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Revista Brasileira de Psicodrama
versão On-line ISSN 2318-0498
Rev. bras. psicodrama vol.26 no.2 São Paulo jul./dez. 2018
https://doi.org/10.15329/2318-0498.20180028
ARTIGOS INÉDITOS
Do encontro consigo ao encontro com seu paciente:o psicodrama na formação médica
From the appointment with oneself to the meeting with your patient: psychodrama in medical training
Del encuentro con uno mismo al encuentro con su paciente: el psicodrama en la formación médica
Maria Dulce Santiago de Carvalho
Psicóloga pela Universidade Federal de São João del Rei/UFSJ. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de São João del Rei/UFSJ. Psicodramatista pelo IMPSI (Instituto Mineiro de Psicodrama Jacob Levy Moreno). Docente no curso de Medicina do Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves (UNIPTAN). E-mail: mdulcesantiago@hotmail.com
RESUMO
O presente artigo relata a utilização da metodologia psicodramática no curso de Medicina, consolidando os conhecimentos teóricos e desenvolvendo habilidades e competências, alicerçadas no Encontro e na relação de Cuidado do futuro médico com o paciente. Os resultados demonstram que o Psicodrama na formação médica proporciona o desenvolvimento das habilidades comunicacionais e das atitudes mais humanizadas, no qual o maior reconhecimento está orientado à representação do inverter espontaneamente de papel com o paciente.
Palavras-chave: psicodrama, role playing, relação paciente-médico, educação médica, identidade profissional
ABSTRACT
This article aims at describing the use of psychodramatic methodologies in Medicine course, consolidating theoretical knowledge and developing abilities and competences, based on the Appointment and the Caring relationship between the future doctor and patients. The results demonstrate that psychodrama in medical training promotes the development of communication skills and more humanised attitudes, in which a better recognition stems from a more spontaneous role taken by the doctor in relation to the patient.
Keywords: psychodrama, role playing, patient-doctor relation, medical education, professional identity
RESUMEN
El presente artículo relata la utilización de la metodología psicodramática en el curso de Medicina, consolidando los conocimientos teóricos y desarrollando habilidades y competencias, basadas en el Encuentro y en la relación del cuidado del futuro médico con el paciente. Los resultados demuestran que el Psicodrama en la Formación Médica proporciona el desarrollo de las habilidades comunicacionales y de las actitudes más humanizadas, en el cual el mayor reconocimiento está orientado a la representación del invertir espontáneamente de papel con el paciente.
Palabras clave: psicodrama, rol de tocar, relación paciente-médico, educación médica, identidad profesional
INTRODUÇÃO
A clássica formação da classe médica tende a engessar padrões de acolhimento ao paciente e a mecanizar atitudes conduzindo à estagnação da relação médico-paciente. O presente trabalho apresenta os contextos psicodramáticos desenvolvidos com alunos do curso de Medicina do Centro Universitário Presidente Tancredo de Almeida Neves (UNIPTAN), desvelando a relação do Encontro entre médico e seu paciente. A perspectiva do Psicodrama como método ativo de ensino envolve estratégias na formação médica assentadas na expansão da espontaneidade e da criatividade, rompendo com a perpetuação de conservas culturais, que, como impregnações, comumente se instalam no meio médico.
A disciplina Habilidades e Atitudes Médicas aponta para a necessidade de se potencializar as relações humanas dentro do fazer medicina, instigando a valorização dos aspectos humanistas de atenção à saúde. No âmbito do conteúdo programático, encontram-se temas pertinentes à construção do papel profissional do médico, como: o autoconhecimento, as inter-relações, o Cuidar, o desenvolvimento das habilidades de comunicação, o perfil de entrevistador, as técnicas e o manejo da entrevista, a saúde mental do médico e do estudante de Medicina e a abertura para o surgimento de outros temas emergentes. O fio condutor metodológico de ensino-aprendizagem está representado pelo psicodrama com todas as suas potencialidades de atuação, viabilizando o desempenho do papel de médico e seu complementar designativo de paciente, a fixação de conteúdos e a estruturação da imprescindibilidade de uma relação de Cuidado. Visto o foco dessa área de formação, o desafio é oferecer subsídios espontâneo-criativos, que preparem o aluno para o mais adequado desempenho de seu papel de médico na inter-relação com o paciente.
Em vista a essas proposições, compreende-se que ser médico exige correlacionar competências, as quais devem ser aprofundadas e incorporadas à prática profissional. Isso implica desenvolver a escuta qualificada e a sensibilidade ao sofrimento do outro. Acessar esse campo de possibilidades requer convocar o aluno à experiência vivencial de se colocar no lugar do outro e de possibilitar maior reflexão e postura crítica sobre o desenvolvimento do papel de médico, além da perspectiva de se recriar como profissional. Assim, aos estudantes de Medicina é disponibilizado um espaço para vivências focalizadas no contato grupal, favorecendo a melhoria dos vínculos nas relações interpessoais e facilitando uma visão mais ampliada e representativa do médico internalizado em cada um.
O encontro e a relação de cuidado
O indivíduo é um ser de relações, o que espelha nas palavras de Heidegger (2005) um ser-com-o-outro. Na visão de Buber (2001, p. 60), "o homem se torna Eu na relação com o Tu", simbolizando que a totalidade do ser do outro está presente, o que desencadeia uma relação verdadeira, na qual tudo ocorre por meio do Encontro.
Em termos da relação entre médico e paciente, cria-se um genuíno interesse pela existência do outro, sedimentado pelo Encontro e permeado pelo Cuidado, diferenciado do cuidado em saúde e direcionando para o sentido existencial da experiência do adoecimento e da promoção da saúde (Ayres, 2004), que, nas práticas de saúde, deve romper com a tecnociência em que se dissociam técnica e relação interpessoal. É a partir do Encontro que uma relação de Cuidado acontece, sendo a via por onde os manejos médicos apreendidos são aplicados, estreitamente vinculados ao acolhimento, às técnicas e às modalidades de entrevista, ao enfrentamento do leque de situações diversas e aos erros a evitar.
Corroborado pela essência do sentido de Encontro,1 Moreno (1975) assenta os pilares da metodologia psicodramática e cria os conceitos de tele, da teoria de papéis e da matriz de identidade; situa o Encontro como fenômeno télico em que o ser-no-mundo se manifesta por seu grau de espontaneidade e de comunicação verdadeira. Sucede o mesmo na relação dialógica de Buber (2001), que tem como processo fundamental a reciprocidade entre o Eu e o Tu. O autor enfatiza que a vida é encontro e cria o significado de uma pessoa se colocar no lugar da outra, instaurando dois modos de existência: Eu-Tu e Eu-Isso, respectivamente, ofertando as experiências emergidas a partir da relação e do relacionamento. O Eu-Tu se configura e é demarcado pelo impacto da presença do outro, sustentando a mutualidade da relação médico-paciente. Segundo Kaufman (1992), a questão do Encontro deve ser temática e abordada desde a formação do médico; ressalta que, na relação com o paciente, o bom atendimento é uma consequência de o médico se conhecer melhor, para que possa ver seu paciente como ele realmente é, em sua totalidade, remetendo, de certa forma, à relação télica de Moreno e à reciprocidade de Buber.
Especificamente no campo da construção do papel médico, focalizando a relação com a pessoa do paciente, o diálogo constitui uma atitude existencial do face a face. Como nas palavras de Buber (2001, p. 26), "a própria condição de existência como ser-no-mundo é a palavra como diálogo". Diante desse panorama relacional, Souza e Drummond (2018, p. 14) esclarecem que "Moreno parte de uma concepção fenomenológica de homem e de mundo e entende que um só existe em relação a outro e com sua percepção do outro". Em consonância com a perspectiva fenomenológico-existencial de Martin Heidegger (2005), considera-se o serno-mundo (DASEIN), que implica compreender a existência do sujeito em sua complexidade. Nesse contexto, o aluno em formação - futuro médico - é levado a resgatar a totalidade existencial do paciente, compreendendo-o em seu modo de ser-no-mundo contextualizado, que tem sua história de vida, seu presente e seu passado, que o tornam quem ele é.
Sob a ótica do universo médico, Heidegger (2005) designa como Cuidado o próprio ser do ser humano e convoca a compreender o ser-no-mundo de cada um dos médicos, que se encontra envolvido com o ser que está doente, com aquele ser que sofre e que tem uma forma peculiar de ser no mundo ao viver sua doença. O médico torna-se um ser-com (o outro), estabelecendo uma relação de Cuidado, o que, de alguma forma, afeta sempre sua existência.
O psicodrama como método ativo de ensino
Na atualidade, independentemente das mudanças estratégicas e metodológicas, a escola tradicional não consegue atingir graus favoráveis de motivação e mobilização dos alunos em relação à aprendizagem. Nessas circunstâncias, os métodos ativos de ensino dão conta de uma gama de fatores inerentes à efetiva e afetiva espontaneidade criadora de conhecimento em vista às diferenças e às diversidades que apresentam o aluno.
Incorporada por diferentes designações, a metodologia psicodramática é altamente inovadora como prática educacional. Nessas condições, Moreno (1975, p. 197), incomodado com os métodos tradicionais de ensino, indica revolucionárias concepções de aprendizagem em que a escola rompe com a mecanicidade e o automatismo de ensino, tendo a orientação psicodramática como estratégia no traçado de diretrizes de acordo com os princípios da espontaneidade e da criatividade.
Na perspectiva de Romaña (1987, 2004), o Psicodrama Pedagógico se estabelece como metodologia de ação para o aprender e pela aquisição do conhecimento. Essa modalidade de aprendizagem vinculada ao psicodrama visa elaborar os conceitos pautados nas experiências significativas que integram o ensino-aprendizagem, ou seja, o aluno em formação e o professor em transformação. Na composição do Método Educacional Psicodramático, reestruturam e são estruturados ambos os papéis - de educando e educador.
Ao encontro do ensino que reflete positivamente na formação de adequadas atitudes de aprendizagem que orientam a profissão médica, a sensibilidade do aluno e do professor precisa ser aprimorada. No âmbito desse ideal, Nery e Souza (2012, pp. 216-217) salientam que, por meio da metodologia psicodramática de ensino, "as interações em sala de aula se intensificam, pois se desenvolvem a participação, a afetividade e a distribuição do poder no processo de ensino-aprendizagem". Ferracini e Ruiz-Moreno (2017) reforçam a ideia de que tão importante quanto o conteúdo é a relação docente-aluno, e que ambos são sujeitos do processo educativo. Nessa ótica, o professor é um facilitador do processo no qual o aluno se assume, portanto, protagonista na construção de seu conhecimento e torna-se sujeito ativo em seu processo de aprendizagem. Dewey (1933, p. 35) ressalta que "o professor é um guia e também diretor: ele dá rumo ao barco, mas a energia que o impulsiona deve provir daqueles que estão aprendendo".
As metodologias ativas de ensino, fabulosamente instigantes pelo poder de transmissão e renovação do conhecimento, em um processo constante de construção, quebram conservas culturais. O aluno faz um movimento de romper com um papel cristalizado de receptor passivo de conhecimentos para o de coautor dos resultados (Kaufman, 1992). Nessa mesma abordagem, Liberali e Grosseman (2015) ressaltam que o conhecimento é construído pela ação; em termos psicodramáticos, seria reforçada a tese por meio da qual a dramatiza-ação oferece possibilidades de o aluno transcender a visão sobre si e sua realidade. Romaña (1987, 1996) reforça que o aluno aprende em relação a situações e conceitos, incorpora um conhecimento e amplia suas experiências.
À luz dessas considerações, percebe-se que os métodos ativos descortinam possibilidades inovadoras, permitindo que o aluno participe ativamente na elaboração do processo de aquisição do conhecimento, criando seu próprio caminho rumo ao saber; para tanto, é disponibilizado ao aluno o treino de sua espontaneidade. Nesse intuito, Moreno (1975, p. 183) declara:
não é acidental que, se quisermos fazer jus ao trabalho de espontaneidade, tenhamos de retroceder às primeiras fases da infância e cuidar de que as velhas técnicas educacionais, que levam automaticamente ao instruído mas não inspirado aluno de hoje, sejam substituídas por técnicas de espontaneidade.
Nessas palavras, Moreno (1975, p. 191) reforça: "tem sido negligenciada a educação pela ação e para a ação" e sugere que, por meio de jogos, é estimulada a autenticidade e desenvolvidas as habilidades para conhecer a coisa em si, instigando o aprendizado de forma dinâmica por meio do qual o aluno se aquece para explorar os conteúdos a serem reconhecidos como parte de seus mundos interno e externo.
Nesse percurso, Romaña (1987) enfatiza a utilização da tríade grupo/jogo/teatro, que sustenta a elaboração de conceitos, alcançando maior expressão e melhor estruturação do papel profissional, despertando para o novo. No cenário das aprendizagens pautadas em inovadoras composições e conexões entre aluno e professor desprendidas das amarras de um lugar do professor detentor da informação e os alunos na posição de expectadores, Noseda et al. (2005)2 preconiza utilizar cenas, jogos dramáticos, teatro espontâneo, jornal vivo, sociodramas e técnicas de role-playings, que concedem sentido de ressignificar emocionalmente o aprendizado e integram os saberes à vivência que surgem dessa relação. Partindo de estratégias que visam promover a espontaneidade/criatividade, essas ferramentas psicodramáticas são envoltas pelo caráter lúdico, que promovem a imaginação e favorecem o desdobramento criativo dos estudantes de ousar e fazer o novo. Nesse campo, Datner (1995, p. 86) explica que "o jogo dramático tem como núcleo vivenciar o jogo assumindo personagens em permanente caráter lúdico". Fortalecido por essas ideias, diante de circunstâncias imaginárias semelhantes a situações reais, o estudante vivencia o papel profissional em um ambiente relaxado de aprendizado, sendo estimulado a experimentar, treinar, adotar e assimilar novas atitudes e outros olhares sobre as situações que enfrentará no cotidiano médico. Yozo (1996) e Souza e Drummond (2018) reforçam a ideia de que os protagonistas vislumbram uma nova visão do fato e acessam outras possibilidades de conduta, favorecendo ações diferenciadas, sendo possível descortinar um futuro e desmistificar medos e fantasias.
Como análise crítico-reflexiva, Kaufman (1992) destaca que o fato de poder jogar conduz o aluno médico ao como se, permitindo a entrada em um campo mais relaxado, estimulando a espontaneidade, um maior envolvimento com o conteúdo e, consequentemente, uma melhor apreensão da situação vivenciada. Aponta, ainda, que as escolas médicas não ensinam o aluno a ser espontâneo e criativo diante do paciente, e que o professor, muitas vezes, já desaprendeu a ser criativo e por ter medo da mudança e do diferente acaba por utilizar métodos não voltados para a motivação e o prazer de seus alunos.
A metodologia psicodramática voltada ao ensino na formação médica tem início com o aquecimento dos alunos em direção ao saber que será desenvolvido, apresentando o assunto e inserindo os alunos nas atividades, fomentando discussões e reflexões e terminando com o compartilhar das experiências e com o processamento, pela transposição do que foi vivenciado para sua prática. O psicodrama trabalha numa atmosfera lúdica e protegida, num campo relaxado, que favorece o aparecimento de uma atuação espontânea e criativa. O intenso ineditismo deste trabalho ocorre na fase da dramatização, na qual os alunos são convidados a vivenciarem tanto o papel profissional quanto o de paciente. Como resultado, evidencia-se o aprofundamento dos conceitos teóricos e o estabelecimento de relações mais participativas, sendo protagonistas no processo de construção de seu aprendizado. Assim, percebe-se que está se cumprindo com os ditames que Colares e Andrade (2009, p. 102) enunciam: "o ensino médico atualmente revê seus espaços institucionais, criando contextos apropriados de reflexão e construção crítica para o aprendizado do papel profissional".
Em busca de oferecer uma nova realidade educacional aos futuros médicos, o psicodrama desponta como um Método que rompe com tradicionalismo e profunda formalidade no ensino. As ferramentas psicodramáticas enriquecem a ação educacional, envolvem emocionalmente os alunos na busca de conhecimentos e oferecem oportunidade para a atualização de conteúdos, papéis e identidades. Entretanto, é importante salientar que essa Metodologia não deve ser utilizada desconectada dos objetivos gerais e específicos da ementa e do programa da disciplina e carece de vínculos com suas bases teóricas, sendo guiado por um profissional psicodramatista.
ESTRATÉGIAS EM SALA DE AULA
Com a abordagem psicodramática aplicada ao ensino, cada aula, ou melhor, os encontros tornam-se cenários de percepção, de prática e de aprofundamento dessa metodologia. Tendo como objetivo conectar e sintonizar teoria à prática, acrescentando singularidades sobre as habilidades e as atitudes de alunos do curso de Medicina do UNIPTAN; durante 50 h/aulas, seguiu-se respeitando a individualidade do aluno em seu modo de ser-no-mundo, delimitando o contexto e tomando toda a precaução de não transformar o ambiente pedagógico em psicoterapêutico (Nery & Souza, 2012).
A modo de discussão dos resultados obtidos, didaticamente, dividiu-se a apresentação em duas partes: a primeira faz referência ao contexto das aproximações ao método sociométrico e a segunda, à utilização de jogos dramáticos e de papéis.
Ao início das aulas em que o psicodrama é referendado metodológica e tecnicamente, tendo como objetivo geral romper as conservas culturais conectando conceitos pela vivência que quebra a transmissão mecânica de conteúdos, os alunos são orientados sobre os contextos social e dramático, a criação de personagens e cenários, as sutilezas de entrada e saída de cena, os posicionamentos dos egos auxiliares e, principalmente, as técnicas psicodramáticas utilizadas - duplo, solilóquio, espelho e inversão de papéis. Aproveita-se para reforçar a importância do treino da espontaneidade e da criatividade.
Na perspectiva dos conteúdos relacionados à Sociometria, metodologia que favorece os alunos a expandirem os sentidos em vista ao seu autoconhecimento e a criarem vínculos interpessoais, optou-se por seguir as indicações de Kaufman (1992), objetivando que os alunos em sala de aula: a) visualizem o paciente em seu contexto social, b) aprofundem-se em sua vida emocional e c) treinem formas de linguagem e comunicação mais apropriadas para entender e ser entendido. Nesse aspecto, as atuações em grupo refletem como de fato cada qual é e quais imagens projetam de si a partir de fases de reconhecimento do ser dos outros.
Dessa forma, utilizaram-se de algumas técnicas sociométricas para aquecimentos dos alunos:
1-Agrupamentos segundo critérios de local de moradia, idade, se há médicos na família de origem, se já assumiu o papel de paciente etc.
2-Caminhadas em silêncio e/ou falas expressivas com movimentações de diferentes modos pelo espaço, procurando olhar nos olhos e incentivando-os às diferenciações do habitual e, posteriormente, aos cumprimentos inusitados e criativos.
3-A partir da proposta de antecipar a leitura dos textos "O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde" (Ayres, 2004) e "Acerca do conceito de saúde" (Deliberador & Villela, 2010), enfocando a perspectiva fenomenológica existencial de homem e de mundo e proporcionando visões integrais do ser e do adoecer, da relação de Cuidado e o sentido de cura, utilizaram-se dos critérios: (a) quem leu; (b) quem não leu; (c) quem leu mais ou menos. A partir dos alunos que leram e assumiram o papel de representantes na formação de subgrupos e transmissão de pontos essenciais a serem discutidos sobre as perspectivas e os desdobramentos do caso clínico elucidado pelo primeiro artigo, solicita-se que imaginem no como se estivesse em uma exposição de arte, aproximando-se de cartazes espalhados pela sala, metaforicamente assinalados como obras de arte, registrando compreensões temáticas em forma de frases-resumos, formando-se subgrupos e realizando um processamento das informações com posterior apresentação dramática dos conteúdos.
Na perspectiva dos conteúdos relacionados à Teoria de Papéis, técnica que favorece aos alunos uma maturação psicológica e o contato com suas próprias ideias e emoções, optou-se por seguir as indicações de Drummond e Souza (2008), no intuito de que os alunos em sala de aula: a) reflitam criticamente sobre a construção do papel profissional; b) analisem os estereótipos que comumente recebem e repassam como rótulos; c) desenvolvam a identidade pessoal e profissional; d) avaliem processualmente seus aprendizados e observem que nas cenas trazem representadas suas próprias características pessoais/profissionais; e) discutam a importância do treinamento para a espontaneidade na ação, rompam bloqueios e lidem positivamente com as tensões; f) percebam as dificuldades na tomada de decisões e superem a tendência de manutenção das condutas engessadas; e g) abram-se às inovações de atuações criativas na relação com o paciente.
Na etapa das dramatizações, utilizaram-se de jogos como aquecimentos inespecíficos e específicos:
1-Jogo da Linha do Tempo, no qual são evocadas relembranças de trajetória acadêmica; expressão por meio de frases-resumo criadas por cada aluno, como: (a) parceria para a vida toda; (b) saudades de minha terra; (c) obrigado por hoje estar aqui; (d) troque suas folhas, mas nunca perca suas raízes; (e) pensamentos positivos movem montanhas etc., inseridos em bexigas atiradas ao alto e se misturando ao som animado de música; em mobilização, as emoções repercutem na empatia de cada um se colocar no lugar do outro.
2-Jogo de autopercepção, em que se divulgam, por meio de propagandas, o que se fala de si mesmo; em realidade, disponibiliza-se o treino de criatividade e espontaneidade. Nas cenas, exprimem-se admiração, risos e integração.
3-Jogo de revelação, no qual foi confeccionada uma máscara com o material disponível. Ao som de uma música animada, circularam, dançaram e se apresentaram uns aos outros, posteriormente criando-se as cenas. Ao final, compartilharam a respeito do encontro consigo mesmo, o contato com suas características, jeito de ser, agir e sentir, bem como refletiram sobre a imagem que passam para os outros e também a respeito do reconhecer o ser do colega antes talvez desconhecido.
4-Jogo das competências e carências, no qual os alunos foram incentivados, dentre as competências e as carências mencionadas, a falar uma competência sua que ajuda bastante na relação com o paciente e uma carência, algo que ainda está falho e necessita de aprimoramento. Em duplas ou trios, criaram cenas em que essa característica se fazia presente. Foi realizada uma dramatização, utilizando as técnicas psicodramáticas, e cada um pôde experimentar sua característica na cena.
5-Jogo, no qual se discute um caso clínico treinando reações conforme rótulos, o que possibilita a reflexão sobre os estereótipos que são colocados nos outros e que também nos são colocados, bem como a responsabilidade envolvida nessa relação; em verdade, paciente, equipe, familiar etc. Nas cenas, clarificam-se as carências em vista às melhorias e aos aprimoramentos na relação com o paciente.
6-Jogo de Associação Simbólica, em que atrelavam o ser médico a um símbolo: animais
(a) elefante/ouvidos para ouvir; (b) cachorro/sinceridade e parceria nos momentos difíceis; (c) coruja/sabedoria; (d) ônibus/carga pesada de sentimentos; (e) táxi/paciente é quem dá a direção;(f) xadrez/repensar estratégias de chegar em um diagnóstico, um tratamento; (g) perde peças-pacientes.
7-Construção de Enredo: não foi jogo. Foi feita uma dramatização com as técnicas psicodramáticas. Foi realizado um jogo dramático como aquecimento, no qual os alunos deveriam imaginar um ônibus na sala e cada um assumiria um personagem qualquer. As cenas foram se desenrolando, com passageiros brigando, assalto, acidente etc. Bastante aquecidos, outra consigna foi introduzida: deviam pensar numa situação, uma cena que os tivesse marcado durante esses anos na graduação, envolvendo a relação médico-paciente, um atendimento ou o que gostariam de explorar mais, até surgir os emergentes grupais que trouxeram as cenas para serem dramatizadas. Cena 1ª - uma mulher que trabalha com vigilância armada em carro forte no RJ sofre acidente de trânsito, motorista vem a óbito e a paciente fica tetraplégica e com ideias firmes de suicídio, desmotivação para viver e aridez nos vínculos emocionais. Cena 2ª - um senhor e uma senhora se enamoram, mas residem em diferentes cidades e, mesmo ele não sendo correspondido, recebe ligações frequentes da mulher, que vem a falecer, e a ele sobra a perda de todo o sentido da vida. O aluno-protagonista percebe uma abertura para penetrar no mundo do paciente dialogando sobre músicas e poemas (claro: campo de interesse do aluno) com o surgimento da relação de Cuidado e a reconstrução de projeto de vida. Cena 3ª - uma mãe traz a filha de seis anos ao médico por suspeita de que o pai a molesta sexualmente. Os grupos de alunos muito mobilizados, inclusive utilizando duplos, querem denunciar, alegam que não devem conversar na frente da criança, pedem que a criança vá brincar no canto da sala embora esta fique agarrada à mãe, o médico tenta orientar a mãe, buscam informações sobre a rotina da família etc.
8-Jogo dos Personagens, no qual fichas com script/dados sobre o personagem foram distribuídas (Cascão, Einstein, Pequeno Príncipe, Super-homem, Malévola, Shakespeare, Chaplin etc.). O grupo teria que estabelecer um diálogo entre si, tendo incorporado seus respectivos personagens. Esse jogo serviu de aquecimento para a dramatização, quando quatro personagens, em um círculo de cadeiras, estabelecem e desenvolvem um diálogo: Moreno, Heidegger, Buber e o personagem Patch Adams. Os alunos puderam, espontaneamente, fazer duplos enquanto se evidenciavam as correlações: tele para Moreno, o eu-tu para Buber. O interesse genuíno pelo outro, o diálogo e uma relação de Cuidado por meio do encontro, o resgate da história de vida do paciente e a recuperação de seu projeto existencial, para Heidegger e Patch Adams, alinhavam as teorias, trazendo para a prática a empatia e a entrada no mundo do paciente e distanciando da relação eu-isso (Buber).
9-Comunicação das Notícias Difíceis, quando são trabalhadas a realidade médica e a difícil transmissão (barreiras e emoções) das notícias ruins e da respectiva recepção por parte do paciente e da família. O aquecimento das cenas foi assim criado: foi introduzido um jogo dramático, em que os alunos deveriam se imaginar numa sala de espera e receberiam uma notícia. As cenas são articuladas fundamentalmente no intuito de promover o aquecimento e a aproximação com o conteúdo, conectando com o assunto. Em seguida, é feita uma dramatização de situações, em duplas, nas quais comunicam/recebem uma notícia difícil, o que desvela barreiras e emoções na transmissão de uma notícia difícil tanto para o paciente como para a família.
10-Avaliação Clínica, em que, após a utilização de jogos de aquecimento, introduzemse casos ilustrados no livro "Entrevista clínica: habilidades de comunicação para profissionais de saúde" (Carrió, 2012). As cenas são protagonizadas por alunos nos papéis de médico e paciente. Nessa perspectiva, são introduzidas tanto atuações sobre o perfil do entrevistador e modalidades de entrevista como dramatizações de casos clínicos envolvendo as sequências do atendimento da fase exploratória e da fase resolutiva da entrevista semiestruturada (houve um jogo na fase de aquecimento específico, no qual uma dupla entrou em cena fazendo escultura, outra, em seguida, entrou com movimento e outros entraram colocando fala para que depois se iniciasse a dramatização), explorando as habilidades técnicas e humanas, e alimentando uma relação pautada na sensibilidade ao sofrimento do outro.
Em todos os contextos trabalhados, seguiram-se os critérios de Kaufman (1992), indicando que os estudantes podem experimentar o outro lado, invertendo papéis com o paciente no cenário do como se e reproduzindo situações vividas ou imaginadas.
Na etapa dos compartilhamentos, percebeu-se que os alunos trazem sentimentos suscitados pelas vivências e pelas histórias. Divulgaram-se alguns dos seguintes comentários: (a) "um autêntico encontro comigo mesmo e contato com suas características, jeito de ser, agir e sentir"; (b) "todos os conteúdos difíceis de serem compreendidos ficam mais claros; percepção de estilos de atenção médica (paternalismo ou que não se levantam para recepcionar o paciente, não o olham diretamente, somente prescrevem exames e medicações, desvalorizam seus sintomas e as queixas) daqueles tratamentos mais personalizados, revelando-se simpático, cordial"; (c) "percebi a disfuncionalidade do papel de entrevistador identificando os pontos relevantes de uma conduta mais adequada e humana, para que não caia na banalização das vivências trazidas pelo paciente"; (d) "observei que, às vezes, nas cenas, as entrevistas iam se transformando em interrogatório"; (e) "senti-me, finalmente, ouvido em minhas questões".
Enfatizadas as condutas mais adequadas, os resultados demonstram enorme incorporação de conteúdos. Como iniciador de um processo de reconhecimento de si (percepção e identificação com a área médica) e do outro (criação de vínculos), o psicodrama como método ativo e interativo permeado pela afetividade conduz, com sua fundamentação teóricometodológica e aplicabilidade, ao aprimoramento das habilidades comunicacionais, competências afetivas e adequadas atitudes médicas. Conforme aponta Kaufman (1992), os alunos percebem condutas inapropriadas e realizam transformações no manejo da relação com o paciente. Em termos de uma relação modificada pelo encontro com o outro e pelo cuidado, o mesmo autor esclarece a importância de o médico visualizar o paciente dentro de seu contexto social e aprofundar em sua vida emocional. Assim, os alunos puderam vislumbrar a reconstrução das práticas de saúde a partir de sua própria atitude, valorizando o mundo existencial do paciente.
Como chave para as aprendizagens necessárias ao treino do papel médico-paciente, o método atinge o clímax no treino da espontaneidade em campo relaxado, promove a ação criadora e inovadora dos alunos e na quebra das conservas culturais que relacionam médicopaciente. Segundo Martins (1991, p. 363), se esses contextos de ensino da arte médica "não refletir[em] sobre o ser humano que há no médico, participa[m] de modo altamente prejudicial nas deformações adaptativas do futuro profissional".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Atualmente, estamos vivendo numa era em que os métodos passivos educacionais já não operam significativamente na construção do aprendizado e, consequentemente, não inserem o aluno como protagonista na aquisição do saber.
O psicodrama, como um método permeado pelo afeto, potencializa a relação com o outro e rompe com práticas tradicionalistas, lançando luz sobre a promoção de uma atmosfera mais atuante e dinâmica. Como metodologias ativas de ensino, os recursos psicodramáticos se mostraram valiosos na aquisição e no reforço de conhecimentos e no desenvolvimento de habilidades e atitudes do futuro médico. Mediante criações de situações de aprendizagem, o docente cria estratégias que favorecem o contato dos alunos com suas próprias histórias e com as dos colegas, oferecendo ferramentas que exploram a espontaneidade e a descoberta de novas possibilidades de treino de seu papel profissional.
Como resultado dessa modalidade na formação médica, pôde-se escapar da dimensão de ensino-aprendizagem, que, muitas vezes, vem carregada pelo incentivo à impessoalidade na relação estabelecida com os pacientes. Fruto da metodologia psicodramática, aos alunos se favoreceu a consolidação de sua identidade profissional, conduzindo à apreensão do ser-nomundo e contribuindo para uma prática médica mais humanizada, permeada pelo Encontro e relação de Cuidado daquele que sofre.
Correlato, todo o trabalho com os alunos acontece por meio do Encontro. Como elucida Nery e Souza (2012, p. 215), "no contexto escolar, ao utilizar métodos de ação, é fundamental criar antes o encontro". Em meu próprio testemunho: "Eu era um ser-com eles no ambiente de ensino-aprendizagem e estabeleci uma relação de cuidado; cuidado pela pessoa que existe dentro de cada aluno, com suas angústias e suas ansiedades e com o médico que estão construindo dentro de si".
No âmbito da formação e do treinamento do papel do médico, os jogos e as dramatizações, utilizando-se das técnicas psicodramáticas, conduzem os alunos à vivência de seu contrapapel de paciente e à ampliação da percepção de atitudes que percebem ser bem mais exploradas nessa relação. Ações efetivas no ensino da relação médico-paciente visam desenvolver nos alunos habilidades comunicacionais e atitudes humanísticas para o encontro verdadeiro com seus pacientes por meio, fundamentalmente, do encontro consigo mesmo no papel de médico, para que se possa formar médicos competentes e humanos em sua prática.
REFERÊNCIAS
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Recebido: 07/10/2018
Aceito: 16/11/2018
1 "Um encontro de dois: olho a olho, cara a cara
E, quando estiveres perto, arrancarei teus olhos
e os colocarei no lugar dos meus,
e tu arrancarás meus olhos
e os colocarás no lugar dos teus,
então te olharei com teus olhos
e tu me olharás com os meus." (Moreno, 1975, p. 9).
2 "Ou o conhecimento estava morto ou a morta era eu" (Noseda et al., 2005, p. 124).