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Psicologia Clínica
versão impressa ISSN 0103-5665versão On-line ISSN 1980-5438
Psicol. clin. vol.28 no.3 Rio de Janeiro 2016
SEÇÃO LIVRE
A ameaça do encontro com o outro na adicção sexual: uma reflexão psicanalítica
The threat of encountering with the other in the sexual addiction: a psychoanalytic reflection
La amenaza del encuentro con el otro en la adicción sexual: una reflexión psicoanalítica
Ney Klier Padilha NettoI; Marta Rezende CardosoII
IDoutorando do Programa de Pós-Graduação em Teoria Psicanalítica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Rio de Janeiro, RJ, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil; Associação Universitária de Pesquisa em Psicopatologia Fundamental Rio de Janeiro, RJ, Brasil
RESUMO
O objetivo deste artigo, fundamentado no saber psicanalítico, é analisar uma modalidade particular de adicção, a compulsão sexual, situação clínica na qual o sujeito utiliza a sexualidade à maneira de uma droga. O apelo imperativo e incessante ao ato sexual é acompanhado de profundo distanciamento do objeto no que concerne ao plano afetivo dessa relação. O encontro com o outro é parcializado, desumanizado, sendo o parceiro sexual relegado à condição de anonimato. Através de involuntária e permanente destituição narcísica do parceiro, o sex-addict percebe-se impotente para amar, impossibilitado de conciliar sexualidade e afetividade. Tende a ser consumido por sentimentos avassaladores de extrema solidão, vergonha e desespero. Com o auxílio ilustrativo do filme "Shame", iremos explorar o impasse vivido pelo sex-addict no campo do amor, dando particular relevo aos fatores narcísicos e edípicos envolvidos nessa resposta defensiva, de caráter patológico.
Palavras-chave: adicção sexual; psicanálise; sexualidade; relação objetal; complexo de Édipo.
ABSTRACT
The aim of this paper, based on psychoanalytic knowledge, is to analyze a particular form of addiction, the sexual compulsion, clinical situation in which the subject uses sexuality as a drug. The imperative and incessant appeal to the sexual act is accompanied by profound detachment from the object concerning the affective level of this relationship. The encounter with the other is biased, dehumanized, and the sexual partner is relegated to the condition of anonymity. Through involuntary and permanent narcissistic destitution of the partner, the sex-addict feels incapable of loving, unable to reconcile sexuality and affectivity. He/she tends to be consumed by overwhelming feelings of extreme loneliness, shame and despair. With the illustrative help of the movie picture "Shame", we will explore the stalemate experienced by the sex-addict in the field of love, with particular emphasis on narcissistic and oedipal factors involved in this defensive response of pathological character.
Keywords: sexual addiction; psychoanalysis; sexuality; object relation; Oedipus complex.
RESUMEN
El objetivo de este trabajo, fundado en el saber psicoanalítico, es analizar una forma particular de adicción, la compulsión sexual, situación clínica en la que el sujeto utiliza la sexualidad como una droga. El recurso imperativo e incesante al acto sexual va acompañado de profunda separación del objeto en el nivel afectivo de esta relación. El encuentro con el otro es parcial, deshumanizado, y la pareja sexual es relegada a la condición de anonimato. A través de la destitución narcisista involuntaria y permanente de la pareja el sex-addict se siente incapaz de amar, incapaz de conciliar sexualidad y afectividad. Tiende a ser consumido por abrumadora sensación de extrema soledad, vergüenza y desesperación. Con la ayuda ilustrativa de la película "Shame", exploraremos el impase experimentado por el sex-addict en el campo del amor, con especial énfasis en los factores narcisistas y edípicos involucrados en esta respuesta defensiva de carácter patológico.
Palabras clave: adicción sexual; psicoanálisis; relación de objeto; sexualidad; Complejo de Edipo.
Introdução
No contexto de problemáticas psíquicas que desafiam o atual panorama teórico e clínico da psicanálise, neste artigo nossa atenção se volta para uma modalidade particular de adicção, a compulsão sexual. Nela, o sujeito utiliza a sexualidade à maneira de uma droga. Tal como o toxicômano ávido pelo consumo de determinada substância, o sex-addict está continuamente obcecado pela busca de situações sexuais diversas. A aderência a diferentes práticas sexuais perpassa os critérios essenciais de estabelecimento do princípio de prazer, resultando em intensos prejuízos na dinâmica psíquica e no cotidiano do adicto. Contudo, esse apelo incessante ao sexo, como iremos mostrar, culmina, paradoxalmente, em profundo desinvestimento da relação objetal. O encontro com o outro é parcializado, desumanizado, sendo o parceiro sexual relegado à condição de anonimato.
Com o auxílio ilustrativo do filme "Shame", cujo enredo nos apresenta a história de Brandon, que sofre silenciosamente os efeitos de sua adicção sexual, nos dedicaremos ao exame da relação eu-outro nesse panorama, através da análise dos fatores narcísicos e edípicos que estariam na base da circunstância impeditiva do laço objetal fundamentalmente presente nesses casos.
O sex-addict: precariedade do desejo e supremacia da exigência
A referência à sexualidade constitui o ponto fundamental da psicanálise, que se esforça na direção de elucidar suas repercussões inconscientes. Presente desde os primórdios da obra freudiana, a ideia de sexualidade consolidou-se com a emergência do conceito de pulsão nos "Três ensaios sobre a teoria da sexualidade" (Freud, 1905/1996a). A sexualidade humana possui caráter perverso-polimorfo, visão original e ampliada, centrada na dimensão do desejo e do prazer, desviante em relação a um sexual biológico, instintual. O peso concedido à sexualidade, tendo como paradigma inicial o quadro da histeria, constitui a base da própria postulação do inconsciente, abrindo a perspectiva de compreensão da complexidade do funcionamento psíquico e de seus entraves.
Com a Pós-Modernidade, diferenças significativas no manejo da vida sexual consolidaram-se e colocaram em xeque a eficácia do método psicanalítico em dar conta do sofrimento subjetivo. A repressão do sexual já não tem o mesmo peso de outros tempos, apesar de ainda ser um dos pilares que sustentam a organização do psiquismo e da sociedade. O sujeito deve abdicar de certas satisfações para poder ingressar na cultura e fazer parte da civilização. Em certa medida, esse postulado é atemporal.
Visivelmente, em sociedades capitalistas e ocidentais, o sexo mais do que nunca tornou-se produto de consumo, moeda de troca e instrumento de poder. Para Vincent Estellon (2011, 2014), os comportamentos sexuais fazem parte da evolução onde reina a lei da oferta e demanda, a regra da livre concorrência, tornando-se objeto cujo estatuto é similar ao de qualquer outra mercadoria. O acesso à pornografia, por exemplo, não somente se desenvolveu, mas banalizou-se. O que é desejado na vida do homem comum deve ser adquirido em questão de instantes, inviabilizando o tempo de espera e de frustração. A sexualidade tornou-se recreativa e até mesmo imperativa. Não é difícil supor que esse panorama facilite o aumento de soluções adictivas.
Estellon (2014) indica que a associação entre os termos "adicção" e "sexualidade" não é anódina, interrogando até que ponto a última não se encontra na origem de toda dependência. Afinal, "não somos mais passionais, senão adictos, quando se trata de nossa vida amorosa?" (Estellon, 2014, p. 89; tradução nossa).
Se, na tradição psicanalítica, o analista é conduzido a "perseguir" o sexual onde este pode se encontrar oculto, no trabalho com sex-addicts o desafio é diferente. O sexual não se esconde sob a máscara do sintoma neurótico, do disfarce dos interditos: se apresenta de forma explícita e espantosa. O sujeito descreve as minúcias de suas aventuras sexuais, imerso em detalhes cuja literalidade ofusca a sua imersão no universo metafórico. Nessa crueza do sexual, paradoxalmente, o erotismo não se faz reluzir (Estellon, 2012).
Na adicção sexual, o sujeito perpetua uma série de atuações sexuais de modo incessante: das mais desorganizadas e parciais como práticas que envolvem apenas o contato com partes do corpo do parceiro através de fendas em paredes de lugares clandestinos, as orgias, nas quais há intensa multiplicidade de formas e objetos sexuais, passando por práticas solitárias e isoladas do contato com o outro, como a masturbação e o consumo de pornografia em níveis estratosféricos até práticas sexuais que se aproximam do encontro com o objeto total, nas quais o sujeito tem contato com o parceiro de modo mais direto e regular, apesar de estar emocionalmente ausente da relação.
Nesse contexto, o ato prevalece drasticamente sobre a fantasia. O sex-addict vira noites, atrasa-se para o trabalho, perde oportunidades, perde a credibilidade, até chegar ao ponto de exaustão. Coloca a própria vida em risco, obstinado em cumprir determinado comando interno, que exige descarga e não cessa de gritar ordens.
Diferentemente de autores que colocam a adicção como problemática situada entre o desejo e a necessidade, Jacques André (2008) pontua que o impasse incide entre o desejo e a exigência. O desejo pressupõe a falta e a espera, a construção de uma fantasia. A esperança de realizá-lo movimenta e faz trabalhar o psiquismo. O objeto da pulsão é contingente e em sua substituição múltipla e metafórica as operações para se obter a descarga se complexificam. Ao desejar, o sujeito pode renunciar e separar-se de determinado objeto, para depois se vincular a outra coisa, outro objeto, outro ideal.
Em contrapartida, na adicção o sujeito é escravo, perde totalmente o poder de escolha. A violência da pulsão sexual se faz notar de maneira estrondosa. O circuito entre impulso e ação torna-se estreito e fixado. É próprio da pulsão pressionar ininterruptamente. Contudo, na melhor das hipóteses, o sujeito encontra múltiplos caminhos para direcionar essa força constante. Na solução adictiva, perde-se a multiplicidade relativa ao desejo e se evidencia a fixidez do imperativo, da exigência.
O critério que relaciona a adicção sexual a um quadro psicopatológico se relaciona justamente com a noção de exigência: em dado momento, o adicto sente-se asfixiado em seu circuito compulsivo, sem a possibilidade de optar por outro caminho de satisfação. A sexualidade se impõe como algo que ele não consegue mais controlar. Mesmo quando não atua, o sex-addict está obcecado por alguma circunstância sexual idealizada. Não se trata apenas da busca de parceiros anônimos, mas também do consumo desenfreado de pornografia, da masturbação excessiva e de outros fatores que o aprisionam na espiral destrutiva da compulsão à repetição. Nela ele desperdiça cota de energia imensurável.
No que tange à relação objetal, o encontro com o objeto é marcado por intensa precariedade. Através de involuntária e permanente destituição narcísica do parceiro, o sex-addict sente-se impotente para amar, impossibilitado de conciliar sexualidade e afetividade. O amor apresenta-se como aterrorizante ameaça. Nesse quesito da relação eu-outro, as práticas sexuais são desumanizadas. O parceiro é visto conforme aspectos parciais: o tamanho de seu órgão genital, determinada característica corporal, porte físico, entre outros. A sexualidade perversa polimorfa encontra livre expressão na primazia do sexual pré-genital, parcializado, que não converge rumo ao investimento totalizante do objeto.
A lógica é simples, não exige grandes manobras de sedução, nem roteiros específicos. Da primeira troca de olhares com o parceiro à consumação do ato sexual, não há complexidade, romance ou cortejo. Perdem-se apenas instantes. É como se de certa forma o sujeito conseguisse reconhecer cúmplices em meio à multidão, pessoas dispostas à parceria sexual, sem envolvimento afetivo ou emocional.
De acordo com Gurfinkel (2011, p. 404), "ao se entregarem a façanhas sexuais frenéticas e compulsivas, tais adictos tratam seu parceiro menos como pessoa e mais como uma droga". A compulsão sexual pressupõe um parceiro sem rosto, sem história e sem existência subjetiva própria. É como se o outro existisse apenas em sua corporeidade. O sujeito recorre a "uma garantia adictiva de parceiros que correm o risco de ser tratados como objetos inanimados ou intercambiáveis" (McDougall, 1995/1997, p. 198). Se, no século passado, o campo da perversão sexual foi amplamente discutido e "patologizado", essa conduta adictiva do sujeito contemporâneo é amplamente banalizada pela sociedade de consumo na qual está inserido (André, 2011).
Para Estellon (2002, 2005), a adicção sexual corresponde a um modo particular de escolha de objeto, parcial frisa o autor , no qual intensos sentimentos de solidão, tristeza e desespero são acompanhados de rara vontade de erradicar o sexual, revelando grande precariedade de recursos psíquicos. As atuações sexuais compulsivas não se inscrevem no campo representacional, não se integram efetivamente na memória psíquica. O sujeito que tem múltiplos parceiros por dia é habitualmente incapaz de lembrar os primeiros nomes e até mesmo os rostos de seus parceiros.
Por conseguinte, apesar da quantidade exorbitante de parceiros, ele é consumido por sentimentos avassaladores de extrema solidão, vergonha e desespero. Mas quais fatores estariam na base da desumanização do objeto sexual? O que impediria o sex-addict de se vincular afetivamente com os seus parceiros?
Para elaborar essas questões, apresentaremos inicialmente o enredo do filme "Shame", que retrata a história de Brandon, como ilustração do impasse vivido pelo sex-addict no campo do amor. Conforme procuraremos indicar em nossa análise, consumido pela força de sua adicção, Brandon vive numa espécie de universo paralelo, impossibilitado de se conectar afetivamente com as pessoas com quem exerce as suas práticas sexuais.
A singularidade do sexual nos sex-addicts: o "caso" Brandon
"Shame" é um filme britânico lançado em 2011, coescrito e dirigido por Steve McQueen, estrelado pelos atores Michael Fassbender, no papel de Brandon, e Carey Mulligan, no de Sissy. A história gira em torno de Brandon, jovem executivo atraente e bem-sucedido. Sua vida é prejudicada pela busca incessante de prazer sexual através de atividades diversas: masturbação excessiva, consumo exorbitante de pornografia e prostituição, e relações sexuais com pessoas anônimas que conhece em diferentes circunstâncias e com as quais nem vem a estabelecer qualquer vínculo afetivo. A sua rotina é organizada de determinada forma que lhe permite se entregar às indulgências de seu vício sem comprometer significativamente a esfera de seus compromissos sociais. Todavia, esse panorama se modifica consideravelmente após o reaparecimento de sua irmã Sissy em seu cotidiano.
O filme começa com Brandon, morador de Nova Iorque, em seu caminho rotineiro para o trabalho, num vagão de metrô, flertando com uma passageira que corresponde ao seu olhar de interesse. O rosto da moça exprime emoções diversas, contrastando com o dele, que se mostra habitualmente frio, anestesiado. Quando a moça sai do vagão, ele vai atrás, sem sucesso, pois ela desaparece em meio à multidão presente na estação.
Esse episódio inicial é intercalado com cenas de sua vida íntima, nas quais ele aparece muitas vezes desnudo, em diferentes situações, dentre elas recebendo uma prostituta em casa, masturbando-se em seu chuveiro e escutando o recado angustiado de uma mulher em sua secretária eletrônica. A cena inicial do filme é particularmente significativa: Brandon aparece sem roupa, deitado sozinho em sua cama. Apesar de acordado, com os olhos bem abertos, parece estar morto. Mesmo não demonstrando emoções, o seu rosto narcotizado consegue ser tão expressivo quanto o da moça anônima do metrô.
Apesar de se masturbar no toalete do escritório e ter o seu computador de trabalho confiscado pela detecção de conteúdos pornográficos, a sua dependência sexual não é percebida pelas pessoas com quem trabalha. Numa saída noturna com os parceiros de trabalho, Brandon e seu chefe interagem com três mulheres num clube-bar sofisticado. Ao contrário de David, ele age de forma despretensiosa e ao sair do estabelecimento é abordado por uma delas, com quem se relaciona sexualmente numa das ruas próximas ao bar em que estavam.
Nesse mesmo dia, ao retornar para casa, depara-se com a inesperada presença de sua irmã Sissy, uma cantora que se apresenta ocasionalmente na cidade. Ela é a mulher que constantemente deixa recados angustiados em sua secretária eletrônica e pede para ficar hospedada com ele por tempo indeterminado, situação que vem a ocorrer. Inicialmente a convivência entre os dois é harmoniosa, mas logo a presença da irmã em seu apartamento torna-se problemática, pois ela é emocionalmente demandante e muito invasiva.
Acompanhado de David, Brandon aceita o convite de sua irmã e a prestigia numa apresentação em que ela canta versão jazzística do clássico "New York, New York" de modo competente e profundamente melancólico. Uma discreta lágrima no rosto de Brandon indica a sua comoção com a interpretação triste da irmã. Após a apresentação, David a corteja e os três acabam indo para o apartamento de Brandon, onde Sissy cede às investidas de David, apesar do evidente incômodo de Brandon com a situação.
Consumido por crescente aflição, ele não consegue conter-se enquanto Sissy se relaciona sexualmente com David no único quarto do apartamento. Sai pelas ruas de Nova Iorque para uma corrida noturna. Posteriormente, nessa mesma noite, Sissy tenta dormir na cama dele, alegando sentir frio na sala, onde dorme usualmente. Perturbado com o excesso de aproximação da irmã, que o abraça afetuosamente na cama, ele a expulsa agressivamente do quarto.
Sentindo-se impelido a mudar seus hábitos, Brandon convida uma de suas colegas de trabalho, Marianne, para jantar fora, algo diferente para ele até então. No restaurante, o clima entre Brandon e Marianne é agradável: conversam e começam a se conhecer melhor. Marianne, recém-separada, acredita no sucesso de uma relação afetiva. Brandon, por sua vez, diz não gostar da perspectiva de se casar, afirmando não entender o sentido de tamanho comprometimento. Ela pergunta quanto tempo durou a sua relação mais longa e ele responde que teriam sido quatro meses. Apesar do bom encontro entre os dois, a noite não se estende para além do jantar.
Ainda nessa noite, após o seu retorno para casa, a irmã, Sissy, entra acidentalmente no toalete e flagra Brandon se masturbando. Constrangido com a situação, ele a ataca fisicamente acusando-a de o estar espionando. Os dois brigam seriamente. Logo depois, ela encontra o notebook dele aberto num site de pornografia. Como consequência imediata dos desagradáveis episódios com Sissy, ele joga fora furiosamente todo o seu material pornográfico no lixo centenas de revistas, vídeos e o seu notebook, absorvido por esse tipo de conteúdo. São sacolas imensas que ele despeja na rua. Ao voltar para casa, sente-se extremamente angustiado.
No dia seguinte, reencontra Marianne no escritório e a beija. Os dois saem imediatamente do ambiente de trabalho, aproveitando o entusiasmo do momento. Na suíte de um belo hotel envidraçado, eles se beijam e se acariciam, numa impetuosa tentativa de se relacionar sexualmente. Contudo, ele não consegue manter a ereção, o que nele produz intensa perturbação. Afasta-se da cama e se distancia de Marianne. Ela é compreensiva com o impasse, dizendo estar tudo bem. Percebendo a frieza dele, ela considera melhor ir embora, deixando-o sozinho. Ainda nesse mesmo dia e lugar, ele faz sexo com uma prostituta, contra as janelas envidraçadas do hotel.
Posteriormente, Brandon diz a Sissy que ela precisa sair de seu apartamento e que, quando ele voltar de outra saída noturna que resolve fazer, não quer mais encontrá-la lá. Nessa noite, o seu declínio é evidente. Quando vai a um bar, suas tentativas de conquista assumem tom cínico e agressivo. Em curto espaço de tempo, ele se envolve em uma briga após assediar uma moça comprometida, tem contato sexual com um homem num clube-bar gay obscuro e ainda visita um apartamento com duas prostituas para um ménage-à-trois.
Após a noite de excessos, enquanto retorna para casa, no vagão do metrô, fica subentendido que houve um suicídio na estação. Aterrorizado, Brandon tenta sem sucesso falar com Sissy pelo celular. Ele acaba por encontrá-la ensanguentada na banheira de seu apartamento, com cortes profundos nos pulsos. Felizmente, Sissy sobrevive ao próprio golpe e os dois se reconciliam no hospital. Após deixar o estabelecimento, Brandon desmorona e chora em meio à tempestade.
Seguindo a narrativa do filme, prosseguiremos com a nossa investigação, tentando elaborar a questão sobre o que estaria na base da impossibilidade de vinculação afetiva do sex-addict com o parceiro sexual.
O impasse do sex-addict: impossibilidade de amar?
Jacques André (2013), em obra dedicada ao tema da sexualidade masculina, no segmento dedicado ao exame da questão que nos ocupa, se detém brevemente no material trazido pelo filme "Shame". Para o autor, o enredo nos revela o entrecruzamento que pode se estabelecer entre sexualidade e autodestrutividade, situação que, segundo ele, estaria amplamente presente na subjetividade contemporânea. Ele observa que Brandon não tem profundidade psicológica, sendo possível apenas constatar a intensidade de sua angústia melancólica. Por um lado, está integrado formalmente na vida social de Nova York. Por outro, é consumido pela força de sua adicção. Todavia, essa polaridade seria, no caso, mais paralela do que conflitual, não havendo oposição entre uma e outra, nem consistente dialética entre desejo e interdito. Brandon não fala sobre o seu sofrimento, não sonha, não é atormentado por conflito subjetivo. Apenas age, escravizado por uma força inominável.
Esta falta de profundidade [...] é menos fraqueza do criador do que aspecto da verdade: uma vida contra o dentro, contra o interior, contra tudo o que ameaça abrir a caixa de Pandora... o amor, por exemplo, que se torna o pior dos adversários. Quando uma mulher propõe a Brandon uma relação, [...] é um fiasco (André, 2013, p. 125; tradução nossa).
Estamos de acordo com o referido autor, pois é verdade que, sobre esse ponto, o filme retrata com extrema exatidão o impasse sofrido pelo sex-addict no campo do amor. De acordo com o que relatamos, quando percebe que a sua adicção está fora de controle, após desagradáveis episódios com sua irmã Sissy, Brandon tenta sair da rota destrutiva e seguir um caminho diferente. Convida a colega Marianne para jantar e parece realmente disposto a sair de sua redoma aprisionante para investir numa relação significativa, do ponto de vista afetivo, com alguém. Os dois se empenham e o resultado é inicialmente promissor.
Porém ele não conseguirá se relacionar sexualmente com ela, certamente pelo fato de Marianne possuir valor afetivo para ele, o que em muito difere de suas outras inúmeras parceiras anônimas. Note-se, aliás, que após ela deixar o hotel, cenário da fracassada tentativa, Brandon se entrega às indulgências de sua adicção com uma prostituta. Esse episódio, frustrado no plano da tentativa de verdadeiro encontro com o "outro", não traduz, em sua dimensão mais essencial, uma experiência de impotência sexual, mas, sim, de impossibilidade de vinculação emocional. Seria o sex-addict um "impotente" no campo do amor?
Como propõe André (2013), o apelo imediato que Brandon faz naquele momento a uma garota de programa, com quem o exercício do sexo não é problema, o coloca novamente nos trilhos da autodestruição. A masturbação compulsiva e o consumo exorbitante de pornografia também cumprem a mesma função. O romance, a vinculação ao outro, já representaria uma abertura ao seu próprio mundo interno abertura, ao mesmo tempo, para a alteridade do outro , algo demasiadamente ameaçador. O sex-addict "trava ‘combate sexual’ contra Eros, contra a vida psíquica; evitar que esta se abra, [...] quando a abertura ameaça tornar-se abismo" (André, 2013, p. 95; tradução nossa). Vale questionar aqui qual seria a ameaça em jogo capaz de causar tamanho retraimento da relação objetal. Se abrir-se para o outro equivale à abertura ao próprio mundo interno, por que essa abertura ameaça tornar-se abismo?
Supondo tratar-se de problemática fronteiriça, Estellon (2011) localiza uma base traumática nas determinações da compulsão sexual. Estaria em jogo a tênue questão dos limites psíquicos, particularmente a extrema dificuldade do sujeito de lidar com a proximidade e, especialmente, com o distanciamento e possível perda do objeto. Assombrado pelas angústias relacionais de abandono e intrusão, o sex-addict forjaria em suas práticas compulsivas uma espetacular estratégia fóbica que lhe permite afastar-se do encontro com o outro, tornando inviável a problemática do laço. Em tal configuração, seria melhor a certeza de seu fracasso do que os horrores de sua incerteza.
André Green (1996) argumenta que as defesas dos pacientes fronteiriços, habitualmente implicando profundas regressões da libido a etapas de fixação pré-genital, os protegem de lidar diretamente com os tormentos da relação estabelecida com o outro. Desse modo, a proposta de Green nos parece se adequar muito bem à problemática dos sex-addicts, pois para o sujeito fronteiriço
[...] dar à sexualidade e genitalidade sua importância plena levaria a grandes perigos para si mesmo, tais como a impossibilidade de aceitar a mínima frustração, os tormentos da decepção, as torturas do ciúme, as tempestades de ter de admitir que o objeto é diferente da imagem projetada sobre ele, a desorganização da destruição sem limites, quer do objeto ou de si mesmo em caso de conflito, etc. (Green, 1996, p. 874; tradução nossa).
Como consequência da terrível e iminente possibilidade de desmoronamento subjetivo, o sujeito precisa abdicar inconscientemente de uma relação total, sucumbindo a violentas regressões libidinais que teriam, nesse sentido, a vantagem de protegê-lo da relação plena com o objeto e, subsequentemente, do emaranhado de dúvidas, insatisfações e inseguranças que esta poderia lhe causar. A natureza regressiva dos funcionamentos limites, de suas expressões "acting-out", teria como pano de fundo, essencialmente, as conotações conflitantes dos objetivos genitais como a diferença dos sexos e de gerações, a tolerância à alteridade, o conflito entre desejo e identificação com o objeto, a aceitação da perda do controle no prazer sexual, etc. (Green, 1996).
Ao utilizar o parceiro como espécie de objeto inanimado, tendo o seu anonimato como condição sine qua non para a prática sexual, o sujeito protege-se do sofrimento ligado às angústias primordiais, evitando assim o sentimento depressivo intrínseco às inevitáveis decepções e variações causadas pela relação com o outro. A partir dessa perspectiva, é possível entender como o outro passa a ser consumido, instrumentalizado como objeto de prazer (Estellon, 2011). Esse uso do objeto como prótese teria a finalidade de contrabalançar o impacto extremo que a relação objetal ameaça causar na dinâmica intrapsíquica.
Em conformidade com essa posição, Gurfinkel (2011, p. 191-192) afirma que "a saída adictiva é essencialmente uma via alternativa que substitui a relação com o objeto ali onde ela fracassou, reagindo defensivamente ao estado de dependência inerente à relação". Não se trata apenas de uma autossatisfação patológica, mas de uma independência patológica.
A sexualidade vai na contramão de tudo o que faz a sua originalidade: "a plasticidade, a polimorfia, a temporalidade longínqua do erotismo contra a abreviação da descarga, [...] quando a vida do desejo importa mais do que a sua realização" (André, 2013, p. 95; tradução nossa). Tudo se passa como se o sujeito estivesse submetido à forma mais rudimentar da pulsão: a descarga. Não fica claro aqui se o sexo cura ou destrói.
Contudo, apesar do retraimento da relação objetal implicado na adicção sexual, as suas manifestações não excluem uma dimensão de endereçamento ao outro. É possível reconhecer na "busca desmedida e frequentemente autodestrutiva" do sex-addict "um apelo em direção a um laço de aliança, um pedido para ascender ao amor de objeto" (Estellon, 2005, p. 64; tradução nossa). Não obstante a frieza, o anonimato e a concretude que apresenta, a sexualidade adictiva comportaria em sua realização a esperança de encontro com o objeto idealizado. O sex-addict procuraria inconscientemente o amor.
No que se refere a esse paradoxo, Roussillon (2004a) propõe que os processos intrapsíquicos, mesmo quando aparentemente isolados de um plano relacional, estão profundamente intrincados com o jogo que se estabelece no encontro intersubjetivo. Isso porque a força pulsional não deve ser concebida simplesmente como um imperativo de descarga, sem que se considere que ela sempre comporta e transmite uma mensagem subjetiva, dirigida a outro sujeito.
Numa atuação disruptiva, por exemplo, não se trata apenas de evasão psíquica ou de uma tendência à descarga desprovida de sentido. Haveria nessa circunstância uma mensagem em potencial, em espera de reconhecimento e qualificação por parte de um outro. Dessa forma, o sentido da ação não é dado imediatamente, nem de modo independente da resposta do outro-sujeito, mas construído em função da maneira como este a acolhe, permitindo ou não que as potencialidades latentes da mensagem inicial sejam desenvolvidas.
Nas patologias identitário-narcísicas, o sujeito permanece preso a um circuito pulsional demasiadamente fechado, antecipando inconscientemente forte decepção provinda da rejeição ou indiferença do objeto a seu respeito, transformando assim potencialidade de trabalho psíquico em certeza de fracasso (Roussillon, 2004a). É como se, de certa forma, a força pulsional não encontrasse, e de maneira contínua, um amparo na relação objetal. No caso do sex-addict, a sua imersão no território conhecido da adicção, que o aliena da relação investida no outro como objeto alteritário, pode ser pensada como resposta radical ao fracasso do encontro. Em termos psíquicos, a prisão que se torna a adicção sexual pode ser mais segura do que os horrores de o sujeito se deparar com as oscilações e incertezas inerentes a qualquer vínculo afetivo significativo.
Voltando ao material oferecido pelo filme, é importante frisar que a relação que Brandon estabelece com sua irmã Sissy não é de indiferença ou frieza, mas, sim, de afeição, apesar de toda a angústia que ela lhe causa. Isso serve como exemplo da clivagem radical entre ternura e sensualidade, característica marcante dos casos de adicção sexual, em que o sujeito dirige seus sentimentos ternos apenas a membros da família ou a pessoas com quem jamais poderá se relacionar sexualmente. No campo da sexualidade, o encontro com o outro é, em todos os sentidos, parcializado, regido pelo anonimato e pela não abertura a trocas afetivas, amorosas.
Com base nesses dados, prosseguiremos então em nossa investigação, introduzindo a problemática edipiana nesta discussão, dando particular ênfase aos fatores que atuariam na absoluta clivagem entre afetividade e sexualidade que supomos estar em jogo no processo de escolha de objeto própria aos casos que estamos analisando.
Veto ao amor: clivagem entre ternura e sensualidade
Segundo Estellon (2014), a lógica dos parceiros "em série" na vida do sex-addict vem a responder a certas determinações inconscientes. No pano de fundo da incapacidade de amar o parceiro estaria o apego fetichista a um objeto único e intocável, profundamente conservado. A dependência ao objeto da adicção pode ser entendida como tentativa de se eximir da fixação extrema a um objeto de amor infantil, que hipoteca a vida amorosa do adulto. Não resta espaço para potenciais novos parceiros amorosos. No caso do sex-addict, ele padece de intensa dificuldade para amar e desejar.
De acordo com a teoria freudiana, escolher um objeto para amar implica renúncia, uma experiência de perda estando aí necessariamente em jogo. A renúncia deve incidir sobre os membros da família como objetos exclusivos de investimento erótico e de rivalidade. Residiria precisamente no abandono problemático do Édipo o núcleo do impasse vivido por sujeitos cuja vida amorosa se apresenta imobilizada, como se estivesse "hipotecada" pelo valor persistente dos primeiros objetos de amor.
Em "Sobre a tendência universal à depreciação na esfera do amor", Freud (1912/1996b) investiga casos em que homens com a vida sexualmente ativa não conseguem consumar o ato sexual com mulheres que neles despertem sentimentos de admiração e afeição. Apesar de impotentes sexualmente para com elas, mostram-se extremamente vigorosos com outras cuja avaliação subjetiva é de inferioridade e neutralidade afetiva. Dessa maneira, Freud sugere a existência de complexos psíquicos que atuam de modo inibitório no inconsciente, determinando particular escolha de objeto sexual em que este precisa ser continuamente depreciado. Nesses casos, uma fixação incestuosa na mãe ou na irmã desempenharia papel fundamental. Como consequência, a união necessária entre as correntes terna e sensual da vida psíquica não se realiza de modo eficiente.
No referido texto, a ternura aparece vinculada ao cuidado, ao amparo e à consideração que a criança necessita obter na relação com o adulto, estando ligada às pulsões de autoconservação. A sensualidade, por sua vez, diz respeito ao erotismo infantil que acaba por mesclar-se às relações de ternura, tornando-se parte essencial destas até o desfecho do Édipo, em que haverá separação mais consistente entre aspirações eróticas e ternas. Com a chegada da puberdade, as duas correntes se unem através do renovado vigor da corrente sensual, que já não sofre mais profundo rebaixamento. Esta última jamais deixa de inclinar-se aos caminhos primitivos e investir os objetos da escolha primária infantil. No entanto, a essa altura, se defronta com obstáculos erigidos pela barreira contra o incesto, sendo direcionada a outros objetos.
Contudo, esse redirecionamento nem sempre é bem-sucedido. O fator decisivo para o seu fracasso é a extrema captura inconsciente que a atração pelos objetos primários pode exercer no psiquismo, continuando a existir em igual proporção do investimento erótico depositado neles nos primeiros anos da infância. A totalidade da sensualidade permanece atada a objetos e fantasias incestuosas (Freud, 1912/1996b).
Sendo assim, o amor seria concebível apenas no contexto de relações familiares ou amistosas, pois a convergência entre ternura e sensualidade torna-se "impossível, insuportável, intolerável" (Estellon, 2005, p. 66; tradução nossa). Esse fato é explicitamente observável na história de Brandon, particularmente no que se refere à sua relação com Sissy. Certamente Brandon está vinculado afetivamente à irmã, apesar do desconforto que a sua presença excessiva e demandante lhe causa. Todavia, determinados momentos do filme sugerem algo a mais, certa tonalidade incestuosa na relação entre os dois, mais notadamente numa cena em que Brandon a expulsa agressivamente do quarto após ela deitar-se em sua cama, abraçá-lo intimamente e pedir para dormir com ele.
A fixação edipiana aprisiona a sexualidade, em sua vertente mais profunda, no âmbito dos laços familiares. Se a mãe, o pai, a irmã ou o irmão constituem-se como objeto de amor idealizado ao qual a renúncia é impossível, a clivagem radical entre as correntes terna e sensual pode ser a consequência mais significativa dessa fixação. Por conseguinte, em relações objetais posteriores, quando o sujeito ama, não consegue desejar. Quando deseja, não pode amar. Mostra-se incapaz de realizar o ato sexual sempre que "um objeto, que foi escolhido com a finalidade de evitar o incesto, relembra o objeto proibido através de alguma característica, frequentemente imperceptível" (Freud, 1912/1996b, p. 188-189). Amar o objeto sexual seria equivalente a transgredir a barreira do incesto.
A depreciação do objeto sexual é descrita como medida protetora, que mantém a sensualidade afastada dos objetos de amor. Se habitualmente a supervalorização do objeto sexual é característica comum do encontro amoroso, nessas circunstâncias ela permanece aprisionada ao objeto incestuoso e seus representantes, jamais sendo direcionada à pessoa com a qual o sujeito se dispõe à parceria sexual. Consumando-se a condição de depreciação, a sexualidade pode se expressar livremente, com alto grau de prazer. Observa-se então pouco refinamento nas formas de comportamento amoroso. O sujeito retém suas finalidades sexuais perversas, cuja realização só é possível com o objeto sexual depreciado e desprezado. Torna-se assim impotente para amar novos objetos, apesar de possivelmente a prática da vida sexual continuar sendo exercida de modo compulsivo, como no caso da adicção sexual.
Com a proibição do incesto, o sujeito dirige-se à progressiva autonomia dos objetos primários. É nesse ponto de passagem que não somente o sex-addict mas o adicto, em geral parece sofrer dificuldades. Sim, o desejo incestuoso é interditado, mas a barreira do recalque parece não se consolidar a ponto de permitir efetivamente o acesso a novos objetos. O sujeito não adquire a tão almejada autonomia subjetiva dos primeiros objetos de amor. E, mais significativamente, com a fragilidade da interdição, a estruturação psíquica sofre extremas consequências, a instância egoica permanecendo em situação de constante vulnerabilidade. Para escapar do temido confronto com a sexualidade adulta, objetal, e suas provas, o sex-addict permanece preso à dimensão primária da vida sexual, relacionada à não integração e à não totalização da relação com o objeto no espaço intrapsíquico.
Seguimos Roussillon (2004a/2004b) quando ele sublinha que as formas alienantes de dependência estão relacionadas às formas de prazer sem compartilhamento. Haveria diferença significativa entre o "prazer-descarga" e a satisfação subjetiva que resulta do prazer de encontro com o objeto. A experiência de satisfação é tributária da constituição de um laço suficientemente seguro com o objeto investido e construído subjetivamente, numa etapa inicial, primária, como um duplo de si. Já o prazer ligado à descarga pulsional não produz necessariamente o sentimento de satisfação, sentimento que depende do compartilhamento de afeto, de partilha do prazer.
Na sexualidade adictiva, parece haver justamente recusa ou impossibilidade de trocas intersubjetivas com o parceiro sexual, que é colocado no lugar de mero auxiliar numa prática que visa a anestesiar e apaziguar afetos catastróficos de solidão, desamparo e abandono. Apesar do excesso de práticas sexuais e de trocas íntimas com diversos corpos anônimos, "sem rosto", e apesar da imersão do sex-addict no plano do gozo sexual literal e incessante , o encontro com o outro não resulta em satisfação. O gozo sexual deixa de ser vetor do prazer, passando a servir como expressão de extremo sofrimento subjetivo. "Está aí o paradoxo: mesmo quando se deita com múltiplos parceiros diariamente, o sex-addict se sente isolado. Ao evitar qualquer sentimento, ele termina por morrer de solidão" (André, 2011, p. 109; tradução nossa).
Uma cena notável do filme "Shame" ilustra bem esse fato: após a noite de excessos que culmina no ménage-à-trois com duas prostitutas, a expressão facial de Brandon ao alcançar o gozo sexual não é de júbilo, mas sim de dor, revelando o calvário de sua adicção. A sexualidade adictiva serve como exemplo ímpar da impossibilidade de entrega e de compartilhamento de prazer no encontro com o outro. Nesse impasse, prazer sexual e dor psíquica se confundem, tornando-se indissociavelmente vinculados.
Referências
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Recebido em 01 de outubro de 2015
Aceito para publicação em 13 de julho de 2016