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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.21 no.1 Rio de Janeiro 2009
SEÇÃO TEMÁTICA
O trauma sexual e a angústia de castração: percurso freudiano à luz das contribuições de Lacan
Sexual trauma and castration anguish: freudian courses in light of Lacan's contributions
Luiza Vieira CoutoI,*; Wilson Camilo ChavesII,**
IGraduanda em Psicologia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)
IIDoutor em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar); Professor Adjunto do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ)
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo articular os conceitos de trauma sexual e angústia de castração a partir dos textos freudianos e à luz das contribuições de Lacan. Em Freud, estes conceitos acompanham a construção da psicanálise enquanto campo de investigação do inconsciente. O inconsciente nos indica o vazio fundamental que movimenta o desejo, a ausência do objeto. A fantasia, através do que se orienta o desejo, representa a permanência do objeto faltoso, a alienação do eu no Ideal de um gozo fálico. A angústia de castração funciona como sinal para a atuação dos mecanismos de defesa do eu, cujo último véu é a reivindicação fálica. Esta, articulada à angústia de castração, surge como "limite intransponível" da psicanálise. A proposta de Lacan é ir para além da angústia de castração, retornando, ao seu modo, ao conceito de trauma sexual.
Palavras chave: inconsciente; trauma sexual; angústia.
ABSTRACT
The objective of the present study is to articulate the definition of sexual trauma and castration anguish according to Freudian texts and Lacan's contributions. For Freud, these definitions follow psychoanalysis as a field that investigates the unconscious. The unconscious indicates the fundamental emptiness that moves the desire, the absence of the object. Fantasy, as a desire guide, represents the permanence of the missing object, the alienation of the ego within the ideal of the phallic pleasure. Castration anguish works as a sign for ego defense mechanisms to come into play, in which the last instance is the phallic pleasure. This, articulated to castration anguish, comes as a "non trespassing border" of psychoanalysis. Lacan's proposal is to go beyond castration anguish, returning, on his way, to the definition of the sexual trauma.
Keywords: unconscious; sexual trauma; anguish.
INTRODUÇÃO
A teoria psicanalítica assenta-se sobre uma ampliação do conceito da sexualidade, disposição psíquica que ultrapassa os fundamentos biológicos anatômicos e genitais, base primeira da atividade humana, donde para além do instinto animal nossa referência é a pulsão1 e o desejo - ou libido. O inconsciente - lugar da impossibilidade de satisfação da pulsão - é o conceito fundante da psicanálise. São pensamentos numa outra cena que não a do eu:
Freud é levado assim a distinguir dois modos do "pensar inconsciente": um pré-consciente, que corresponde a toda gama da atividade de pensamento virtualmente acessível; o outro, em que os pensamentos estão imersos no inconsciente no sentido estrito e só retornam sob a influência de processos ditos primários, isto é, pelas vias disfarçadas de tentativas de realização de desejo (Kaufmann, 1996: 276).
Para chegar a esta construção que hoje orienta o campo da práxis psicanalítica, dois conceitos foram fundamentais para a definição do campo de problemas relativos ao inconsciente, tanto em Freud, como em Lacan: o trauma sexual e a angústia de castração. É este percurso que acompanhamos no decorrer da teoria freudiana na tentativa de ler o texto "Inibições, sintomas e ansiedade" (Freud, [1926] 1976) a partir das elaborações trazidas por Lacan, que diz que o inconsciente só pode ser apreendido se abordado a partir de sua estruturação como linguagem, distinguindo o que denomina as três ordens da linguagem: o simbólico (anterioridade, alteridade, lugar dos códigos, representado pela função materna), o real (o que escapa, o resto) e o imaginário (lugar do narcisismo, da relação com o corpo). Consideramos este tema uma grande contribuição à práxis psicanalítica. Não há neste campo qualquer possibilidade de objetivação da "realidade psíquica". Somos convidados, portanto, a pensar a relação analítica por outras vias que não a da "relação de objeto", relação de conhecimento sujeito-objeto, via da identificação, do sentido e do saber sobre o objeto.
O sujeito do qual falamos, o sujeito do inconsciente, é o sujeito de um desejo, uma questão. A castração e o trauma como estruturantes do processo de subjetivação apontam para uma falta estrutural, fundante do saber sobre o desejo, sobre sua realização impossível, uma vez que o objeto buscado é apenas circulado pela pulsão2. O objeto do desejo é uma construção da ordem da fantasia, via pela qual se pretende ser sujeito de um laço social, cultural, familiar, etc. É frente a isso que sempre se posicionou Lacan, o que leva a uma mudança radical na concepção do sujeito do desejo e do lugar do analista, do seu desejo implicado pela relação analítica, uma vez que aqui não se trata da relação sujeito-objeto, nem de sujeito para sujeito, mas de uma relação ao inconsciente, cuja mola é a fantasia, que sustenta a relação transferencial. No Seminário 10, A angústia (Lacan, [1962-1963] 2005), é pela via do objeto enquanto causa do desejo que a questão da angústia é problematizada por Lacan. A angústia em Lacan é sinal do real.
Nesta via de referências, tentaremos acompanhar o percurso de Freud na sua relação com a angústia de castração e o trauma sexual.
A SEXUALIDADE COMO CAUSA PRIMEIRA
No texto "Estudos sobre histeria" de Freud ([1893] 1976), a preocupação central com a questão da etiologia dos fenômenos histéricos a partir da observação e investigação clínica leva à construção de uma primeira nosografia, baseada na hipótese central de que a etiologia das neuroses deve ser buscada em fatores sexuais. Freud divide essa causa sexual em duas vertentes: uma atual, que remonta à economia libidinal do sujeito e diz respeito a um "regime sexual" próprio às neuroses, em que está ausente a relação sexual tida como "normal", na qual homem e mulher, pelo coito, chegariam ao orgasmo. Neste quadro é constante a presença de angústia como acúmulo da libido que não foi descarregada de forma ideal, o que constituirá a primeira teoria freudiana da angústia. A outra vertente diz respeito aos fatores traumáticos como origem da neurose, cuja primeira explicação surgida da boca de seus pacientes é a "sedução traumática".
A ideia da "sedução traumática" remete a um abuso sexual sofrido na primeira infância pela criança por parte de um adulto. Essa sedução traumática não teria efeitos imediatos, mas a posteriori, na medida em que no momento em que ocorrera o sujeito não tinha possibilidades de entendimento, ela fora apenas registrada no aparelho psíquico, retornando num segundo momento no irromper da puberdade. Neste momento de "desenvolvimento" da sexualidade, essas cenas traumáticas voltam por meio do que Freud ([1893] 1976) denomina traumas secundários, ou "fatores desencadeantes" da doença neurótica, que despertam as cenas primárias, que retornam sob forma dos sintomas histéricos, uma vez que constituiriam fonte de grande desprazer se irrompessem na consciência, devido à formação de uma moralidade com a qual esbarrariam. Os sintomas, os clássicos ataques histéricos, representam o retorno, sob forma de reminiscência, do conteúdo traumático inconsciente. O afeto correspondente é investido no corpo e a ideia permanece inconsciente. O trauma marca a incompatibilidade entre uma ideia, carregada de intenção, e um afeto, que no momento do trauma não foi elaborado psiquicamente, ou seja, não pôde ser representado. Diante do trauma, a defesa movida pelo eu, hipótese freudiana: defesa que leva ao esquecimento e à supressão da ideia traumática.
A hipótese de Freud é que essas cenas causaram algum prazer ao sujeito no momento em que ocorreram (daí o nome "sedução"), prazer que se torna insuportável quando do surgimento das tendências sexuais púberes - momento já marcado pela educação e por uma aquisição da moral social. Deste modo, o sujeito não só não sabe daquilo que o afetou, mas não quer saber. A formação dos sintomas remete à defesa, por parte do ego, devido a uma divisão psíquica causada pelo trauma sexual. Há o esquecimento de um acontecimento no mínimo enigmático para o sujeito, que retorna sob forma dos sintomas histéricos, como fragmentos de uma experiência traumática.
A angústia é o afeto que paira sobre o retorno, via reminiscências, da situação traumática, como aquilo que não foi elaborado, um desprazer que indica a ressurgência do incidente traumático, suas impressões ou ideias correlativas. Na primeira teoria freudiana, a angústia é definida como uma descarga não-ideal libidinal, a não-ligação da libido a representantes específicos, de forma que surge um desprazer inespecífico no lugar vazio da representação. No entanto, em Freud ([1893] 1976), o desprazer se especifica ao remontar a uma situação traumática, inconsciente, relativa a experiências sexuais da primeira infância, não elaboradas, de modo que insistem sob forma de desprazer. O motivo principal para a construção dos sintomas é a libido, a energia pulsional.
A hipótese da sedução traumática é logo abandonada por Freud, em meados do ano de 1897, quando das suas primeiras elaborações sobre a fantasia inconsciente, que se pautam na ideia da defesa implicada na situação traumática, na resistência encontrada na clínica à rememoração das cenas ditas traumáticas e na ideia de que dessas cenas decorrem "impulsos" de ordem sexual. Paralelamente, com seus estudos sobre a memória (Freud, [1896] 1976, Carta 52), Freud diz sobre o caráter de falsificação da mesma, dado por rearranjos constantes em sua organização, que dão origem às fantasias. No centro dessas ficções, encontra-se a presença dos pais como agentes traumáticos e uma ambivalência de sentimentos em relação a eles. Essas considerações levam à construção de uma teoria da sexualidade infantil. Freud ([1905] 1976), no texto "Três ensaios sobre uma teoria da sexualidade", diz que na primeira infância o sujeito é um ser de pura satisfação e que é em relação a essas experiências sexuais primeiras que se ordena toda a vida sexual do adulto. Elas dão origem à fantasia inconsciente que orienta o sujeito na sua relação com o desejo, sua economia libidinal, pois constituem um primeiro laço com o outro, imaginário, orientada pelo princípio do prazer3.
O desejo possui relações estreitas com a formação de sintomas e com o trauma e a angústia. Nesta relação com o desejo, o trauma e a angústia representam, respectivamente, uma divisão na relação com o desejo, na medida em que sua representação é barrada ao eu4, fixada como inconsciente - não há realização do desejo -, dividindo o sujeito na relação com aquilo que o constitui - seu desejo - e o que desta divisão sobra, insiste como desprazer, a angústia.
A CASTRAÇÃO E OS OBJETOS PARCIAIS: CENÁRIO DO DESEJO
Neste contexto, a teoria das organizações sexuais infantis nos leva a três momentos específicos da relação sexual: o autoerotismo, o narcisismo e a relação de objeto, etapas constitutivas do sujeito como eu a partir de sua diferenciação com relação ao mundo que o circunda. O autoerotismo é um momento em que todos os objetos servem à satisfação; há aqui fragmentação do corpo. O narcisismo indica o momento imaginário por excelência de alienação da satisfação na representação do corpo próprio, antecipado como unidade corporal a partir do outro, com o qual se confunde, neste momento, o eu, aqui, em vias de formação, eu ideal. Há aqui uma primeira diferenciação, que é em relação aos limites do corpo próprio, cuja sustentação é pautada no outro. O momento da "relação de objeto" parte da diferenciação simbólica entre o eu e o outro; é orientado pelo complexo edipiano e pelo complexo de castração, que dão origem à última teoria freudiana sobre o trauma e a angústia. A diferenciação simbólica se dá em termos do desejo sexual, que recebe a lei da interdição.
O Édipo e a castração marcam o corte sofrido na relação do sujeito com a sexualidade, com sua satisfação primeira, de cunho autoerótico, donde todos os objetos lhe servem ao prazer - o ser de gozo da infância. Os complexos descritos por Freud representam o início de uma identificação que permite ao sujeito amar outra pessoa fora do seu núcleo parental pela via de uma identificação primordial com a Lei do Pai, que ocupa lugar privilegiado na economia libidinal de sua mãe. Essa identificação primeira, de nível simbólico, é o momento do recalque primário, que fixa o desejo como inconsciente. É o momento também da constituição da fantasia fundamental. A fantasia é o resquício da primeira infância, a conservação de algo desta satisfação primeira, que é orientada pelo princípio do prazer submetido posteriormente ao princípio de realidade, sob o qual insistem as exigências do primeiro.
A ideia de uma primeira experiência de satisfação está presente em todo o texto freudiano como aquilo em direção ao que o desejo se orienta como experiência perdida, reminiscência do objeto de satisfação que foi perdido no desmame, o seio materno.
A relação privilegiada do sujeito com a mãe nos seus primeiros anos de vida é, de início, indiferenciada, de modo que o seio é uma parte do corpo do próprio sujeito. Freud ([1905] 1976) nos diz que o seio entra numa série de objetos parciais que fazem parte do corpo próprio do sujeito: além do seio, as fezes e o falo, que coroa essa série como ilusão da totalidade do objeto. Todos estes objetos são perdidos, fontes de angústia, e preparam o terreno da castração simbólica:
A psicanálise recentemente ligou importância a duas experiências por que todas as crianças passam e que, segundo se presume, as preparam para a perda de partes altamente valorizadas do corpo. Essas experiências são a retirada do seio materno - a princípio de modo intermitente e mais tarde definitivamente - e a exigência cotidiana que lhes é feita para soltarem os conteúdos do intestino. Não existe, porém, prova que demonstre que, ao efetuar-se a ameaça de castração, essas experiências tenham qualquer efeito. Somente quando uma nova experiência lhe surge no caminho, a criança começa a avaliar a possibilidade de ser castrada, fazendo-o apenas de modo hesitante e de má vontade, não sem fazer esforços para depreciar a significação de algo que ela própria observou. A observação que finalmente rompe sua descrença é a visão dos órgãos genitais femininos (Freud, [1924] 1976: 219).
A mãe detém os modos e meios de satisfação. O seio que a criança pede com seus gritos estabelece uma relação específica, entre a mãe e o filho, de satisfação narcísica, como uma completude. As fezes, a criança lhe oferece ou não como dom, como aquilo que lhe é mais caro, constituindo a fase anal como uma primeira separação do sujeito desse desejo da mãe, na medida em que ele pode ou não dar-lhe seu corpo, sua satisfação, que é também e principalmente satisfação da mãe, que educa o esfíncter. Esses objetos parciais são tomados pela representação fálica a partir do complexo edipiano, despertar do desejo sexual na relação com a mãe, desejo que é barrado, interditado por um terceiro, o pai (ou terceiros), que entra nessa relação mãe-filho barrando suas satisfações recíprocas, uma vez que a mãe também investe em seu filho seu desejo. Neste momento é colocado em questão pelo sujeito o seu lugar nesse desejo da mãe, cuja referência é fálica, ideal. É o início da operação de castração. Ora, a castração é a descoberta do sujeito de que há o outro sexo.
A castração é a castração da mãe. A mãe não tem o falo na sua equivalência imaginária com o pênis. Na relação primeira com essa função materna se constitui o eu ideal, como aquilo que o sujeito apreende de si, dado pelo olhar da mãe, suas fantasias em relação a ele. O eu ideal se constitui como as primeiras identificações do sujeito, imaginárias, a partir do desejo da mãe e na relação a estes objetos parciais, no lugar que eles ocupam na economia libidinal da mãe, que é o lugar do próprio sujeito, daquilo que lhe é mais próprio.
Na descoberta da castração no centro desses seres supostamente completos que eram a mãe e seu filho, o sujeito se orienta em relação àquilo que pode nomeá-lo, dar-lhe um lugar no simbólico. O lugar do sujeito pela via das representações, de onde pode construir algum saber sobre si, é ancorado no outro desde o narcisismo. Na via do simbólico, do nome, encontra lugar o Ideal do eu, pela via da identificação paterna, propiciada ou não pela mãe, a lei do Pai, o interdito que precipita o recalque. O recalque primário faz surgir o desejo alienado nas representações parentais. Há também o recalque secundário ou recalque propriamente dito, que coincide com o que Freud denomina de retorno do recalcado: "Se o ego, na realidade, não conseguiu muito mais que uma repressão do complexo, este persiste em estado inconsciente no id e manifestará mais tarde seu efeito patogênico" (Freud, [1924] 1976: 222). O recalque propriamente dito incide sobre os complexos parentais.
O corpo do sujeito é erótico e esse erotismo coincide com um investimento por parte da mãe, através do seu desejo, e de sua palavra de amor - que Lacan denomina de demanda de amor. O sujeito se orienta quanto à satisfação a partir dessa relação primeira. O desejo é herdeiro da relação parental, relação que é apreendida através da relação com o desejo da mãe enquanto este é o lugar de uma função primordial - lugar da palavra e de sua ausência.
DO "LIMITE INTRANSPONÍVEL" DA ANÁLISE
No texto "Inibições, sintomas e ansiedade", Freud ([1926] 1976) define o trauma sexual como a perda do objeto que ocorre nas diversas "fases do desenvolvimento" do desejo, que são contadas a partir da castração como perda simbólica. A angústia é definida por ele como sinal da perda do objeto fálico, possibilidade de que um novo objeto seja perdido. Como pudemos observar, o objeto nunca existiu, ele é da ordem da fantasia, fundado sobre objetos reais, mas apreendidos numa relação específica de acordo com as representações da mãe e daquilo que daí o sujeito pode simbolizar.
Com o texto "Análise terminável e interminável" podemos perceber aonde essa consideração de Freud ([1937] 1976) sobre a existência de uma satisfação primeira, perdida, e de um objeto primeiro, fonte dessa satisfação, o leva: ao que ele denomina "impasse supremo do neurótico", sob forma da reivindicação fálica, que denuncia a falta do objeto fálico e a crença em sua existência (e potência) - a inveja do pênis, nas mulheres, e o medo de perder o pênis, nos homens. A angústia de castração é um encontro - desencontro - proporcionado pela relação transferencial, com o analista.
Podemos concluir com a impossibilidade e com a inconsistência do objeto fálico, condição dessa satisfação sustentada pela/na fantasia, como realização do desejo. O objeto é da ordem de uma representação e, portanto, uma construção do sujeito frente à realidade do vazio, da falta da mãe, de seu desejo, que é enigma, questão - questão que a fantasia, como suporte do desejo, mascara.
A ANGÚSTIA DE CASTRAÇÃO E A SATISFAÇÃO DA FANTASIA
A angústia é um sinal em função do eu. Este busca uma satisfação ideal, narcísica, pela via da relação com o outro. Acontece que esse eu que se pensa não sabe daquilo que o movimenta, uma parte dele é inconsciente. A angústia de castração é o sinal do trauma sexual, daquilo que desse eu é uma satisfação que é pura perda, não-sentido. A angústia como sinal movimenta o recalque, via da alienação da satisfação na fantasia inconsciente.
Da relação com o outro o sujeito espera apreender algo sobre seu falo perdido - satisfação barrada, castrada -, trata-se mesmo de reencontrá-lo, para que o desejo se realize. Mas há algo do desejo que sempre escapa, uma peça que sempre falta para completar-se o sentido do desejo - o objeto. A relação sexual é em si traumática, uma vez que não há orientação simbólica que dê conta da falta implicada no desejo, a falta do objeto, índice de sua realização. Essa orientação simbólica é forjada com os restos das primeiras experiências de satisfação pulsional, com os quais o sujeito constrói seu mundo. Há identificações, mas elas são insuficientes e fragmentadas. A angústia é sinal da realidade mais singular de cada sujeito, daquilo que para cada um representa a ausência mesma de seu ser, no momento em que a fantasia desmorona por alguns instantes e deixa ver seu caráter de desprazer implicado na relação sexual.
A nosografia freudiana nos aponta para a relação do sujeito com a castração, a perda do objeto do desejo, de forma que no texto "Inibições, sintomas e ansiedade" Freud ([1926] 1976) descreve aquilo que na histeria, na neurose obsessiva e nas fobias surge como angústia e se constitui em sintoma em função da castração imaginária, pautada na referência fálica. O sintoma é uma satisfação substitutiva, inconsciente, de um desejo recalcado, marcado pela castração. O recalque é o principal mecanismo de defesa do eu nas neuroses. É através da castração que o sujeito acede ao simbólico, origem da "tragédia" individual de cada sujeito, traduzida por Freud pelo mito edipiano.
A angústia de castração funciona, na neurose, como permanência do desejo recalcado, permanência da fantasia como resposta a esse desejo, resposta ao não-sentido do desejo. Mas, por outro lado, aponta para a realidade simbólica da castração, para além da castração imaginária, referenciada na experiência edipiana. Do sentido dos sintomas ao não-saber sobre a satisfação, uma vez que nela está implicado o Outro5, lugar do inconsciente.
É em função da angústia de castração que o pequeno Hans movimenta toda sua fobia. Sua fobia surge como uma saída para uma angústia que o toma na sua indeterminação frente à relação com sua mãe e à iminência de perda do lugar de objeto. A mãe fica grávida, Hans não é mais seu falo, o que o desorienta quanto ao seu modo de satisfação atual. A questão do desejo de sua mãe vem em seguida, encenada por um conjunto de cenas de fantasias infantis relativas ao enigma da relação sexual. Ele perde o seu "pipi", socializando-o, encontrando outro lugar para sua satisfação, uma referência simbólica.
Na fobia, no auge de sua angústia, do perigo da castração, ele trata de se assegurar de que o objeto realmente existe, dando origem a sua fobia de cavalos. O objeto está aí presente como marcado por uma lei - que é da ordem do sintoma, presente nas proibições a que ele se submete - que se constitui numa relação com o desejo enigmático. O objeto é ele, Hans. Ele produz respostas a esse furo no saber, à ameaça de castração quanto a seu lugar no desejo da mãe:
A menina gosta de considerar-se como aquilo que seu pai ama acima de tudo o mais, porém chega a ocasião em que tem de sofrer por parte dele uma dura punição e é atirada para fora de seu paraíso ingênuo. O menino encara a mãe como sua propriedade, mas um dia descobre que ela transferiu seu amor e sua solicitude para um recém-chegado. [...] Mesmo não ocorrendo nenhum acontecimento especial tal como os que mencionamos como exemplos, a ausência da satisfação esperada, a negação continuada do bebê desejado devem, ao final, levar o pequeno amante a voltar as costas ao seu anseio sem esperança (Freud, [1924] 1976: 217).
O apelo à Lei do Pai é no sentido de fazer laço com uma satisfação que não se prende a modos e é não-adaptável, mas adaptada como fantasia. Como referência simbólica, a Lei do Pai - que permite a Hans existir no simbólico - articula de algum modo o desejo de sua mãe, assegurando seu lugar na ordem das representações.
A ANGÚSTIA ENTRE A PULSÃO E O DESEJO
A angústia é, pois, o afeto por excelência. O afeto-angústia é sinal de uma satisfação que excede no campo das identificações, sinal da realidade mesma do sexual, daquilo que dele é falta, impossibilidade. Freud ([1926] 1976), no texto "Inibições, sintomas e ansiedade", aproxima a angústia, como afeto, da pulsão, na medida em que é o afeto enquanto desligado das representações que constituem as identificações do ego, no que este se constitui como depositário de identificações abandonadas. Estas funcionam como referência para o desejo, na medida em que marcam o sujeito na dimensão do ser, no simbólico: da mãe que especifica os modos de satisfação ao mito do Pai, como referência simbólica, cultural, à satisfação, que passa do autoerotismo primário ao Ideal.
Essa satisfação primária, fora das identificações Ideais do sujeito, insiste, se repete, pois é o que constitui a realidade mesma do sujeito, como falta-a-ser, desejo. Mas no que a exigência de satisfação se repete, o faz como vicissitude traumática na neurose, fonte de angústia, uma vez marcada pela problemática fálica, no que esta implica de furo na relação de amor, na neurose. Há um furo na ideia de adaptação, de felicidade prometida pelas linhas do destino, de um Bem. Furo no centro do ser do sujeito e de suas referências simbólicas, pautadas numa significação fálica, pois estas referências simbólicas se mostram insustentáveis frente à exigência da pulsão.
A angústia, movimentando o recalque, engendra toda a repetição implicada na satisfação da fantasia, modo de sustentação do desejo no simbólico pela via da alienação do sujeito. A angústia, afirma Lacan, tem uma função mediana entre o desejo e o gozo.
CONCLUSÕES
O texto freudiano "Análise terminável e interminável" (Freud, [1937] 1976) nos mostra que a angústia de castração está relacionada a uma indeterminação do sujeito no simbólico, introduzida pela fantasia, que movimenta o processo de recalque, fonte dos sintomas neuróticos. Há, no entanto, pela via da transferência, a possibilidade de mudança de posição subjetiva do sujeito, uma vez que é pela e na transferência que a angústia de castração surge na sua forma mais singular, referenciada à figura do analista, no que ele sustenta, na fantasia do sujeito, o lugar desta indeterminação.
Freud afirma que a angústia de castração é o "limite intransponível" de suas análises. Ali onde o objeto falta, o sujeito quer saber, quer ser e quer ter... Lacan ([1962-1963] 2005) afirma que a pulsão está, na neurose, articulada à demanda. Esta funciona no lugar do objeto da fantasia, do vazio do desejo do Outro. A questão colocada em relação ao término da análise, a possibilidade de transposição do termo da castração, deve ser pensada na direção do que é o desejo do analista, uma vez que este está implicado pela e na fantasia do analisando - o desejo do analista está implicado pelo/no inconsciente, terceiro termo na relação analista/analisando. O desejo do analista presentifica o enigma do desejo inconsciente e é por esta via que a análise pode levar o sujeito, segundo Lacan, para além da castração neurótica.
Freud ([1937] 1976) nos indica a pulsão como empecilho ao término da análise, como exigência de satisfação mortífera para o eu, causa do mal-estar. O eu se oferece como coerência possível do desejo, de modo a cobrir o mal-estar da relação sexual, lugar dos laços sociais para a psicanálise. A moral, o ideal de um bem comum, de um amor ao próximo mascara o que desta relação é insuportável: a impossibilidade da relação sexual. Perda do sentido, da significação, do objeto, morte do desejo.
Segundo Freud e Lacan, a análise deve estar do lado do inconsciente, pois este guarda um saber sobre o desejo. Saber do qual, paradoxalmente, não se quer saber. O laço analítico tem como saída uma satisfação de outra ordem que não pela via da fantasia. A análise freudiana possibilita uma reconstrução das cenas da fantasia que constituem o desejo inconsciente. Lacan afirma que há um impossível do desejo e que é por esta via que é possível pensar outra posição subjetiva para o fim de análise que a castração neurótica: o que ele denomina travessia da fantasia. Para além da reconstrução, da busca, na história do sujeito, de elementos que justifiquem sua posição atual quanto ao desejo e à satisfação, há o furo da história, a insistência da fantasia, um modo de satisfação que é problemático para o sujeito na medida em que aí ele não se reconhece, mas sobre o qual se sustenta enquanto sujeito do desejo. Lacan ([1962-1963] 2005) pensa a história individual como montagem sobre uma cena primeira, inacessível ao lugar da palavra, a cena pela qual o sujeito entra em cena no palco do mundo e seus discursos. Para Lacan, a análise não deve se enredar pela via da decifração do enigma, mas pela via mesma do enigma, na medida em que este é um para cada sujeito. O enigma é o do desejo do Outro, e para este enigma não há uma solução satisfatória.
Lacan afirma que a angústia é o que não engana. A angústia, em Lacan, vai além da angústia de castração, pois é a via do real. A angústia é estrutural. É pela via do conceito da angústia que Lacan leva a pensar, quanto à interpretação do psicanalista, não em um sentido para esta angústia, uma significação que a torne conhecida pela via da identificação, o mascaramento da realidade do desejo, mas pela mudança da lógica do desejo, que deve partir da impossibilidade da relação sexual.
O conceito de angústia é, então, central no processo analítico, uma vez que nos leva para a questão da satisfação. A satisfação interditada pelo pai faz deste objeto de amor. É como a fantasia funciona na neurose. A relação com o outro é pautada na ambiguidade do amor e do ódio, do desejo e da pulsão. O laço social se mantém pela culpa. Para além da culpa do superego, para além da lei do pai, o real, a impossibilidade da relação sexual. O eu está dividido entre a pulsão e a Lei que orienta o desejo e, pela via da análise, coloca-se a possibilidade de que o sujeito encontre outros modos de satisfação, que não a do sintoma, da castração neurótica, da frustração, pois a via da indeterminação é também a da postergação do ato, impedindo a criação de algo novo - algo que esteja para além dessa Outra Cena, desse Outro lugar cuja satisfação se busca.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NOTAS
1 O conceito de pulsão em Freud ([1905] 1976) indica que há uma exigência de satisfação que se situa "entre o físico e o psíquico", ou seja, uma exigência constante de satisfação que não se reduz a nenhuma dessas determinações (física ou psíquica), mas que está "entre", na medida em que o corpo é também da ordem de representações. A pulsão é acessível por suas representações: a ideia e o afeto, cujas relações são orientadas pelo recalque.
2 De acordo com Kaufmann (1996): "da segunda e da primeira tópica [de Freud] à concepção da pulsão, esta tomando a zona erógena como fonte da pulsão sexual, aquela submetendo de maneira geral a pulsão ao princípio da repetição, de um registro para o outro, a estrutura de borda da zona erógena se prolonga no trajeto em círculo do processo, fadado a contornar seu objeto sem jamais com ele se satisfazer" (Kaufmann, 1996: 441).
3 O princípio de prazer é o que orienta o eu na sua busca de satisfação, no primeiro dualismo pulsional. É um princípio regulador dos investimentos libidinais, a partir do prazer-desprazer, como tentativa de diminuição do desprazer causado pelo retorno da primeira experiência de satisfação - retorno do recalcado, que provoca um aumento de tensão no aparelho psíquico, que, em Freud, a partir da libido como referência, tende ao equilíbrio. O princípio do prazer, então, é orientado pela relação libidinal - frente a ele surge o princípio de realidade, cuja referência é o mundo externo. Para aquém destes, a pulsão de morte. Com a concepção da pulsão de morte - no segundo dualismo pulsional -, a tendência ao equilíbrio é pensada numa outra dimensão, a de um retorno ao inanimado, pela via da repetição de uma exigência de satisfação que excede no campo do princípio de prazer, não estando submetida a ele.
4 O eu, ego é uma diferenciação do id, o isso, constitui sua parte organizada. Essa diferenciação tem como orientação as identificações primeiras do sujeito, traços mnêmicos de experiências de satisfação anteriores. "O ego dá aos processos mentais uma ordem temporal e submete-os ao teste de realidade [...] assegura o adiamento das descargas motoras, interpondo os processos de pensamento. Todas as experiências de vida que se originam do exterior enriquecem o ego; o id, contudo, é seu segundo mundo externo, que ele se esforça por colocar em sujeição a si. Ele retira a libido do id e transforma as catexias objetais deste em estruturas do ego, com a ajuda do superego" (Freud, [1923] 1976: 71). O superego surge da identificação edipiana, com o pai, e retorna sob forma do Ideal de eu, tem relações íntimas com o isso, como formação reativa. O investimento libidinal está, nas neuroses, submetido às identificações egoicas, trata-se de conservar isso sob a lei do pai.
5 O Outro é um termo lacaniano que é introduzido a partir do Seminário 3, As psicoses (Lacan, [1955-1956] 1992). É definido e redefinido diversas vezes e a partir das elaborações das três ordens da linguagem - RSI. Estamos usando-o aqui como ideia de Alteridade Absoluta, lugar depositário dos significantes e ao qual todo sujeito se refere na fala. Pode ser pensado como a função materna. O Outro é o terceiro termo na relação com o outro, o semelhante.
Recebido em 11 de fevereiro de 2009
Aceito para publicação em 23 de março de 2009
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