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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.24 no.2 Rio de Janeiro dez. 2012
Editorial
O número 24.2 da revista Psicologia Clínica traz como tema as relações entre Clínica e Contemporaneidade em suas diversas faces, sublinhando a necessidade de uma interrogação consistente e rigorosa seja enfatizando a clínica, seja enfatizando a contemporaneidade. O artigo que abre a seção temática - "Considerações sobre violência e verdade no mundo contemporâneo" - discute a condenação contemporânea à fruição de um gozo sem sentido, reatualizado continuamente sob as mais variadas formas. Para sustentar seu argumento, Oswaldo França Neto (UFMG) demonstra como Freud associou a palavra ao supereu, que se impõe ferozmente e institui, com sua lei insensata, o campo da cultura. De acordo com essa concepção, alguma forma de violência estaria na gênese do sujeito e da verdade que o constitui. Se, para Lacan, a palavra é a morte da coisa, rompendo na criança qualquer possibilidade de reencontro com aquilo que a satisfaria, é esta mesma palavra que estabiliza ou fixa a errância disruptiva do real, tornando-nos seres de cultura. Ainda, o autor sublinha como a democracia capitalista ocidental se proporia um mundo átono, sem pontos de tensão, no qual uma decisão tenha que se colocar na forma da palavra: se esse poder instaurador, veiculado pela palavra, nos constitui como sujeito de uma verdade, ao rejeitar a existência de sujeitos a contemporaneidade suporia um gozo sem sentido.
O artigo seguinte, "Limites - a questão do manejo clínico hoje", de Walter Firmo de Oliveira Cruz (UNIPAMPA) e Terezinha de Camargo Viana (UnB) objetiva refletir sobre a necessidade de transformação na técnica psicanalítica, considerando o intrapsíquico e o intersubjetivo. Para os autores, a frequência de insucessos nos atendimentos atuais indicaria a necessidade da discussão de novos parâmetros. O artigo aborda o tema buscando ultrapassar as fronteiras entre as escolas psicanalíticas e caracterizar as manifestações subjetivas contemporâneas, articulando-as às condições de oferta do trabalho analítico e visando eventuais ajustes no manejo clínico.
A seguir, Julia Coutinho Costa Lima (UFPE) e Susana Carneiro Leão de Mello (Faculdade Integrada do Recife), no artigo "Análise de uma experiência de supervisão no contexto das políticas sociais", apresentam e discutem uma experiência de supervisão de equipes interdisciplinares no contexto das políticas sociais contemporâneas na atenção a crianças e adolescentes. O trabalho de supervisão - desenvolvido pelas autoras deste artigo - tinha como objetivo a oferta de um espaço de escuta, reflexão e tomada de decisão acerca dos casos atendidos pelos projetos. A experiência apontou para a necessidade de uma reflexão que incluísse questões relativas ao funcionamento da equipe, às motivações subjetivas dos profissionais, à compreensão dos objetivos e alcances do trabalho e às crenças que regulam e sustentam as intervenções realizadas.
Finalmente, o artigo que fecha a seção temática, escrito por Belinda Mandelbaum (USP), se propõe examinar uma configuração familiar nomeada como família incestual e caracterizada por relações internas que negam as diferenças entre os sexos e entre as gerações. Assim, "Famílias incestuais" propõe que esta configuração ressoaria aspectos da vida social na contemporaneidade. Para ilustrar, a autora apresenta um caso clínico expressivo dos aspectos do funcionamento psíquico de uma família incestual.
Abrindo a seção livre, o artigo "Inclusão social de um paciente com déficit intelectual moderado por meio de repertório verbal", de Juliana Francisca Cecato (Faculdade Anhanguera de Jundiaí), Bruna Fiorese (Faculdade Anhanguera de Jundiaí), Luana Luz Bartholomeu (Faculdade Anhanguera de Jundiaí), Eliana Leite Bastos (Faculdade Anhanguera de Campinas), Ana Maria Serafim Grigolato (Faculdade Anhanguera de Jundiaí) e José Eduardo Martinelli (Instituto de Geriatria e Gerontologia de Jundiaí), discute como a inclusão social pode envolver estímulos e treinamentos para promover o máximo de autonomia e independência aos portadores de deficiência no cotidiano em que vivem. Para tanto, desenvolveram pesquisa cujo objetivo foi identificar comportamentos verbais inadequados em indivíduos com déficit intelectual moderado e instalar comportamentos verbais que favorecessem sua inclusão. Os resultados mostraram que os comportamentos verbais adequados aumentaram depois das intervenções, levando à conclusão de que a psicologia comportamental foi importante para a modificação do comportamento e por treinar os repertórios verbais do individuo nas atividades de vida diária.
O segundo artigo da seção livre, "Desordens alimentares no desporto: situação atual e perspectivas futuras no estudo dos fatores psicológicos", de Luiz Silva (Universidade do Minho) e Rui Gomes (Universidade do Minho), procura atingir dois objetivos. Em primeiro lugar, apresentar a situação atual da investigação sobre desordens alimentares no desporto. Para tanto, os autores salientaram as linhas de investigação dedicadas ao estudo da prevalência destes problemas no desporto e analisaram as diferenças entre atletas e modalidades desportivas. Dadas as dificuldades destas linhas de investigação na compreensão dos comportamentos alimentares de risco nos atletas, foram avançadas outras possibilidades de desenvolvimento da investigação. Assim, e como segundo objetivo deste artigo, sublinhou-se a necessidade de os estudos se dirigirem para a compreensão dos fatores psicológicos associados aos comportamentos alimentares de risco e implicados no desenvolvimento das desordens alimentares.
Em seguida, Reinaldo Furlan (USP), no artigo "Merleau-Ponty e Descartes: o afeto entre a medicina e a psicologia", problematiza, através da noção de afeto à luz da filosofia de Merleau-Ponty, a herança da metafísica cartesiana presente na medicina e na psicologia ocidentais. Segundo o autor, em Descartes podem-se encontrar dois programas distintos de pesquisa para a Antropologia: um para o corpo, do qual se encarregou nossa medicina, e outro para a alma, do qual se encarregou nossa psicologia. Porém, através da descrição do sentido da experiência do corpo próprio, Merleau-Ponty busca desconstruir as noções de corpo e alma em Descartes, para explicitar essa união que a filosofia cartesiana reconheceu apenas de fato. A noção de sentir ou afeto é central nessa discussão, pois é a expressão privilegiada dessa união.
Por sua vez, e também em torno à questão do corpo, Alinne Nogueira Coppus (UFJF), com Angélica Bastos (UFRJ), apresenta a temática do corpo na neurose obsessiva a partir de dois eixos de abordagem: suas peculiaridades em relação à histeria e a diretriz que a tríade freudiana - inibição, sintoma e angústia - fornece às discussões desse tema. Assim, diante da maior incidência de publicações acerca da histeria e frente ao destaque tradicionalmente concedido nesse tipo clínico para os sintomas na esfera do pensamento, o artigo "O corpo na neurose obsessiva" tem como problemática o lugar do corpo na dinâmica da neurose obsessiva, em suas especificidades na relação do obsessivo com o desejo e com a morte. A autora delimita o corpo como terreno em que são vividos os impasses relativos à sexualidade e à transitoriedade própria à finitude humana e examina as formas e a função das manifestações clínicas do corpo na neurose obsessiva com base na tríade freudiana inibição, sintoma e angústia.
Fechando a seção livre, o artigo "Câncer e o sujeito em psicoterapia: horizontes de trabalho na perspectiva existencialista de Jean-Paul Sartre", de Fabíola Langaro (UFSC), Zuleica Pretto (USSC) e Bruna Germano Cirelli (DOMUS/ POA), apresenta o estudo de caso de uma mulher de 36 anos em tratamento médico para um câncer de mama. Com base na teoria existencialista de Jean-Paul Sartre, as autoras compreendem a doença como geradora de mudanças significativas no projeto de ser pelas alterações provocadas nas relações e, consequentemente, na experiência de ser quem é. A partir disto, o objetivo principal do processo foi viabilizar a paciente a partir das diferentes condições e horizontes existenciais impostos pela doença, sem esquecer que experiências de sofrimento a atingiram em toda sua história e complexidade e não somente naquelas circunscritas à ocorrência do câncer. Finalizado o processo psicoterápico, considera-se que foi possível reorganizar seu projeto de ser, na medida em que se possibilitou a ela compreender aspectos importantes da trajetória que havia percorrido e ainda de suas possibilidades concretas no presente e para seu futuro.
Monah Winograd