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Psicologia em Pesquisa
versão On-line ISSN 1982-1247
Psicol. pesq. vol.16 no.2 Juiz de Fora maio/ago. 2022
https://doi.org/10.34019/1982-1247.2022.v16.31189
ARTIGOS
Roda de conversa com adolescentes sobre suas vivências familiares com irmãos autistas
Conversation circle with teenagers about their family experiences with autistic siblings
Ronda de conversación con adolescentes sobre sus experiencias familiares con hermanos autistas
Emellyne Lima de Medeiros Dias LemosI; Cibele Shírley Agripino-RamosII; Nádia Maria Ribeiro SalomãoIII
IUniversidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: emellyne@gmail.com ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1927-3132
IIUniversidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: cibeleagripino@yahoo.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2642-4587
IIIUniversidade Federal da Paraíba (UFPB). E-mail: nmrs@uol.com.br ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1305-7762
RESUMO
O Transtorno do Espectro Autista afeta o desenvolvimento nos domínios sociocomunicativo e comportamental impactando as famílias de diferentes formas. Considerando a importância das relações fraternas no desenvolvimento, este estudo versa sobre a experiência com quatro adolescentes, irmãos de indivíduos autistas, diante da devolutiva de uma pesquisa. Por meio de uma roda de conversa, os dados foram analisados e discutidos com base no modelo bioecológico. Os jovens adolescentes demonstraram interesse nas respostas de seus pares, relataram se sentir representados com os resultados da pesquisa e elaboraram sugestões para outras famílias. Com isso, espera-se colaborar para a elaboração de ações e estudos sobre o tema.
Palavras-chave: Autismo; Irmãos; Família.
ABSTRACT
The Autistic Spectrum Disorder affects development on the socio-communicative and behavioral domains, impacting families in different ways. Considering the importance of fraternal relations in the development process, this study deals with the experience of four teenagers, siblings of autistic individuals, towards the return of a research's results. Through a conversation circle, the data were analyzed and discussed based on the bioecological model. The teenagers showed interest in the responses of their peers, reported feeling represented with the results of the research and made suggestions to other families. Thereby, we expect to cooperate with the elaboration of actions and studies on the theme.
Keywords: Autism; Siblings; Family.
RESUMEN
El Trastorno del Espectro Autista afecta el desarrollo en los dominios sociocomunicativo y conductual, afectando a las familias de diferentes maneras. Tomando en cuenta la importancia de las relaciones fraternas en el desarrollo, este estudio se ocupa de la experiencia con cuatro adolescentes, hermanos de individuos autistas, como parte de la devolución de una investigación. A través de una ronda de conversación, los datos fueron analizados y discutidos sobre la base del modelo bioecológico. Los jóvenes adolescentes mostraron interés en las respuestas de sus compañeros, reportaron sentirse representados con los resultados de la investigación y elaboraron sugerencias para otras familias. Con esto, se espera colaborar en la elaboración de acciones y estudios sobre el tema.
Palabras clave: Autismo; Hermanos; Familia.
Entendendo a dificuldade em estabelecer consensos sobre o conceito e a constituição de família, concorda-se com Pereira e Arpini (2012) ao associarem as mudanças nos contextos sociais à família e apontarem a importância dos laços afetivos e do apoio mútuo. A relevância dos contextos e das relações familiares para o desenvolvimento pode ser evidenciada a partir de argumentos como: são as primeiras interações do indivíduo, fornecem bases para sua organização biopsicossocial, constituem fonte de modelos comportamentais, favorecem o desenvolvimento da personalidade e a vivência dos primeiros papéis sociais (Cardozo & Françozo, 2015; Pereira & Arpini, 2012; Van der Merwe, Bornman, Dana Donohue, & Harty, 2017).
Mais especificamente sobre as interações entre irmãos, McHale, Updegraff e Whiteman (2012), a partir de revisão da literatura das últimas duas décadas, afirmam que essa temática tem sido pouco explorada e que a inclusão de irmãos em pesquisas com famílias oportuniza examinar processos mais complexos para além de relações diádicas entre mãe e filho. Os autores partem da importância do papel das experiências fraternas cotidianas, especialmente, no desenvolvimento da criança e do adolescente.
Nesse contexto, afirmam que o aumento na prevalência do Transtorno do Espectro Autista (TEA) significa que mais crianças têm irmãos com esse diagnóstico, fazendo-se necessário entender o ajustamento psicossocial dos irmãos quando sua irmã ou irmão é diagnosticado com TEA. Com início precoce, curso crônico, etiologia multifatorial e manifestação clínica variada, o TEA se caracteriza por prejuízos nos domínios sociocomunicativos e na restrição e repetição de comportamentos e interesses (American Psychiatric Association, 2014). Segundo Paula, Cunha, Silva e Teixeira (2017), tem-se valorizado cada vez mais a presença de alterações sensoriais nesses indivíduos.
Nesse sentido, o presente artigo aborda parte da tese de doutorado da primeira autora sobre concepções familiares e interações entre irmãos em casos de TEA, realizada com mães, irmãos e jovens adolescentes com TEA. Embasado teoricamente no modelo bioecológico de Bronfenbrenner (1996), este estudo versa sobre a experiência com adolescentes com desenvolvimento típico, irmãos de indivíduos diagnosticados com TEA, diante da devolutiva dos resultados da pesquisa a partir de uma roda de conversa.
As vivências familiares em casos de membros com desenvolvimento atípico merecem um número maior de investigações, dadas tanto as implicações no desenvolvimento psicológico de cada membro do sistema familiar, como também o impacto social a partir das relações com demais familiares, escola, comunidade e sociedade de maneira mais ampla. Parte-se da compreensão de que há uma grande variabilidade de interinfluências relacionadas ao fenômeno estudado que, somada às significações dos sujeitos, denota a complexidade do tema e a dificuldade em estabelecer consensos (Silva & Dessen, 2014). Embora haja certa clareza sobre a importância das relações fraternas, a complexidade da família torna essa relação difícil de ser analisada, sendo pouco exploradas em estudos nacionais (Cardozo & Françozo, 2015).
Os dados do estudo realizado por Silva e Dessen (2014) sobre relações familiares em casos de criança com deficiência sugerem que tal fato por si só não representa um evento adverso para o desenvolvimento, mas sim um possível fator de risco. As autoras argumentam a importância da participação de diferentes membros da família em pesquisas, incluindo os próprios indivíduos com deficiência, e apontam que variabilidades das vivências podem ocorrer devido a múltiplas influências, porém, deve-se considerar as características ou tipo de deficiência e a qualidade das práticas educativas parentais. Complementar a isso, Cid e Matsukura (2008) sugerem considerar as diferentes composições familiares, a ordem de nascimento e o gênero. Yamashiro e Matsukura (2013) destacam estudos sobre os relacionamentos entre irmãos com deficiência e irmãos com desenvolvimento típico, no sentido de favorecer a compreensão dos processos que caracterizam estas interações e das potencialidades e limites que podem interferir no desenvolvimento dos membros da família.
Um estudo realizado pelos referidos autores com irmãos mais novos de crianças com necessidades especiais, entre seis e 11 anos, e suas respectivas mães e professoras, revelou que eles têm poucas informações sobre os irmãos, expressam desejo de terem mais tempo com os pais, demonstram características de maturidade precoce e comportamentos de independência, quando comparados às outras crianças da mesma faixa etária, o que poderia ser considerado um fator de risco ao desenvolvimento. No tocante à maturidade precoce, as autoras indicaram certa inconsistência em relação a esse dado diante de resultados contraditórios, pois os desenhos livres produzidos por estas crianças denotaram imaturidade, como se externassem comportamentos de independência, em discordância com suas questões internas.
Por outro lado, Yamashiro e Matsukura (2013), ao analisarem 12 adolescentes, sendo seis irmãos mais velhos de crianças com deficiência e seis de crianças com irmãos com desenvolvimento típico, identificaram que a presença de um irmão mais novo gera alterações na dinâmica, rotina e padrões de interações familiares. Segundo as autoras, ambos os grupos parecem aprender com suas experiências e situações específicas, relatando positivamente suas vivências fraternas. No tocante às interações, as autoras afirmam que os adolescentes declararam ter bons relacionamentos com seus irmãos, abordando os tipos de brincadeiras que realizam juntos. Contudo, aqueles que têm irmãos mais novos com deficiência acrescentaram que é preciso ter paciência e ajudar o irmão.
Van der Merwe et al. (2017) estudaram as atitudes passadas e presentes dos adolescentes em relação aos seus irmãos com TEA e identificaram a presença de atitudes mais positivas em relação a seus irmãos com TEA enquanto adolescentes, em comparação a quando eram mais jovens, indicando que as atitudes dos irmãos parecem mudar ao longo do tempo. Segundo os autores, apesar dessa falta de consenso na literatura, os irmãos com desenvolvimento típico possuem diferentes graus de positividade sobre ao relacionamento com seus irmãos com TEA, visto que as características centrais do transtorno podem tornar mais difíceis as interações fraternas.
Diante dessas considerações, parte-se para a descrição da roda de conversa como possibilidade de instrumento rico e profícuo na produção de dados, que visa compreender o sentido que o grupo social oferece ao fenômeno estudado, permitindo o compartilhamento de experiências e suscitando reflexões (Moura & Lima, 2014). Conforme os autores, os discursos de cada participante são construídos a partir da interação com o outro, sendo o pesquisador inserido como sujeito da pesquisa que participa da conversa, produzindo também dados para a discussão.
Com vistas a contribuir com a fundamentação teórica e metodológica das rodas de conversa, Sampaio, Santos, Agostini e Salvador (2014) indicam que elas criam possibilidades de produção e ressignificação de sentido e saberes sobre as experiências, partindo da concepção de sujeitos como atores históricos e sociais, críticos e reflexivos, capazes de produzir conhecimentos coletivos e contextualizados. Posto isto, o presente estudo teve como objetivo descrever a experiência de roda de conversa com adolescentes considerando suas concepções sobre suas vivências familiares com um irmão com TEA.
Método
Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa e caráter descritivo. A adequação dessa abordagem no estudo com famílias se justifica porque possibilita a compreensão dos fenômenos estudados através dos diferentes significados das experiências, das falas, dos comportamentos e dos contextos (Böing, Crepaldi & Moré, 2008).
Participantes
Participaram deste estudo: quatro adolescentes, sendo dois do sexo feminino e dois do sexo masculino, com idades entre 14 e 17 anos, residentes na cidade de João Pessoa-PB. Todos frequentavam escolas regulares, exceto uma que aguardava o início das aulas na universidade, e participavam ainda de atividades extraescolares, incluindo as esportivas. Quanto à ordem de nascimento, todos eram mais velhos que seus irmãos com TEA, com diferenças de idade que variaram entre três e nove anos. Em relação aos irmãos com TEA, as idades variaram entre três e 13 anos, todos do sexo masculino. Também foram variados os níveis de comprometimento do TEA, sendo um dos indivíduos leve e três deles moderados, conforme relatos maternos. Todos os indivíduos com TEA participavam de intervenções terapêuticas em instituições públicas e privadas, e estavam inseridos em escolas regulares. As características sociodemográficas dessas famílias são apresentadas na Tabela 1 e os nomes abordados são fictícios para preservar a identidade dos participantes.
Os critérios de inclusão para participação dos adolescentes na roda de conversa, foram: a) ter participado da pesquisa sobre concepções familiares e interações entre irmãos em casos de TEA; b) ter manifestado interesse voluntário em participar do encontro e; c) ter a autorização dos seus responsáveis e assentir a sua participação. Os critérios de exclusão envolviam o diagnóstico de depressão ou qualquer condição psicológica que se caracterizasse como fator de risco à participação no encontro.
Instrumentos
A escolha da roda de conversa foi delineada em concordância com Sampaio et al. (2014) sobre a horizontalização das relações de poder cujos sujeitos que as compõem se implicam, dialeticamente, ao privilegiarem a fala crítica e a escuta sensível de forma lúdica. Considerando a característica de ludicidade, parte-se para a descrição das atividades e recursos planejados e utilizados no encontro.
Inicialmente a pesquisadora apresentou a estrutura e os objetivos do encontro a partir de um roteiro disponibilizado a cada um dos participantes; houve, na sequência, uma dinâmica de apresentação com a utilização de papéis coloridos e girassóis naturais. A apresentação dos resultados da pesquisa se deu por meio de duas dinâmicas caracterizadas pelos seguintes recursos: 1) os resultados da pesquisa com os irmãos foram apresentados a partir de um cartaz com tópicos relacionados ao tema; 2) os resultados da pesquisa com as mães foram apresentados através de um quiz - jogo de perguntas e respostas registrado em papéis coloridos e enumerados de acordo com a sequência de perguntas relacionadas aos dados. Em ambas as situações, houve o uso do recurso de slides para exibição dos trechos de discursos ilustrativos dos dados apresentados, salvaguardando a identidade dos participantes ao adotar nomes fictícios.
Os registros da roda de conversa foram realizados por meio de gravações em áudio, através de um minigravador manual, como também de registros escritos em diários de campo contemplando falas, reações e impressões. Importante mencionar que foram entregues pastas contendo caneta, folhas para registros, programação do encontro e a letra de uma música denominada "Girassóis" como mensagem final.
Procedimentos
Inicialmente, é oportuno frisar que o presente estudo foi estruturado como projeto de pesquisa e submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sendo aprovado com Parecer nº 2.987.808 e CAAE 97824718.1.0000.5188. Todos os cuidados foram seguidos com vistas a minimizar o risco de impacto psicológico diante da temática, e a participação dos adolescentes foi assegurada mediante os termos de assentimento e de consentimento livre e esclarecido.
Para formar o grupo de adolescentes que constituiu o encontro, realizado por meio de uma roda de conversa, a pesquisadora retomou o contato com as mães e elas disponibilizaram os contatos telefônicos dos filhos. Feito isso, a pesquisadora contatou os adolescentes, mediante a autorização deles, criou um grupo por meio do aplicativo WhatsApp, com o objetivo de facilitar o agendamento do encontro considerando suas rotinas e atividades. Foram confirmadas as participações de sete adolescentes, entretanto, três deles não puderam comparecer devido à realização da semana de prova em algumas escolas. Além dos quatro adolescentes e da pesquisadora, fez-se necessária a colaboração de outra pesquisadora com as seguintes atribuições: operadora de áudio, observadora e relatora.
O encontro aconteceu no dia 16 de maio de 2019 e objetivou a apresentação dialogada dos resultados da pesquisa na qual os adolescentes e seus familiares foram participantes. O planejamento do encontro foi realizado previamente pela primeira autora e discutido com as outras duas autoras, todas pesquisadoras com experiência na área. A escolha do local para realização priorizou, além um ambiente propício para o diálogo, um local próximo com um espaço confortável para acolher as mães que precisassem aguardar os filhos durante o encontro. Posteriormente, os dados foram analisados a partir das transcrições integrais dos registros em áudio, do diário de campo e da literatura na área.
Para a análise dos dados, inicialmente, foi realizada a leitura, em sua integralidade, do material transcrito e dos registros no diário de campo. Na sequência, como critério para a seleção do conteúdo a ser analisado, levou-se em conta a sequência de acontecimentos na roda de conversa e o destaque dado pelos adolescentes aos temas abordados. Portanto, foram discutidos e apresentados aqueles conteúdos que suscitaram maior interação entre os adolescentes. Essa etapa foi realizada por duas pesquisadoras, que estavam presentes no encontro, e revisada por uma terceira pesquisadora, que não estava presente no encontro, todas com experiência na área. A descrição do conteúdo analisado foi feita considerando o contexto, as características dos participantes, as interações que caracterizaram os diálogos e o modelo bioecológico de Bronfenbrenner.
Resultados
Devolutiva dos Resultados da Pesquisa com os Irmãos
Com vistas a favorecer um contexto de informalidade e descontração, a pesquisadora utilizou como rapport o estabelecimento de conversas sobre assuntos como: escola, áreas de interesse, vestibular e uso de redes sociais. O local onde ocorreu se trata de uma sala confortável com carteiras dispostas uma de frente para a outra, favorecendo certa proximidade entre os participantes. Tais práticas oportunizaram que os adolescentes expressassem suas opiniões e impressões mantendo tais comportamentos ao longo do encontro. Foi observada a manutenção dessa postura de abertura ao diálogo por parte dos adolescentes, o que favoreceu o processo de produção e análise dos dados, tanto diretamente sobre o objeto de pesquisa, como suscitando outros a serem explorados.
Feito isso, foi dado início efetivamente à roda de conversa com uma mensagem de boas-vindas, acompanhada de um chocolate e de uma flor natural do tipo girassol. Na ocasião, houve o agradecimento pela participação, apresentação dos objetivos do encontro e o informe sobre o sigilo. Como uma dinâmica inicial, mediante a solicitação de observarem o girassol e escreverem em papéis coloridos o que para eles significava aquela flor, os adolescentes compartilharam respostas como: direção, liberdade, florescer, e o mais novo dos participantes destacou os aspectos mais visuais ou concretos da flor associando o seu centro a vários ferrões de abelhas e o líquido ao mel. Foram abordados pela pesquisadora os diferentes significados da referida flor, associando com a experiência fraterna em contextos familiares de indivíduos com TEA e com as respostas suscitadas a partir da atividade, caracterizando seu fechamento.
Eu coloquei liberdade. Não sei por que essa cor e essa flor representam muito liberdade para mim. Acho que é porque, diante de um padrão, ela é a única que olha para uma direção diferente, saindo de todas as outras. É como se saísse daquilo que ela é e mudasse, fosse livre para fazer o que quer (Antônia, 15 anos).
Na sequência, foi questionado aos adolescentes quais os resultados que eles tinham mais curiosidade em conhecer, se os referentes às mães ou aqueles referentes aos irmãos, e eles, em unanimidade, indicaram a segunda opção. A pesquisadora iniciou a apresentação a partir dos recursos em cartaz e slides, com os seguintes temas: rotina e atividades, conceito e composição de família, descrição dos pais e irmãos, explicação dos pais sobre a condição do irmão com TEA e expectativas para o futuro. Nesse ponto, é importante ressaltar que não se pretende apresentar detalhadamente ou discutir tais temas advindos da pesquisa sobre as concepções e interações familiares, mas as produções obtidas com a experiência de devolutiva da pesquisa a partir da roda de conversa, sendo apresentados aqueles que foram mais evidenciados pelos adolescentes em seus discursos.
No intuito de favorecer a participação dos adolescentes, a pesquisadora solicitou que eles lessem os trechos dos discursos, sendo tais trechos comentados tanto pela pesquisadora quanto pelos adolescentes, fato que tornou o momento mais dinâmico. Uma das adolescentes comentou sorrindo: "Eita [sic], já estou me identificando" (Antônia, 15 anos). Disse isso ao ler o seguinte discurso apresentado em slide: "Eu mexo muito com ele" [referindo-se ao irmão com TEA]. Outra estratégia também adotada nesse sentido foi a realização de perguntas antes da apresentação das respostas da pesquisa, tais como: "O que vocês acham que 'rolou' [sic] em relação às características das mães?". E os adolescentes responderam em meio a risos: "Nervosismo?"; "Estresse por antecipação?" ou "A minha é brava".
Foram observados relatos espontâneos de situações vivenciadas na rotina com seus irmãos com TEA, cujos demais participantes interagiram com perguntas ou comentários adicionais à experiência narrada. Tais relatos eram seguidos de sorrisos tanto de quem contava quanto dos demais participantes, são exemplos: "O meu [referindo-se ao irmão com TEA] eu abraço mesmo sem ele querer" (Jorge, 14 anos). "Tu viu [sic] o tamanho do meu? [referindo-se ao irmão com TEA] Imagina eu agarrando sem ele querer?" [risos] (Tom, 16 anos). "O meu [referindo-se ao irmão com TEA] eu faço voz de robô, digo: 'Augusto, eu estou com voz de robô!' E ele diz: 'Para!'" [risos] (Antônia, 15 anos). "Eu só lembro da série Atypical que a irmã vive irritando o irmão e ela diz: "Eu tô [sic] te preparando para o mundo" [risos] (Vitória, 16 anos).
Comentários adicionais foram realizados espontaneamente pelos adolescentes sobre situações do dia a dia, tais como: "O meu [referindo-se ao irmão com TEA] pode ensinar qualquer coisa que ele aprende. Ir no [sic] banheiro. É engraçado que quando ele está fazendo o número dois a gente abre a porta e ele vai e fecha na sua cara, é engraçado" [risos] (Jorge, 14 anos). "Outro dia eu estava quase dormindo, ouvi um barulho na cozinha, corri e o que foi? Ele estava lá [referindo-se ao irmão com TEA] todo vermelho e eu pensei: Meu Deus, ele pegou uma faca! Só que ele tinha se sujado com suco de acerola" [risos] (Tom, 16 anos).
Ao final, a pesquisadora indagou sobre a opinião dos adolescentes diante dos resultados da pesquisa e eles indicaram sentirem-se representados nas respostas, acrescentando que não imaginavam como poderia ser diferente.
Eu acho que a pesquisa foi muito assim, igual, sabe? Acho que me identifiquei com o que todo mundo falou [risos]. E assim, é... pessoas que têm um irmão com autismo, parece que é muito igual, sabe? Que tem comportamento igual, jeito de lidar igual e isso é muito legal (Antônia, 15 anos).
Também foi aludido pela pesquisadora o fator temporal, o fato de que as respostas estavam sendo apresentadas quase um ano depois e que mudanças poderiam ocorrer nesse período influenciando suas respostas. Sobre essa questão foi colocado por um dos adolescentes: "Não mudou. Mas eu acrescentaria coisas que eu não coloquei aí" (Vitória, 16 anos). Ao apresentar os dados referentes às expectativas para o futuro a pesquisadora questionou: "E aí? Quais as respostas que vocês acham que foram mais frequentes?". Dois adolescentes colocaram: "Não sei, vem muito aquilo que eu acho agora" e "Eu não consigo pensar no meu futuro, quanto mais no dele" [risos].
Devolutiva dos Resultados da Pesquisa com as Mães
No tocante à apresentação dos resultados das mães na mesma pesquisa, foi realizado um quiz como recurso de mediação, a partir do qual os adolescentes se mostraram bastante motivados. Cada adolescente foi convidado a pegar um cartão e responder o que acreditava terem sido as respostas da maioria das mães. Algumas questões foram: 1) Qual aspecto na definição de família foi apontado por todas as mães?; 2) Quem foi apontado pelas mães como membro da família?; 3) Ao descreverem a experiência materna as mães falaram sobre?; 4) Você acha que as mães descrevem os filhos típicos e os filhos com autismo diferentemente? Em caso afirmativo, em quais aspectos?; 5) Quais as explicações mais comuns dadas pelas mães aos filhos com desenvolvimento típico sobre seus irmãos com TEA?; 6) Qual a percepção das mães de como os filhos lidam com o fato de terem um irmão com TEA?; 7) O que você acha que elas esperam para o futuro da relação de vocês?
Da mesma forma que na apresentação dos resultados dos irmãos, os pontos apresentados suscitavam memórias, seguidas de relatos envolvendo seus irmãos com TEA e suas vivências familiares, assim como identificações com discursos explanados. Dois pontos observados nos discursos dos adolescentes que merecem ser evidenciados referem-se, em primeiro lugar, à empatia dos adolescentes ao responderem o que pensavam que suas mães tinham colocado, de forma muito aproximada às reais respostas maternas na pesquisa; em segundo lugar, ao conhecimento de termos mais científicos ou técnicos em relação ao assunto. Os discursos a seguir são elucidativos a esse respeito: "O que é TEA?" (Jorge, 14 anos) ou "Sensorial é tipo que gosta de tocar nas coisas? Ah, o meu irmão adora!" (Jorge, 14 anos). A exemplo do primeiro ponto relacionado à empatia dos adolescentes cita-se:
Bem, elas falaram das dificuldades que têm, falando o que eu tenho que fazer com o meu irmão, da interação que temos que ter uns com os outros, o que elas sentem em relação ao filho autista e com desenvolvimento normal [sic]. Sobre afetividade e as terapias que eles fazem (Jorge, 14 anos).
Na sequência, os adolescentes foram convidados a expressarem suas opiniões diante dos resultados e a sugerirem pontos para a elaboração de um material informativo dirigido a outros irmãos de indivíduos com TEA. De maneira geral, foi apontada novamente a identificação com os resultados e destacado positivamente o fato de conhecerem que outras pessoas lidam de forma semelhante com a situação. Também foi expresso por eles que era a primeira vez na vida que estavam tendo contato direto com uma outra pessoa que tinha um irmão com TEA e que tinha sido válida a experiência, como pode ser observado nos discursos: "A primeira vez que eu tenho contato com alguém que tem irmão autista é aqui mesmo" (Tom, 16 anos).
A primeira vez que eu cheguei a conversar com alguém que tinha um irmão autista foi no grupo que criaram da universidade. Eu falei que tinha escolhido o curso porque já fazia parte da minha vida por eu ter um irmão autista e ela falou: "Eu também tenho" [risos]. Foi a primeira vez que cheguei a conversar com alguém que tem um irmão autista também e foi interessante porque era muito parecido, muitas respostas que eu dava, ela também tinha (Vitória, 16 anos).
As sugestões dadas pelos adolescentes a outros irmãos e aos pais de indivíduos com TEA foram: a) dar atenção ao irmão com TEA, ajudá-lo, interagir com ele e se interessar por ele; b) dispor de tempo para conversar em família; c) valorizar o filho com DT, dar suporte, elogiá-lo e orientá-lo; d) os pais devem focar no filho com TEA, mas ajudar o irmão com DT quando ele precisar. Os discursos ora apresentados elucidam essas sugestões: "Eu acho que tem que focar no irmão com autismo, mas ajudar quando o outro precisa, nunca esquecer" (Tom, 16 anos).
Acho que é dar atenção, sabe? Porque, às vezes, assim, eu vejo muito com o meu irmão, que ele tá [sic] falando uma coisa e ninguém dá atenção porque ele tem esse problema. Aí eu acho assim, como a família é muito assim, o pilar, o pilar principal, eu acho até que seria a principal coisa, atenção, ajudar ele, assim, o que ele gosta, mostrar interesse, incentivar também (Antônia, 15 anos).
Nota-se que que o aspecto interacional recebe certa ênfase por parte dos irmãos, tanto nas relações entre pais e filhos, como também nas relações fraternas. Por meio da comunicação, do conhecimento sobre os interesses do outro e do oferecimento de suporte, eles percebem melhorias na qualidade das interações e no fortalecimento dos vínculos afetivos.
Eu acho que ajudou muito quando eu comecei a interagir com ele dessa forma, nas coisas que ele gostava. João gosta disso? [referindo-se ao irmão com TEA] Então vou começar também a brincar com isso para entender o que ele está fazendo. Eu entrei no universo dele e eu achei legal que ele gostou. Ele começou a se apegar mais a mim, eu comecei a entender o que ele falava enquanto os outros estavam voando [sic] e isso foi muito bom (Antônia, 15 anos).
Algo que a gente faz também, eu acho que todo mundo poderia separar um dia para fazer a mesa redonda para não ter esse problema de comunicação, porque era uma coisa que tinha muito quando a gente tava [sic] no tratamento mais intenso com meu irmão, a gente não tinha tempo para conversar [risos]. Hoje em dia a gente tá [sic] sempre fazendo isso, é bem melhor, alivia bastante os problemas (Vitória, 16 anos).
Partindo das sugestões supracitadas, é oportuno salientar o diálogo entre os adolescentes ao abordarem a necessidade e, para além disso, a importância do reconhecimento dos esforços e méritos dos filhos com desenvolvimento típico pelos pais. "Parece que alguns pais ficam tipo assim: não, ele é típico, ele é alguém que está garantido" [risos] (Vitória, 16 anos). "Não tem nada que impeça ele. Fica uma pressão maior realmente" (Antônia, 15 anos). "Agir de forma que possa ajudar: 'Parabéns filho, olhe essa nota!', e não: 'Ah, é sua obrigação!' [risos]. Meio que dar aquele suporte e não ficar o tempo todo cobrando, cobrando. Sempre elogiar, sempre orientar" (Antônia, 15 anos).
Mais adiante, a pesquisadora perguntou quais seriam os sinais de que o filho com DT precisaria de ajuda e eles apontaram: quando ele falar o que está acontecendo ou mesmo quando estiver calado. E as colocações variaram entre: "Quando eu tenho alguma coisa eu falo" ou "Eu sou muito de guardar para mim".
O encontro foi finalizado com a entrega de uma mensagem escrita pela mãe de cada participante. Os adolescentes leram suas mensagens em silêncio e, após isso, foram convidados para um lanche na área externa à sala, culminando com o encerramento do encontro. Contudo, em respeito aos aspectos éticos, a pesquisadora se colocou à disposição para quaisquer dúvidas que surgissem após aquele momento. Entretanto, nos dias seguintes após o encontro, foram encaminhadas, pelos adolescentes para a pesquisadora, apenas mensagens de agradecimento, não se fazendo necessários contatos posteriores ao da roda de conversa.
Discussão
Face aos aspectos supracitados, parte-se para a discussão dos dados considerando a transcrição dos áudios, o diário de campo e a literatura da área. Inicialmente sobre o estabelecimento de vínculos iniciais a partir de um rapport com assuntos em comum para os adolescentes, concorda-se com Moura e Lima (2014) ao afirmarem que o estabelecimento de vínculos de confiança e a conversação fluem melhor quando os participantes se conhecem e percebem pontos em comum.
A esse respeito, vale ressaltar que os adolescentes estabeleceram um bom vínculo, sendo respeitosos e empáticos uns com os outros. Foi interessante notar que eles abordaram diferentes aspectos de suas vivências, não apenas articulados ao fato de ter um irmão autista, mas também às características próprias da fase do desenvolvimento na qual se encontram. Também caracterizaram a roda de conversa os relatos de experiências acompanhados de sorrisos, denotando certa leveza ao abordar diferentes assuntos. Dugnani e Souza (2016, p. 256) que, ao tratarem sobre as interações no grupo, defendem a "reciprocidade das relações entre os sujeitos singulares no grupo, de modo que cada um e todos se sintam acolhidos e acolham os objetivos coletivos que os unem".
No tocante ao planejamento do encontro, os recursos, atividades e instrumentos utilizados levaram em consideração as características relacionadas à adolescência, bem como à cultura e aos contextos em que estão inseridos. Em consonância com Dugnani e Souza (2016, p. 248) entende-se os símbolos da cultura como mediadores, pois, por meio deles "pode-se atingir a subjetividade dos sujeitos, favorecendo sua expressão e promovendo o desenvolvimento da consciência de si e do outro".
Em razão disso, argumenta-se a importância de oportunizar o conhecimento e a troca de experiências com outros irmãos de indivíduos com TEA, seja na infância, adolescência ou fase adulta (Cardoso & Françozo, 2015). Assim como muitos pais se sentem aliviados ao conhecer e compartilhar experiências com outros na mesma condição (Gomes, Lima, Bueno, Araújo, & Souza, 2015), os filhos demonstraram, em seus relatos na roda de conversa, os benefícios dessa experiência. Sob uma perspectiva sistêmica de atuação do psicólogo, destaca-se a relevância de considerar as relações fraternas no processo de intervenção de indivíduos com TEA, superando atuações focadas unicamente no desenvolvimento de habilidades no indivíduo com TEA, atuando de forma integrada e entendendo que a família precisa ser contemplada nos programas terapêuticos.
Essa questão direciona a dois pontos observados nos relatos dos adolescentes e que se constituem como indicativos para ações de pais e profissionais. O primeiro deles se refere ao conhecimento de termos científicos ou técnicos que caracterizam o TEA e, por conseguinte, dos comportamentos do irmão, considerando a idade daquele com desenvolvimento típico. Ao que parece, o conhecimento de tais termos pelos irmãos pode assumir um caráter positivo ao influenciar suas crenças e concepções, visto que eles passam a compreender a natureza dos comportamentos dos irmãos com TEA e suas motivações, podendo levar à compreensão, adaptação e melhorias nas interações.
Nessa direção, Cardoso e Françozo (2015), em sua pesquisa com jovens irmãos de indivíduos com TEA, identificaram que aqueles receberam informações insuficientes sobre o diagnóstico do irmão e que tais informações, bem como a maneira como se esclarece o diagnóstico, influenciam a compreensão, favorecendo uma melhor adaptação nos membros da família. O referido estudo apontou, ainda, para as práticas de cuidado e o afeto em relação aos irmãos com TEA por parte dos irmãos com desenvolvimento típico.
As evidências do estudo empírico realizado por Van der Merwe et al. (2017) indicam a importância de modelos de intervenção e suporte para irmãos baseados em abordagens que considerem o ciclo vital, sugerindo que o apoio oferecido às crianças menores deve centrar na compreensão do transtorno e seu potencial impacto nas interações, enquanto, aos adolescentes, o apoio deve focalizar em adaptar seus comportamentos durante a interação com seu irmão com TEA.
Foi o que ficou evidente no relato de uma das adolescentes ao abordar as conquistas relacionadas à interação com o irmão utilizando como estratégia partir dos interesses dele. Tal adolescente, além de considerar a característica do TEA relativa à restrição de interesses, ela intuitivamente parte de duas habilidades de relevância na Psicologia, por favorecerem os processos de interação social e desenvolvimento: bidirecionalidade e responsividade.
Sob a perspectiva do modelo bioecológico, pode-se apreender o fato supracitado a partir do conceito de processos proximais, considerados como formas de interação no ambiente imediato, que constituem motores primários do desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1996). Dito isso, entende-se que as interações fraternas, por se caracterizarem como processos proximais, revelam-se como importante recurso para o desenvolvimento desses indivíduos ao longo do tempo.
Autores como Nunes, Aquino e Salomão (2018) e Semensato e Bosa (2014, 2017) destacam a relevância das crenças e concepções e sua relação com os sentimentos, pensamentos e atitudes parentais. De acordo com Semensato e Bosa (2017), as crenças individuais, de casal ou familiares vêm sendo reconhecidas como influências importantes na compreensão das pessoas, proveem coerência e organizam a experiência, permitindo aos membros da família que signifiquem suas situações de crise.
Sobre as crenças de familiares de indivíduos com TEA, esse tema tem sido alvo de interesse de profissionais pela sua contribuição em termos do planejamento de programas de intervenção dos indivíduos com TEA, elas constituem importantes fontes para compreensão do diagnóstico, do entendimento de quem é o familiar com TEA e do sentido de suas características (Semensato & Bosa, 2014).
Embora o referido encontro não tenha tido como objetivo intervir diretamente sobre aspectos psicológicos individuais relacionados aos assuntos abordados, é oportuno frisar que a emergência de suas vivências familiares, através dos discursos, somadas às trocas de experiências e ao conhecimento de perspectivas de diferentes pessoas em situações semelhantes, por meio da apresentação dos dados da pesquisa, pode assumir um caráter interventivo em relação às significações e concepções de cada membro no grupo a partir das reflexões suscitadas com o encontro. A esse respeito, Souza e Neves (2019) apontam a reflexão como força motriz na superação das tensões e contradições que caracterizam os processos de mudança.
Por esse motivo, a pesquisadora se colocou à disposição dos adolescentes e de suas famílias, conforme preconiza a Resolução Nº 5010/2016. Ainda sobre os processos de mudança, os adolescentes foram indagados sobre suas respostas e a influência do tempo. Foi colocado por um deles que, de fato, informações seriam adicionadas caso a entrevista fosse realizada atualmente, o que pode ter sido influenciado pelo vínculo de confiança estabelecido com a pesquisadora após um número maior de encontros. Nessa direção, cabe acentuar que os trechos lidos pelos adolescentes ora eram reconhecidos como seus, mesmo não sendo, ora não eram reconhecidos como seus, mesmo sendo. Esse dado também revela, além dos processos de mudança, a identificação com os relatos de outros adolescentes que vivenciam situações familiares semelhantes.
Convém mencionar também as próprias características do desenvolvimento cognitivo e psicossocial na adolescência que, sob uma perspectiva sistêmica, entende-se como um período do curso de vida caracterizado por múltiplas explorações e oportunidades, que variam em função dos diferentes contextos sociais e culturais, com grande potencial a ser desenvolvido (Senna & Dessen, 2012). Tais características coadunam com a escolha dos adolescentes por conhecerem primeiramente os resultados da pesquisa relacionados aos filhos, visto que nessa fase o interesse estaria mais voltado para os pares. Outra característica da adolescência que ficou evidente nos relatos foi a dificuldade em projetar-se no futuro, e também em projetar sua relação com o irmão no futuro. Conforme os próprios adolescentes afirmaram, era difícil pensar no seu próprio futuro, quiçá ainda mais no futuro relacionado ao irmão. Não obstante, essa pergunta foi essencial, visto que estudos na área consideram esse fator na compreensão das interações familiares (Cardoso & Françozo, 2015; Pietsrzak & Facion, 2006).
Partindo dessas concepções, entende-se a pertinência de abordar o conceito de crise que, segundo Souza e Neves (2019), impulsiona a superação, o desenvolvimento de novos modos de se relacionar com a realidade e a imaginação. Em concordância com as autoras, e de forma análoga, entende-se que os irmãos que participaram do referido encontro parecem estar em uma fase mais amadurecida do seu relacionamento com o irmão, cujas crises, questionamentos, conflitos e reflexões advindas da experiência em ter um irmão com deficiência podem ter sido ressignificadas.
Ao realizarem um estudo empírico com irmãos de indivíduos com TEA, Van der Merwe et al. (2017) argumentam que quando menores os irmãos demonstram terem mais dificuldades com as interações atípicas do irmão com TEA, até mesmo pelas características dessa faixa etária. Contudo, durante a adolescência, as habilidades para entender e lidar com seus irmãos com TEA podem aumentar, favorecendo a compreensão acerca das características e contribuindo para se tornarem mais empáticos com seus irmãos. Dito de outro modo, atitudes mais positivas em relação aos irmãos com TEA podem surgir à medida que se desenvolvem.
Esse aspecto remete ao conceito de maturidade, corroborando outros estudos na área (Cardoso e Françozo, 2015; Cid & Matsukura, 2008; Pietsrzak & Facion, 2006), ao indicarem que os irmãos com DT, muitas vezes iniciam sua responsabilização precocemente, até mesmo no fato de não se queixar da ausência dos pais ou da quantidade de atenção dirigida ao irmão com TEA. No presente estudo, isso ficou evidente em uma das sugestões que o adolescente indicou para outras famílias: focar no filho com TEA, mas ajudar o filho com desenvolvimento típico quando ele precisar, denotando a compreensão de que o irmão precisa mais dos pais. Correlato a isso, cita-se a empatia, outra habilidade observada nos adolescentes no momento que eles pensaram sobre as respostas maternas, visto que suas colocações foram muito aproximadas ao que as mães responderam de fato.
Os aspectos ora discutidos indicam a necessidade de abordar a resiliência parental estudada por Semensato e Bosa (2017), que, considerando os importantes reflexos do casal no sistema familiar, em relação ao cuidado e bem-estar dos filhos, trata-se de um processo que permite aos pais desenvolverem uma relação protetora frente às necessidades dos filhos e às do próprio casal em situações críticas. Fundamentada nos dados deste estudo como também na literatura supracitada, entende-se que os adolescentes demonstraram a partir dos seus comportamentos, concepções e relatos de vivências, que ter um membro na família com TEA é uma experiência difícil, mas que pode ser vivenciada pela família com sentimentos de segurança e apoio, constituindo importantes papéis no desenvolvimento. Nessa direção, a comunicação e o diálogo são fatores nesse processo, como indicado por uma das adolescentes.
De acordo com Silva e Dessen (2014), a depender da dinâmica das relações entre os membros da família, logo após o nascimento da criança e sua posterior evolução no decorrer do curso de vida, as relações familiares podem se manter com harmonia e equilíbrio, favorecendo estratégias de enfrentamento. Em conformidade com essa questão, McHale et al. (2012) apontam para o papel das características de indivíduos nas relações, as influências da família nos relacionamentos entre os irmãos e os atores socioculturais em relacionamentos entre irmãos.
Contrariando as expectativas das pesquisadoras, houve pouco destaque por parte dos adolescentes quanto às explicações aos filhos sobre o diagnóstico do irmão. Assim como Yamashiro e Matsukura (2013) e Cardozo e Françozo (2015), indica-se que os irmãos de crianças com deficiência sejam informados ao longo do tempo, através de exemplos, vivências, explicações e respostas às suas perguntas, que devem ser estimuladas pelos familiares e pelos profissionais envolvidos no processo.
Especificamente sobre a roda de conversa, pode-se perceber sua relevância no sentido de gerar em seus participantes uma postura de maior disponibilidade, favorecendo a troca de experiências entre os jovens adolescentes de forma espontânea. Diante da dinâmica observada na roda de conversa, a partir dos comportamentos e relatos dos adolescentes, identificam-se os efeitos positivos diante do encontro. Adicionalmente, cita-se Melo e Cruz (2014) ao apontarem que novos aspectos relacionados ao tema investigado vão se desvelando, podendo apontar possíveis vieses e novos caminhos para a compreensão da realidade. Posto isso, fica evidenciada a contribuição da roda de conversa em processos de devolutiva de pesquisas aos participantes, uma prática pouco abordada na literatura, porém de grande valor, haja vista o compromisso ético e social do pesquisador.
Por fim, convém enfatizar ainda a relevância do modelo bioecológico implicado em compreender as condições e processos que promovem o desenvolvimento humano, traz importantes contribuições para compreensão das interinfluências no desenvolvimento humano (Bronfenbrenner & Evans, 2000), sendo contempladas neste estudo a partir de aspectos como: características dos indivíduos, das relações familiares e dos contextos em que estão inseridos, considerando as mudanças ao longo dos anos em diferentes faixas etárias e o tempo de convivência com o TEA.
Considerações Finais
A motivação para a realização deste estudo se deu pelo compromisso ético com os participantes e pelo envolvimento com o fenômeno estudado, sendo uma contribuição para a área o compartilhamento desta experiência. As dificuldades durante o processo foram mais evidentes em relação à adesão dos participantes devido à extensa lista de atribuições, tanto deles quanto de seus responsáveis. Porém, a relevância do encontro e o que ele oportunizou em termos de discussão, troca de experiências e reflexão, superaram as dificuldades e as expectativas iniciais, delineando temas que podem ser direcionadores de novas pesquisas e ações de pais e psicólogos.
O fato de os adolescentes não abordarem queixas ou aspectos negativos de suas vivências não implica sua inexistência, tampouco a falta de reconhecimento das dificuldades inerentes à convivência com o TEA. Contudo, há de se considerar que esse pode ter sido um viés, pelos processos grupais estabelecidos, pela desejabilidade social ou pelo número reduzido de participantes. Posto isso, estudos desta natureza com um número maior de participantes devem ser realizados, considerando grupos de diferentes faixas etárias.
Pensando nas famílias, a contribuição deste estudo se revela ao oferecer aos pais respostas sobre como os filhos com desenvolvimento típico vivenciam a experiência em ter um irmão com TEA. O que sentem, como pensam e o que dizem constituem fontes de informações para os pais avaliarem suas práticas educativas, oferecendo elementos que possam auxiliar a resiliência parental. Por fim, espera-se que profissionais de diferentes áreas possam se implicar sobre o tema.
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Endereço para correspondência:
Emellyne Lima de Medeiros Dias Lemos
emellyne@gmail.com
Recebido em: 11/07/2020
Aceito em: 02/01/2021