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Interamerican Journal of Psychology
versão impressa ISSN 0034-9690
Interam. j. psychol. v.42 n.1 Porto Alegre abr. 2008
O leitor e o texto: desenvolvendo a compreensão de textos na sala de aula*
The reader and the text: developing text comprehension in the school setting
Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Brasil
RESUMO
O presente estudo de intervenção teve por objetivo desenvolver a compreensão de textos em crianças com dificuldades nesta área. Para tal, os participantes foram divididos em um Grupo Experimental e um Grupo Controle. Às crianças do GE foi oferecida uma intervenção em que os leitores tinham que relacionar informações textuais com seu conhecimento de mundo e integrar as informações mencionadas no texto. Não foram identificadas diferenças significativas entre os grupos no pré-teste. Entretanto, no pós-teste as crianças do GE tiveram um desempenho mais elaborado que aquelas do GC, sendo as únicas que melhoraram a compreensão de textos do pré para o pós-teste. A natureza da intervenção e suas implicações educacionais são discutidas em termos de práticas de ensino que desenvolvam a compreensão de textos no contexto escolar.
Palavras-chave: Dificuldades de Compreensão de Textos, Crianças, Inferências, Sala de Aula.
ABSTRACT
This study involves a teaching experiment aimed to improve children's text comprehension. Children with difficulties in text comprehension were divided into an Experimental and a Control Group. Children in the EG were given inferential training that required readers to relate textual information to their previous knowledge and to integrate information mentioned in the text. No significant differences were found between the two groups in the pre-test. However, in the post-test children in the EG were significantly more successful than those in the CG. Only the children in the EG showed improvement of their comprehension skills when compared in the pre- and in the post-test. The nature of the intervention and its implications for education are discussed in terms of finding useful ways of teaching comprehension in the school setting.
Keywords: Text Comprehension Difficulties, Children, Inferences, School Setting.
Três perspectivas caracterizam os estudos sobre compreensão de textos: uma de natureza teórica, outra empírica e outra educacional. A perspectiva teórica dedica-se à criação de modelos de compreensão de textos que envolvem tanto os processos cognitivos e lingüísticos, como a identificação de fases e estratégias no processo de compreensão. A perspectiva empírica volta-se para os resultados de pesquisas que investigam os fatores responsáveis pela compreensão de textos: (i) fatores lingüísticos: sintáticos, semânticos, léxicos, habilidade de decodificação; (ii) fatores cognitivos: memória de trabalho, capacidade de monitoramento, capacidade de estabelecer inferências. A perspectiva educacional envolve uma análise acerca de como a compreensão de textos é trabalhada na sala de aula e nos livros didáticos; procurando, propor uma prática de ensino que desenvolva esta compreensão.
A Perspectiva Teórica: Os Modelos de Compreensão de Textos
Dentre os diversos modelos na literatura, o modelo de construção-integração (CI) proposto por Kintsch (1998) é o mais abrangente e de maior impacto na área. O modelo focaliza o conhecimento de mundo do receptor do texto, os elementos textuais (conteúdo e forma lingüística) e a interação entre estes aspectos, especificando duas fases durante o processo de compreensão: (i) construção - na qual um modelo mental é construído local e gradativamente a partir do significado das palavras e proposições; (ii) integração - de natureza local e global, ocorre sempre que uma nova informação é adicionada, permitindo a construção de sentidos com base nas antigas informações e nas novas informações. Ao realizar este processo, o leitor integra informações veiculadas no texto (representação mental que corresponde fortemente ao que se denomina texto-base) e também integra essas informações com seu conhecimento de mundo (representação mental que corresponde às elaborações do leitor que se denomina modelo situacional). De maneira geral, os modelos vigentes são variações mais próximas ou mais distantes do modelo de Kintsch: extensões deste modelo (e,g., Zwaan, 1996); modelos híbridos em que o modelo de Kintsch se combina com outros modelos (e.g., Fletcher, van den Broek & Arthur 1996); modelos que conferem particular ênfase à representação mental (e.g., Garnham & Oakhill, 1996)2. No entanto, esses modelos apresentam em comum o fato de considerar a compreensão de texto um processo integrativo e construtivo, conferindo papel de destaque às inferências neste processo.
A Perspectiva Empírica: Os Fatores Envolvidos na Compreensão de Textos
Pesquisadores (Perfetti, Marron, & Foltz, 1996; Yuill & Oakhill, 1991) apontam diversos fatores como responsáveis pelas dificuldades experimentadas na compreensão de textos: decodificação ineficiente, nível de complexidade sintática das sentenças, limitações de vocabulário, falta de conhecimento específico, memória de trabalho limitada, deficiência no processo inferencial e falhas nas estratégias de monitoramento. Observa-se que, como afirmam Cain e Oakhill (2004), essas dificuldades se manifestam ao nível da palavra (decodificação, vocabulário), ao nível da sentença (sintaxe) e ao nível do texto (inferências, monitoramento, estrutura do texto, metacognição).
Longe de ser uma simples busca de informações explícitas, a compreensão é um processo de construção de significados a partir da integração de informações literais e inferenciais. As informações literais são aquelas explicitamente encontradas no texto; enquanto as inferenciais são informações implícitas derivadas da integração de informações intratextuais entre si e entre informações intratextuais e o conhecimento de mundo do leitor. Estudos diretamente voltados para as inferências examinam como elas são geradas e como se classificam (Ferreira & Dias, 2004; Graesser, Singer, & Trabasso, 1994; Graesser & Zwaan, 1995; Keenan & Jennings, 1995; Kintsch, 1998; Marcuschi, 1985; Oakhill & Cain, 2004; Spinillo & Mahon, 2007; Vidal-Abarca & Rico, 2003; Warren, Nicholas, & Trabasso, 1979) e a relação delas com outros fatores, como memória, monitoramento e conhecimento sobre a estrutura do texto (e.g., Oakhill, 1984; Oakhill & Yuill,1996; Yuill & Oakhill, 1991).
Com base nos autores mencionados, é possível afirmar que estabelecer inferências é um processo mental de alto nível, responsável pela formação de sentidos e pela construção de uma representação mental coerente do texto. Ao estabelecer inferências, o leitor tanto integra as diferentes proposições do texto como também preenche as lacunas deixadas pelo produtor do texto, lançando mão de seu conhecimento de mundo.
Yuill e Oakhill (1991) e Cain e Oakhill (2004), com base em uma série de investigações, traçaram um perfil das crianças com problemas de compreensão, mostrando que elas têm dificuldades em: (1) construir uma representação mental organizada e coerente do texto; (2) reter o significado, tendendo a memorizar representações baseadas nas frases e nas palavras literais do texto; (3) integrar as informações entre as partes do texto; (4) monitorar a compreensão; e (5) usar informação relevante para fazer inferências.
A Perspectiva Educacional: A Compreensão de Textos e as Possibilidades de Intervenção
De maneira geral, a prática escolar trata a compreensão de textos com base em duas premissas: (i) a compreensão de textos se desenvolve automaticamente a partir do domínio do código; e (ii) os exercícios contidos nos livros didáticos desenvolvem a compreensão de textos. Críticas ao primeiro ponto são feitas, tomando por base evidências empíricas que mostram que muitas crianças sem problemas ao nível da palavra (decodificação, vocabulário) apresentam dificuldades em compreender o que lêem, sobretudo em relação ao estabelecimento de inferências (e.g., Yuill & Oakhill, 1991). Quanto ao segundo ponto, a contribuição dos livros didáticos para a compreensão é bastante questionada. Marcuschi (1996), analisando as atividades de compreensão de textos presentes em livros didáticos amplamente adotados no ensino fundamental de escolas públicas e particulares da cidade do Recife, verificou que a grande maioria dos exercícios requeria do aluno apenas a cópia de passagens literais do texto a ser interpretado; e que apenas a inexpressiva porcentagem de 5% das perguntas sobre o texto endereçadas aos alunos requeriam o estabelecimento de inferências.
Na realidade, a escola pouco tem contribuído para a compreensão de textos dos alunos, como mostram Buarque, Higino, Miranda, Dubeux e Pedrosa (1992) ao avaliarem crianças de baixa renda alunas de 1a. à 4a. série de escolas públicas da cidade do Recife. Após a leitura de textos, as crianças eram solicitadas a responder perguntas literais (sobre informações explicitamente presentes no texto) e perguntas inferenciais (sobre informações que precisavam ser inferidas por não estarem explicitadas no texto). Comparações entre as séries mostraram que apesar do avanço em escolaridade, o progresso identificado era inexpressivo no que se refere à capacidade de fazer inferências. Esse dado indica que a habilidade de estabelecer inferências não é automaticamente desenvolvida com a alfabetização e com o avanço em escolaridade.
É possível desenvolver a habilidade de compreender textos? Como fazê-lo? Segundo alguns estudiosos como Marcuschi (1996) e Solé (1998), por exemplo, a escola deve promover o uso de estratégias de compreensão de maneira a levar os alunos a serem leitores autônomos e competentes. Essa afirmação encontra respaldo empírico em pesquisas que fornecem indicações de como esta habilidade pode ser desenvolvida.
Dias, Morais e Oliveira (1995), partindo das estratégias apontadas por Oakhill e Garnham (1988), investigaram o efeito de uma intervenção baseada na construção de uma imagem mental sobre a habilidade de compreensão em crianças com diferentes níveis de dificuldades nesta área (muita dificuldade, dificuldade média e pouca dificuldade). Foram formados um grupo controle e um grupo experimental compostos por crianças com esses três níveis de dificuldades. As crianças do grupo experimental foram instruídas a construir uma representação ou imagem mental do conteúdo de cada sentença em um texto logo após a sua leitura. Foi aplicado um pós-teste, verificando-se que as crianças do grupo experimental melhoraram seu desempenho, o mesmo não ocorrendo com as crianças do grupo controle cujas dificuldades persistiam. Concluiu-se que a estratégia da imagem mental durante a leitura dos textos contribuía para a construção de uma representação mental que, por sua vez, facilitava a compreensão de textos. Este tipo de estratégia permite que o leitor mantenha por mais tempo a atenção voltada para o conteúdo das sentenças e, assim, realize um processamento semântico do texto.
Outros estudos (e.g., Oakhill & Patel, 1991; Pressley, 1976), semelhantes ao de Dias et al. (1995) também exploraram o efeito da imagem mental sobre a compreensão de textos, treinando crianças a gerar imagens mentais de eventos presentes em uma história. De maneira geral, os resultados dessas pesquisas mostraram que a imagem mental pode ser uma forma bastante efetiva de melhorar a compreensão do texto, servindo de auxílio à memória no momento da retenção das informações contidas no texto.
Dando continuidade às investigações nessa área, Ferreira e Dias (2002) compararam o efeito de duas estratégias sobre a compreensão de textos em crianças e adolescentes com dificuldades nessa área: a estratégia de tomar notas durante a leitura de um texto e a estratégia de elaborar uma imagem mental (como no estudo anterior de Dias et al., 1995). Comparações entre esses dois grupos experimentais e um grupo controle mostraram que ambas as estratégias auxiliaram os participantes a alcançarem níveis de compreensão mais elaborados, mas que a estratégia de tomar notas foi ainda mais proveitosa que a estratégia de imagem mental.
Yuill e Oakhill (1991) fornecem evidências empíricas cruciais a respeito da possibilidade de melhorar a compreensão de crianças com dificuldades nesta área. Um dos estudos realizados por essas autoras versava sobre o efeito de instruções no aumento da consciência em fazer inferências. Crianças de 7 anos foram divididas em dois grupos: aquelas com um bom nível de compreensão de textos e aqueles com dificuldades de compreensão. Cada grupo foi dividido em um grupo controle e um grupo experimental. As crianças do grupo experimental foram instruídas a procurar por certas `pistas' no texto para obter determinadas informações solicitadas pelo examinador. O texto apresentado para treino consistia em uma história que deixava implícita uma série de informações sobre os personagens, o local onde os fatos ocorriam e sobre os eventos principais narrados. O examinador, então, indicava quais as palavras que serviam de pistas para responder as perguntas, fornecendo as explicações necessárias. Em outras palavras, as crianças eram instruídas a fazer inferências a partir de determinadas palavras e a partir da associação entre várias palavras contidas no texto. Em um segundo momento, a criança era apresentada a um outro texto, sendo solicitada, ela mesma, a identificar as palavras que serviam de pistas para responder as perguntas do examinador. O examinador fornecia feedback e explicações adicionais necessárias, e ele próprio indicava as pistas que não haviam sido mencionadas pela criança. Observou-se que a intervenção auxiliou as crianças a focalizar as passagens apropriadas da história, assim como auxiliou a fornecer respostas corretas. O efeito do treinamento não apenas auxiliou as crianças a focalizar os aspectos relevantes do texto como também auxiliou a estabelecer inferências a partir de determinados itens lexicais presentes no texto.
Em um segundo estudo descrito na mesma obra, Yuill e Oakhill (1991) procuraram desenvolver tanto a capacidade de fazer inferências como, também, a capacidade de monitoramento. Crianças com dificuldades de compreensão foram submetidas a uma intervenção semelhante àquela na pesquisa anterior no que concerne ao desenvolvimento da capacidade de fazer inferências, sendo, ainda, instruídas a, elas próprias, elaborarem perguntas sobre diversas informações contidas no texto. A instrução de levar as crianças a gerar as perguntas tinha por objetivo aumentar a consciência sobre sua própria compreensão, auxiliando-as a formular perguntas que poderiam guiar a compreensão. A intervenção envolvia, ainda, fazer predições acerca de passagens `escondidas' do texto. De modo geral, os resultados foram bastante semelhantes àqueles obtidos no estudo anterior: as crianças se beneficiaram do treinamento, melhorando a capacidade de fazer inferências.
Um terceiro estudo (Yuill & Oakhill, 1991) foi realizado em que, além do grupo controle, foram inseridos dois grupos experimentais. Um grupo era instruído a fazer inferências, seguindo o mesmo procedimento adotado nos estudos anteriores, e que consistia em encontrar as palavras que serviam de pistas e em adivinhar qual era a sentença escondida. Outro grupo era instruído a monitorar sua leitura a partir de perguntas que eram apresentadas (exemplo: por que?, o que?, quando?). As crianças eram, então, ensinadas a elaborar perguntas sobre o conteúdo do texto usando tais tipos de perguntas. Ambas as intervenções geraram um progresso significativo em relação à compreensão de textos. De modo geral, os resultados evidenciam que embora todos os tipos de intervenção fornecidos tenham propiciado avanços, a intervenção que mostrou ser a mais efetiva foi aquela que envolvia a combinação de inferência com monitoramento.
Os estudos acima descritos foram realizados individualmente em situações experimentais controladas. Seria possível, realizar intervenções semelhantes a essas em sala de aula? Essa foi a proposta da presente pesquisa que consiste em um estudo de intervenção conduzido em sala de aula cujo objetivo principal foi desenvolver habilidades de compreensão de textos em crianças com dificuldades nesta área a partir de intervenções específicas voltadas para o estabelecimento de inferências.
Método
Participantes
Quarenta e quatro crianças de baixa renda alunas da 4a série do ensino fundamental de escola pública da cidade do Recife foram igualmente divididas em um Grupo Experimental (média de idade: 10a e 8m) e em um Grupo Controle (10a e 10m). Todos os participantes apresentavam dificuldades de compreensão de textos, como verificado através do baixo desempenho obtido na Tarefa 1 no pré-teste (descrita a seguir), sendo incluídos apenas aqueles que, no máximo, haviam dado seis respostas corretas em um total de 11 perguntas. A média de acertos no Grupo Controle foi 6,0 e no Grupo Experimental foi 6,2.
Procedimento e Planejamento Experimental
Individualmente, todos os participantes realizaram um pré-teste e um pós-teste que consistiam em três tarefas, diferindo apenas quanto aos textos apresentados em cada ocasião de testagem. Cada testagem envolvia duas sessões com um intervalo de sete a dez dias entre elas. Na primeira sessão aplicou-se a Tarefa 1 (responder perguntas); e na segunda sessão, nesta ordem, aplicou-se a Tarefa 2 (resumo) e a Tarefa 3 (elaborar pergunta). O desempenho na Tarefa 1 no pré-teste foi utilizado para compor a amostra de maneira que participassem do estudo apenas crianças com dificuldades de compreensão. Ao Grupo Experimental foi fornecida uma intervenção em sala de aula, conduzida pela professora; enquanto o Grupo Controle não recebeu qualquer tipo de intervenção, continuando com a mesma prática de ensino adotada pela escola. O pós-teste foi aplicado três a quatro semanas após o término da intervenção.
Na Tarefa 1 (responder perguntas), a criança era solicitada a responder 11 perguntas sobre informações inferenciais a respeito de uma história que era lida conjuntamente com a examinadora; ficando, o texto, à disposição do participante (Anexo A). As perguntas, apresentadas uma por vez, de acordo com a seqüência de eventos do texto, versavam sobre: o cenário da história, os personagens, suas metas, obstáculos a superar, eventos, resolução da trama e conclusão. Além das perguntas inferenciais sobre o conteúdo do texto foram feitas perguntas complementares que versavam sobre a capacidade dos participantes em explicitar as bases geradoras de suas inferências. Respostas às perguntas complementares não foram utilizadas na composição da amostra, apenas as respostas às perguntas inferenciais, como mencionado. A passagem a seguir ilustra como foi o procedimento nesta tarefa no pré-teste:
Examinadora: (Pergunta inferencial): Qual era o horário da escola de Pedrinho?
Criança: Era de manhã.
E (Pergunta complementar): Como sabe? Onde foi que você viu isso aqui no texto?
C: Por ele dizer que ele ia ficar uma tarde e dois dias em casa. Então é de manhã.
No pós-teste essa mesma tarefa era apresentada, utilizando-se uma outra história, como mostra o Anexo B. A passagem a seguir ilustra como foi o procedimento nesta tarefa no pós-teste:
Examinadora (Pergunta inferencial): Que tipo de bicho é o tuim?
Criança: É um pássaro.
E (Pergunta complementar): Como você sabe que é um pássaro?
C: A história diz assim.
E: Você leu alguma coisa que te fez pensar assim?
C: Nessa parte aqui (indica no texto): aquele tuim macho passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda.
E: Tem dizendo que ele é um pássaro?
C: Sim, diz esvoaçando.
Na Tarefa 2 (resumo), solicitava-se um resumo escrito de uma história (diferente daquela apresentada na Tarefa 1) lida conjuntamente com a examinadora que esclarecia para o participante o que era um resumo. Concluído o resumo, solicitava-se a elaboração por escrito de uma pergunta (Tarefa 3) sobre algo que a criança considerasse relevante na história, como se ela fosse um professor que quisesse testar o conhecimento de seus alunos a respeito do texto. Neste momento, o texto era disponibilizado para o participante. Assim, a Tarefa 2 e a Tarefa 3 versavam sobre o mesmo texto. No pós-teste essas mesmas tarefas eram aplicadas, apresentando-se outra história de tamanho semelhante àquela lida no pré-teste.
Os textos nas três tarefas e nas duas ocasiões de testagem eram histórias longas. Optou-se por textos longos que fossem, de fato, representativos dos textos com os quais os leitores se deparam nas situações de leitura do dia-a-dia dentro e fora da escola. As sessões foram gravadas e posteriormente transcritas.
A intervenção consistiu em 12 sessões realizadas pela professora durante o horário de aula, no período de quatro a seis semanas, cada uma com duração de aproximadamente 90 minutos, perfazendo um total de 18-20 horas de atividades. A professora foi orientada antes e durante o período de intervenção através de encontros sistemáticos com a pesquisadora em que: (i) se lia e discutia textos sobre o tema da pesquisa; (ii) se planejava e preparava as atividades a serem conduzidas em sala (escolha de textos, confecção de material, roteiro de atividades etc.); e (iii) se avaliava as atividades já realizadas em sessões anteriores.
A dinâmica da sala se caracterizava por atividades em pequenos grupos e com a sala como um todo, envolvendo textos de diferentes tipos como: poesias, cartas, relatos de experiência pessoal, textos jornalísticos, textos acadêmicos; e, especialmente, histórias e fábulas. A professora procurava levar os alunos a: (i) estabelecer inferências (inclusive as de predição) a partir da integração de informações intratextuais (palavras e passagens no texto) e informações extratextuais (conhecimento de mundo do leitor); (ii) extrair as principais informações do texto; (iii) monitorar a leitura; e (iv) explicitar as bases geradoras de suas respostas e julgamentos relativos aos textos. Os textos eram sempre apresentados por escrito (no quadro, em cartazes e em folhas de papel) e a leitura era feita através de duas maneiras distintas: (i) a partir da metodologia off-line, mais comumente adotada, em que são feitas perguntas após a leitura de todo o texto; e (ii) a partir da metodologia on-line que consiste, basicamente, em uma leitura interrompida do texto, em que após cada passagem são feitas perguntas sobre o que foi lido até então (ver Spinillo & Mahon, 2007).
As atividades propostas requeriam dos alunos: identificar as principais idéias em um texto, recontar e resumir textos com base nas idéias principais, fazer predições sobre o que se segue no texto, identificar o tema, identificar palavras e sentenças que serviam de pistas sobre idéias não explicitadas no texto, relacionar as informações textuais a suas próprias experiências e conhecimento de mundo. Importante ressaltar que a intervenção baseou-se em um mecanismo psicológico relevante: a metacognição3. Esse mecanismo refere-se à habilidade de pensar sobre os próprios pensamentos e processos mentais, envolvendo a consciência sobre o que se está fazendo ou pensando em uma dada situação. No caso particular da compreensão de textos, a intervenção proposta levava o leitor a pensar deliberadamente sobre o texto em si (como um todo ou sobre partes dele), tratando-o como um objeto de análise e reflexão; e a pensar deliberadamente sobre o conhecimento de mundo que apresentava e que estava relacionado ao conteúdo do texto. O objetivo desta atividade metacognitiva era desenvolver no aluno a tomada de consciência em fazer inferências, como ilustra a passagem a seguir, extraída da intervenção conduzida em sala de aula:
Texto escrito4 (extraído de Yuill & Oakhill, 1991, p.201) apresentado a um pequeno grupo de crianças, ficando sobre a mesa, disponível para consulta:
Beto estava chorando. Todo o seu dia estava arruinado. Todo o seu trabalho fora destruído pela onda. Sua mãe se aproximou para consolá-lo. Mas, sem querer, pisou na única torre que ainda estava de pé. Beto chorou mais ainda. `Não ligue não' disse a mãe, `A gente constrói um outro amanhã.' Beto parou de chorar e foi para casa tomar um refrigerante.
Professora: Onde Beto estava?
Aluna A: Na praia.
Professora: Como sabem?Aqui no texto não diz.
Aluna A: (lê o texto novamente) Não diz, mas ele estava na praia porque fala da onda do mar. Então, estava na praia sim.
Aluna B: Tava na beira da praia com a mãe dele.
Professora: E o que foi que a onda destruiu?
Aluna B: O castelo que o menino estava fazendo. Ela derrubou tudo.
Aluna A: Foi, tudinho mesmo. Coitado!
Professora: Como você sabe que era isso que ele estava fazendo?
Aluna B: Porque eu sei.
Professora: Sabe como? Em que parte do texto diz que ele estava fazendo um castelo?
Aluna B: Aqui diz que a onda destruiu. Onda derruba castelo.
Aluna A: Ai também, ai depois aqui diz que a mãe pisou por cima da torre. Castelo de areia tem torre.
Análise dos Dados
Tarefa 1: Responder perguntas
As respostas foram analisadas de duas maneiras: (i) a partir do desempenho nas perguntas inferenciais relativas ao conteúdo do texto (não responde, resposta incorreta e resposta correta); e (ii) a partir dos tipos de respostas às perguntas complementares. Necessário esclarecer que a análise das perguntas complementares foi conduzida apenas em relação às perguntas inferenciais que haviam sido corretamente respondidas. Como mencionado, as perguntas complementares tinham por objetivo examinar se os participantes eram capazes de especificar as bases geradoras de suas inferências, sendo as explicações obtidas assim classificadas:
Tipo 1 (não localiza, localização vaga ou incorreta): afirma não saber, ou indica de forma imprecisa uma passagem qualquer do texto, ou indica de forma incorreta palavras ou frases que não se relacionam com a resposta dada.
Tipo 2 (localização adequada): indica, de forma precisa e correta, o local no texto (informação intratextual) que serviu de base para a resposta dada; e/ou relaciona a resposta dada a seu conhecimento de mundo (informação extratextual). Exemplos:
Examinadora: Quem era Seu Nicolau?
Criança: O dono do terreno.
E: Como você sabe disso?
C: Porque ele botou o terreno pra vender.
E: De onde tirou essa idéia?
C: Olha aqui: `Bem em frente do campinho uma tabuleta amarela anunciava: VENDE-SE. O dono é que vende.
Examinadora: Que tipo de bicho é o tuim?
Criança: Um passarinho, ora.
E: Como sabe que é um passarinho?
C: É feito o que eu tenho.
E: Onde você viu que era um passarinho?
C: Aqui diz que ele mora num ninho (aponta). O que vive no ninho é passarinho, ele cantava... Eu sei, eu tenho passarinho.
Examinadora: O que o menino pensou quando viu o vulto do gato?
Criança: Que ele tinha matado o passarinho.
E: Como você sabe que o gato matou o passarinho?
C: Porque gato mata passarinho mesmo. `Sangue no cimento e o vulto de um gato que sumia' (lendo no texto). Sangue no cimento é porque matou o bichinho.
Tarefa 2: Elaborar Resumo
Esta tarefa avaliava a capacidade do leitor de extrair as informações relevantes, apresentá-las com clareza e de forma breve. Os resumos produzidos no pré e no pós-teste foram analisados a partir de três critérios (Taylor, 1986): (i) Idéias principais: presença das idéias principais do texto, havendo sido elaborada uma lista das idéias principais relativas a cada texto; (ii) Clareza: afirmações que correspondem ao que consta no texto, apresentadas sem erros gramaticais que pudessem provocar confusão e apresentação dos fatos na ordem em que aparecem no texto ou em ordem que não comprometa a cadeia de eventos; e (iii) Brevidade: material condensado, conciso. Com base no número de palavras de cada texto (cerca de 220 palavras), decidiu-se que um resumo que atendesse ao critério da brevidade deveria ter cerca de 80 palavras. A partir desses critérios os resumos foram assim classificados:
Tipo 1 (não resumo): toda a história era narrada; ou era narrada uma história diferente daquela que havia sido lida.
Tipo 2 (resumo incompleto): embora o texto atendesse ao critério da brevidade, não atendia, plenamente, aos demais critérios (clareza e idéias principais). O caso mais comum era a ausência de informações consideradas relevantes.
Tipo 3 (resumo completo): o texto produzido apresentava todas ou muitas das idéias principais, atendendo, ainda, ao critério da brevidade e da clareza.
Tarefa 3: Elaborar Pergunta
Esta tarefa avaliava a capacidade de selecionar do texto informação relevante que, neste caso, poderia se tornar a resposta a uma dada pergunta. Parte-se do princípio que uma boa pergunta sobre um texto incide sobre aquilo que é crucial para sua compreensão e não sobre informações periféricas.
Tipo 1 (não pergunta): repetição ou paráfrase de passagens do texto, comentários sobre a história. Exemplos: "O gato era muito curioso"; "A brigona se machucou"
Tipo 2 (não conteúdo): pergunta que não se refere ao conteúdo do texto, mas sobre seus aspectos formais ou sobre a opinião/conhecimento do leitor acerca do texto. Exemplos: "Quais são os personagens?"; "Você entendeu a história?"; "Você gostou do gato?"; "Quantas linhas que tem nessa história?"
Tipo 3 (conteúdo): pergunta voltada para o que é veiculado (explicita ou implicitamente) no texto, podendo versar sobre uma informação irrelevante ou informação relevante.
As respostas obtidas nas três tarefas e nas duas ocasiões de testagem foram analisadas por dois juizes independentes, havendo um percentual de concordância entre eles de 97% na Tarefa 1, de 86% na Tarefa 2 e de 96% na Tarefa 3. Os casos de discordância foram analisados por um terceiro juiz independente, cuja classificação foi considerada final.
Resultados
Na Tarefa 1 (responder perguntas), como mencionado, os dados foram analisados em função do desempenho nas perguntas inferenciais (Tabela 1) e em função do tipo de resposta dada às perguntas complementares (Tabela 2).
O Teste U de Mann-Whitney detectou diferenças significativas entre os grupos apenas no pós-teste (respostas incorretas: U= 165; p< 0,01; respostas corretas: U= 162; p< 0,05). Como mostra a Tabela 1, o percentual de respostas corretas no Grupo Experimental (83,9%) é mais elevado que no Grupo Controle (55,4%), havendo um percentual baixo de respostas incorretas Grupo Experimental (7,4%) quando comparado ao Grupo Controle (33%).
O Teste de Wilcoxon mostrou haver diferenças entre o pré-teste e o pós-teste apenas em relação ao Grupo Experimental quanto às respostas corretas (Z= -2,3664; p< 0,05) e incorretas (Z= -2,6656; p< 0,01). Isso ocorreu porque há uma diminuição de respostas incorretas (33,5% e 7,4%), e um aumento de respostas corretas (56,6% e 83,9%) do pré-teste para o pós-teste, respectivamente. O desempenho no pré e no pós-teste permaneceu o mesmo no Grupo Controle. Ao que parece, a intervenção favoreceu o desempenho.
Na Tabela 2 constam os tipos de respostas dadas às perguntas complementares associadas às perguntas inferenciais que haviam sido corretamente respondidas.
De acordo com o Teste U de Mann-Whitney, os grupos diferem apenas no pós-teste tanto em relação a respostas Tipo 1 (U= 142; p< 0,05) e quanto Tipo 2 (U= 171; p< 0,05), visto que no pós-teste, o Grupo Experimental apresenta um percentual bem menor de respostas Tipo 1 (9,3%) do que o Grupo Controle (69,1%), e um percentual maior de respostas Tipo 2 (90,7%) do que o Grupo Controle (30,9%).
Segundo o Teste de Wilcoxon, no Grupo Experimental há diferenças entre as duas ocasiões de testagem tanto em relação a respostas Tipo 1 (Z= -3,7706; p< 0,01) como Tipo 2 (Z= -2,7459; p< 0,01). Observa-se um aumento de respostas Tipo 2 do pré-teste (66,1%) para o pós-teste (90,7%), e uma diminuição de respostas Tipo 1 do pré-teste (33,9%) para o pós-teste (9,3%). Esse resultado indica que a intervenção facilitou a localização de informações (intra e extratextuais) por parte das crianças ao explicitar as bases geradoras de suas inferências.
Quanto à Tarefa 2 (resumo), a intervenção também teve um efeito favorável. O Teste U de Mann-Whitney revelou que no pós-teste os grupos diferem quanto a resumos Tipo 1 (U= 178; p< 0,05) e quanto a resumos Tipo 3(U= 132,5; p< 0,01). Como ilustra a Tabela 3, há mais resumos Tipo 3 (resumo completo) no Grupo Experimental (36,4.%) do que no Grupo Controle (13,6%), enquanto que os não-resumos (Tipo 1) são mais freqüentes no Grupo Controle (31,8.%) do que no Grupo Experimental (18,2%).
A única diferença detectada pelo Teste de Wilcoxon foi entre o pré-teste e o pós-teste no Grupo Experimental em relação a resumos Tipo 3 (Z= -3,2958; p< 0,01). Após a intervenção, verifica-se um aumento de resumos completos (pré-teste: 4,6% e pós-teste: 36,4%) no Grupo Experimental (Tabela 3).
Na Tabela 4 constam os tipos de perguntas elaboradas pelos participantes na Tarefa 3.
O Teste U de Mann-Whitney identificou diferenças entre os grupos apenas no pós-teste em relação às perguntas Tipo 3 (U= 163; p< 0,05). Como perguntas Tipo 1 e Tipo 2 são pouco freqüentes no Grupo Experimental, não foi possível aplicar qualquer tratamento estatístico; no entanto, a quase totalidade das perguntas das crianças do Grupo Experimental é do Tipo 3 (90,9%), enquanto apenas um pouco mais da metade das perguntas das crianças do Grupo Controle se classifica nesse tipo (Tipo 3: 59,1%).
No Grupo Experimental, de acordo com o Teste de Wilcoxon, o pré e o pós-teste se diferenciam apenas quanto às perguntas Tipo 3 (Z= -2,6656; p< 0,01), visto que há um aumento dessas perguntas do pré-teste (54,5%) para o pós-teste (90,9%). Ao que parece, a intervenção favoreceu o aparecimento de perguntas relativas ao conteúdo do texto. No entanto, é importante examinar se tais perguntas versavam sobre informações relevantes ou sobre informações irrelevantes (Tabela 5).
Devido ao valor muito baixo das células não foi possível submeter os dados a um tratamento estatístico. No entanto, em termos de tendência, parece que as crianças do Grupo Experimental, após a intervenção, passam a elaborar perguntas sobre informações relevantes (65%) mais freqüentemente do que antes da intervenção (25%), e diminuem o percentual de perguntas sobre informações irrelevantes (pré-teste: 75%; pós-teste: 35%). O Grupo Controle não apresenta alterações entre as duas ocasiões de testagem (Tabela 5).
Conclusões e Discussão
De modo geral, os dados mostram que a intervenção teve efeito bastante positivo sobre a compreensão, tanto em relação a uma compreensão mais global do texto, como em termos de uma compreensão voltada para a capacidade de identificar as principais idéias nele veiculadas. Acrescente-se a isso o avanço da criança em relação à capacidade de estabelecer e explicar as bases de suas inferências (informações intra e extratextuais).
Em relação ao resumo, é possível comentar que, se antes da intervenção, as crianças tendiam a recontar todo o texto lido e a fazer resumos incompletos que omitiam as idéias principais do texto, após a intervenção as crianças do Grupo Experimental passaram a fazer resumos completos, claros, com informações relevantes e atendendo ao critério da brevidade. O mesmo não ocorreu em relação às crianças do Grupo Controle, que continuaram apresentando as mesmas dificuldades detectadas no pré-teste, sobretudo em relação à pouca habilidade em selecionar as informações relevantes do texto. De fato, saber identificar as informações principais é, sem dúvida, algo fundamental no processo de compreensão de textos que parece ter sido alcançado a partir da intervenção realizada em sala de aula.
A habilidade de identificar informações principais em um texto parece repercutir não apenas na produção de um resumo, mas também na capacidade de elaborar perguntas relevantes sobre o texto. Se inicialmente as crianças tinham dificuldades em elaborar uma pergunta diretamente relacionada ao conteúdo do texto, após a intervenção passaram a fazer perguntas sobre informações relevantes da história. Esse avanço foi creditado ao efeito da intervenção, visto que as crianças do Grupo Controle continuavam elaborando perguntas de natureza pessoal e que versavam sobre informações textuais de menor importância. Elaborar uma pergunta que seja representativa da essência do texto é atividade bastante sofisticada que indica que o leitor foi capaz de apreender algumas das idéias principais, interpretando-as como uma possível resposta a uma pergunta a ser criada (Solé, 1998).
Diante do avanço das crianças do Grupo Experimental, cabe perguntar: Quais as atividades em sala de aula que possivelmente contribuíram para a melhoria da habilidade de fazer resumo e da habilidade de fazer perguntas pertinentes? Segundo nossa análise, tanto para elaborar perguntas apropriadas como para produzir um resumo, é necessário identificar no texto as informações principais. Considerando as atividades realizadas na sala de aula, nota-se que havia uma forte ênfase em tomar o texto como objeto de reflexão e análise, fosse para identificar suas idéias principais, fosse para nele identificar as informações intratextuais que serviam de base para a geração de inferências. Também havia uma forte ênfase em levar a criança a tomar seu próprio pensamento como objeto de reflexão, solicitando que explicitasse suas formas de pensar sobre o texto, independentemente se apropriadas ou não. A combinação desses dois aspectos parece ter contribuído para que as crianças que participaram da intervenção passassem a explicitar as bases geradoras de suas inferências mais do que o faziam antes da intervenção e mais do que as crianças do grupo controle.
Na realidade, colocar em evidência tanto o texto como o próprio pensamento parece ter tornado a leitura dos textos uma atividade consciente e reflexiva. Essa atividade de natureza metacognitiva contribuiu para o desenvolvimento da compreensão, auxiliando as crianças, a partir da tomada de consciência de seu processo inferencial, a superar as dificuldades anteriormente experimentadas. Apesar de sua importância, os aspectos metacognitivos da compreensão de textos não têm sido tratados com a devida importância, sendo pouco expressivas as considerações feitas nessa direção pelos pesquisadores na área (Kleiman, 2002; Solé, 1998). Freqüentemente, os aspectos metacognitivos estão associados apenas ao monitoramento da compreensão pelo leitor (Oakhill & Yuill, 1996; Ruffman, 1996; Yuill, Oakhill & Parkin, 1989); no entanto, como mostra a presente investigação, os aspectos metacognitivos podem estar associados (i) à tomada de consciência do leitor acerca de seu processo inferencial, das bases geradoras de suas inferências; e (ii) à possibilidade do leitor tomar o texto como objeto de análise e reflexão, debruçando-se sobre suas passagens e informações veiculadas. Como sugere o título do presente artigo, é na interação entre o texto e o leitor que a compreensão se efetiva, e é essa interação que deveria guiar as situações de instrução na sala de aula.
Assim, é possível desenvolver habilidades de compreensão a partir de intervenção voltada para uma análise do texto e dos processos mentais realizados pelo leitor, como o estabelecimento de inferências. Desenvolver tais habilidades é crucial não apenas para a aprendizagem da língua materna, mas também para a aprendizagem de outras disciplinas em que o texto escrito é fonte de informações. Do ponto de vista aplicado, o estudo traz implicações educacionais importantes, sobretudo considerando-se os baixos níveis de compreensão de textos de alunos de escolas públicas no país.
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Received: 21/09/2006
Accepted: 08/05/2007
*Agradecimentos: Esta pesquisa foi financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A autora agradece a Silvana Regina Vicente de Melo, Elizandra Ferreira de Lima e Elynes Barros Lima pela participação na coleta e análise de dados. Agradecimentos especiais são endereçados a Márcia del Guerra pela brilhante atuação em sala de aula.
**Alina Galvão Spinillo. Professora Associada I no Departamento de Psicologia e na Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva da Universidade Federal de Pernambuco. Mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco, Doutora em Psicologia pela University of Oxford, Inglaterra; Pós-doutorado em Psicologia na University of Sussex, Inglaterra; Pesquisadora Nível 1 do CNPq.
1Endereço: Universidade Federal de Pernambuco, Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, CFCH, 8o. Andar, Cidade Universitária, 50.670-901, Recife, PE, Brasil. E-Mail: spin@ufpe.br
2Necessário esclarecer que o livro de Kintsch de 1998 trata-se do passo mais recente na evolução de sua teoria cuja primeira publicação data de 1978, seguida de duas outras obras de grande peso, uma publicada em 1983 e outra em 1988. Para maiores detalhes acerca da evolução teórica da obra de Kintsch, consultar Sadoski (1999). A partir desse esclarecimento é possível entender que as obras citadas neste parágrafo referem-se à teoria de Kintsch antes de sua revisão em 1998.
3Para aprofundamento sobre este conceito remeter a Flavell (1979), Seminério, Anselme e Chahon (1999) e Ribeiro (2003).
4Necessário esclarecer que enquanto os textos adotados nas tarefas no pré e no pós-teste tinham cerca de 220 palavras cada, alguns dos textos trabalhados em sala de aula eram bem mais curtos, com é o caso do texto apresentado seguir.
ANEXO A
História Apresentada no Pré-teste na Tarefa 1 (Responder Perguntas)
Texto com 483 palavras, retirado e adaptado de Spinillo e Mahon (2007)
Pedrinho chegou da escola feliz da vida. Não tinha nenhuma lição para fazer naquele dia. Já pensou, ter uma tarde inteira e mais dois dias de descanso e brincadeira? Era muita felicidade para um garoto só. Mas a felicidade ele repartia com os amigos da rua, enquanto brincava.
No almoço, entre uma colherada e outra do prato de arroz com feijão, foi contando as novidades:
- Sabe mãe, hoje tem reunião no campinho. Nós vamos decidir os times pro campeonato. Você já costurou o emblema na minha camisa?
A mãe, distraída, nem responde.
- Ô, mãe! E a camisa? Tá pronta?
Nisso a campainha tocou três vezes seguidas. Era o Baratinha chamando para brincar.
- Come logo uma banana e vai atender a porta, filho. Outra hora a gente conversa, tá?
Pedrinho achou esquisito esse jeito da mãe, de não olhar nos olhos enquanto falava com ele. Mas a campainha tocou novamente e ele então precisou sair, todo apressado
A mãe sentiu um aperto no coração. Ele ia ficar bem triste quando soubesse. E foi logo o Baratinha quem deu a notícia.
- Acho que não vai ter mais campeonato nenhum, Pedrinho. Seu Nicolau pôs o terreno à venda.
Pedrinho não acreditou, mas era verdade. Bem em frente do campinho uma tabuleta amarela anunciava: VENDE-SE.
Dali a pouco chegaram as outras crianças e ficaram todos ali, pensando no que fazer.
- Já sei! Vamos falar com seu Nicolau! Disse Pedrinho.
Mas o velho não estava para conversas. Queria mesmo vender o terreno e ponto final. Não que ele precisasse. Era dono de muitas casas na rua, inclusive a que Pedro morava.
- Mas seu Nicolau, é o único lugar que a gente tem para brincar! Na rua a mãe não deixa, na escola não dá tempo, em casa nem pensar... Onde é, então, que a gente vai brincar, hein?
Seu Nicolau sacudiu os ombros. As crianças que procurassem outro lugar. Disse também que o terreno era sujo, cheio de lixo, que não podia ficar assim, sem uso para nada. Foi então que uma idéia passou voando pela cabeça de Pedro. Ele piscou pros amigos, despediu-se do velho Nicolau e, no caminho de volta, explicou pra turma o que pretendia fazer.
Durante o sábado, Pedrinho e seus amigos trabalharam no campinho, trazendo caixotes, carregando lixo, catando latas e papéis no chão, varrendo. Quando voltou para casa já era quase noite. No Domingo, ao voltar da missa, seu Nicolau teve uma grande surpresa. O terreno à venda não parecia o mesmo! Numa faixa improvisada lia-se: PRAÇA DO SEU NICOLAU.
E todo o pessoal que havia ajudado na arrumação aguardou em silêncio, esperando a reação do velho homem. Pais, mães e crianças, num só olhar.
Seu Nicolau se aproximou deles, sem saber o que dizer, mas sabendo o que fazer. Caminhou lentamente até a tabuleta amarela de VENDE-SE e a arrancou do chão, com um sorriso.
Perguntas Inferenciais:
1. Que dia da semana era quando a história começou?
2. Qual era o horário da escola de Pedrinho?
3. Qual era o esporte que Pedrinho fazia?
4. Quem era Baratinha?
5. Quem era Seu Nicolau?
6. O que Seu Nicolau queria dizer quando ele sacudiu os ombros?
7. O que Pedrinho queria dizer quando ele piscou para os amigos?
8. Por que os meninos não queriam que Seu Nicolau vendesse o terreno?
9.Qual foi a surpresa que Seu Nicolau teve?
10. Qual foi a decisão de Seu Nicolau?
11. Como os meninos conseguiram convencer Seu Nicolau a não vender o terreno?
ANEXO B
História apresentada no Pós-teste na Tarefa 1 (Responder Perguntas)
Texto com 574 palavras, intitulado A história triste de um Tuim de autoria de Rubem Braga, retirado do livro Para Gostar de Ler, Vol. I _ Crônicas, Editora Ática. Algumas alterações foram realizadas sobre o texto original
Daquele ninho vinha um chorinho fazendo tuim, tuim, tuim... O ninho estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, e com uma vara conseguiu tirar o ninho sem quebrar. Dentro, havia três filhotes. Tuim tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas penas azuis, também. Três filhotes, um mais feio que o outro, os três chorando. O menino levou-os para casa; um morreu, outro morreu, ficou um.
Geralmente se cria casal de tuim para se apreciar o namorinho deles. Mas aquele tuim macho foi criado sozinho. Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa, comendo sementinhas de frutas. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstração: era o menino chegar na varanda e gritar: tuim, tuim! Às vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de repente aparecia ele, vinha certinho pousar no dedo do garoto. Mas o pai disse:
- Menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar um bando de tuins, adeus.
E o menino vivia de ouvido no ar, com medo de ouvir bando de tuins.
Foi de manhã, quando viu o bando chegar; não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo no meio das árvores. E o seu? Já tinha sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para longe; o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar; nada.
Só parou de chorar quando o pai chegou, soube da coisa, disse:
- Venha cá, o senhor estava avisado do que ia acontecer, portanto não chore mais.
O menino parou de chorar, mas como doía o seu coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria.
Decidiram levar o tuim para a cidade. O pai avisou:
- Aqui na cidade ele não pode andar solto; é um bicho da roça e se perde.
Aquilo encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala; a mãe não aprovava, o tuim sujava dentro de casa.
Soltar um pouquinho no quintal não devia ser perigoso, desde que ficasse perto; se ele quisesse voar para longe era só chamar, que voltava; mas uma vez não voltou. De casa em casa, o menino foi perguntando pelo tuim. Perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi para outra rua, para outra. Teve uma idéia, foi ao armazém:
- Tem gaiola para vender? Disseram que tinha.
- Venderam alguma gaiola hoje?
Tinham vendido uma para uma casa ali perto. Foi lá, chorando, disse ao dono da casa:
- Se não prenderam o meu tuim então por que o senhor comprou gaiola hoje?
O homem acabou confessando que tinha aparecido um bichinho verde, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Quis comprar, o filho dele gostara tanto.
- Não, o tuim é meu, foi criado por mim.
Voltou para casa com o tuim no dedo. Pegou uma tesoura: era triste, mas era preciso; assim o bicho nunca mais fugiria. Depois foi lá dentro fazer uma coisa que estava precisando fazer, e, quando voltou, viu só algumas penas e as manchas de sangue no chão. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e ainda viu o vulto de um animal que sumia.
Perguntas Inferenciais:
1. Que tipo de bicho é o tuim?
2. Qual a cor das penas daquele tuim?
3. Onde o menino morava no começo da história?
4. Por que o menino tinha medo de ouvir bando de tuim?
5. O que fez o tuim quando o bando de tuim apareceu?
6. Quando chegaram na cidade, o tuim sumiu. Para onde ele foi?
7. Por que o menino foi ao armazém perguntar se tinham vendido alguma gaiola?
8. O que o menino fez com a tesoura?
9. Por que ele fez isso?
10. O que aconteceu com o tuim no final da história?
11. O vulto que o menino viu era de que animal?