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Estudos de Psicologia (Natal)

versão impressa ISSN 1413-294Xversão On-line ISSN 1678-4669

Estud. psicol. (Natal) vol.24 no.3 Natal jul./set. 2019

https://doi.org/10.22491/1678-4669.20190027 

DOI: 10.22491/1678-4669.20190027

PSICOLOGIA SOCIAL DO TRABALHO

 

Níveis de estresse e engagement laboral dos Assistentes Sociais em Portugal

 

Levels of stress and engagement work of Social Workers in Portugal

 

Niveles de estrés y engagement laboral de los Asistentes Sociales en Portugal

 

 

Helena Mafalda Martins TelesI; Nélson Alves RamalhoII; Sónia Mafalda Pereira RibeiroIII; Vanda Sofia Braz RamalhoIV

IUniversidade de Lisboa
IIUniversidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias
IIIUniversidade Lusófona do Porto
IVCentro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo pretendeu conhecer os níveis de stresse e engagement laboral que os assistentes sociais, em Portugal, estavam expostos. Para tal, aplicou-se um inquérito por questionário, composto pela Perceived Stress Scale e a Utrecht Work Engagement Scale, a 1369 profissionais. Os resultados identificaram um nível mediano de stresse e engagement, o que pode ser indicativo de níveis de bem-estar laboral satisfatórios. Observou-se, ainda, que à medida que o stresse percecionado aumentava, diminuía o engagement destes profissionais. Foram, também, encontradas conexões significativas entre estas variáveis e o vencimento auferido.

Palavras-chave: bem-estar; stresse laboral; engagement; assistentes sociais; Portugal.


ABSTRACT

This article intended to know stress and engagement work levels that social workers in Portugal were exposed to. A survey was answered by 1369 professionals. Perceived Stress Scale and Utrecht Work Engagement Scale were used in the construction of the questionnaire. The results point to a median level of work stress and engagement, which may be a sign of satisfactory levels of well-being. We also found that as perceived stress increases the engagement of these professionals decrease. Significant connections between these variables and the earned salary emerged.

Keywords: well-being; work stress; engagement; social workers; Portugal.


RESUMEN

El presente artículo pretendió conocer los niveles de estrés y engagement que los trabajadores sociales em Portugal fueran expuestos. Para ello, se aplicó una encuesta por cuestionario, compuesto por la Perceived Stress Scale y la Utrecht Work Engagement Scale, a 1369 profesionales. Los resultados identificaron un nivel mediano de estrés y engagement, lo que puede ser indicativo de niveles de bienestar laboral satisfactorios. Se observo, además, que a medida que el estrés percibido aumentaba, disminuía el engagement de estos profesionales. También se encontraron conexiones significativas entre estas variables y el vencimiento obtenido.

Palabras clave: bienestar; estrés laboral; engagement; trabajadores sociales; Portugal.


 

 

O stresse e o engagement laboral têm sido bastante estudados junto da população de assistentes sociais (Aiello & Tesi, 2017; Calitz, Roux, & Strydom, 2014; Tesi, Aiello, & Giannetti, 2019; Travis, Lizano, & Mor Barak, 2015). Todavia, na realidade portuguesa, esta temática não tem tido o mesmo interesse que noutras realidades geográficas. Tendo em conta o quadro da alteração dos problemas sociais, das políticas públicas e da aplicação das medidas de austeridade com que Portugal (e a Europa) se viu confrontado nos últimos anos (Ramalho, Ramalho, & Teles, 2016) e, consequentemente, o surgimento de novos e complexos desafios que os profissionais de Serviço Social tiveram de enfrentar nos seus campos profissionais (Amaro, 2009; Dominelli, 2004), o presente estudo visou aferir os níveis de stresse e engagement destes profissionais, e promover a compreensão da interferência de alguns fatores (como o vencimento bruto, a adequação e satisfação face aos rendimentos auferidos) nos níveis de bem-estar laboral dos assistentes sociais.

A relevância do estudo prende-se essencialmente com três ordens de razão: pessoal, o interesse científico e a atualidade do tema, na medida em que a organização Mundial de Saúde (OMS) considera o stress como uma das principais doenças da atualidade e que as suas implicações devem ser analisadas (absentismo laboral, reforma precoce, rendimento profissional, entre outros); interesse científico porque existe uma grande falta de pesquisas sobre o stress e engagement nos assistentes sociais (Lloyd, King, & Chenoweth, 2002); e pessoal visto que todos os investigadores são Assistentes Sociais, pretendendo contribuir para a divulgação, conhecimento e compreensão do stress nos assistentes sociais.

Várias investigações, como as desenvolvidas por Abdallah (2009), Carrera (2011), Collins (2008), Extremera, Durán e Rey (2005), Fong e Ng (2012), Gómez-García, Alonso-Sangregorio e Llamazares-Sánchez (2019), Hamama (2012), Kim e Ji (2011), Lonne (2003) e Ramiro (2014), têm revelado que os assistentes sociais e outros interventores sociais apresentam elevados riscos de burnout comumente associados aos seus contextos profissionais permeáveis a situações stressantes, na medida em que intervêm diretamente com realidades sociais, familiares e comunitárias de risco e bastante vulneráveis.

O estudo de situações negativas vivenciadas em contextos laborais tem ganho centralidade no campo das ciências sociais. Segundo Salanova e Schaufeli (2009) a produção científica sobre o stresse é 12 vezes superior aos estudos que se focam no bem-estar profissional. Contudo, devido à influência da psicologia positiva, algumas investigações, para além de abordarem os processos de mal-estar laboral, têm-se debruçado, progressivamente, sobre uma visão positiva, teorizando em torno do constructo de engagement no trabalho, tendo em vista a compreensão e aumento dos níveis de bem-estar no contexto profissional (Bakker & Leiter, 2010; Bakker, Schaufeli, Leiter, & Taris, 2008; Kahn, 1990; Llorens, Schaufeli, Bakker, & Salanova, 2007; Salanova & Schaufeli, 2009; Schaufeli & Bakker, 2003 e 2004).

Na atualidade, o conceito de stresse assume especial destaque, tanto na medicina como na psicologia. Na maioria das vezes as duas disciplinas assumem posições distintas face à definição e entendimento do mesmo. Se, por um lado, a medicina defende o stresse como uma reação biológica do corpo (Corte, 1998; Khorol, 1975; Luria, 1981; Piaget, 1986; Selye, 1955), por outro, a psicologia associa aos fatores biológicos elementos de ordem cognitiva e emocional, dando maior relevo à perceção e avaliação que o indivíduo realiza da situação potenciadora de stresse (Lazarus & Folkman, 1984; Lipp & Malagris, 2001; Myers, 1999).

O mundo laboral, como parte integrante do quotidiano humano, permite a realização pessoal e a satisfação de necessidades. Mas pode, também, potenciar situações percecionadas como stressantes. De acordo com a OMS (2004), o stresse relacionado com o trabalho é o resultado do desequilíbrio entre as exigências e pressões com que os indivíduos se confrontam, por um lado, e os seus conhecimentos e capacidades, por outro. O stresse põe à prova a capacidade do indivíduo para enfrentar a sua atividade, e não inclui apenas situações em que a pressão laboral excede a capacidade do trabalhador para fazer frente à mesma, mas também os casos em que não utiliza, suficientemente, os seus conhecimentos e capacidades, e isto supõe um problema para o trabalhador (p. 4).

Se o conceito de stresse se reveste de alguma historicidade, pelo contrário, o constructo de engagement é bastante recente, tendo sido definido por Kahn em 1990. Tendencialmente apresentado como o oposto do burnout – entendido como um estado de exaustão física e mental (Maslach & Leiter, 1997) associada a elevados níveis de stresse – o engagement caracteriza-se por um estado mental positivo e por um sentimento de bem-estar laboral, podendo ser encarado como uma forma de resiliência (Garmezy, 1991; Luthar, 1991; Luthar, Cicchetti, & Becker, 2000; Masten, Best, & Garmezy, 1990; Rose & Palattiyil, 2018) e capacidade para lidar com os desafios profissionais. Apesar desta oposição, tal não significa que haja uma estreita correlação entre ambos. Um trabalhador que não se encontre numa situação de burnout nem sempre apresenta níveis elevados de engagement; e um outro que apresente baixos níveis de engagment esteja, obrigatoriamente, afetado pelo síndrome de burnout (Schaufeli & Bakker, 2003).

Schaufeli, Salanova, González-Romá e Bakker (2002) definem o engagement como um estado positivo da mente, realizador e relacionado ao trabalho que é caracterizado pelo vigor, dedicação e absorção. Mais do que um estado momentâneo e específico, o engagement refere-se a um estado mais persistente e afetivo-cognitivo que não é focado em um objeto, evento, indivíduo ou comportamento específico. O 'vigor' caracteriza-se pelos altos níveis de energia e resiliência mental enquanto trabalha, vontade de investir no trabalho, e persistência em situações de dificuldade. A 'dedicação' refere-se a estar fortemente envolvido em seu trabalho e experienciar um senso de significância, entusiasmo inspiração, orgulho e desafio. 'Absorção' é caracterizada como estar completamente concentrado e envolvido em seu trabalho, sendo que o tempo passa rapidamente e o indivíduo possui dificuldade em desapegar-se de seu trabalho (p. 74).

O engagement laboral caracteriza-se, assim, por uma elevada identificação e altos níveis de energia despendidos no exercício profissional encontrando-se, deste modo, relacionado com a perceção de bem-estar. O bem-estar, enquanto conceito associado à dimensão afetiva do funcionamento positivo, ou seja, a felicidade, pode ser definido, numa visão sociológica, como a avaliação da satisfação (indicador fundamental de bem-estar) de cada indivíduo com os diversos domínios da vida, no que concerne ao funcionamento individual em áreas como o trabalho, o rendimento, o lazer e as relações sociais, entre outras (Andrews, 1991; Bryant & Veroff, 1982; Diener, 1984).

Atendendo às conceções que estabelecem uma ligação entre stresse, engagement e bem-estar laboral, bem como a fraca produção científica em Portugal sobre esta temática ligada à categoria profissional dos assistentes sociais, procurou-se analisar os seus níveis de stresse e engagement laboral, esperando que os resultados da investigação se possam constituir como ferramentas reflexivas para uma profícua compreensão do engagement e do comportamento organizacional positivo, tal como da promoção da prevenção do stresse e burnout no campo da intervenção social.

 

Método

Instrumento

Para se aferir os níveis de stresse e engagement laboral dos assistentes sociais foi aplicado um questionário, a partir da plataforma Google Docs. O questionário encontrava-se estruturado em quatro partes: a primeira visava recolher dados sociodemográficos dos inquiridos; a segunda, recolher dados sobre a sua situação laboral; e a terceira e a quarta sobre as perceções de stresse e engagement através da aplicação das escalas Perceived Stress Scale [PSS-10] (Cohen, Kamarch, & Mermelstein, 1983) e Utrecht Work Engagement Scale [UWES-17](Schaufeli & Bakker, 2003) mundialmente utilizadas para estudos desta natureza1. As escalas PSS-10 e UWES-17 para a população de assistentes sociais portugueses foram previamente validadas (Teles, Ramalho, Ramalho, & Ribeiro, 2017), pelo que ambas as escalas (PSS-10-ASP e UWES-17-ASP) apresentam características psicométricas adequadas à população em análise.

A escala que permitiu avaliar os acontecimentos de vida laboral percebidos como indutores do stress (PSS-10), apresentava questões de natureza geral e, por isso, livres de conteúdo específico a qualquer grupo ou subpopulação (Cohen, 2016), encontrando-se orientada para as emoções e sentimentos vivenciados pelos profissionais no último mês de atividade laboral. As opções de resposta variavam entre 0 (nunca) e 4 (muito frequentemente). Os itens 4, 5, 7 e 8 foram invertidos para se obter a ponderação, somando-os à totalidade dos itens, de forma a apurar o valor global de stresse percebido pelos assistentes sociais.

A UWES-17, adaptada da versão traduzida para português (Angst, Benevides-Pereira, & Porto-Martins, 2009), avaliou em que medida os trabalhadores se encontravam envolvidos com o seu trabalho (e não a eficácia do trabalho). Estava estruturada por 17 itens, divididos em três dimensões: o "vigor",com seis itens (1, 4, 8, 12, 15, 16), a "dedicação" com cinco (2, 5, 7, 10, 13) e a "absorção"com seis (3, 6, 9, 11, 14,16). A resposta a cada um dos itens foi dada de acordo com uma escala ordinal do tipo Likert com sete alternativas de resposta, em que 0 significava que o respondente 'nunca teve esse sentimento' e 6 que o 'sentiu frequentemente'. Os valores de ambas as escalas foram, no presente estudo, expressos em média aritmética.

Procedimento

O questionário foi disponibilizado on-line, no período de 11 de setembro a 27 de Outubro de 2015, tendo a sua divulgação sido realizada em diversas páginas da rede social facebook com relevância no âmbito social. Procedeu-se, ainda, ao envio de 6261 mensagens de correio eletrônico, no qual constava o link do questionário, apelando à participação dos assistentes sociais através de autopreenchimento e divulgação do inquérito. Foi garantida a total confidencialidade e anonimato aos respondentes sobre as informações recolhidas. Ao total, foram obtidas 1434 respostas, das quais 65 foram excluídas por não preencherem os critérios definidos para o universo em análise (licenciatura em Serviço Social/Política Social e exercício de funções no território nacional). Contabilizaram-se, assim, 1369 respostas válidas. Os dados foram tratados com recurso ao software Statistical Package for Social Sciences (versão 22).

Para a análise dos dados sociodemográficos procedeu-se a realização da estatística descritiva de variáveis pessoais, sociais e profissionais. Para a concretização da análise macro dos níveis de stresse e engagement, optou-se por uma estratificação por distritos de residência. Realizou-se o teste do Coeficiente de Correlação de rho de Spearman para analisar a relação entre o nível de stresse percecionado com o constructo unidimensional e tridimensional no engagement, e com o engagement segundo o "vencimento bruto". A comparação entre os níveis de stresse percecionado com o engagement segundo a "remuneração adequada", e com o engagement segundo a "satisfação com o salário", foi concretizada procedendo-se à aplicação do teste ANOVA - Análise de Variância.

Amostra

O tamanho da amostra foi calculado através da fórmula para populações finitas e variável qualitativa, recorrendo-se à fórmula referente a uma "amostra aleatória simples" (Sarmento, 2008, p. 25) de forma a garantir um nível de confiança e de precisão aceitável. Assume-se N = 14875 por refletir, de acordo com Branco (2009), o número global de licenciados em Serviço Social em Portugal2. O nível de respostas encontra-se acima da dimensão estatisticamenteexigida (n = 1369). Foi calculado o nível de precisão (N = 14875; p = 0,50; q = 0,50; Z α /2 =1,96) com uma margem de erro de aproximadamente 2,52% (nível de precisão D = ±2,52%).

De acordo com a Tabela 1, a amostra foi constituída, sobretudo, por assistentes sociais do sexo feminino (94%), sendo a média de idades de 39,02 anos (DP = 8,99; Moda=34). A maioria dos inquiridos tinha idades compreendidas entre 30 e 49 anos (71,9%). A habilitação académica mais frequente era a licenciatura (63,8%), sendo que 36,2% detinham uma pós-graduação, mestrado, doutoramento ou pós-doutoramento. No que respeita aos anos de exercício profissional a média era de 12,99 anos de experiência (DP = 8.28; Moda=10) encontrando-se a trabalhar, maioritariamente, nas áreas da "ação social" (25,7%), "saúde" (21,7%) e "3ª idade" (16,5%), distribuídos equilibradamente pelo sector público (46,5%) e privado (47,9%). A quase totalidade dos assistentes sociais eram "trabalhadores por conta de outrem" (95,8%), a exercerem funções de "técnico" (73,3%) em regime de full time (95,8%). Em termos de vencimento, 68,1% auferia rendimentos mensais superiores a 1000€, sendo que o rendimento mensal de 45,1% se encontrava entre os 1000€ e os 1500€. 74,4% revelou não se encontrar satisfeito com o vencimento recebido. O ambiente de trabalho foi avaliado como "bom" ou "muito bom" por 56% e as condições materiais de trabalho "satisfatórias" para 43,6% e "boas" para 30,6%.

 

 

 

Relativamente à distribuição territorial, os inquiridos residiam, maioritariamente, em centro urbanos, 28,9% em Lisboa, 11,2% no Porto, seguido por Setúbal com 6,9%. Com pouca expressividade surgiam os distritos de Viana do Castelo com 1,4%, Guarda com 1,2% e, por último, Bragança com apenas 1%.

 

Resultados

Da análise dos níveis de stresse constatou-se que Bragança (1,79), Guarda (1,82) e Açores (1,83) eram os distritos de residência onde os assistentes sociais apresentavam menor perceção de situações stressantes. Já nos distritos do Porto (2,01), Vila Real (2,00), Coimbra (1,98) e Beja (1,97), os profissionais se encontravam mais permeáveis a vivenciar situações de stresse laboral. Dos 20 distritos nacionais apenas dois (Porto e Vila Real) apresentavam níveis a rondar o valor médio3. Face aos desafios profissionais que os assistentes sociais se viram confrontados decorrentes do recente contexto de austeridade que Portugal atravessou, os dados apresentavam-se como favoráveis, não se verificando em nenhum dos distritos situações problemáticas de mal-estar laboral. De referir que a média do stresse percebido foi de 1,56, o que, quando comparado com outros grupos profissionais, apresenta valores mais baixos.

 

 

Todavia, observou-se que os assistentes sociais que exerciam funções em "serviços públicos" tendiam a apresentar níveis de stresse percecionado ligeiramente inferiores (1,85) aos assistentes sociais que trabalhavam em "serviços privados" (1,95) ou, simultaneamente, em "ambos" (público e privado) (1,95).

No que respeita aos níveis de engagement, todos os distritos do território nacional apresentaram valores superiores ao ponto médio. Faro (3,84), Viana do Castelo (3,80) e Açores (3,71) foram os distritos onde se verificaram valores mais baixos de engagement. Em oposição a estes estavam os distritos de Portalegre (4,42), Guarda (4,58) e Bragança (4,53).

Quando analisados os resultados ao nível das dimensões latentes do engagement – "vigor", "dedicação" e "absorção" – não se verificaram variâncias muito significativas. No que respeita ao "vigor", o mesmo foi mais percecionado nos distritos da Guarda (4,63), Bragança (4,51) e Beja (4,35). Os distritos que apresentaram níveis mais baixos foram os Açores (3,71), Viana do Castelo (3,78) e Vila Real (3,81). Relativamente à "dedicação" os distritos com valores mais elevados foram Guarda (4,79), Bragança (4,69) e Portalegre (4,59). Pelo contrário, os Açores (3,80), Évora (3,88) e Faro (3,82) apresentaram os níveis mais baixos do território nacional. A dimensão "absorção" manifestou melhores resultados em Bragança (4,40), Portalegre (4,37) e Guarda (4,36), sendo que, nos Açores (3,64), Viana do Castelo (3,75) e Castelo Branco, em ex aequo com Faro (3,81), se verificaram níveis de "absorção" mais reduzidos. Destaca-se que os profissionais que exerciam funções em "serviços públicos" apresentavam níveis de engagement levemente superiores (4,17) aos assistentes sociais que trabalhavam em "serviços privados" (4,10) ou em ambos os setores (4,15).

No que respeita às correlações4 entre engagement e as respetivas dimensões latentes, observou-se a existência de uma correlação positiva, elevada e significativa entre o engagement e o "vigor" (r = ,953; p < ,001), a "dedicação" (r = ,936; p < ,001) e a "absorção" (r = ,923; p < ,001). Quando se analisou o engagement, enquanto constructo tridimensional, se verificou, também, que as correlações existentes eram positivas, altas e significativas: "vigor – dedicação" (r = ,866; p < ,001); "dedicação – absorção" (r = ,785; p < ,001) e "vigor – absorção" (r = ,817; p < ,001).

Tendo por base a relação entre stresse e engagement confirmou-se a existência de uma correlação média, negativa e significativa entre estas duas dimensões (r =-,359; p < ,001). A correlação existente entre stresse e as dimensões latentes do constructo do engagement foi, também, negativa e significativa. A correlação entre stresse, "vigor" (r = -,415; p < ,001) e "dedicação" (r = -,390; p < ,001) foi mediana. Já com a "absorção" (r = -,210; p < ,001) esta conexão revelou-se baixa.

As escalas PSS-10-ASP e UWES-17-ASP eram, negativamente, correlacionáveis entre si, pelo que à medida que aumentava o sentimento de engagement no trabalho por parte dos assistentes sociais, aumentava também os níveis de "vigor", "dedicação", "absorção" e diminuíam os níveis de stresse percecionado no contexto da sua atividade profissional.

Observou-se, ainda, uma correlação elevada e significativa entre o "vencimento bruto", os níveis de stresse e engagement. Relativamente ao stresse, a correlação foi negativa (r = -,055; p < ,001), ou seja, à medida que o "vencimento bruto" era maior, menor era o nível de stresse laboral percecionado. No que respeita à correlação com o engagement, a mesma foi positiva (r = ,060; p < ,001), o que nos permitiu aferir que quanto maior era o "vencimento bruto" dos assistentes sociais, mais elevados eram os seus níveis de engagement no trabalho.

Verificou-se a existência de valores médios significativamente diferentes (F(2, 1366) = 13,371; p < 0,001) de stresse percecionado pelos assistentes sociais, estritamente relacionados com o facto de considerarem ter, ou não, uma retribuição económica adequada. Ou seja, os assistentes sociais que consideravam que não tinham uma remuneração adequada apresentavam maiores níveis de stresse (1,95) comparativamente aos restantes profissionais que avaliavam a sua remuneração como adequada, relativamente às funções que desempenhavam (1,77).

No que respeita à análise das diferenças estatisticamente significativas entre a "remuneração adequada" e os níveis de engagement (F(2, 1366) = 9,808; p < 0,001) se observou que os profissionais que consideravam ter uma remuneração adequada revelavam maiores níveis de engagement (4,44). Por sua vez, os que entendiam que a remuneração não era, de todo, adequada, tendiam a apresentar níveis de engagement inferiores (4,04).

Constatou-se a existência de valores médios significativamente diferentes (F(2, 1366) = 15,286; p < 0,001) entre o stresse percecionado pelos assistentes sociais, em relação à satisfação com o salário auferido. Assistentes sociais que não se encontravam satisfeitos com o seu salário apresentavam maiores níveis de stresse (1,95). E, inversamente, quem se encontrava satisfeito com o salário, tendia a apresentar menores níveis de stresse (1,70) no contexto laboral.

No que respeita à análise das diferenças significativas entre a "satisfação com o salário" e os níveis de engagement, verificou-se existirem diferenças estaticamente significativas (F(2, 1366)=20,120; p < 0,001), o que nos permitiu avaliar que os profissionais que se encontravam satisfeitos com os seus rendimentos apresentam níveis de engagement superiores (4,54) aos profissionais que não estavam satisfeitos com o seu salário (4,01).

 

Discussão e conclusões

O presente estudo deu especial atenção às conexões do stresse e do engagement laboral com as condições remuneratórias dos profissionais, dado apresentarem um maior grau de significância estatística face a outras variáveis estudadas. De notar que o "género", o "regime de trabalho", a experiência de "supervisão profissional" ou o tipo de "vínculo profissional" não mostraram interferência nos níveis de stresse e engagement dos assistentes sociais. Todavia, como apresentado, os níveis de stresse diferiam, ainda que tenuemente, consoante o "sector laboral".

Gómez-García et al. (2019), Jayaratne, Vinokur-Kaplan e Chess(1995), Ribeiro (2015) e Schwartz, Tiamiyu e Dwyer (2007) observaram que os assistentes sociais que trabalham no "sector público" tendem a apresentar níveis inferiores de burnout,quando comparados com aqueles que trabalham no "sector privado". A explicação poderá estar centrada na existência de maiores recursos para se acionar os apoios necessários face a situações de maior vulnerabilidade social, assim como à disponibilização de oferta (in)formativa que suporte a gestão dessas situações. Um maior domínio da (in)formação está, muito provavelmente, ligado à perceção de um maior poder de ação. Fahs-Beck (1987) e Streepy (1981) verificaram que os assistentes sociais que têm dificuldades em providenciar as respostas necessárias às pessoas com quem trabalham têm uma maior probabilidade de desenvolverem burnout.

Em particular, dentro do sector laboral "público", os profissionais que apresentaram maiores níveis de stresse foram aqueles que exerciam funções nas áreas da "segurança social" (2,0) seguidos pelos profissionais que trabalhavam em "hospitais e centros de saúde" (1,9). Com menor stresse encontravam-se os que intervinham nos "serviços de justiça e reinserção social" (1,73). De destacar que as áreas da segurança social e da saúde são dois campos basilares dos direitos sociais, pelo que se encontram sujeitas a maiores situações de "tensão" quando confrontadas com as alterações das políticas com consequência no agravamento das condições sociais da população. No que concerne ao engagement, os níveis mais elevados encontravam-se nos profissionais que atuavam em "serviços educativos" (4,67). Assistentes sociais que trabalhavam no âmbito da "segurança social" (4,07) e "ministérios/administração central" (3,74) apresentavam valores mais baixos. Foi no âmbito da "segurança social" que se evidenciou uma correlação negativa entre os níveis de stresse vs engagement.

No que respeita ao sector laboral "privado", os trabalhadores das "Organizações Não Governamentais" (2,19) e de "Instituições Particulares de Solidariedade Social" (1,96) eram aqueles que apresentavam níveis de stresse percecionado mais elevados, em oposição às "grandes empresas" (1,78) e "fundações" (1,81) que tendiam a revelar níveis mais baixos. Esta situação poderá estar relacionada com a discricionariedade das políticas públicas reguladoras do terceiro sector, visto que este tipo de organizações se encontra, na sua grande maioria, dependente de financiamentos públicos e sujeitos à pressão de, regularmente, terem de se submeter a candidaturas por forma a garantir a sua sustentabilidade financeira, em regra, muito debilitada. Não deixa de ser curioso o facto das organizações que, tipicamente detêm maior capital para investimento, apresentarem os níveis de stresse mais baixos, podendo indiciar uma oferta de condições laborais mais atrativas. Relativamente ao engagement profissional, as "grandes empresas" (4,84) e as "cooperativas" (4,55) apresentaram melhores resultados. As "pequenas e médias empresas" (3,99) revelaram valores mais baixos.

Na generalidade, no contexto nacional, os níveis de stresse percecionado pelos assistentes sociais eram de valores moderados; com valores ligeiramente acima do ponto médio da escala PSS-10-ASP no "sector privado". No que respeita ao engagement, os níveis mostraram-se elevados, estando claramente acima do ponto médio da UWES-17-ASP em ambos os sectores laborais.

De salientar que, no quadro do agravamento das condições económico-sociais que o país atravessou nos últimos anos, os funcionários públicos sofreram, sucessivamente, com as várias medidas de austeridade impostas, nomeadamente ao nível do congelamento de salários e subsídios e da progressão da carreira, o que pode sugerir uma maior permeabilidade a situações geradoras de stresse e a menores níveis engagement. O "sector privado" também não ficou à margem das alterações do quadro económico-social. O agravamento de impostos (para as empresas) e o estrangulamento das políticas sociais (para a economia social) originaram fortes tensões no mercado (Ramalho et al., 2016). De acordo com o INE/PORDATA (2015), o Índice de Condições Materiais de Vida (respeitante aos domínios "Bem-estar económico", "Vulnerabilidade económica" e "Trabalho e Remuneração") apresenta uma tendência decrescente, especialmente acentuada depois de 2010. Atendendo a que o nível salarial tem uma influência significativa nos níveis de stresse e engagement dos assistentes sociais, e que a média dos vencimentos anuais da população portuguesa é uma das mais baixas de toda a União Europeia (Eurostat, 2015), os profissionais de Serviço Social tendem ser exposto a tensões, não apenas económicas, mas também identitárias – relacionadas com o reconhecimento e valorização profissional – uma vez que os assistentes sociais podem percecionar a desvalorização salarial como stressante, ao mesmo tempo que podem ir, gradualmente, baixando o seu nível de envolvimento na sua atividade profissional. Veja-se que McGregor (1967) já havia sublinhado que o reconhecimento se constituía como um elemento fundamental para aumentar a motivação dos trabalhadores. Também Herzberg (1966) e Câmara, Guerra e Rodrigues (2010) defenderam que a ausência de reconhecimento pode conduzir à insatisfação, prejudicando os níveis de bem-estar laboral.

Os resultados apontaram para correlações elevadas e significativas entre o "vencimento bruto" e os níveis de stresse e engagement laboral, numa conexão negativa (no caso do stresse) e positiva (no caso do engagement). Foram, também, identificadas correlações entre a remuneração percecionada como inadequada e maiores níveis de stresse. Estes resultados eram, de certo modo, já expectáveis atendendo a que Jenaro, Flores e Arias (2007), assim como outros investigadores (Felton, 1998; Kim & Ji, 2011; Lecroy & Rank, 1987), já haviam evidenciado que a insatisfação salarial dos assistentes sociais se encontrava relacionada com o burnout. Aliás, a "recompensa" é uma das seis áreas consideradas por Maslach, Schaufeli e Leiter (2001) como centrais para o desenvolvimento do burnout. Também Ribeiro (2015), no seu estudo sobre o burnout na população dos assistentes sociais portugueses, encontrou como preditor da exaustão emocional e da reduzida realização pessoal a insatisfação salarial.

Deste modo, contrariando a tendência de contração económica que, nos últimos anos, tem sido a tónica na realidade nacional, acredita-se que o reforço dos "pacotes" de benefícios e compensações salariais, bem como a melhoria das condições de trabalho dos assistentes sociais, poderá ser um contributo extremamente positivo para mitigar e prevenir os níveis de stresse destes profissionais, e promover um aumento dos seus níveis de engagement e bem-estar laboral. Acredita-se, no entanto, que o entendimento de "recompensa" não deverá se centrar, em exclusivo, nos benefícios financeiros ou remuneratórios, mas incluir outros elementos compensatórios como, por exemplo, a contribuição da entidade empregadora para planos de pensões, planos de poupança reforma ou, até mesmo, a disponibilização de seguros de vida e de saúde ou estabelecimento de protocolos que facilitem o acesso a serviços de suporte à família em áreas como a infância, a terceira idade, a cultura, o lazer ou o desporto. Outro tipo de medidas compensatórias seria o estabelecimento de acordos com entidades bancárias, de educação-formação, transportes, entre outras, produzindo efeitos na redução das despesas mensais dos agregados familiares dos assistentes sociais.

Estas recomendações não deverão estar focadas apenas nas entidades empregadoras, mas abranger as organizações reguladoras da classe dos assistentes sociais, como sindicatos, associações profissionais e científicas, disponibilizando benefícios a todos os profissionais, especialmente os que se encontram em situação de desemprego involuntário. Crê-se que estas medidas, de reduzido investimento financeiro, poderão ter um forte impacto na redução dos níveis de stresse, no aumento do comportamento organizacional positivo e, consequentemente, no aumento das condições de bem-estar laboral.

Embora a "remuneração" possa ser um fator influenciador de stresse e engagement, é importante reconhecer que as origens destas variáveis são multifatoriais, não estando exclusivamente centradas nos contextos organizacionais. Deste modo, considera-se importante que, em estudos futuros, os aspetos físicos, psicológicos, biológicos e sociais possam ser relacionados com o stresse e o engagement laboral dos assistentes sociais. Tendo-se verificado ligeiras assimetrias nos níveis de stresse e engagement em alguns distritos do território nacional sugere-se, também, a elaboração de estudos que possibilitem compreender melhor estas particularidades. O recurso a metodologias qualitativas, que permitam dar expressão aos discursos e experiências pessoais dos assistentes sociais poderá, também, ser uma forma de compreender a sua realidade laboral. Por último, seria interessante a realização de estudos comparativos, que não couberam na dimensão deste artigo, entre os resultados obtidos para os assistentes sociais com outros grupos profissionais, sobretudo, no que respeita às profissões no campo da intervenção social.

 

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Recebido em 23.jul.17
Revisado em 01.abr.19
Aceito em 29.nov.19

 

 

1. Os autores das escalas concedem autorização para o seu uso em pesquisas sem fins comerciais, tal como esta.
2. Embora este dado fosse uma estimativa, era, até ao momento, o único existente no contexto nacional.
3. De acordo com as escalas utilizadas, os níveis de stress variavam entre 0 e 4 (com ponto médio em 2). Tal significava que, valores abaixo de 2 representavam um "baixo nível de stresse", 2 "mediano nível de stresse" e acima de 2 "elevado nível de stresse". Os níveis de engagement variavam entre 0 e 6 (com ponto médio em 3), o que significava que valores abaixo de 3 representava um "baixo nível de engagement", 3 "mediano nível de engagement" e acima de 3 "elevado níveis de engagement".
4. A análise do efeito de correlação foi realizada tendo por base o coeficiente de correlação rho de Spearman. De acordo com Field (2009) um coeficiente de correlação > 0.1 revela um efeito pequeno, >0.3 um efeito mediano e >0.5 um efeito elevado.
Helena Mafalda Martins Teles, Doutora em Ciências Sociais pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa - ISCSP-ULisboa, é Professora Auxiliar convidada do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa - ISCSP-ULisboa, é Investigadora no Centro de Administração e Politicas Públicas do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa - CAPP/ISCSP-ULisboa.
Nélson Alves Ramalho, Doutor em Serviço Social pelo Instituto Universitário de Lisboa - ISCTE, é Professor Auxiliar convidado no Instituto de Serviço Social da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias - ULHT, é Investigador no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do Instituto Universitário de Lisboa - CIES-IUL. Emails: nelson_alves_ramalho@iscte-iul.pt e/ou nelson.ramalho@ulusofona.pt
Sónia Mafalda Pereira Ribeiro, Doutora em Serviço Social pela Universidade Católica Portuguesa, é Professora Auxiliar da Universidade Lusófona do Porto, é Investigadora do Católica Research Centre for Psychological, Family and Social Wellbeing. Email: soperib@gmail.com
Vanda Sofia Braz Ramalho, Mestre em Serviço Social pela Universidade Lusíada, Doutoranda no Centro Lusíada de Investigação em Serviço Social e Intervenção Social. Email: ramalho.vanda@gmail.com

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