessa forma, constitui um marco em minha trajetória. Não se compõe de um sistema de hipóteses que fui confirmando em minha prática: ao contrário, tornou-se parte de mim e do analista que sou por dar coerência a percepções, sentimentos e ideias dispersos que vinha tendo ao longo de muitos anos de trabalho analítico. É uma teoria que acarreta uma mudança de foco: do olhar sobre o analisando para um olhar sobre a mente do próprio analista em sua relação com o analisando; para o uso que o analista faz de suas próprias teorias no decorrer do processo.

Uma das consequências de ir assimilando a Teoria das Transformações é que fui sendo desafiado - e também encorajado - a levar-me mais em conta na experiência emocional que vivo nas sessões; a não cultivar tanto em mim os conhecimentos provindos das teorias psicanalíticas; a não as usar como se fossem revelações sobre o material clínico dos analisandos. Assim, meu interesse foi-se deslocando da observação e interpretação da vida instintual e das relações com objetos internos para as sensações e emoções - processos diretamente apreendidos na relação analítica. Como analista, espero ser capaz de rêverie que me permita acolher e enfrentar o que experimento na relação com o outro, pensando e expressando o que sou capaz, intervindo, interferindo, usando descrições, propondo modelos e associações sem função explicativa, e sim que estimulem notação, atenção, indagação e pensamento na dupla.

Penso que o conceito de Transformações une pensamento e emoção de uma forma que eu não havia encontrado antes, nem mesmo nas obras anteriores de Bion: emoção não é somente o que vincula analista e analisando, mas está amalgamada com pensamento de forma indissociável. Por fim, a Teoria das Transformações acabou-se constituindo nessa concepção ampla sobre a mente humana; e, desta, nunca se alcança uma plena sensação de confiança.

Adotada a visão que Transformações propicia, o analista deixa de ser na sessão alguém que sabe para ser alguém que acompanha o que se passa. O menor peso que, então, passa a ter a aplicação das teorias leva-o a viver a incerteza do observado e a percepção de sua própria interferência naquilo que observa, tendo de respeitar o que ele mesmo é - até mesmo a presença, em si, da dimensão alucinatória.

Transformações, em seu cerne, propõe a experiência emocional em si mesma como incognoscível, somente podendo ser conhecidos seus desdobramentos através de processos que podem ser descritos como transformações em movimento rígido, projetivas, em alucinose, em conhecimento, em "tornar-se". Transferência é uma teoria de extremo valor para organizar o que se apresenta na prática clínica, mas, nunca é demais lembrar, tão somente uma teoria. Uma vez que a psicanálise não é uma condição estática, ela não pode ser contida por nenhuma teoria; continua a desenvolver-se. Assim, pode ser útil considerar a transferência como uma das modalidades de Transformações.

Em minha maneira de ver, só se pode perceber o mundo interno à medida que ele se manifesta no mundo exterior, ganhando expressão e forma. No trabalho clínico, não procuro ferreamente discriminar mundo interno e mundo externo, eu e o outro, mas sim lidar com as emoções que vão surgindo entre nós, tomando eu-outro como um conjunto emocionalmente indissociável, um universo infinito do qual sei que estou fazendo um recorte singular, pessoal e do momento. Se falo sobre o outro, qualidades deste outro, procuro manter presente que esta é uma transformação minha. Algumas delas, ao longo do tempo, mostram certa invariância entre si; percebo que então tendo a pensar, como probabilidade e possibilidade, que aquilo é "do outro"; e assim o apresento. Este momento passo a considerar, então, o início de um novo ciclo de transformações.

Assumir a Teoria das Transformações implica abrir mão de procurar encontrar, para cada elemento consciente, seu correspondente inconsciente. Com isso, o par consciente-inconsciente mostra-se mais adequadamente substituído pelo par finito-infinito. Infinito refere-se ao universo não simbólico e inacessível, já finito refere-se aos pensamentos que tomam forma por meio das palavras. Assim, do infinito mundo mental desconhecido emergem formulações finitas. Cabe ao analista na sessão aproximar, no que lhe for possível, este universo infinito e não simbólico daquele outro, finito e simbólico; ou, então, favorecer que este seja imaginativamente construído. Ele o faz mediante pontuações, formulando conjecturas e metáforas cuja potência para catalisar a expansão mental dependerá também das possibilidades e disposições do outro.

Os analisandos, ao falarem de si, não estão somente relatando episódios de suas vidas, ou contando como eles são; estão despertando emoções em nós que os ouvimos; também estão nos contando como veem a si mesmos e os acontecimentos de suas vidas, sempre transformados pelo viés que estão empregando. O analista, dotado de rêverie e tomando a psicanálise dentro do modelo de Transformações, orienta-se por promover contato com as emoções vividas e das quais o analisando não tem notícia; pois é deste contato que pode surgir o aprender com a experiência emocional. O analista não é o sujeito do conhecimento, pois a relação analítica transcende a dicotomia sujeito-objeto; não é como um Édipo arrogante que, a despeito das advertências de sua mãe Jocasta e do sábio Tirésias, busca a verdade a qualquer preço.

Vejo no analisando que encontro em minha atividade cotidiana uma pessoa multifacetada e fragmentada, que constrói, em sua relação comigo e com outros, singularidades que dependem de momentos particulares; relações que dependem também da minha pessoa e do que mobilizamos reciprocamente um no outro. Assim, podem estar presentes dimensões mentais que atribuo ao passado, ao presente e ao futuro; a aspectos narcísicos e sociais; à loucura e à sanidade; dimensões corporais imbricadas com dimensões mentais. Tenho para mim que é com base nessa imensidão que faço transformações através de descrições limitadas e parciais. Minhas teorias são para aquele momento, e não o analisando "em si".

Configurações já consagradas em psicanálise como perseguição e depressão dão lugar a estados mistos descritos como "perseguido pela depressão" e "deprimido pela perseguição"; as posições esquizoparanoide e depressiva ganham a dupla flecha (<->) entre elas, a sinalizar essa possibilidade de oscilação; as noções de progresso e integração dão lugar ao contato com a mente primitiva. As mudanças de paradigmas estendem-se ainda para a presença da combinação entre pensar e alucinar, das diversas dimensões da mente, o abandono de juízos polarizados e valorativos, a liberdade de quem acolhe igualmente o que lhe vem à mente.

A interpretação clássica é descritiva-explicativa, já a transformação do analista como aqui a estou caracterizando é expressiva-reflexiva, visando um novo ângulo de aproximação da experiência. Há, então, na análise um crescimento que se dá por ações do analista que diferem das interpretações de sentidos subjacentes, de revelações de memórias esquecidas e marcas registradas na infância. Favorecê-lo é uma direção que o analista pode seguir, como um norte; mas não se apresenta como mapa que permite saber por onde está exatamente caminhando.

 

Referências

Bion, W. R. (1965). Transformações. Mudança do aprendizado para o crescimento. Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

Freud, S. (1970). As perspectivas futuras da terapêutica psicanalítica. In S. Freud, Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (Vol. 11, pp. 125-136). Rio de Janeiro: Imago. (Trabalho original publicado em 1910)        [ Links ]

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Heisenberg, W. (1990). Physics and Philosophy: The Revolution in Modern Science. London: Penguin. (Trabalho original publicado em 1958)        [ Links ]

Menezes, L. C. (s.d.). Diálogos impertinentes: o acaso- Luiz Carlos de Menezes e Haroldo de Campos [programa de televisão]. São Paulo: TV PUC.         [ Links ]

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Segal, H. (1977). Contratransferência. In H. Segal, A obra de Hanna Segal (pp. 117-125). Rio de Janeiro: Imago.         [ Links ]

 

 

Recebido em: 18/3/2017
Aceito em: 18/3/2017

 

 

1 Trabalho apresentado no Evento de Abertura dos Trabalhos da Diretoria Científica da SBPSP em 11/03/2017, dentro do tema "O mesmo, o outro".

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