Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.25 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013
Editorial
O número 25.1 da revista Psicologia Clínica traz algumas novidades. Dentre os seis artigos dedicados à discussão de vários aspectos do tema mães, crianças e adolescentes e os outros seis artigos que compõem nossa tradicional seção livre, apresentamos dois artigos de pesquisadores estrangeiros, ambos publicados em sua língua original. Com isso, inauguramos nossa nova política editorial, visando a internacionalização deste periódico, de publicar artigos em inglês, francês e espanhol, além do português.
Dedicado à problemática da maternidade, o artigo que abre a seção temática "Narrativas interativas sobre o cuidado materno e seus sentidos afetivo-emocionais", de Tania Mara Granato (PUC-Campinas) e Tânia Maria José Aiello-Vaisberg (PUC-Campinas) investiga o imaginário de estudantes universitários sobre o cuidado materno. Partindo do pressuposto de que as narrativas têm a função de elaborar experiências vividas, as autoras reconhecem no narrar um procedimento privilegiado de acesso aos sentidos afetivo-emocionais subjacentes a toda conduta humana. Assim, elaboraram uma narrativa fictícia sobre o abandono materno para que estudantes de Educação Física e Jornalismo a completassem. Tais produções imaginativas, consideradas psicanaliticamente, apontaram para uma abordagem ambígua: a mãe foi responsabilizada pelo destino do filho, ainda que a compreensão de sua conduta tenha sido situada em termos do contexto social. Para as autoras, tal postura traduziria o contraste entre o pretendido tratamento ético da questão materna e as expectativas sociais em relação à figura materna, usualmente ocultas pelo discurso contemporâneo do politicamente correto.
De autoria de Ricardo Alves da Silva (CEPAGIA/DF) e Sandra Maria Baccara Araújo (UnB), o artigo seguinte debruça-se sobre a problemática adolescente. Intitulado "A representação da função paterna para instituições de auxílio a adolescentes em conflito com a lei", o texto articula a importância da função paterna para o desenvolvimento da criança e do adolescente e demonstra como a falta dessa função faz o jovem buscar alguém que a exerça. Muitas vezes, durante essa busca, os adolescentes cometem atos infracionais que os levam a entrar em conflito com a lei e, consequentemente, entrar em contato com os atores da justiça, que podem representar os limites que esses adolescentes procuraram. Foram entrevistados atores da justiça envolvidos nos processos com adolescentes em conflito com a lei, os quais discutiram a carência de políticas públicas e a urgência de mobilização da sociedade para se ter resultados favoráveis no desenvolvimento do trabalho com os adolescentes em conflito com a lei.
O terceiro artigo da seção temática versa sobre a "Percepção dos pais sobre amizade em crianças típicas e com TDAH". Soraya da Silva Sena (UFMG) e Luciana Karine de Souza (UFMG) compararam a percepção de pais de crianças com TDAH e de pais de crianças sem TDAH sobre as amizades de seus filhos. Também foram comparadas as respostas dos pais com a de seus filhos com a intenção de avaliar o grau de concordância entre suas percepções. Duas hipóteses explicativas principais envolveram a interpretação dos resultados: pais alheios às relações sociais dos filhos e crianças com TDAH com um viés positivo acerca de suas amizades. Aliado a isso, ponderou-se sobre uma tendência dos pais de compreender a amizade desde uma visão adultocêntrica.
A seguir, Guilherme Welter Wendt (PUC-RS) e Carolina Saraiva de Macedo Lisboa (PUC-RS), no artigo "Agressão entre pares no espaço virtual: definições, impactos e desafios do cyberbullying", apresentam uma revisão da literatura sobre publicações teóricas e empíricas relacionadas ao processo de cyberbullying envolvendo crianças e adolescentes. Estudos mostram que vítimas de cyberbullying podem estar mais propensas a tentarem suicídio, bem como mais vulneráveis ao desenvolvimento de problemas sociais e emocionais, como a evasão escolar e desempenho acadêmico prejudicado. Além disso, segundo as pesquisas inventariadas, os envolvidos neste fenômeno apresentam risco aumentado para abuso de substâncias psicoativas e desenvolvimento de sintomas de ansiedade e depressão quando comparados àqueles que não vivenciaram essa forma de agressão entre pares. Por isso, os autores apontam para a importância de um debate atual sobre os aspectos relacionados à prevenção e intervenção em relação ao cyberbullying, envolvendo a família, a escola e também os responsáveis pelo desenvolvimento e execução de políticas públicas.
O penúltimo artigo da seção temática, "As flores estão brotando: atendimento infantil em consultas terapêuticas", de Claudia Mazzer Rodrigues (USP/Ribeirão Preto) e Fernanda Kimie Tavares Mishima-Gomes (USP/Ribeirão Preto), discute como as consultas terapêuticas se apresentam como uma nova possibilidade de intervenção psicológica voltada para a escuta, para a prática e para a flexibilidade clínicas advindas da teoria do amadurecimento humano. As autoras apresentam o caso de uma menina de oito anos de idade atendida em consultas terapêuticas na clínica-escola de uma universidade pública. A procura pelo atendimento foi realizada pela mãe, que relatou como principais queixas: humor deprimido, dores no peito e temperamento difícil. O manejo clínico e as experiências constitutivas do si mesmo por meio do brincar compartilhado possibilitaram à criança a expressão do gesto espontâneo, da criatividade e de uma maior confiança na própria capacidade.
Finalmente, fechando esta seção, o artigo "Centro de avaliação psicológica-CAP: uma clínica-escola especializada em avaliação e diagnóstico psicológico", de Juliane Callegaro Borsa (UFRGS), Sérgio Eduardo Silva de Oliveira (UFRGS), Denise Balem Yates (UFRGS) e Denise Ruschel Bandeira (UFRGS), relata o desenvolvimento do Centro de Avaliação Psicológica (CAP) do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, no qual se destaca a predominância de atendimentos infantis, sobretudo de crianças em idade escolar, e de adolescentes. Em um levantamento realizado com 52 crianças e adolescentes (75% meninos e 25% meninas) atendidos entre os anos de 2009 e 2010, prevaleceram os problemas de atenção, seguidos pelos problemas de interação social e de ansiedade e depressão. O presente relato de experiência tem como objetivo apresentar os trabalhos desenvolvidos no CAP, bem como os métodos e práticas empregados no serviço uma clínica-escola especializada em avaliação e diagnóstico psicológicos. Com isso, os autores esperam colaborar com o desenvolvimento da Avaliação Psicológica no Brasil por meio do incentivo de estratégias que qualifiquem a formação de psicólogos na prática da avaliação e diagnóstico psicológico.
Abrindo nossa seção livre, o artigo "Compulsão e domínio na neurose obsessiva: a marca do pulsional", de Camila Peixoto Farias (UFRJ) e Marta Rezende Cardoso (UFRJ), investiga os elementos que estariam na base do desejo de domínio, próprio à neurose obsessiva quadro clínico caracterizado pela busca compulsiva de domínio sobre si mesmo e sobre o outro. Para as autoras, o ódio e a agressividade são centrais nessa patologia e engendram uma dinâmica psíquica destrutiva e violenta. Esses aspectos despertaram a atenção de Freud, o levando a investigar um aspecto até então obscuro em sua obra: a dimensão destrutiva da pulsão. Os neuróticos obsessivos permaneceriam cristalizados em torno de uma dinâmica mortífera, que se expressa de forma emblemática nas respostas que dão a ela, respostas que trazem também a marca de uma dominação.
A seguir, Cristiane Marques Seixas (UFRJ) e Letícia Martins Balbi (UFF), no artigo "Libido e angústia: economia de gozo na obesidade", consideram os impasses que se apresentam na clínica psicanalítica com pacientes ditos obesos, procurando explicitar a articulação entre a imagem de si e o corpo próprio e situando-os em relação à economia libidinal do sujeito. Nesse sentido, partindo das considerações freudianas acerca do narcisismo, tomam os desdobramentos do esquema óptico ao longo da teoria lacaniana para delimitar em que medida a estruturação do eu comporta um resto libidinal que não se projeta na imagem especular. As autoras seguem o ensino de Lacan no que diz respeito ao entrelaçamento das funções do eu ideal e do ideal do eu para analisar a função que o corpo obeso desempenha para aqueles que se queixam do excesso de peso.
O terceiro artigo da seção livre, de autoria de Vitor Hugo Couto Triska (UFRGS) e Marta Regina de Leão D'Agord (UFRGS), intitulado "A topologia estrutural de Lacan", busca construir uma apresentação do uso da topologia por Lacan, questionando sua fundamentação, função e pertinência à psicanálise. Para tanto, os autores abordam a noção de modelo, um tipo de abstração central no contexto do estruturalismo, assim como a oposição entre homologia e analogia a partir da qual elucidam uma contribuição crucial de Lacan através da proposta de um novo método de pesquisa: a topologia estrutural, cujos aspectos metodológico e ontológico são discutidos.
O quarto artigo desta seção, também sobre psicanálise, traz a contribuição dos pesquisadores portugueses Ana Maria Ribeiro Paulo (ISPA/Lisboa) e António Pazo Pires (ISPA/Lisboa). "Operacionalização psicodinâmica de diagnóstico (OPD-2) numa psicanálise" discute como a investigação em psicoterapia psicanalítica tem sido apontada como tendo um elevado nível de abstração, falta de clareza e de consenso entre os clínicos na operacionalização de constructos e na análise de resultados fiáveis. O OPD2 (Operationalized Psychodynamic Diagnosis) objetiva operacionalizar os constructos psicanalíticos, através de entrevistas semiestruturadas, e formular um diagnóstico psicodinâmico multiaxial baseado em 5 eixos: experiência da doença e pré-requisitos para o tratamento (Eixo I); relações interpessoais (Eixo II); conflito (Eixo III); estrutura (Eixo IV); perturbações mentais e psicossomáticas (Eixo V). O OPD-2 foi aplicado neste estudo com o objetivo de testar a avaliação diagnóstica através de notas de sessões numa paciente seguida em psicanálise. A realização do diagnóstico multiaxial foi, de uma forma geral, bem-sucedida e registraram-se mudanças nos focos formulados no diagnóstico.
Em seguida, o artigo "Sobre o conceito de contratransferência em Freud, Ferenczi e Heimann", de Cássio Koshevnikoff Zambelli (UnB), Maria Izabel Tafuri (UnB), Terezinha de Camargo Viana (UnB) e Eliana Rigotto Lazzarini (UnB), parte da constatação de que toda análise é trespassada, inevitavelmente, pela contratransferência. Esse fenômeno constitui-se numa das questões fundamentais e mais problemáticas da teoria e técnica psicanalítica, pois afeta o analista no cotidiano de sua clínica e o remete à sua análise pessoal, supervisão e escrita clínica, tal a angústia em face da inquietante estranheza da transferência. Os autores investigam a construção do conceito em Freud como experiência necessária, mas um problema a ser resolvido em Sándor Ferenczi, que aproxima a contratransferência como parte inerente da relação transferencial e da técnica analítica, e sua posterior releitura por Paula Heimann em 1950, que demarca a importante mudança na compreensão do termo como ferramenta essencial ao método analítico.
Fechando a seção livre, trazemos mais uma contribuição internacional e inauguramos nossa nova política editorial de publicação em outras línguas. O artigo "Le féminin et la différence des sexes (O feminino e a diferença sexual)", de Rajaa Stitou (Université Montpellier III e Université d'Aix-Marseille), discute a ideia de que ser homem ou mulher não é apenas uma questão de anatomia ou biologia: está relacionada com a subjetividade, mas também traz a marca de uma cultura. Testemunha disso são os rituais e mitos coletivos, cuja função é dar sentido ao mistério das mulheres e ao que diferencia os sexos. A prática clínica com sujeitos imigrantes, confrontados a um mundo novo que já não oferece os mesmos ritos e as mesmas âncoras simbólicas, é instrutiva. A autora tenta mostrar que essas transformações trazem repercussões subjetivas, sobretudo quando o sujeito não tem outras referências ou modelos identificatórios que lhe permitam se reconhecer em sua condição de ser sexuado e aceitar suas diferenças.
Completa a presente edição uma resenha, escrita por Fabíola Ribeiro de Moraes Santeiro (psicóloga) e por Tales Vilela Santeiro (UFG), do livro Teorias e técnicas de atendimento em consultório de Psicologia, organizado por Berenice Carpigiani (Universidade Presbiteriana Mackenzie) em 2011 e contendo diversas contribuições a respeito do atendimento psicológico.
Monah Winograd
Esther Arantes